Seu Bolso

Por Emily Nery

Em questão de poucos anos, os carros de entrada - antes conhecidos como modelos pouco equipados, com performance tímida e preço popular - ficaram muito mais caros e foram praticamente extintos.

Para se ter uma ideia, há quatro anos o consumidor precisava juntar o equivalente a 28 salários mínimos para comprar o carro mais barato do Brasil, um Chery QQ (R$ 26.690). Hoje, é necessário economizar o dinheiro recebido em 50 meses (!!!) para comprar o veículo de entrada do mercado, o Renault Kwid Zen (R$ 66.590).

Poder de compra em 2018 X 2022

Carro novo mais barato Preço Ano Salário mínimo na época Meses trabalhados para comprar o carro
Chery QQ R$ 26.690 2018 R$ 954 28
Renault Kwid R$ 66.590 2022 R$ 1.212 55

Embora sejam carros diferentes, com mecânicas e equipamentos distintos, pode-se falar que o carro mais barato do país encareceu R$ 40 mil, ou 150%, em 4 anos.

É isso que aponta um relatório divulgado pela consultoria automotiva Jato Dynamics. Mas infelizmente, não foi só a pandemia a culpada pelo encarecimento dos carros e pela perda do poder de compra do brasileiro. Inclusive, se depender da própria indústria automotiva, os preços de veículos zero-quilômetro só deverão aumentar - isso é uma tendência mundial.

Carro novo mais barato do Brasil, Renault Kwid Zen custa R$ 66.590 — Foto: Divulgação
Carro novo mais barato do Brasil, Renault Kwid Zen custa R$ 66.590 — Foto: Divulgação

Quem é o culpado?

De acordo com Antonio Jorge Martins, especialista em gestão estratégica de empresas automotivas na Fundação Getúlio Vargas (FGV), "se analisarmos o histórico desde o período da pandemia, houve uma mudança brutal no setor automotivo. Um dos pontos mais significativos foi a questão da transformação digital, que envolve produto, processo, pessoa (consumidor) e preço".

No quesito de produto, os carros estão muito mais conectados que estavam há poucos anos, inclusive os modelos mais populares. Assim, "quanto mais conectado é o veículo, maior a quantidade de semicondutores que vai precisar", alerta.

Vale lembrar que, a partir do início de 2021, a alta demanda por semicondutores na indústria automotiva e de eletrônicos, no geral, levou a uma escassez do produto. Por consequência, o preço do componente aumentou e provocou um escalonamento nos preços dos zero-quilômetro.

Pela falta de semicondutores, montadoras precisaram suspender as linhas de montagem  — Foto: Divulgação
Pela falta de semicondutores, montadoras precisaram suspender as linhas de montagem — Foto: Divulgação

Mas não foi só isso. Segundo Antonio Jorge, a própria pandemia gerou um aumento de custos da logística internacional. "Além disso, houve um aumento do dólar, que chegou a bater R$ 5,85 e não voltou aos parâmetros anteriores a 2020. Como setor automotivo brasileiro é bastante importador, parte dos componentes sai bem mais caro", comenta.

Por fim, houve uma queda no poder de compra do consumidor brasileiro. Entre janeiro de 2021 e janeiro de 2022, o carro novo ficou em média 17,2% mais caro. Já no acumulado de 2022, o modelo zero-quilômetro acumulou uma inflação de 8,2%. Ou seja, percentuais bem acima do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a inflação oficial do país, que em 2021 e 2022 foi de 10,1% e 5,8%, respectivamente.

Em dois anos, o carro zero-quilômetro ficou em média 25% mais caro no Brasil — Foto: Divulgação
Em dois anos, o carro zero-quilômetro ficou em média 25% mais caro no Brasil — Foto: Divulgação

Carro de volume não é a prioridade

Como o especialista pontuou, as montadoras passaram a investir em carros com maior valor agregado. Ou seja, mais seguros, tecnológicos e conectados. E que possam trazer um lucro maior, já que também demandam investimentos mais pesados por parte das fabricantes.

"Essa nova filosofia que deixou de priorizar volume para priorizar a rentabilidade (das fabricantes) fez com que todos os veículos ficassem mais caros", comenta Antonio Jorge. A exemplo disso, temos a Toyota: embora não fosse a montadora que mais vendeu no Brasil em 2022, foi a 2ª mais rentável. Por cada veículo vendido, ganhou cerca de R$ 204 mil.

Carro popular, como conhecíamos, não é mais prioridade das montadoras — Foto: Divulgação
Carro popular, como conhecíamos, não é mais prioridade das montadoras — Foto: Divulgação

Carro novo vai ficar mais barato?

Considerando que a tendência das montadoras é investir em carros mais caros, que tragam maiores índices de lucro em meio a um setor extremamente competitivo, a resposta é não. Na realidade, a expectativa é que os carros continuem subindo de preço na medida em que ficam mais tecnológicos. Portanto, o carro de entrada como conhecíamos - barato e pouco equipado - tende a acabar.

O que levar a um desconto no preço do carro, segundo Antonio Jorge, é um pequeno abatimento no preço do carro se, por exemplo, o dólar cair e se manter em baixa. Como alguns componentes são importados, isso poderá levar a um leve abatimento no preço.

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