O zagueiro de camisa amarela caminha sorridente do centro do campo até a marca do pênalti. Olha para sua figura no telão do estádio e ajeita o penteado. Ao apito, começa a saltitar como se dançasse sobre brasas e chuta. O goleiro defende.
O juiz manda voltar, alegando que o goleiro estava com os braços erguidos. O VAR endossa a decisão. Nova cobrança, dessa vez a bola bate na trave. O juiz consulta o VAR e decreta que o pênalti deve ser batido novamente: o defensor estava com os braços abaixados.
O gol, finalmente, é assinalado depois que o árbitro expulsa o goleiro e muda a marca da cobrança para o mais próximo da meta.
Alterar as regras com o jogo em andamento é prática reprovável, embora comum entre grupos, governos e corporações. A depender de interesses, o que está escrito hoje não vale amanhã. Um dos nomes da manobra é “medidas protetivas”.
É o que os fabricantes, por meio de sua associação, a Anfavea, estão tentando fazer: antecipar em dois anos o imposto de importação para 35%, alíquota prevista para vigorar a partir de julho de 2026. Hoje, importados pagam 18% de impostos, “um risco para nossa indústria”, segundo as marcas que têm fábricas no país.
O risco, entenda-se, são os carros elétricos fabricados na China. É o mesmo discurso adotado pelo governo dos Estados Unidos, que, pressionado pelos fabricantes, aumentou o imposto dos carros elétricos chineses de 25% para 100%, medida que começa a vigorar agora em agosto. Haverá, como no governo anterior, retaliação dos asiáticos.
Os EUA fabricam carros elétricos. O Brasil, ainda não. A primeira empresa a produzir esse tipo de veículo será a chinesa BYD, onde funcionava a fábrica da Ford (hoje uma importadora), em Camaçari (BA), mas só a partir de 2025. Os demais fabricantes associados à Anfavea anunciam que também terão elétricos em suas linhas, porém isso depende da decisão de suas respectivas matrizes e, a depender da estratégia, podem mudar os planos.
Hoje, a frota de carros elétricos e híbridos no Brasil representa fração, 0,2% diante dos 121 milhões de veículos que circulam no país. Mas está incomodando porque os chineses dominam o mercado de carros eletrificados. Não por acaso, os modelos mais vendidos provêm daquele país. A liderança é da BYD, a mesma que se instalou na Bahia.
É prudente, contudo, ficar atento: como os troianos constataram no século VIII a.C. e os viciados em joguinhos da fortuna descobrirão mais cedo ou mais tarde, não existe almoço grátis. Negócios da China podem parecer sedutores, mas nem tudo é o que parece.
Locadoras de veículos estão se desfazendo de suas frotas de elétricos por causa do custo da manutenção, mas também pela dificuldade que os clientes encontram para recarregar as baterias em locais públicos. Autonomia não é mais problema, desde que a bateria seja nova — com o tempo, ela vai perdendo a capacidade de produzir energia, como um celular antigo que já não mais responde aos seus comandos como antes.
Tomando como base um Tesla, a substituição desse componente não sai por menos de US$ 6,5 e pode chegar aos US$ 20 mil nos EUA. O preço dos pneus, em média R$ 900 por unidade em São Paulo, também deve ser levado em conta, uma vez que o desgaste desses componentes é maior nos carros elétricos e nem sempre eles estão disponíveis na hora em que você mais precisa.
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