Livros

Por Lúcia Gurovitz


Porta criada por Joaquim Tenreiro em 1955 para uma casa projetada por Miguel Juliano – a peça hoje integra a coleção Flávia e Eduardo Steinberg — Foto: Ruy Teixeira
Porta criada por Joaquim Tenreiro em 1955 para uma casa projetada por Miguel Juliano – a peça hoje integra a coleção Flávia e Eduardo Steinberg — Foto: Ruy Teixeira

Em uma publicação sobre o período mais profícuo do design nacional, é natural que os móveis sejam os protagonistas. Mas e se o cenário e os coadjuvantes forem tão interessantes quanto? Ao criar os ensaios para o livro Horizonte Ampliado – Design Moderno Brasileiro (Editora Olhares, 2023, 272 págs.), o fotógrafo Ruy Teixeira se esmerou em retratar peças emblemáticas, como as poltronas FdC1, de Flávio de Carvalho, e as cadeiras Sesc Pompeia, de Lina Bo Bardi, em diálogo com a arquitetura, os objetos e as obras de arte do entorno. “Escolho o que será mostrado, mudo coisas de lugar e faço as composições. Gosto de montar meus altares de contemplação”, afirma Ruy. Concebido em parceria com o historiador Jayme Vargas, autor dos textos, o livro adentra casas de colecionadores e procura captar a essência do mobiliário moderno em ambientes contemporâneos. “Os móveis expressam a época na qual havia um ideal de modernização do país em todos os setores da sociedade, e o design seria o modo como essa transformação positiva chegaria à vida cotidiana”, explica Jayme.

 A capa do segundo livro sobre mobiliário moderno brasileiro que Ruy Teixeira e Jayme Vargas lançam juntos exibe escultura de Liuba e poltrona FdC1 (anos 1950), de Flávio de Carvalho — Foto: Divulgação
A capa do segundo livro sobre mobiliário moderno brasileiro que Ruy Teixeira e Jayme Vargas lançam juntos exibe escultura de Liuba e poltrona FdC1 (anos 1950), de Flávio de Carvalho — Foto: Divulgação

Galerias especializadas na produção que vai dos anos 1940 aos 1970 – dez brasileiras e seis estrangeiras – também ganham as páginas, em uma demonstração de que extrapolaram sua função comercial para assumir um papel expositivo e de pesquisa.

Poltronas de autoria desconhecida, produzidas pelo Liceu de Artes e Ofícios (anos 1950), na sede da Nilufar, em Milão – os aparadores, espelhos e vasos foram criados por Flavie Audi, em 2022. — Foto: Ruy Teixeira
Poltronas de autoria desconhecida, produzidas pelo Liceu de Artes e Ofícios (anos 1950), na sede da Nilufar, em Milão – os aparadores, espelhos e vasos foram criados por Flavie Audi, em 2022. — Foto: Ruy Teixeira

Recheado de histórias que o leitor frui aos poucos, absorvido pela riqueza de informações, o livro é a continuação de Desenho da Utopia (Editora Olhares, 180 págs.), que Ruy e Jayme lançaram em 2016. Quando os dois se conheceram, em 2012, durante uma reportagem da Casa Vogue, o fotógrafo havia acabado de retornar ao Brasil após 25 anos em Milão e encontrou por aqui um movimento de revalorização da mobília moderna, iniciado na década de 1990. Jayme, por sua vez, já era um estudioso do tema. O título anterior da dupla registra o momento de ascensão e fala da importância de nomes como Geraldo de Barros, Jorge Zalszupin, José Zanine Caldas e Sergio Rodrigues para a cultura nacional.

Estante de Abraham Palatnik (anos 1950), no acervo da Mercado Moderno, uma das dez galerias brasileiras retratadas no livro — Foto: Ruy Teixeira
Estante de Abraham Palatnik (anos 1950), no acervo da Mercado Moderno, uma das dez galerias brasileiras retratadas no livro — Foto: Ruy Teixeira

“Eles buscavam tornar o design acessível, daí a menção à utopia. Contraditoriamente, os móveis desses pioneiros atingiram preços exorbitantes nos mercados interno e externo”, comenta Ruy. Horizonte Ampliado trata do amadurecimento das coleções particulares e da busca de novos caminhos. Desta vez, a edição contou com o respaldo da Associação Mobiliário e Design Moderno Brasileiro (AMDMB ), presidida por Jayme, que reúne uma parte das galerias inclu- ídas na publicação e cujo objetivo é promover e preservar o legado da época.

Na coleção Esther Faingold, cadeiras Sesc Pompeia, de Lina Bo Bardi com a colaboração de André Vainer e Marcelo Ferraz (anos 1980), ganham a companhia de trabalhos de Julio Le Parc (atrás do sofá), Tunga (sobre o piso) e Esther Faingold (no centro da imagem) — Foto: Ruy Teixeira
Na coleção Esther Faingold, cadeiras Sesc Pompeia, de Lina Bo Bardi com a colaboração de André Vainer e Marcelo Ferraz (anos 1980), ganham a companhia de trabalhos de Julio Le Parc (atrás do sofá), Tunga (sobre o piso) e Esther Faingold (no centro da imagem) — Foto: Ruy Teixeira

Mesmo para dois autores bastante familiarizados com o assunto, a confecção do livro reservou algumas surpresas. Ruy cita, por exemplo, a coleção Flávia e Eduardo Steinberg, composta de móveis e painéis desenhados por Joaquim Tenreiro para uma residência projetada por Miguel Juliano em 1955. “Fiquei especialmente impressionado com uma porta maravilhosa no interior da casa. Tenreiro era um artista genial”, afirma o fotógrafo. Jayme lembra das reflexões e novos panoramas provocados pelas conversas que deram origem aos textos. “No Brasil, não é comum que a gente associe o mobiliário moderno do país a linhas orgânicas. Mas a Nina Yashar, proprietária da galeria Nilufar, em Milão, ressaltou essa característica”, recorda.

“Nossa produção semiartesanal da época possibilitava a existência de curvas que, no modelo industrializado europeu, haviam sido abolidas. Um olhar de fora consegue traçar essa comparação”, completa. Outros fatores encantam os galeristas estrangeiros: a beleza e a diversidade das madeiras e a alta qualidade da manufatura. Ao longo do livro, em várias ocasiões, surge a ideia de que o design brasileiro do período é tão profuso que ainda há descobertas a serem feitas. “Alguns ensaios fotográficos trazem peças de autoria anônima, produzidas pelo Liceu de Artes e Ofícios e empresas como a Móveis Cimo. Trabalho atualmente numa pesquisa para identificar esses criadores”, detalha Jayme. Uma investigação que promete revelar personagens desconhecidos da nossa cultura material. Aguardamos os desdobramentos.

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