Salão de Pequim 2024. Abro a porta lateral traseira do Zeekr X, SUV elétrico que deve ser lançado no Brasil ainda este ano. Para isso, tenho que usar um botão com sensor de toque escondido na coluna C do carro. Sento-me no banco de trás. Percebo que o console central desliza eletricamente para frente e para trás, ao comando de uma simpática jornalista chinesa que controla aquele movimento na central multimídia.
Ela me pergunta se eu aceito conferir com ela o sistema de som Yamaha que equipa o carro. Respondo que sim. A jornalista, então, pede em mandarim que o veículo comece a tocar uma música de Taylor Swift. Silêncio. Eu não entendo nada do que está acontecendo, pois está tudo em ideogramas e meu mandarim se limita a saudações básicas. Afinal, a música vai tocar?
Percebo, então, que a questão é o volume do som estar no zero. Após uma série de outros comandos vocais feitos por minha colega, que levam mais alguns bons segundos, a canção Maroon começa enfim a reverberar pela cabine. Com efeito 3D, a qualidade é impressionante. Mas sinto que tudo seria mais fácil se o veículo tivesse uma simples roldana para aumentar o volume, como os maias e astecas faziam.
A questão é que não havia. E os chineses parecem não fazer muita questão de que tenha. No Zeekr X, por exemplo, qualquer ajuste é feito ou por voz, ou buscando o item desejado entre uma infinidade de ícones em uma central multimídia gigante de 15,6 polegadas. No volante, há apenas um botão no raio esquerdo para o comando vocal, outro no direito para o menu do quadro de instrumentos e mais cinco na base do cubo para funções rápidas como destravar as portas ou abrir o porta-malas elétrico.
Tudo escamoteado, reconhecível apenas por discretos ícones desenhados em suas respectivas posições. De resto, no painel daquele carro há duas tomadas USB tipo C e um… acendedor de cigarros. Nada mais. Até as guarnições das portas estão extremamente minimalistas, quase como se os botões ou maçanetas maculassem o acabamento desses painéis.
O padrão se repete em quase qualquer veículo de marca chinesa exposto no salão. E mostra como eles estão tentando levar a tecnologia dos comandos de voz, facial e até de gestos ao extremo.
Agora que conseguiram alcançar um nível de qualidade construtiva em linha, talvez melhor, que o de carros de outros países, além de dominar o processo de transição para a eletromobilidade, os chineses parecem estar tentando sair na frente em outra corrida, a de desenvolvimento de gadgets para os veículos do futuro.
A premissa é boa: não precisar desviar o olhar do trânsito ou sair da posição de segurança, com o corpo todo encostado no banco e o cinto de segurança afivelado na distância certa, para executar tarefas como aumentar a temperatura do ar-condicionado ou aumentar o volume do som.
Contudo, está claro que tecnologias como comandos de voz, facial ou por gestos ainda não estão maduras o suficiente, por mais que as telas multimídia nababescas e de altíssima resolução, bem como os painéis minimalistas e quase ausentes de botões, impressionem o nosso olhar.
Outro exemplo disso é o comando gestual do sistema de entretenimento traseiro do GWM Wey 07, SUV de seis lugares que também deve vir ao Brasil, porém em 2025.
Aqui, dois sensores localizados um de cada lado da tela identificam a sua mão quando você aponta para eles com a palma aberta. A partir disso, em vez de deslizar o dedo na tela de toque, o que ainda é possível fazer, basta mexer a mão no ar como se estivesse movimentando o cursor de um mouse. Para acessar o item desejado, é preciso pinçar o indicador no polegar como se estivesse apertando o botão esquerdo desse mouse.
Tudo lindo na teoria, mas na prática o sensor ainda é um bocado impreciso: a bolinha da tela (equivalente à seta do mouse) fica tremendo de um lado para o outro e o sistema demora a responder ao comando de pinçar. Em minha experimentação, levo mais de um minuto para acessar um simples aplicativo de streaming destacado na tela principal do sistema. Depois, preciso de apenas 5 segundos para repetir o processo pela convencional tela de toque. Ufa.
Se usar um comando de voz ou gestos ainda é tão mais complicado que simplesmente arrastar o dedo pela tela ou apertar um botão, por que os chineses insistem nisso? É o preço da vanguarda, misturado a uma espécie de orgulho de mostrar que seus carros estão agora um passo à frente do resto do mundo.
Para os usuários, pode não ser tão confortável, mas a população, agora orgulhosa de seus carros, parece disposta a pagar esse preço para estar na liderança de mais uma corrida tecnológica.
Até porque, diferentemente de marcas de outros países, as fabricantes locais não têm o menor receio de atualizar seus produtos e software no meio de seus ciclos de vida, praticamente ano a ano. Ou seja, ter veículos em produção com essas tecnologias será um incrível laboratório com um nível abundante de dados coletados em tempo real para promover melhorias em todos esses sistemas a uma velocidade absurda.
Portanto, se agora parece não fazer sentido ter que sofrer para que o carro toque uma música da Taylor Swift ou acesse um item simples de entretenimento sem precisar apertar um botão ou tocar uma tela, daqui a alguns anos tudo ficará claro como água cristalina. Nós estaremos correndo atrás do padrão de comandos de voz, gestos e faces que os carros chineses já perseguem hoje; eles estarão preocupados com o próximo capítulo.
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