Dadas as proporções, a catástrofe que atingiu o Rio Grande do Sul reacendeu o debate sobre o descontrole do clima. E, mais uma vez, colocou em xeque o papel do automóvel como um dos principais causadores do aquecimento global. Sim, o automóvel é um dos responsáveis pela desordem climática. Mas não o único, tampouco o maior.
As críticas de quem se informa pelo WhatsApp pintam o automóvel a combustão com tons sinistros, ao mesmo tempo que enaltecem os elétricos como solução para um mundo mais limpo. O fato é que veículos elétricos também poluem: em 2021, a Volvo divulgou que o processo de fabricação de um C40 Recharge gera 70% mais emissões que a produção de um XC40, modelo similar, mas com motor térmico. Recarregar as baterias com fontes de energia não renováveis também emporcalha o ar.
Estima-se que os automóveis são responsáveis por 10% das emissões de gases nocivos ao meio ambiente, o que não é pouco. Em 2023 foram lançadas na atmosfera 36,8 milhões de toneladas métricas de gases de efeito estufa (dióxido de carbono, metano, óxido nitroso, entre outros).
Parte desses gases provém da queima de combustíveis fósseis: por dia, o planeta queima uma média aproximada de 14 bilhões de litros de combustível fóssil para alimentar os motores térmicos dos cerca de 2,1 bilhões de veículos civis terrestres (600 milhões de motocicletas inclusas), além de aeronaves, embarcações, caldeiras, geradores e usinas.
O volume mais significativo de gases, no entanto, é gerado pela queima do carvão. As 2.435 usinas termoelétricas existentes no mundo, concentradas sobretudo na China e na Índia, em alguns países europeus e nos Estados Unidos, consomem 9 toneladas de carvão por dia para produzir energia. E há ainda o gás metano, responsável por 30% do aquecimento global, segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
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Pântanos e aterros sanitários produzem metano. Nosso organismo também produz, mas em níveis nada comparáveis aos dos ruminantes: a cada 40 segundos, uma única vaca expele o equivalente a 100 kg/ano do gás. Multiplique esse valor pelo número de bois e vacas no mundo, mais de 1 bilhão de cabeças, para ter ideia do tamanho do estrago causado só pela pecuária.
Bois precisam de áreas de pastagem — e aí entra o desmatamento no processo da lenta e progressiva destruição do planeta. O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, Ipam, aponta que, entre 1997 e 2020, 21 milhões de hectares de florestas da região foram destruídos e 75% dessa área foi ocupada por pastagens.
Para melhor compreensão, 1 hectare é o tamanho padrão de um campo de futebol: a destruição, pois, equivale a 21 milhões de gramados do Maracanã. O resultado, segundo o Ipam: emissão de 10,2 gigatoneladas de gases de efeito estufa em 23 anos.
A WWF, sigla em inglês para Fundo Mundial para a Natureza, calcula que no ano passado 6,6 milhões de hectares de florestas, entre os quais 4,1 milhões provenientes de reservas florestais, foram dizimados em todo o mundo. Já o mais recente relatório do Mapbiomas, do Observatório do Clima, constata que, entre 2021 e 2022, o desmatamento cresceu em cinco dos seis biomas brasileiros, notadamente na Amazônia, no Cerrado e... no Pampa gaúcho, que perdeu 36% de sua área para o agronegócio entre 1985 e 1922.
Desmata-se não apenas para a boiada passar como também para extração ilegal de madeira e de minérios, agricultura, grilagem e especulação imobiliária. E chegamos ao grande vilão do planeta: o negacionismo. Neste momento, um significativo grupo de parlamentares brasileiros está empenhado em aprovar o “pacote da destruição”, uma série de projetos de lei e emendas que afrouxam ou aniquilam leis de proteção ambiental.
Para esses oportunos negacionistas, o calor extremo, as secas e as inundações são fenômenos ocasionais, sem relação com os eventos extremos como o que assolou os gaúchos. E o automóvel, então, vira um vilão isolado.
Parte desses projetos de lei tem chance de ser aprovada. Com isso, cenas de cavalos ilhados em telhados — eternizadas pelo resiliente Caramelo — serão comuns daqui por diante em todo o planeta.
Luiz Guerrero é jornalista, apaixonado por carros antigos (originais) e motos de qualquer época
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