Enquanto o mundo celebra o slow design, esta casa reforça os conceitos de liberdade e a paciência de observar processos lentos. Em Delaware County, na Pensilvânia, Estados Unidos, a duas horas de Manhattan, o fotógrafo Bico Stupakoff encontrou seu santuário. O ano era 2018. “Escolhi porque não tem ninguém perto”, diz. De fato, o silêncio é interrompido apenas pelos cavalos, os grilos e as galinhas, que dormem no piso de baixo. “Às vezes, escuto uma patada no meio da noite”, conta o proprietário, que vive em viagens pelo mundo – a proximidade do local com o aeroporto não passou despercebida.
Bico cresceu brincando em meio às câmeras e filmes de seu pai, Otto Stupakoff, primeiro fotógrafo de moda no Brasil. Logo, foi natural a confluência entre a admiração por ele e o desejo de se expressar por meio da fotografia. Aos 18 anos já clicava para revistas nacionais como a Quatro Rodas – fanático por carros antigos, chegou a fazer um livro sobre o tema. Pouco tempo depois, vivendo em Nova York, trabalhou com Mario Testino e Bruce Weber, entre outros grandes nomes. Não demorou a ter carreira solo e fotografar ensaios para a Vogue Brasil. “Recebia malas de roupas aqui nos Estados Unidos, fazendo tudo acontecer com modelo, produtor...”, recorda.
Outro momento emblemático na carreira de Bico, que é Victor só no passaporte: o ensaio nu de Ariadna Arantes. Decidiu usar a câmera do celular, em uma disrupção da transição para o digital que a fotografia vivia pós-2008. “Ninguém queria fotografá-la, talvez por ser uma transexual. Gosto quando as pessoas rejeitam um trabalho e você faz algo maravilhoso. Vi uma luz incrível e foi um sucesso. A luz é a coisa mais importante para um fotógrafo, é como a tinta para os pintores de tela”, reflete.
Entre idas e vindas por vários lugares, sossegou nessa propriedade rural de cerca de 90 mil m². “Havia a casa principal e esse celeiro detonado. Antes do lockdown, convidei minha filha, o namorado dela e meu filho para ficarem aqui. Quando tudo fechou, vi que o local onde se guardava o feno para os cavalos daria um bom quarto”, lembra. “O começo foi a parte mais difícil. Depenamos uma estrutura forte de 1830, onde os holandeses secavam tabaco e enrolavam charutos no passado, vendidos a 1 centavo de dólar.” Pouco a pouco, Bico comprou os materiais de construção na região e viu muitas pessoas migrarem para perto, atraídas pela paz – Yoko Ono tem um refúgio a 20 minutos dali.
A referência de Bico era a atmosfera de um loft adaptado à cena rural, o que explica as janelas amplas que encomendou. O piso de castanheiro-branco formou a base, e o corrimão da escada veio de uma longhouse (construção longa e estreita, de um único cômodo, para habitação comunitária) de indígenas americanos. “Não quis nada novo. Alguns móveis são de 1800, outros construo ou compro em antiquários, leilões, e outros peguei no lixo”, comenta, citando a luminária de Isamu Noguchi que ele desejava para a sala e incrivelmente estava no descarte da vizinhança – com assinatura e tudo. Na sala, várias telas e esculturas do pai. O restante é adquirido durante as viagens.
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Pode ser que você cruze com Bico em alguma estrada do Brasil, a bordo de sua caminhonete velha, para encontrar a filha. “Coloco meu chapéu de palha e fico de olho em tudo. Sempre trago objetos de beira de estrada.” É pisar de volta na chácara americana, porém, e ele se dá conta: “Durmo melhor aqui do que em qualquer hotel do mundo. Sempre vem o sentimento de ‘olha o que eu tenho’”.
*Matéria originalmente publicada na edição de agosto/2024 da Casa Vogue (CV 464), disponível em versão impressa, na nossa loja virtual, e para assinantes no app Globo Mais.