Repórter: O prefeito Júlio Coutinho já havia conhecido todo o zoológico do Rio quando foi conhecer o chimpanzé Tião. E os seguranças não puderam fazer nada contra mais uma atitude desaforada. Leandro Resende (narrador): Senhoras e senhores, respeitável público, estamos no zoológico do Rio, no ano de 1982, e a cena é daquelas que só o Rio de Janeiro pode entregar. Repórter: Tião disfarçou e correu em direção ao prefeito. Em uma das mãos, um monte de terra. Leandro Resende: Depois de ser atingido por um monte de terra jogado pelo macaco Tião numa visita ao zoológico, o prefeito do Rio, Júlio Coutinho, passou a mão na cabeça pra tirar a sujeira e perdoou o chimpanzé de temperamento explosivo. Júlio Coutinho: As condições dele melhoram muito.. Ele era ainda mais desconfiado, mais irritado... Leandro Resende: Você acabou de ouvir o trecho de uma reportagem do Fantástico de 82, quando o macaco Tião já tinha 19 anos. Não, eu te juro que esse episódio do podcast não é sobre o reino animal, o circo, nem nada disso. A gente vai continuar falando de política. Mas, pra chegar na eleição pra prefeito de 88, a gente precisa contar a história do macaco que virou celebridade e, depois, político. Sem reality show e sem dancinha no TikTok, o Tião ficou famoso dentro da jaula dele, no zoológico da Quinta da Boa Vista, por ser rabugento e desaforado. Ele era tão difícil, mas tão difícil, que acabou ganhando a simpatia dos cariocas e foi batizado em homenagem ao padroeiro da cidade, já que Tião vem de São Sebastião. O macaco ficou tão famoso que, acredite, foi candidato a prefeito. Repórter: A fama do macaco entrou para o folclore político. Em 88, a turma do Casseta e Planeta lançou ele para prefeito. Tião foi o sucesso da eleição, conseguindo cerca de 400 mil votos. Leandro Resende: Com a falência da cidade decretada pelo Saturnino Braga, como você ouviu no episódio passado, um macaco como candidato e muitos outros perrengues, o Rio de Janeiro foi de novo às urnas em 88. Eu sou Leandro Resende, apresentador da rádio CBN, e vambora pro segundo episódio da nova temporada do podcast "Como Chegamos Até Aqui", com as histórias das dez eleições que vivemos até hoje pra prefeito do Rio. Leandro Resende: Sebastião Alves Paranhos Paiva de Prata é o nome completo do macaco Tião, que foi lançado como candidato à prefeitura do Rio pelo Partido Bananista Brasileiro, uma criação genial do Bussunda ao lado dos amigos do Casseta e Planeta. Bussunda: Olha, em 88, muita gente interpretou como apenas uma campanha de voto nulo e, na verdade, o que fez a gente lançar a candidatura do Tião foi o fato de que o país todo queria eleição para presidente e tinha toda a mobilização para eleição de presidente, que não vingou na época, e logo depois vinha essa eleição para prefeito. Leandro Resende: O Tião foi uma versão bem-humorada do voto de protesto. A galera do Casseta encontrou no zoológico a saída pra reclamar do fato de não poder escolher o presidente. E também criticar uma cidade falida, cheia de problemas. E a campanha do Tião fez barulho. O lançamento da candidatura aconteceu durante uma festa na lona do Circo Voador, em outubro, pouco mais de um mês antes da eleição. Lenine, Léo Jaime e o Ultraje a Rigor estavam por lá, e os slogans eram na linha: “O único preso político brasileiro” e “O político que já está preso”. Leandro Resende: Aqueles eram tempos muito diferentes. A eleição ainda era com voto de papel e a caligrafia precisava estar em dia, já que os cariocas escreviam o nome dos candidatos à mão, daí a possibilidade de lançar um macaco como candidato. Por causa disso, o principal partido da época, que era o PDT, foi pra TV, literalmente, ensinar o povo a votar. Locutor da propaganda eleitoral: Você deve fazer assim: marque primeiramente seu prefeito. Para eleger Marcello, vote 12. 12 é o número do PDT. Garanta seu voto e marque 12 novamente aqui. Depois escreva o número e o nome do seu vereador neste espaço. Todos os números começam pelo 12. Votando 12, você dá a vitória ao PDT. Leandro Resende: Essa propaganda faz parte de um esforço dos políticos do Rio pra lidar com a força do macaco Tião. O que a turma do Casseta fez não foi pouco: de uma vez só, criticaram os políticos da época, a obrigatoriedade do voto e fizeram com que a política tradicional se preocupasse. O então vereador Sérgio Cabral, não o ex-governador e sim o pai dele, chegou a lançar o candidato macaco Simão, aquele que gosta de eleição, numa tentativa de tirar os holofotes do Tião. Mas o personagem não colou tanto... A coisa ficou séria, e os políticos da época se dividiram em dois grupos: um acusava a imprensa de incentivar o voto nulo, e o outro optou por um caminho mais pedagógico e montou uma comissão suprapartidária pra tentar convencer os cariocas a não anularem o voto e escolherem algum candidato - quem quer que fosse. Chegou a hora, então, de te apresentar quem mais entrou nesse picadeiro eleitoral com o macaco Tião. "O Rio vai votar em Marcello Alencar Marcello é sério e nele eu posso acreditar." Leandro Resende: Depois de uma briga intensa no PDT, Marcello Alencar conseguiu vencer as resistências internas e entrou pra disputa. Ele queria voltar a ser prefeito do Rio, já que governou a cidade de 83 a 85. Isso aconteceu porque, na época da ditadura, os prefeitos de capitais eram escolhidos pelo governador, e o Brizola nomeou o Alencar pro cargo nesses anos. “Ele já foi prefeito, foi um bom prefeito. Na época dele, ele fez um bom governo. Eu acho legal Marcello Alencar." "Ele só tem a fazer pela cidade, pela Zona Sul, Zona Norte, qualquer parte." "O meu candidato certo é esse, Marcello Alencar.” Leandro Resende: Se hoje em dia o político eleito lança a campanha pra mais um mandato no dia seguinte da posse, nos anos 80 o que rolava era uma disputa entre os não eleitos pra ver quem iria tentar a sorte no pleito seguinte, porque não existia reeleição ainda. O Saturnino Braga, que tava saindo da prefeitura, queria o Jó Rezende, seu vice, como sucessor. Só que o PDT, leia-se Leonel Brizola, não aceitou, e a dupla rumou pro PSB. Mas o anúncio da falência do Rio implodiu essa candidatura... Voltando pro PDT, uma ala queria o Marcello Alencar, e outra, o jornalista Roberto D’Ávila. E aí coube ao Brizola, como esperado, dar a palavra final. Leonel Brizola: Vamos trabalhar um a um nessa campanha… Para acolher a nossa prioridade maior, aquela que toca no nosso coração, aquela que faz acelerar o nosso pulso. Vamos colocar na prefeitura Marcello Alencar, ajudado pelo Roberto Dávila, para retomarmos, a começar pelo município, o nosso programa dos Cieps. Leandro Resende: Essa é uma fala importante e ajuda a situar o Brizola nessa eleição. Em 88, ele era ex-governador do Rio e amargou uma derrota dois anos antes: seu vice, Darcy Ribeiro, perdeu a eleição de governador. Mas, ainda assim, o Brizola chegou na campanha de 88 ainda muito importante pra política do Rio. Pra você ter noção, o nome dele era citado em todos os debates e o Marcello Alencar era questionado com frequência sobre quem mandaria na cidade, caso fosse eleito. Marcello Alencar: Brizola vem pela importância que ele tem na política, por ser o líder do nosso partido. Ele realmente vai participar, sim, do nosso programa, é uma exigência nossa, das necessidades de nosso partido. Leandro Resende: A tal polarização que a gente tanto fala hoje em dia também já era uma realidade naquela época. De um lado, tínhamos o PDT, e do outro, o PL. Não o PL de hoje, do Valdemar Costa Neto e do clã Bolsonaro. Mas do Álvaro Valle, que nunca foi prefeito, mas foi deputado quase que sem interrupções entre as décadas de 60 e 90, e já falava "contra tudo isso que tá aí": Álvaro Valle: Essa campanha está polarizada entre dois candidatos apenas. O Rio vai escolher entre a ordem e a desordem. O Rio vai escolher entre uma administração honrada e entre "isso que está aí". O Rio vai escolher entre a seriedade e administradores que não são sérios, entre o futuro e o passado. Leandro Resende: Foi também em 88 que, pela primeira vez, o Partido dos Trabalhadores lançou uma candidatura competitiva pra disputar a prefeitura do Rio. E agora eu vou deixar uma voz bem conhecida apresentar o candidato deles... Lula: Contra a nova república e a aliança democrática, contra a ida ao colégio eleitoral, contra a política econômica do governo. Vocês se lembram da luta do PT intransigente em defesa da luta da classe trabalhadora? Ajude o PT a ajudar você. Ajude o PT a continuar lutando. Dia 15 de novembro, nós vamos precisar de você. Vote em Jorge Bittar. Vote nos vereadores do PT. Leandro Resende: Esse Lula que lançava Jorge Bittar pra prefeitura do Rio era um dos deputados da Assembleia Nacional Constituinte e, lá, ele cruzou com uma figura que já era famosa na época e que, anos depois, chegaria a ameaçar a reeleição do petista pra presidência da República. Eu tô falando do Roberto Jefferson, que, muito antes de se consolidar como protagonista de vários escândalos, era apresentador de TV, deputado, antibrizolista e candidato à prefeitura do Rio pelo PTB em 88. E a pauta dele naquela época já era, no mínimo, absurda: Roberto Jefferson: E aqui no Rio de Janeiro, nós temos lido nos jornais que crianças, ainda hoje, no século XX, às vésperas do ano 2000, tem sido sacrificadas em rituais satânicos. Nós vamos fiscalizar. Nós vamos combater esses excessos que têm levado ao sacrifício vidas humanas inocentes de crianças em rituais de magia negra, como está acontecendo agora na nossa cidade e no Brasil. Leandro Resende: Mas, mesmo fazendo barulho, o Roberto Jefferson ganhava poucos votos, e tudo no Rio, como em 85, continuava girando em torno do Brizola. Essa eleição misturava dois sentimentos: a antipolítica e o antibrizolismo. A antipolítica aparecia no bom humor, com o macaco Tião. E o antibrizolismo ficava evidente quando tantos candidatos se juntavam numa mesma direção, pra tentar evitar que mais um apadrinhado de Brizola se tornasse prefeito do Rio. Propaganda eleitoral apócrifa: E aí, doutor Marcelo, como é que o seu PDT, o verdadeiro campeão de falências, explica isso? Confesse! Leandro Resende: Nesse cenário, o PDT tentava inverter o jogo. Escuta só esse trecho de um debate em que o Marcello Alencar acusava o candidato do PMDB José Colagrossi, que também se vendia como o único capaz de derrotar o ex-governador, de ser, na verdade, fã do pedetista. Marcello Alencar: Eu me recordo como ele cotovelava a gente nos palanques em que Brizola estava, para fazer, ele, Colagrossi, o seu discurso em que destacava a personalidade do governador Brizola tudo que ele é: um grande líder nacional, grande líder internacional, um semideus para Colagrossi… Colagrossi: Que mentira! Leandro Resende: Mas nem a antipolítica nem o antibrizolismo venceram. Marcello Alencar foi eleito prefeito do Rio no dia 15 de novembro de 1988, com 41% dos votos. Marcello Alencar: Serei guiado pelo povo nas minhas decisões maiores. O PDT, o nosso PDT, existe nessa tensão de representar as aspirações, a vontade de transformação do nosso povo. Leandro Resende: Em segundo, ficou Jorge Bittar, com 23%, e em terceiro, Álvaro Valle, com 16%. O macaco Tião recebeu 400 mil votos, o que era muita coisa e o deixaria num inacreditável terceiro lugar. Pra você ter ideia, o Marcello Alencar teve 998 mil votos; o Bittar, 552 mil; e o Álvaro Valle, 393 mil. Como esperado, o TRE acabou anulando todos os votos no macaco. Agora voltando aos humanos de 88... A gestão Marcello Alencar foi marcada, sobretudo, pela organização da Rio 92, um megaevento que trouxe a discussão climática pro Rio de Janeiro, e pelo projeto que remodelou a orla da cidade, com os quiosques e o famoso calçadão de pedra portuguesa. Ele também abriu espaço pra chegada de um novo protagonista da política carioca, que seria importante na eleição seguinte, em 92, até pelo menos 2008. Eu tô falando de um cara que pedia sorvete no açougue e ia de sobretudo pra praia. O rei dos factoides. Eu te conto mais sobre ele na semana que vem... Cesar Maia: Eu sou brasileiro, sou carioca e sou botafogo. Portanto, yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay. Leandro Resende: A maioria dos áudios desse episódio é do acervo mantido pelo Laboratório de Estudos Eleitorais, de Comunicação Política e Opinião Pública, mantido pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ. A coordenação do projeto é da professora Argelina Figueiredo. O episódio também usou áudios das rádios CBN e Globo, da TV Globo e da propaganda eleitoral da época. O roteiro é meu, Leandro Resende. A pesquisa é minha, da Kely Morais, da Thais Lotufo e da Júlia Mitke. E a edição é da Olivia Haiad. Já a montagem e a sonorização foram feitas por Cláudio Antônio e Bárbara Falcão. Ouça todos os episódios da temporada São Paulo, 2020: Estado de saúde 4/10/2024 21min Rio, 2020: Saudade do ex 4/10/2024 22min São Paulo, 2016: O gestor 27/9/2024 17min Rio, 2016: A tempestade perfeita 27/9/2024 22min São Paulo, 2012: Empate triplo 20/9/2024 19min Ver todos os episódios Mais recente Próxima ‘Como chegamos até aqui’: leia roteiro do episódio das eleições de 1988 em São Paulo