Como Chegamos Até Aqui
Por — Rio de Janeiro

Leandro Resende (narrador): O ano era 1985, e o Brasil vivia o fim da ditadura militar. O Sambódromo do Rio tinha acabado de ser inaugurado, e a escola Caprichosos de Pilares dava o tom: o povo queria votar.

"Bota, bota, bota fogo nisso

A virgindade já levou sumiço

Quero votar!

Diretamente, o povo escolhia o presidente

Se comia mais feijão

Vovó botava a poupança no colchão

Hoje está tudo mudado

Tem muita gente no lugar errado."

Leandro Resende: Esse samba, que hoje é parte do repertório afetivo do carnaval do Rio, resume uma angústia que a cidade, na verdade, o país viveu no ano anterior.

Em 84, milhares de pessoas foram às ruas pra exigir que a eleição de 85 pra presidente fosse pelo voto direto. Tava todo mundo saturado dos anos de chumbo, e muita gente conhecida se engajou naquela campanha...

Jornalista: Esse pró-eleições diretas foi aberto com uma homenagem ao senador Teotônio Vilela. Todos cantaram a música Menestrel de Alagoas, puxada pela cantora Fafá de Belém. Depois começaram as apresentações de discursos de artistas e políticos. Estavam lá Chico Buarque de Holanda, Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Alceu Valença e muitos outros.

Leandro Resende: Não rolou eleição direta pra presidente, mas nem tudo tava perdido. Pelo menos a cidade do Rio conseguiu algo inédito em 85. Os cariocas puderam, finalmente, escolher o seu prefeito. Como isso aconteceu eu vou te explicar mais pra frente. Antes, deixa eu me apresentar.

Eu sou Leandro Resende, apresentador da CBN, carioca do bairro do Catete. Nos últimos meses, eu mergulhei no acervo da rádio e em arquivos públicos e privados, pra poder contar pra você a história de cada uma das dez eleições pra prefeito que a cidade do Rio já viveu, de 85 a 2020.

A cada semana, eu falar sobre uma dessas disputas, pra gente entender, afinal, "Como Chegamos Até Aqui". Ah, e aqui no feed do podcast tem um outro Leandro, o Gouvêa, meu xará, que vai contar a história das eleições de São Paulo.

A gente tem uma longa jornada pela frente, são 35 anos de política, a partir de agora.

Até pouco tempo atrás, esse ato de cidadania tão rotineiro que é votar era uma grande novidade. E não só pelo fato de termos vivido uma ditadura. Foram 420 anos até que a cidade do Rio, enfim, tivesse seu primeiro prefeito escolhido pelo voto popular.

Isso porque, no século 16, quando a cidade foi criada, a administração era dos governadores gerais. Depois, vieram os vice-reis, aqueles que a Coroa portuguesa identificava como nobres. Já na década de 30, os prefeitos eram escolhidos pela Câmara de Vereadores. Fomos capital do Brasil, viramos estado da Guanabara, teve a fusão na década de 70 e, ufa, voltamos a ser cidade. E nada desse rolé de prefeito escolhido pelo povo sair do papel... Isso só foi acontecer mesmo com o fim da ditadura.

Só que, como eu disse na abertura desse episódio, as pessoas queriam escolher primeiro o presidente do Brasil. E não eram só artistas engajados nessa campanha, não. A classe política se envolveu também, e um gaúcho muito conhecido que chegou a ir pro exílio durante a ditadura foi uma voz bastante ativa.

Brizola: Vamos ver como isso é possível. As diretas devem ser permanentes. Que é o melhor para o povo brasileiro. Nós perguntamos se é o melhor para o povo brasileiro. Por que não agora? Por que não já?

Leandro Resende: Os mais antigos já sacaram de quem é essa voz. Aos mais novos, apresento pra vocês o Leonel Brizola, então governador do Rio e figura muito importante pra gente entender a política fluminense.

O Rio escolheu Brizola governador em 82, na primeira eleição direta pro cargo desde 65. Ele era do recém-criado PDT e, junto com ele, venceu a corrida pro Senado o Saturnino Braga, que era do mesmo partido e também tava no palanque das Diretas.

Locutor: O senador Saturnino Braga é engenheiro e economista. Foi deputado federal pelo antigo Partido Socialista. No Senado, participa dos debates dos grandes temas nacionais e tem criticado de forma profunda e competente a política econômica do governo.

Leandro Resende: Esses dois, Brizola e Saturnino, são os grandes protagonistas desse episódio, mas formaram uma dupla por conveniência. Os dois nunca foram muito próximos no PDT, mas o partido não tinha outro nome relevante pra disputar a prefeitura do Rio em 85. E o Saturnino tinha algo que o governo realmente precisava: voto, afinal, tinha sido eleito senador em 74 e 82. Agora, ele tentava seu primeiro cargo no Executivo.

"Cabeça feita, homem leal, verdadeiro

O melhor é Saturnino para o Rio de Janeiro

É carioca da gema, conhece o Rio de cor

De Santa Cruz a Ipanema

É Saturnino o melhor, é o senador de respeito

Tudo que diz ele faz

Vai ser o nosso prefeito"

Leandro Resende: Em todo o país, nenhuma outra cidade teve tantos candidatos a prefeito como o Rio naquele ano: eram 20 políticos disputando. E, entre esses nomes, o principal oponente do Brizola, quer dizer, do Saturnino, era alguém com um pé na política e outro no rock.

Quando se fala em 85, é inevitável esbarrar na primeira edição do Rock in Rio. E ninguém menos que o irmão do empresário Roberto Medina, criador do festival, resolveu concorrer à prefeitura. O Rubem Medina era sócio do Roberto na produtora que criou o Rock in Rio, mas também tinha uma carreira na política. Ele vinha de vários mandatos como deputado federal e, em 85, tentava o cargo de prefeito pelo PFL, que hoje nem existe mais, mas na época era o sucessor da Arena, o partido aliado ao regime militar.

E vale te contar também que a disputa pela prefeitura do Rio tinha ainda o cara que criou esse bordão aqui:

"DEZ, NOTA DEZ!"

Leandro Resende: Você pode não saber quem é, mas com certeza conhece muita gente que ele revelou pro grande público. Seu nome é Carlos Imperial. Ele era vereador pelo PDT, eleito em 84, depois de uma vida de muita agitação cultural ao apresentar pro mercado fonográfico nomes como Roberto e Erasmo Carlos, Wilson Simonal, Elis Regina… E muitos outros.

Imperial era conhecido pelo temperamento forte e na propaganda eleitoral, isso ficou muito evidente.

Imperial: VAI DAR ZEBRA! REPETE COMIGO: VAI DAR ZEBRA!

Leandro Resende: Numa era em que a grande novidade era a propaganda na TV, ele se colocava na frente de várias mulheres, de camisa listrada, e ligava a metralhadora de ataques.

Imperial: Vamos falar dos candidatos. O Medina não votou nas Diretas, votou contra as Diretas. Votou contra o seu salário! O Saturnino, eu vou explicar a vocês... O Brizola me chamou um dia. E disse: 'ele não conhece nada do Rio de Janeiro. Ô Imperial, leva o Saturnino para conhecer o Rio de Janeiro. Ele é de Niterói!'.

Leandro Resende: E olha, não é só hoje em dia o cenário nacional influencia na disputa carioca. Saiba que em 85 isso também ocorreu. E de um jeito… Era uma eleição sem urna eletrônica, sem reeleição e na qual criar um partido era mais fácil do que hoje em dia. Daí, aproveitando a comoção nacional com a morte do Tancredo Neves, o Imperial saiu candidato pelo PTN, o Partido Tancredista Nacional, criado por ele próprio.

Carlos Imperial: Durante a doença de Tancredo, me surpreendi ajoelhado no meu quarto diante do aparelho de TV, rezando pela vida de Tancredo. E nós chegamos à conclusão que se Tancredo Neves morreu a sua filosofia política merece ser implantada aqui no Brasil. Por isso, o tancredismo. Assim como depois da morte de Cristo surgiu o cristianismo, após a morte de Tancredo surgiu o tancredismo.

Leandro Resende: E olha que o Imperial nunca tinha encontrado o Tancredo Neves na vida...

O cenário que se desenhava era de todos contra a dupla Brizola-Saturnino - e até a esquerda partiu pra cima do governador. O candidato do PSB, Marcelo Cerqueira, por exemplo, responsabilizou Brizola pelo clima hostil daqueles dias, ao denunciar que sua campanha era alvo de ações de repressão por parte da Polícia Militar, a mando do governador.

Já o PDT, aproveitando a força que o Brizola tinha pro bem e pro mal, colocou o governador na propaganda na TV. Durante o programa do Saturnino, ele acusou o Rubem Medina de ter atuado contra a emenda que devolveria o voto direto aos brasileiros. E levou a seguinte resposta, registrada no jornal "O Globo" e lida agora pelo meu colega de CBN Thiago Barbosa:

Thiago: “Governador, seu partido foi o único neste país a defender a prorrogação do mandato do Figueiredo. E o senhor pretende falar em democracia?”

Leandro Resende: E não parou por aí, não. Ao perceber que o Medina tinha uma série de apoios no empresariado e podia crescer, o Brizola mandou circular um anúncio nos jornais em que fazia várias críticas a ele.

Esse discurso anti-Brizola era vocalizado por outros candidatos, mas os ataques do Medina se destacavam porque ele tava em segundo nas pesquisas. No último discurso da campanha, na Cidade de Deus, ele fez um apelo aos colegas de disputa: 

Thiago: "O Rio pertence a todos nós que amamos esta terra. Por isso, faço um convite público a Jorge Leite, Marcelo Cerqueira, Álvaro Valle. Vamos renascer a cidade maravilhosa. O desafio que nos espera não comporta um sabe-tudo autoritário."

Leandro Resende: Mas essa estratégia de tentar unir a oposição não deu certo...

No dia 15 de novembro de 85, Saturnino Braga tornou-se o primeiro prefeito eleito do Rio, com 42% dos votos. Naquela época, não tinha segundo turno, que foi algo que só veio com a Constituição de 88. O Rubem Medina ficou em segundo, com 18%, e o Carlos Imperial, apesar de todo o barulho, terminou em oitavo, com 1,2% dos votos.

Existia um lugar no Centro do Rio, ali na Cinelândia, que, de tanto reunir apoiadores do PDT, recebeu o apelido de “Brizolândia”. Foi lá que o Saturnino discursou pela primeira vez como prefeito, e disse o seguinte:

Thiago: “Não serei um mero delegado do governador, mas isso não significa que não atuamos em harmonia com o governo estadual. É uma grande felicidade uma população conseguir ter prefeito e governador do mesmo partido, perseguindo os mesmos ideais.”

Leandro Resende: Estar à sombra do Brizola acabou atrapalhando o Saturnino. Os problemas entre os dois começaram ainda na campanha e, logo no início do mandato, o prefeito reclamava de falta de autonomia.

Apresentador: E você brigou com o Brizola, Saturnino?

Saturnino: E briguei na hora errada... porque... veja bem, o Cesar Maia e o Marcello Alencar também foram brizolistas que brigaram com Brizola, mas deixaram findar o mandato. Ao fim do mandato, brigaram e saíram. E eu cometi o erro de brigar no meio do meu mandato de prefeito.

Apresentador: Você se arrepende?

Saturnino: Me arrependo.

Leandro Resende: Sem o apoio de quem o ajudou a chegar lá, sem o auxílio do governo federal, e num cenário em que se falava muito pouco de responsabilidade com as contas públicas, não restou alternativa. Na TV, em 15 de setembro de 88, Saturnino avisou que a cidade estava falida.

Hoje ele tem 95 anos, mora num apartamento no bairro do Leblon, na Zona Sul do Rio, e lembra de tudo que viveu. Saturnino me recebeu no começo da pesquisa desse episódio e, durante a conversa que tivemos, reconheceu que ficou marcado como o prefeito que faliu o Rio.

Mas uma honra ninguém tira dele:

Leandro: Nunca antes tinha tido nenhum prefeito eleito, né?

Saturnino: Eleito pelo povo, não. Era uma regra constitucional, o prefeito era nomeado pelo governador. Era um secretário do governo para os assuntos da capital. E a Constituição mudou isso, e passou a entender que a prefeitura deveria ser escolhida pelo voto popular.

Leandro: Isso é motivo de orgulho para o senhor?

Saturnino: Certamente. É um fato histórico, motivo de orgulho.

Leandro Resende: Deixamos o Rio assim: depois de uma eleição com 20 candidatos, a cidade foi assumida por um brizolista e… faliu. Na disputa seguinte, o carioca, que perde a paciência mas não perde a piada, decidiu apostar as fichas no número 17. E eu não tô aqui falando de nenhum partido político, não: 17 é o número do macaco no jogo do bicho.

Repórter: Tião disfarçou e correu em direção ao prefeito. Em uma das mãos, um monte de terra.

Leandro Resende: A gente se vê em 1988!

Leandro Resende: Esse episódio usou áudios do acervo da rádio CBN, da TV Globo, TV Cultura, TV Manchete, TV Câmara Rio, e também cedidos pelo jornalista Denilson Monteiro e do portal mantido pelo pesquisador José Marques Neto. A pesquisa é minha, da Kely Morais, da Thais Lotufo e da Júlia Mitke. O roteiro também foi feito por mim, e a edição é da Olivia Haiad. Já a montagem e a sonorização foram feitas pela Bárbara Falcão e pelo Claudio Antonio.

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