Papers by Pietra Diwan
História da Historiografia, 2024
O livro A hora da eugenia, da historiadora Nancy Stepan, constitui uma importante referência sobr... more O livro A hora da eugenia, da historiadora Nancy Stepan, constitui uma importante referência sobre a história da
eugenia no Brasil, não só por seu aspecto pioneiro, mas pelas chaves interpretativas que apresenta, como o conceito
de “eugenia latina”. O intuito deste artigo é avançar a discussão proposta por Stepan, analisando-a de forma crítica e
trazendo novos elementos apresentados não só pela historiografia, mas também por algumas fontes que demonstram
que os conceitos e a abordagem proposta pela autora precisam ser superados, uma vez que focam excessivamente
a construção de excepcionalidades e de antagonismos, encobrindo os aspectos comuns entre países não latinos e
criando representações estereotipadas sobre a região. Acreditamos que, por seu caráter limitado e restritivo, conceitos
como o de “eugenia latina” devem ser desafiados a partir da adoção de uma abordagem transnacional e comparativa,
de forma que busquemos conexões e aspectos comuns e fujamos da armadilha dos “excepcionalismos” como chave
interpretativa de análise.
Revista Brasileira de História, 2023
Revista Brasileira de História, 2023
After decades of efforts to build a more inclusive and democratic world, it appears that the "old... more After decades of efforts to build a more inclusive and democratic world, it appears that the "old ideas" of eugenics have not gone away. Some of these ideas may have been hiding in the archives, but others were not. They continue to provide terminologies and explanations for a number of issues relating to poverty, education, access to health care, and disability. During the recent Covid pandemic, ideas of economic and social productivity flowed readily from a eugenic vocabulary which, although pruned of its openly racist metaphors nevertheless carried echoes of past practices and patterns of discrimination against individuals based on age, race, and gender. Eugenics, it seemed, could be resurrected as easily by politicians as by ordinary people. The main aim of this thematic Dossier, published by Revista Brasileira de História, is to give visibility to an academic debate that is often seen through the prism of its national traditions. Our shared conviction is that it is necessary for scholars of eugenics to go beyond the confines of their own national canons and engage with collaborative work. More importantly, scholarly engagement with anti-eugenic activism must also be constantly and systematically maintained, as current work on the legacies of eugenics continues to generate new ways of responding to ongoing demands for reproductive, social, and racial justice. Legacies of eugenics are pervasive and enduring. Racial prejudice, biologi
Filosofia e História da Biologia, 2022
Resumo: Durante o século XIX, a biologia se consolidou como disciplina dedicada ao estudo dos ser... more Resumo: Durante o século XIX, a biologia se consolidou como disciplina dedicada ao estudo dos seres vivos e dos processos e sistemas a eles relacionados. Após a retomada dos trabalhos de Gregor Mendel (1822-1884) no início dos anos 1900, nas décadas que se seguiram foi se expandido o escopo da pesquisa biológica para compreender as leis da hereditariedade, inicialmente em vegetais para animais e mais tarde em humanos, não somente relacionada à cor dos olhos, mas também características do comportamento, inteligência e algumas doenças. Este artigo procura contar a história do funcionamento do Cold Spring Harbor Laboratory entre 1890 e 1939, abordando como as pesquisas eugênicas desenvolvidas por Charles Benedict Davenport (1866-1944) e por Harry Hamilton Laughlin (1880-1943) ganharam centralidade entre 1910 e 1930, tendo sido compreendidas por eles como, genética aplicada aos humanos. A pesquisa desenvolvida mostra que, a partir do final dos anos 1920, as ideias eugênicas de Davenport e Laughlin foram desacreditadas por outros cientistas e perderam o financiamento concedido por agências como a Carnegie Institution de Washington.
Revista Projeto História, 2022
Para entender a relevância das propostas transhumanistas na contemporaneidade, este artigo objeti... more Para entender a relevância das propostas transhumanistas na contemporaneidade, este artigo objetiva recuperar sua historicidade, das propostas de aperfeiçoamento tecnológico do corpo humano feita pelos cosmistas russos até a irradiação de suas ideias nos EUA e na Inglaterra, com geneticistas socialistas e liberais. O ponto culminante desse processo será o uso, pela primeira vez em 1957, do termo “transhumanismo”, por Julian Huxley. Nesta pesquisa, apresentam-se as influências, bem como a dificuldade conceitual em abordar essa temática, devido à escassez de trabalhos e ao hiato no entendimento das implicações da eugenia após 1945 equivocadamente associada somente ao nazismo.
Memorial da Pandemia: o acervo de todos nós, 2021
Memorial da Pandemia: o acervo de todos nós, 2021
Projeto Historia Revista Do Programa De Estudos Pos Graduados De Historia E Issn 2176 2767 Issn 0102 4442, 2002
Books by Pietra Diwan
The Brazilians , 2011
Pietra Diwan was born and raised in São Paulo city, Brazil, where she studied until 2007 when her... more Pietra Diwan was born and raised in São Paulo city, Brazil, where she studied until 2007 when her family moved to the United States. She is from the crossing of Italian and Jewish families, as her name shows, which taugh her how to co-exist with cultural differences since an early age. Pietra's inspiration to write this book was Beatriz, her 3-year-old daughter and to spread the Brazilian way of life to children and adults - the amazing combination of people who made thus growing melting-pot nation. The Brazilians tries to achieve this. With a easy to read summary view, you will find lots of data, history and culture. Do you know the feijoada's history? Where is the Sambadrome? Or what is the Iguassu Falls? Feel free to learn and know more about Brazilians.
Novos temas nas aulas de história, 2009
Cada vez que o professor entra numa sala de aula após um período de recesso-férias ou mesmo um fi... more Cada vez que o professor entra numa sala de aula após um período de recesso-férias ou mesmo um fim de semana-, corre o risco de se espantar. Os alunos vêm sempre com novidades: partes diferentes do corpo à mostra, tatuagens, cabelos mais claros ou de cores duvidosas, roupas apertadas, rasgadas, sintéticas, sapatos esportivos de todos os modelos; sem falar do arsenal de traquitanas eletrônicas-computadores, celulares, aparelhos de mp3, vídeo games-portáteis e individualizadas. Os hábitos, linguagens e elementos de consumo juvenil são tantos que surpreendem quem não faz parte do "universo jovem"; eles estão relacionados com um estilo de vida que identifica e agrupa um conjunto de pessoas de determinadas faixas etária e social com um conjunto de símbolos que carregam consigo. Mas, apesar de o senso comum afirmar que sempre foi desse jeito, o fato é que a adoção de estilos e hábitos identificados como juvenis e a própria idéia do que é "ser" ou parecer jovem têm história, ou seja, variam ao longo do tempo e não são sempre as mesmas em diferentes sociedades. A História, em diálogo constante com os documentos, é capaz de historicizar estas "naturalizações" sociais. No caso dos estudantes, é importante que eles saibam que, por exemplo, seu "modo de vida" é histórico e está sujeito às mudanças sociais. E a História pode ajudá-los. A linha de pesquisa da História do Corpo contribui para a compreensão de processos históricos vinculados ao corpo, valorizando-o como objeto principal de análise. Os historiadores dessa linha procuram entender historicamente, por exemplo, a prática do consumo, a moda, a concepção de normalidade e a importância dada à aparência. Ao abrir suas aulas para essa temática, o professor pode tomar como ponto de partida o próprio mundo do aluno-seus questionamentos, seu potencial criativo, o presente tecnológico-para chegar à questão do corpo, um "objeto" histórico submetido a sucessivas intervenções. Acredito que esse seja um modo de tornar interessante o estudo do passado para esses mesmos jovens-cuja característica principal parece ser o imediatismo, mas que não podem ficar nisso se quiserem crescer intelectualmente e como cidadãos. Para não cometer anacronismos, a responsabilidade principal de professores e historiadores é o
Raça Pura: uma história da eugenia no Brasil e no mundo, 2007
Trabalho apresentado à Banca Examinadora, como exigência parcial para obtenção do título de Mestr... more Trabalho apresentado à Banca Examinadora, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em História Social, sob orientação da Profª. Drª. Denise Bernuzzi de Sant’Anna (PUC-SP), 2003.
RESUMO
Esta pesquisa não é uma biografia de Renato Kehl, médico mais
comumente conhecido por ser o grande representante do eugenismo no Brasil.
Não se trata também de uma investigação a respeito das relações entre
eugenia e educação, eugenia e nação ou eugenia e higiene, grandes vertentes
de análise do discurso eugenista. Trata-se principalmente de perceber a rede
de relações que compunha a empreitada pela implantação da eugenia no Brasil
– seus adeptos, incentivadores e financiadores – assim como de identificar,
através dos textos de Renato Kehl, uma minuciosa tentativa de desumanizar o
corpo imperfeito, ou seja, dysgenico, relacionando–o à fealdade, anormalidade,
monstruosidade e doença.
O que nos interessa é não unicamente descrever essa rede de poder tal
como ela se apresenta, mas, sobretudo, perceber como ela se constitui
historicamente, quais são seus sentidos, as justificativas científicas e morais
que as sustentam e os interesses políticos em jogo. Renato Kehl será
considerado aqui como um ponto de partida para conhecer as articulações
históricas que o transformaram no maior representante do eugenismo
brasileiro. Ou seja, partiremos do pressuposto que essa condição de Renato
Kehl não é um a priori e sim o resultado de inúmeras relações sociais que
trataremos de avaliar tendo como centro de debate a eugenia.
ABSTRACT
This research is not a biography of Renato Kehl, a doctor most
commonly known as a major apologist of eugenics in Brazil. It is not either an
investigation into the relations between eugenics and education, eugenics and
nation, or eugenics and hygiene, common branches of the analyses of the
eugenist speech. It is related above all to perceiving the net of relations which
made up the endeavour for the implantation of eugenics in Brazil – its adepts,
supporters and financiers – and also to identifying, through the texts of Renato
Kehl, a minute attempt to de-humanize the imperfect body, or dysgenic, relating
it to ugliness, abnormality, monstrosity and disease.
What concerns us is not only to describe this net as its shows itself, but,
above all, to perceive how it was historically constituted, what its meanings are,
the moral and scientific reasons supporting it and the interests involved. Renato
Kehl will be considered here as the starting point to know the historical
articulations which made him the top representative of Brazilian eugenics. That
means we will start from the presupposition that this condition of Renato Kehl is
not an a priori, but rather the result of several social relations, which we will try
to evaluate having eugenics and the center of the debate.
Thesis Chapters by Pietra Diwan
Thesis, 2020
This research understands transhumanism as an invented process, permeated by the concept of impro... more This research understands transhumanism as an invented process, permeated by the concept of improvement and only possible through a concept on the body displaced several times and for different reasons since the eighteenth century. This elasticity about the understanding of the body is evident in different relationships, but especially those between the field of science, technology and society. Within these relations, the history of eugenics will be observed, as a phenomenon born in England in the late nineteenth century, but mainly in the United States in the early decades of the twentieth century, and which disappeared as a political proposal at the end of World War II. From the investigation of the American eugenic movement it was detected the reorientation of this research field towards the studies of molecular genetics. In the process, geneticists under the from the utopian socialism and inspired by cosmism saw in genetics of population the opportunity to create conditions for freer humankind improvement only mediated by an international organization. Julian Huxley, a confessed eugenicist, part of this group, and first director of UNESCO, organized the debate to redefine the concept of race and from there consolidated the possibility of enhancing human potential via science, this time without linking any genetic trait to a specific individual, but populations. From now on, transhumanism will be built in two ways: as an intellectual, and future project. The guiding question is how it was possible for transhumanism to present itself as the viable solution for contemporary society? Our thesis is that transhumanism has appropriated the narrative structure of eugenics denying any kind of kinship or affiliation with it. This thesis will demonstrate that this discourse was engendered in the early decades of the twentieth century in the United States, re-signified and legitimized after 1945 by not only international agencies (such as the UN and UNESCO), but also massive investment in research and development by US federal agencies during the Cold War years, and research labs such as the Cold Spring Harbor Laboratory. This process of legitimation was consolidated, and naturalized, in 1991, with the beginning of the Human Genome Project and its completion in 2001, when the ground was completely 'sanitized' from any remnants that linked eugenics to biotechnology and, consequently, to transhumanism.
Keywords: Transhumanism, Eugenics, Genetics, Enhancement, Body.
Conference Presentations by Pietra Diwan
Estados Nacionais e Pensamentos Sociais na America Latina, 2018
O Brasil precisa aumentar o seu estoque de homens validos. O poder de uma nação se aquilata pelo ... more O Brasil precisa aumentar o seu estoque de homens validos. O poder de uma nação se aquilata pelo valor dos indivíduos que a integram (KEHL, Renato, 1933).
Há cerca de 10 anos terminei de maneira aberta o livro Raça Pura: uma história da eugenia no Brasil e no mundo me perguntando o quanto a história brasileira poderia ser eugenista. Para mim, a pesquisa feita durante a dissertação de mestrado abriu um campo de inumeráveis de possibilidades a serem estudadas, sob as diferentes perspectivas. De uma coisa eu tinha certeza, havia uma lacuna muito grande na história brasileira, que não creditou o devido valor aos eugenistas e à influência deste pensamento conservador na sociedade brasileira. Hoje, peço licença para refinar melhor aquela questão e pergunto: quão eugenista é o nosso país? (DIWAN, 2007, p. 151). Ainda há muito por ser desenvolvido na historiografia sobre eugenia apesar dos avanços em diversas pesquisas acadêmicas dos últimos anos. 3 A eugenia carece de muita atenção por parte de pesquisadores para entender como um discurso aparentemente apartidário, ancorado na ciência, auto denominado moderno e progressista pôde encontrar espaços de difusão no Brasil e no mundo com capacidade de inspirar taantos os totalitarismos do século XX, como os estados democráticos. Perceber suas sutilezas, as ambivalencias de sua difusão e a permanência destas idéias até os dias atuais, em que os determinismos e os racialismos seguem na ordem do dia, no que diz respeito aos direitos sociais, aos refugiados ou do combate ao "terrorismo".
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Papers by Pietra Diwan
eugenia no Brasil, não só por seu aspecto pioneiro, mas pelas chaves interpretativas que apresenta, como o conceito
de “eugenia latina”. O intuito deste artigo é avançar a discussão proposta por Stepan, analisando-a de forma crítica e
trazendo novos elementos apresentados não só pela historiografia, mas também por algumas fontes que demonstram
que os conceitos e a abordagem proposta pela autora precisam ser superados, uma vez que focam excessivamente
a construção de excepcionalidades e de antagonismos, encobrindo os aspectos comuns entre países não latinos e
criando representações estereotipadas sobre a região. Acreditamos que, por seu caráter limitado e restritivo, conceitos
como o de “eugenia latina” devem ser desafiados a partir da adoção de uma abordagem transnacional e comparativa,
de forma que busquemos conexões e aspectos comuns e fujamos da armadilha dos “excepcionalismos” como chave
interpretativa de análise.
Books by Pietra Diwan
RESUMO
Esta pesquisa não é uma biografia de Renato Kehl, médico mais
comumente conhecido por ser o grande representante do eugenismo no Brasil.
Não se trata também de uma investigação a respeito das relações entre
eugenia e educação, eugenia e nação ou eugenia e higiene, grandes vertentes
de análise do discurso eugenista. Trata-se principalmente de perceber a rede
de relações que compunha a empreitada pela implantação da eugenia no Brasil
– seus adeptos, incentivadores e financiadores – assim como de identificar,
através dos textos de Renato Kehl, uma minuciosa tentativa de desumanizar o
corpo imperfeito, ou seja, dysgenico, relacionando–o à fealdade, anormalidade,
monstruosidade e doença.
O que nos interessa é não unicamente descrever essa rede de poder tal
como ela se apresenta, mas, sobretudo, perceber como ela se constitui
historicamente, quais são seus sentidos, as justificativas científicas e morais
que as sustentam e os interesses políticos em jogo. Renato Kehl será
considerado aqui como um ponto de partida para conhecer as articulações
históricas que o transformaram no maior representante do eugenismo
brasileiro. Ou seja, partiremos do pressuposto que essa condição de Renato
Kehl não é um a priori e sim o resultado de inúmeras relações sociais que
trataremos de avaliar tendo como centro de debate a eugenia.
ABSTRACT
This research is not a biography of Renato Kehl, a doctor most
commonly known as a major apologist of eugenics in Brazil. It is not either an
investigation into the relations between eugenics and education, eugenics and
nation, or eugenics and hygiene, common branches of the analyses of the
eugenist speech. It is related above all to perceiving the net of relations which
made up the endeavour for the implantation of eugenics in Brazil – its adepts,
supporters and financiers – and also to identifying, through the texts of Renato
Kehl, a minute attempt to de-humanize the imperfect body, or dysgenic, relating
it to ugliness, abnormality, monstrosity and disease.
What concerns us is not only to describe this net as its shows itself, but,
above all, to perceive how it was historically constituted, what its meanings are,
the moral and scientific reasons supporting it and the interests involved. Renato
Kehl will be considered here as the starting point to know the historical
articulations which made him the top representative of Brazilian eugenics. That
means we will start from the presupposition that this condition of Renato Kehl is
not an a priori, but rather the result of several social relations, which we will try
to evaluate having eugenics and the center of the debate.
Thesis Chapters by Pietra Diwan
Keywords: Transhumanism, Eugenics, Genetics, Enhancement, Body.
Conference Presentations by Pietra Diwan
Há cerca de 10 anos terminei de maneira aberta o livro Raça Pura: uma história da eugenia no Brasil e no mundo me perguntando o quanto a história brasileira poderia ser eugenista. Para mim, a pesquisa feita durante a dissertação de mestrado abriu um campo de inumeráveis de possibilidades a serem estudadas, sob as diferentes perspectivas. De uma coisa eu tinha certeza, havia uma lacuna muito grande na história brasileira, que não creditou o devido valor aos eugenistas e à influência deste pensamento conservador na sociedade brasileira. Hoje, peço licença para refinar melhor aquela questão e pergunto: quão eugenista é o nosso país? (DIWAN, 2007, p. 151). Ainda há muito por ser desenvolvido na historiografia sobre eugenia apesar dos avanços em diversas pesquisas acadêmicas dos últimos anos. 3 A eugenia carece de muita atenção por parte de pesquisadores para entender como um discurso aparentemente apartidário, ancorado na ciência, auto denominado moderno e progressista pôde encontrar espaços de difusão no Brasil e no mundo com capacidade de inspirar taantos os totalitarismos do século XX, como os estados democráticos. Perceber suas sutilezas, as ambivalencias de sua difusão e a permanência destas idéias até os dias atuais, em que os determinismos e os racialismos seguem na ordem do dia, no que diz respeito aos direitos sociais, aos refugiados ou do combate ao "terrorismo".
eugenia no Brasil, não só por seu aspecto pioneiro, mas pelas chaves interpretativas que apresenta, como o conceito
de “eugenia latina”. O intuito deste artigo é avançar a discussão proposta por Stepan, analisando-a de forma crítica e
trazendo novos elementos apresentados não só pela historiografia, mas também por algumas fontes que demonstram
que os conceitos e a abordagem proposta pela autora precisam ser superados, uma vez que focam excessivamente
a construção de excepcionalidades e de antagonismos, encobrindo os aspectos comuns entre países não latinos e
criando representações estereotipadas sobre a região. Acreditamos que, por seu caráter limitado e restritivo, conceitos
como o de “eugenia latina” devem ser desafiados a partir da adoção de uma abordagem transnacional e comparativa,
de forma que busquemos conexões e aspectos comuns e fujamos da armadilha dos “excepcionalismos” como chave
interpretativa de análise.
RESUMO
Esta pesquisa não é uma biografia de Renato Kehl, médico mais
comumente conhecido por ser o grande representante do eugenismo no Brasil.
Não se trata também de uma investigação a respeito das relações entre
eugenia e educação, eugenia e nação ou eugenia e higiene, grandes vertentes
de análise do discurso eugenista. Trata-se principalmente de perceber a rede
de relações que compunha a empreitada pela implantação da eugenia no Brasil
– seus adeptos, incentivadores e financiadores – assim como de identificar,
através dos textos de Renato Kehl, uma minuciosa tentativa de desumanizar o
corpo imperfeito, ou seja, dysgenico, relacionando–o à fealdade, anormalidade,
monstruosidade e doença.
O que nos interessa é não unicamente descrever essa rede de poder tal
como ela se apresenta, mas, sobretudo, perceber como ela se constitui
historicamente, quais são seus sentidos, as justificativas científicas e morais
que as sustentam e os interesses políticos em jogo. Renato Kehl será
considerado aqui como um ponto de partida para conhecer as articulações
históricas que o transformaram no maior representante do eugenismo
brasileiro. Ou seja, partiremos do pressuposto que essa condição de Renato
Kehl não é um a priori e sim o resultado de inúmeras relações sociais que
trataremos de avaliar tendo como centro de debate a eugenia.
ABSTRACT
This research is not a biography of Renato Kehl, a doctor most
commonly known as a major apologist of eugenics in Brazil. It is not either an
investigation into the relations between eugenics and education, eugenics and
nation, or eugenics and hygiene, common branches of the analyses of the
eugenist speech. It is related above all to perceiving the net of relations which
made up the endeavour for the implantation of eugenics in Brazil – its adepts,
supporters and financiers – and also to identifying, through the texts of Renato
Kehl, a minute attempt to de-humanize the imperfect body, or dysgenic, relating
it to ugliness, abnormality, monstrosity and disease.
What concerns us is not only to describe this net as its shows itself, but,
above all, to perceive how it was historically constituted, what its meanings are,
the moral and scientific reasons supporting it and the interests involved. Renato
Kehl will be considered here as the starting point to know the historical
articulations which made him the top representative of Brazilian eugenics. That
means we will start from the presupposition that this condition of Renato Kehl is
not an a priori, but rather the result of several social relations, which we will try
to evaluate having eugenics and the center of the debate.
Keywords: Transhumanism, Eugenics, Genetics, Enhancement, Body.
Há cerca de 10 anos terminei de maneira aberta o livro Raça Pura: uma história da eugenia no Brasil e no mundo me perguntando o quanto a história brasileira poderia ser eugenista. Para mim, a pesquisa feita durante a dissertação de mestrado abriu um campo de inumeráveis de possibilidades a serem estudadas, sob as diferentes perspectivas. De uma coisa eu tinha certeza, havia uma lacuna muito grande na história brasileira, que não creditou o devido valor aos eugenistas e à influência deste pensamento conservador na sociedade brasileira. Hoje, peço licença para refinar melhor aquela questão e pergunto: quão eugenista é o nosso país? (DIWAN, 2007, p. 151). Ainda há muito por ser desenvolvido na historiografia sobre eugenia apesar dos avanços em diversas pesquisas acadêmicas dos últimos anos. 3 A eugenia carece de muita atenção por parte de pesquisadores para entender como um discurso aparentemente apartidário, ancorado na ciência, auto denominado moderno e progressista pôde encontrar espaços de difusão no Brasil e no mundo com capacidade de inspirar taantos os totalitarismos do século XX, como os estados democráticos. Perceber suas sutilezas, as ambivalencias de sua difusão e a permanência destas idéias até os dias atuais, em que os determinismos e os racialismos seguem na ordem do dia, no que diz respeito aos direitos sociais, aos refugiados ou do combate ao "terrorismo".