A ministra Maria Elizabeth Rocha, do Superior Tribunal Militar (STM), abriu divergência no julgamento desta quarta-feira (18) e votou pela manutenção da condenação dos oito militares do Exército envolvidos nos assassinatos do músico Evaldo Rosa dos Santos e do catador Luciano Macedo. Os dois foram alvos de 257 tiros durante uma operação do Exército em Guadalupe, na Zona Norte do Rio, em abril de 2019.
O julgamento no STM começou em fevereiro, mas na ocasião da primeira audiência a própria ministra Maria Elizabeth pediu vista no processo. Por enquanto, há dois votos para reduzir as penas: do relator, ministro Carlos Augusto Amaral Oliveira, e do revisor, José Coêlho Ferreira.
Em 2021, a primeira instância da Justiça Militar já tinha condenado os militares a penas entre 28 e 31 anos de prisão – a pena maior referente ao Tenente Ítalo da Silva Nunes, que chefiava a ação.
O ministro Carlos Amaral votou pela absolvição dos militares pela morte do músico, por entender que agiram em legítima defesa de terceiros; e pela desclassificação de homicídio doloso (com intenção de matar) para o culposo no caso da morte do catador.
Por isso, a pena do tenente que chefiava a operação passaria de 31 anos e seis meses para três anos e sete meses de prisão. Já os outros militares, condenados a 28 anos, teriam as penas reduzidas a três anos de detenção.
O que defende a ministra Maria Elizabeth?
Nesta quarta, em quase três horas de voto, a ministra Maria Elizabeth rebateu os argumentos do relator e fez apontamentos sobre as abordagens racistas e discriminatórias das forças policias. Maria Elizabeth foi eleita presidente do STM no começo do mês. Primeira mulher no cargo, ela presidirá a Corte militar no biênio 2025-2027.
"O que aconteceu, na realidade, foi um crime militar, baseado na ideia de que homens pretos e pobres em regiões de comunidade são bandidos, e, por isso, devem ser punidos. No total, foram efetuados 257 disparos, o que afasta qualquer possível alegação de legalidade, de licitude ou proporcionalidade no uso da força pelo Estado. E ratifica a violência estatal contra um grupo determinado de pessoas já marginalizadas. Lamentavelmente, o corpo negro é um alvo", afirmou.
A ministra ainda citou a letra de "Ismália", do cantor Emicida.
"Dizer que a conduta não emergiu de um ato de consciência e vontade equivale a negar a verdade real da ação delitiva perpetrada pelos réus. E aqui eu peço aos senhores para uma citação que me chamou muita atenção ao longo da minha realização, quando elaborava esse voto, eu achei muito pertinente, do Emicida, quando ele diz que no Brasil existe pele alva e pele alvo. Isso é o que nós vimos aqui", disse.
Maria Elizabeth contrariou também a tese do ministro Carlos Augusto Amaral, tenente-brigadeiro da Aeronáutica, de "morte impossível". No voto, em fevereiro, Carlos alegou que Evaldo já estava morto antes da segunda rajada de tiros feita pelos militares. Evaldo teria morrido na primeira rajada que atingiu o carro, que o atingiu nas costas.
No entanto, os argumentos contrariam o resultado do laudo pericial indicado pelo Ministério Público Militar. O laudo cadavérico atesta morte instantânea por hemorragia e laceração encefálica, o que condiz com um dos tiros da segunda rajada, que acertou sua cabeça quando o carro já estava parado.
Relembre o caso
O músico Evaldo dos Santos Rosa estava de carro a caminho de um chá de bebê, com outras quatro pessoas, incluindo a mulher, o sogro e o filho de 7 anos. Os militares confundiram o carro dele com o de criminosos e começaram a atirar. Segundo a perícia, 62 tiros atingiram o veículo, sendo que nove deles feriram o músico, que morreu na hora.
O catador Luciano Macedo, que passava na hora e tentava socorrer a família, também foi baleado nas costas ao tentar ajudar as vítimas. Ele chegou a ser levado para um hospital da região, mas não resistiu.
Apesar de a sentença ter determinado a expulsão dos militares do Exército, os réus respondem em liberdade e puderam permanecer em seus cargos até o julgamento do recurso, nesta quinta-feira (19).
A expectativa no STM é a de que o tribunal acolha em maior ou menor extensão o recurso da defesa e reduza a pena dos condenados. Se a decisão da Corte for por desabar a pena dos réus para três anos, eles poderão cumprir a sentença também em regime aberto.
No total, 14 ministros, entre civis e militares, compõem o Tribunal Militar. Após o julgamento, a defesa ainda poderá recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF).
O caso de Evaldo Rosa foi o primeiro em que houve condenação na primeira instância da Justiça Militar. No Superior Tribunal Militar, jamais houve condenação.