A Galeria Botânica é um lugar de transmutação. Uma plataforma criativa para reunir pensamentos diversos a partir do encontro, da espacialidade e das intenções artísticas em sinergia. É também um ateliê para potencializar a percepção a partir do contorno e vibração da natureza. O que os olhos enxergam, a pele filtra como estímulo que faz seu percurso pelo corpo. Esse tem sido o nosso maior desafio: alinhar a produção comercial de arranjos florais e projetos de cenografia à ebulição de ideias constantes. Como um espaço vivo.
Em um mundo de processos automatizados, produtos fabricados em grande escala, provoco a pensar com o corpo todo e a resgatar a natureza de cada um nas criações da vida. Por isso, quando surgiu o convite do Lauro Andrade, idealizador da Design Weekend, para incluir a Galeria no mapa da maior semana de design urbano de São Paulo, a DW!, não pensei duas vezes: convoquei alguns artistas do país para o que chamamos de "Atravessamentos". Um processo compartilhado que extrapolou a noção do que é arte floral, até então, exibido na história do evento. A metamorfose orgânica de um fazer inesperado.
A flor pode estruturar um arranjo, mas não se trata disso. A ideia do coletivo era justamente escancarar a paisagem, transcender os pensamentos para as materialidades eclodirem e desestabilizarem, de certa forma, preconceitos - como o de transformar a pele em tela. Assim Yuri Leal, artista visual e fundador da The Gallery em Amsterdã, marcou sua passagem pela Galeria. Com a proposta de elevar a tatuagem ao status da arte contemporânea. É pintura do - e no - corpo.
A beleza ordinária do upcycling para ressignificar os materiais vivos. O artista mineiro Romildo Ferreira demonstrou a habilidade de outrora, na técnica ancestral de tecer que aprendeu com a família, nas pontas dos dedos conjugando estéticas estruturadas em tecidos e folhas secas. Como mantos, com aconchego, com o poder do toque e o movimento sincronizado à máquina de tear, que acompanha gerações do clã.
Das paisagens que habitam a artista Cris Conde, da Cris Conde Galeris, outras miragens aparecem. A conexão com a Mata Atlântica, nos últimos anos, estabeleceu novas rotas do pincel. "Faz um ano que absorvi a mata em mim e ando extravasando no meus quadros", conta Cris. E ela extravasou, de fato, linhas sinuosas nos desenhos acomodados em pequenas cerâmicas, utilizadas para customizar a poltrona Peacock da Biasá Home. Além dos vasos pintados especialmente para a DW, a partir de um processo transmitido em uma live painting no nosso jardim.
Pelos caminhos dos sentidos corporais, a Lènvie lançou uma experiência aromática com suas fragrâncias naturais em parceria com a Galeria Botânica, transportando para o contexto urbano os aromas dos biomas brasileiros. Os atravessamentos seguiram na confecção de esculturas botânicas criadas por nós.
A designer floral catarinense Juliana Hames tridimensionou uma demonstração floral com ares quase renascentistas. As flores ganharam camada de tinta e brilho realçantes. A artista consagrada também possui um espaço botânico que vale a pena conhecer em Florianópolis.
A Galeria Botânica também foi palco de uma importante iniciativa do setor. Abriu espaço para a troca entre artistas, como um marco de fortalecimento e amadurecimento dos protagonistas do segmento floral dentro do evento voltado ao design. Encabeçou a união da rede colaborativa de profissionais que atuam com flores e plantas ornamentais, uma participação inédita na história da DW.
"Incluir a arte floral dentro da principal semana de design significa mostrar a importância do trabalho dentro de um contexto da arquitetura, design e urbanismo, trazendo a oportunidade do profissional poder falar do seu trabalho artesanal e garimpo. Há uma dedicação muito grande em busca do material, pois o artista trabalha com algo perecível. A partir do bate-papo mediado pela Gabi Nora, tivemos trocas muito ricas que só fortaleceram a criação da rede", nos contou Raquel Franzini da plataforma Conexão Floristas.
Quais reflexões levamos desta semana tão cheia de trocas? O universo botânico não se resume à beleza das flores e plantas em arranjos. É isso também, e mais. Muito mais. As intervenções despertaram a necessidade de contemplação e ação, desbravando as geografias que formam mapas e subjetividades. O coletivo borrou os limites do que se compreende ser arte e a ampliação sobre o sensível.