Bolsonaro, ex-ministros militares e aliados são alvo da PF em investigação sobre tentativa de golpe; o que se sabe até agora

Jair Bolsonaro com a mão no queixo

Crédito, Getty

Legenda da foto, O ex-presidente Jair Bolsonaro foi um dos alvos da operação da PF

A Polícia Federal (PF) fez em 8 de fevereiro uma operação para investigar uma organização acusada de "tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito" nos períodos que antecederam e se seguiram às eleições presidenciais de 2022, em uma tentativa de garantir a "manutenção do então presidente da República (Jair Bolsonaro) no poder".

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é alvo da operação Tempus Veritatis, que foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito do inquérito que apura a atuação de milícias digitais.

De acordo com a decisão de Moraes, a PF obteve evidências de que:

  • Bolsonaro teria se envolvido na confecção de uma minuta de decreto com medidas para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PF) e mantê-lo no poder;
  • Militares teriam organizado manifestações contra o resultado das eleições e atuado para garantir que os manifestantes tivessem segurança;
  • O grupo em torno de Bolsonaro teria monitorado os passos de Moraes, incluindo acesso à sua agenda de forma antecipada.

Por ordem da Justiça, ex-presidente teve seu passaporte apreendido e não pode fazer contato com outros investigados.

Nesta quinta-feira (22/2), Bolsonaro compareceu à PF em Brasília para prestar depoimento sobre o caso, mas permaneceu em silêncio diante dos investigadores, informou o advogado Fabio Wajngarten. O ex-presidente ficou menos de meia hora no local.

Wajngarten, segundo o G1, argumentou que o silêncio de Bolsonaro foi uma "uma estratégia baseada no fato de que a defesa não teve acesso a todos os elementos" relacionados às apurações do caso.

Bolsonaro chegou a alegar anteriormente que ficaria em silêncio durante a oitiva e pediu dispensa do compromisso. Mas o pedido foi negado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator do inquérito que investiga a ação de milícias digitais durante o governo bolsonarista.

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Além do ex-presidente, outros aliados dele também compareceram à PF, como o general Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e ex-candidato a vice-presidente; o general Augusto Heleno, ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional); o presidente do PL, Valdemar Costa Neto; o ex-ministro substituto da Secretaria-Geral da Presidência Mário Fernandes e o oficial do Exército Ronald Ferreira de Araújo Junior.

Também prestaram depoimento o ex-comandante da Marinha Almir Garnier; o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira e o ex-ministro da Justiça Anderson Torres.

Em um vídeo publicado nas redes sociais no dia seguinte à operação, Paulo Cunha Bueno, advogado de Bolsonaro, negou que qualquer documento apreendido durante a operação da PF (leia mais abaixo) implique o ex-presidente em envolvimento em um "golpe de Estado".

Em nota obtida pelo jornal Valor, a defesa de Bolsonaro afirmou também que a apreensão do passaporte é uma medida "absolutamente desnecessária e afastada dos requisitos legais e fáticos que visam garantir a ordem pública e o regular andamento da investigação, os quais sempre foram respeitados".

"O ex-presidente jamais compactuou com qualquer movimento que visasse a desconstrução do Estado Democrático de Direito ou as instituições que o pavimentam", assegurou a defesa.

Antes, Bolsonaro disse em entrevista à Folha de S.Paulo: “Saí do governo há mais de um ano e sigo sofrendo uma perseguição implacável. Me esqueçam, já tem outro governando o país”.

Em um post na rede social X, Fabio Wajngarten, advogad e um dos assessores de Bolsonaro, afirmou que o ex-presidente estava em sua casa em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, no momento da operação, acompanhado de um ex-assessor.

Pelo menos nove aliados e ex-ministros de Bolsonaro também foram alvo da PF. Três deles já foram presos preventivamente:

  • Filipe Martins, ex-assessor para assuntos internacionais de Bolsonaro;
  • O coronel do Exército Marcelo Câmara, ex-assessor especial da Presidência e que era investigado no caso da suposta fraude ao cartão de vacinação do ex-presidente;
  • e o major do Exército Rafael Martins de Oliveira, que atuou no batalhão de Forças Especiais da corporação.

Também há um mandado de prisão contra o coronel do Exército Bernardo Romão Correa Neto, que está no momento no exterior.

Ainda foram alvo de mandados de busca e apreensão no círculo de aliados mais próximos de Bolsonaro:

Valdemar da Costa Neto foi preso em flagrante durante a operação por posse ilegal de arma de fogo. Em 10 de fevereiro, o ministro Alexandre de Moraes concedeu liberdade provisória ao presidente do PL, mas com manutenção das medidas cautelares.

A BBC News Brasil procurou a defesa de Costa Neto e de Braga Netto por meio da assessoria do PL e Heleno em seu celular pessoal, mas não obteve resposta.

A reportagem não conseguiu contato com Anderson Torres, Paulo Sérgio Nogueira e Almir Garnier Santos.

Em nota à imprensa, o advogado de Filipe Martins, João Vinícius Manssur, afirmou que a petição que levou à prisão de seu cliente em segredo de justiça e "que não teve acesso à decisão que fundamentou as medidas e que já solicitou o acesso integral dos autos para estudo e posterior manifestação".

Delação de Mauro Cid e minuta do golpe

Retrato de Mauro Cid

Crédito, ANTÔNIO CRUZ/AGÊNCIA BRASIL

Legenda da foto, Delação do tenente-coronel Mauro Cid ajudou a embasar investigação da PF

A operação foi realizada após tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, fechar delação premiada com a PF.

Cid está preso e é investigado por envolvimento na tentativa de golpe e outras denúncias envolvendo o ex-presidente e integrantes de seu governo.

As informações passadas por Cid ajudaram a embasar a investigação que levou à operação desta quinta-feira.

O ex-ajudante de ordens disse na delação que Bolsonaro teria visto a minuta de um decreto que seria usado para subverter o resultado da eleição presidencial de 2022, em que o ex-presidente foi derrotado por Lula.

A minuta teria sido apresentada a Bolsonaro em novembro de 2022 por Filipe Martins, segundo a PF.

A minuta detalhava, segundo a polícia, supostas interferências do Judiciário e decretava a prisão de autoridades, como os ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), além do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

O documento também determinaria a convocação de novas eleições.

Segundo Cid, Bolsonaro teria solicitado a Filipe Martins alterações na minuta e concordado com os termos ajustados, além de convocado uma reunião no dia 7 de dezembro de 2023 com os comandantes das Forças Armadas para apresentar a eles o documento para que aderissem à iniciativa.

Bolsonaro negou por diversas vezes ter conhecimento de uma minuta com esse teor.

Bolsonaro e militares alvos da operação

Crédito, MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

Em um vídeo publicado nas redes sociais de Bolsonaro nesta sexta-feira (9/2), Paulo Cunha Bueno, advogado do ex-presidente, afirma que tomou conhecimento que durante as buscas da PF na sede do Partido Liberal (PL) em Brasília, teria sido encontrado um documento que consiste com a descrição da minuta citada pela PF.

"A defesa do ex-presidente, portanto, vem a público esclarecer que referido documento não se tratava e não vinculava o ex-presidente, de forma alguma, a um golpe de Estado", diz o advogado.

Segundo Bueno, o arquivo digital da minuta já estava nos autos da investigação faz tempo e foi encontrado originalmente no celular de Mauro Cid. A minuta teria sido enviada pela própria defesa ao celular de Bolsonaro em 18 de outubro de 2023, quando ele já não estava mais na Presidência.

A defesa alega ainda que minuta foi impressa porque Bolsonaro acha ruim ler pelo celular e que essa foi essa a impressão encontrada na sede do PL.

'Virar a mesa antes da eleição'

Além disso, em um computador apreendido na residência de Cid, por exemplo, havia um vídeo de uma reunião de Bolsonaro com outros alvos da operação, como Heleno, Torres, Braga Netto e Nogueira, realizada em 5 de julho de 2022.

Moraes cita a reunião em sua decisão que autorizou a operação ao dizer que o episódio "nitidamente, revela o arranjo de dinâmica golpista no âmbito da alta cúpula do governo, manifestando-se todos os investigados que dela tomaram parte".

Na ocasião, o presidente reforçou as suspeitas sem provas de que haveria fraude eleitoral, e os presentes "ratificavam a narrativa mentirosa apresentada pelo então Presidente da República", de acordo com a decisão de Moraes.

Na reunião, Bolsonaro teria instado seus ministros a divulgar "desinformações e notícias fraudulentas quanto à lisura do sistema de votação, com uso da estrutura do Estado brasileiro para fins ilícitos e dissociados do interesse público".

O ex-presidente teria afirmado, no entanto, que as pesquisas estavam certas e que provavelmente Lula ganharia a eleição. Heleno teria respondido que, para "virar a mesa", tem que ser "antes da eleição" e que era preciso “agir contra determinadas instituições e contra determinadas pessoas".

O general também teria, segundo os investigadores, discutido a possibilidade de agentes da Abin se infiltrarem nas campanhas eleitorais, mas Bolsonaro teria interrompido a conversa para que falassem sobre o assunto “em particular”.

Por sua vez, Nogueira teria afirmado que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) seria um “inimigo” com quem o grupo estaria em "guerra".

Nogueira, então ministro da Defesa, teria dito que se reunia com os comandantes das Forças Armadas "para ver o que pode ser feito".

"Que ações poderão ser tomadas pra que a gente possa ter transparência, segurança, condições de auditoria e que as eleições se transcorram da forma como a gente sonha! E o senhor, com o que a gente vê no dia a dia, tenhamos o êxito de reelegê-lo e esse é o desejo de todos nós.”

Lula: 'Não teria acontecido sem Bolsonaro'

O presidente Lula da Silva afirmou na quinta-feira (8/2) que é um "dado concreto" que houve tentativa de golpe no Brasil.

Ao ser questionado, durante entrevista à Rádio Itatiaia, sobre se teria ocorrido envolvimento de Bolsonaro na suposta tentativa de golpe, Lula respondeu: "Acho que não teria acontecido sem ele."

Lula defendeu, no entanto, a presunção de inocência do ex-presidente.

"O que eu acho e que eu quero é que o seu Bolsonaro tenha a presunção de inocência que eu não tive. O que eu quero é que seja investigado e seja apurado. Quem tiver responsabilidade pelos seus erros, que pague seus erros", disse Lula.

"Queremos saber quem é que financiou, quem é que pagou, quem é que financiava aqueles acampamentos, para que a gente nunca mais permita que aconteça o ato que aconteceu no 8 de janeiro."

Por sua vez, o general Hamilton Mourão (Republicanos-RS), que foi vice-presidente de Bolsonaro e atualmente é senador, disse por meio da rede social X que a operação contra o ex-presidente e aliados uma "devassa persecutória".

"Não podemos nos omitir, nem as Forças Armadas, nem a Justiça Militar, sobre esse fenômeno de desmando desenfreado que persegue adversários e que pode acarretar instabilidade no País."

Filho do ex-presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) escreveu na mesma rede social que "a política do Brasil hoje é feita no Supremo Tribunal Federal".

A ex-primeira dama Michelle Bolsonaro fez referência a uma declaração da atual primeira-dama Janja da Silva ao comentar a operação.

Janja havia dito à militância do PT no final do ano passado que "se tudo der certo, logo Bolsonaro vai estar preso".

Em suas redes sociais, Michelle postou: ''Se tudo der certo... Se lembram? Pois bem...''.