Resolução que garantia aborto legal à crianças adolescentes é suspensa
Conanda havia aprovado documento que trazia diretrizes para atendimento humanizado e especializado em casos de violência sexual. Justiça barrou a medida.
ós já te contamos aqui na CAPRICHO que a questão do aborto legal continua sendo discutida no Congresso Nacional – especialmente pelas bancadas de parlamentares mais conservadoras e a favor da proibição total do procedimento, inclusive em casos de violência sexual.
Nesta semana, o tema voltou ao noticiário. Isso porque o Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), um órgão super importante de garantia dos direitos da nossa galera, aprovou uma resolução que estabelece diretrizes e garante o atendimento humanizado e especializado de crianças e adolescentes com direito ao aborto legal.
Segundo dados da PNA (Pesquisa Nacional Sobre Aborto), realizada em 2021, uma a cada duas mulheres fez um aborto antes dos 19 anos. Dessas, 6% antes dos 14 anos. A violência é cometida na maioria das vezes, segundo o estudo, em um espaço que deveria ser de cuidados e proteções: os violentadores são tios, avós, pais e padrastos e acontece dentro de casa.
61,3% das vítimas de estupro no Brasil tem até 13 anos, das quais: 10,5% tem entre 0 e 4 anos; 19,1% entre 5 e 9 anos; e, 31,7% estão na faixa etária dos 10 aos 13 anos. Os dados são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
É importante saber: a interrupção da gravidez é considerada um crime no Brasil, desde 1940. Porém, o procedimento é permitido em alguns casos: quando a mulher corre risco de morte e gravidez ocasionada por estupro; além disso, o STF (Supremo Tribunal Federal) autorizou o procedimento em gestações de fetos com anencefalia (ausência de cérebro ou de parte dele).
Acontece que, mesmo antes da resolução ser publicada no Diário Oficial, a 20ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal a suspendeu ontem, terça-feira (24), de forma provisória.
A decisão, do juiz federal Leonardo Tocchetto Pauperio, atendeu a uma ação apresentada pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF), que é ex-ministra dos Direitos Humanos do governo de Jair Bolsonaro, abertamente pró-vida.
Isso porque ainda faltava o documento ser publicado no chamado “Diário Oficial da União” pelo Ministério dos Direitos Humanos e ter sua validade registrada. O Diário Oficial é uma ferramenta super importante que valida toda e qualquer medida nova aprovada pelo governo.
Além da Justiça, governo também está sendo criticado
Movimentos de direitos das mulheres estão criticando a decisão da Justiça e, também, a inação do governo federal. Na votação da resolução, o governo pediu mais tempo para analisar o documento, mas saiu derrotado. Os 13 representantes do governo no conselho votaram contra a medida do Conanda.
Inicialmente, o governo colaborava ativamente na elaboração da resolução. Porém, depois que o tema ganhou repercussão pública e gerou pressões políticas contrárias à medida, o governo recuou. Daí em diante, partiu uma orientação do governo para todos os ministérios rejeitarem a proposta.
“O parecer [do ministério] indicou, entre outros aspectos, que a minuta de Resolução apresentava definições que só poderiam ser dispostas em Leis – a serem aprovadas pelo Congresso Nacional, indicando a necessidade de aperfeiçoamento e revisão de texto, garantindo maior alinhamento ao arcabouço legal brasileiro”, diz nota à imprensa do governo.
Nota ainda afirma que “ao considerar as políticas públicas destinadas à atenção integral à criança e ao adolescente vítima de violência, o Governo Federal segue em consonância com a legislação que resguarda a prioridade absoluta de crianças e adolescentes, reafirmando estar aberto ao amplo debate com a sociedade e todos os poderes.”
“Apesar de a Resolução orientar o atendimento humanizado de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual que precisam abortar dentro da lei, o juiz responsável pela decisão disse que a Resolução as ‘coloca em risco'”, afirma comunicado do movimento Nem Presa Nem Morta, que acompanhou a movimentação de perto.
O grupo feminista ainda afirma que “pra nós, o que as coloca [meninas e mulheres] em risco é, com a suspensão da Resolução, serem privadas de um atendimento que respeite seus direitos”. O comunicado afirma que este tipo de conduta “é obrigá-las a parir, e se aliar com a direita fundamentalista para impedir direitos para quem já sofreu violência sexual. Esquece o juiz que a gravidez na infância coloca em risco não só a vida, mas o futuro de crianças e adolescentes.”