60 Anos
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Autoesporte completa 60 anos em 2024. Nesse tempo, foram quase 700 exemplares da edição impressa e milhares de notícias publicadas no site, além de centenas de nomes que passaram pela redação. Um deles, Fernando Calmon, um dos mais marcantes, não apenas da nossa história, como da imprensa automotiva brasileira.

Engenheiro mecânico por formação, piloto por paixão e, desde 1967, jornalista automotivo por profissão, Fernando Calmon foi editor da Autoesporte por 12 anos, divididos em duas passagens: a primeira, entre o fim da década de 1970 e começo de 1980; a segunda, do início até meados dos anos 1990.

Fernando Calmon foi editor da Autoesporte por 12 anos — Foto: Autoesporte
Fernando Calmon foi editor da Autoesporte por 12 anos — Foto: Autoesporte

Aos 77 anos, é hoje um dos profissionais mais respeitados do país — em 2015, recebeu o prêmio Mais Admirados da Imprensa Automotiva — e autor de coluna semanal que leva seu nome, publicada em 68 sites, jornais e revistas do país.

Nesta entrevista exclusiva, que abre o especial de 60 Anos de Autosporte, Calmon conta como foi sua experiência no comando da revista, incluindo peculiaridades e perrengues da época. A seguir, confira os principais trechos da conversa.

Autoesporte: Como você chegou ao cargo de editor de Autoesporte?

Fernando Calmon: Minha história com a revista começa em 1976. Foi quando decidi mudar do Rio de Janeiro para São Paulo. No Rio, eu já trabalhava na área, fazendo um programa de TV, o Grand Prix, na Tupi, que quase ninguém via porque passava aos sábados ao meio-dia, quando todo mundo estava na praia. Mas também já escrevia sobre automóveis para a revista O Cruzeiro, o que me deu projeção nacional. Porém, a publicação fechou.

O mercado automotivo em São Paulo era bem mais forte, pois era onde ficavam as fábricas de carros. Passei a gravar o programa na TV Tupi de São Paulo e, depois, recebi o convite para trabalhar na Autoesporte. Foi sorte, porque eu conhecia pouca gente em São Paulo. Tinha mais ligação com a imprensa do Rio.

O contato aconteceu por meio de Lito Cavalcanti. Nós havíamos trabalhado juntos no Rio, no Jornal dos Sports, e ele havia se mudado para São Paulo um pouco antes. No fim de 1976 ele já estava na Autoesporte; quando o editor de então saiu, ele sugeriu meu nome para a vaga.

AE: Era muito complicado fazer a revista naquela época?

FC: Não era fácil. Autoesporte não tinha uma posição forte no mercado como hoje. Nossos recursos eram bem mais escassos do que os de nossa principal concorrente, que fazia parte de um grupo editorial bem maior e mais poderoso. A [editora] Efecê só tinha duas revistas, Autoesporte e Casa&Jardim — que, inclusive, era a principal publicação.

Buscamos então, dentro do possível, trabalhar da melhor forma. Iniciamos, por exemplo, a medição de porta-malas, o que não havia antes, comprando blocos de isopor. Fizemos também algo inédito no Brasil: os testes de aerodinâmica dos carros. Marcávamos dezenas de pontos na carroceria e colávamos fitinhas nos pontos, uma por uma. Quem fazia esse trabalho era o Giba [Gilberto Dionísio]. Depois, fotografávamos o carro em movimento e era feita a análise do comportamento aerodinâmico.

Pense em Max Verstappen em 2024 andando com um Kwid da Vivo para testar o motor flex. Este era o tricampeão de F1, Jackie Stewart, com um Fusca a álcool da Telesp — Foto: Autoesporte
Pense em Max Verstappen em 2024 andando com um Kwid da Vivo para testar o motor flex. Este era o tricampeão de F1, Jackie Stewart, com um Fusca a álcool da Telesp — Foto: Autoesporte

AE: A equipe, então, era pequena?

FC: Sim, mas em compensação o pessoal era muito bom. Vários bons profissionais começaram na Autoesporte. Um deles foi o Saulinho [Saulo Mazzoni], que era assistente fotográfico no estúdio da Casa&Jardim. Ele me pediu uma chance e acabou se tornando um grande fotógrafo especializado em carros.

AE: E as matérias? Eram pouquíssimos os lançamentos, ao contrário de hoje em dia. Dava para encher uma revista de cem páginas todo mês?

FC: Dava, porque fazíamos muitos comparativos, inventávamos confrontos. Além disso, como Autoesporte nasceu falando de automobilismo, essa ainda era uma tradição muito forte da publicação. Cerca de metade da revista era sobre carros de fábrica, além das seções fixas como cartas, notas, entrevista, opinião etc., e a outra metade ficava quase que exclusivamente para a cobertura de corridas e afins.

Outro campeão da F1, James Hunt, testou um Chevette GP II com exclusividade para Autoesporte — e, acredite: o britânico chegou  a quase ser preso por causa dele! — Foto: Autoesporte
Outro campeão da F1, James Hunt, testou um Chevette GP II com exclusividade para Autoesporte — e, acredite: o britânico chegou a quase ser preso por causa dele! — Foto: Autoesporte

AE: E o dia a dia na redação, como funcionava? Para vocês, era melhor ou pior trabalhar em uma época sem computadores, celulares, WhatsApp, e-mail etc.?

FC: Era tudo na máquina de escrever mesmo. Uma coisa que nos complicava é que a gráfica da Efecê ficava no Rio de Janeiro. Então, quando fechávamos a revista, todo mês, era feito o fotolito e ele seguia de malote, pelo correio, de São Paulo para o Rio. Com isso, perdíamos um dia a mais no processo entre fechar a edição e a revista chegar efetivamente aos leitores. A distribuição para as bancas, aliás, era feita por outra empresa do mesmo grupo, a Fernando Chinaglia, a partir do Rio mesmo.

AE: E a administração do pessoal? Tinha repórter que dava "perdido", já que não era tão fácil encontrar as pessoas?

FC: Até que não. Usávamos muito o telefone mesmo e, além disso, tínhamos um aparelho chamado Bip, que também era muito usado por médicos. Quando eu precisava falar com alguém, ligava em uma central e deixava um recado. O aparelho da pessoa apitava e ela procurava um telefone para ouvir o recado. O que acontecia, às vezes, era um jornalista atrasar muito a entrega da matéria. Já precisei até ir à casa de alguns buscar o texto para não prejudicar os prazos de entrega da revista.

O teste aerodinâmico foi um grande diferencial da cobertura de Autoesporte nos anos 1970 — Foto: Autoesporte
O teste aerodinâmico foi um grande diferencial da cobertura de Autoesporte nos anos 1970 — Foto: Autoesporte

AE: Em 1977 foi publicada uma matéria muito interessante, na qual James Hunt, então campeão da F1, testou um Chevette GP II com exclusividade para Autoesporte. Como vocês conseguiram isso?

FC: Essa foi a minha primeira edição e, como diria o ditado, vassoura nova varre bem [risos]. Na época, a Chevrolet patrocinava o GP do Brasil de F1 e sabíamos que a GM entregaria um Chevette GP II para cada piloto. Aí o Zampa [Marcus Zamponi], que fazia a cobertura de automobilismo, conseguiu falar com o Hunt e o convenceu a escrever um texto para nós. No fim, ele acabou indo para o Guarujá para andar um pouco mais com o carro — inclusive, foi parado por um guarda de trânsito, não por estar correndo demais, mas por estar andando muito devagar. O Hunt mostrou uma carteira internacional de habilitação, mas o guarda não quis saber e, como ele não falava português, foi parar na delegacia.

AE: Outra reportagem memorável foi a do Jackie Stewart andando de Fusca a álcool da Telesp no centro de São Paulo...

FC: Essa foi ideia minha. Ele já havia parado de correr e viria a São Paulo para dar uma palestra sobre segurança no trânsito. A agenda era bem apertada e queríamos um carro diferente para dar a ele. Ao mesmo tempo, estávamos em contato com a Telesp [antiga companhia telefônica do Estado de São Paulo] para testar um Fusca da frota deles convertido de gasolina para álcool. Aí foi juntar uma coisa com a outra. No fim, foi muito bacana, ele [Jackie Stewart] respondeu a várias perguntas e também fez outras, mostrou-se muito interessado no combustível e aprovou o carro.

Comparativos e muito automobilismo difenciavam as edições de Autoesporte nos anos 1990 — Foto: Autoesporte
Comparativos e muito automobilismo difenciavam as edições de Autoesporte nos anos 1990 — Foto: Autoesporte

AE: Você trabalhou como editor de Autoesporte até que ano?

FC: Saí em 1981, mas voltei em 1990, convidado pela Luciana Quintão, diretora da Efecê. Foi uma fase muito boa, porque começaram as importações e novas fábricas vieram para o Brasil, não faltava assunto. Além disso, junto comigo, nessa segunda passagem, vieram outros grandes profissionais, como Emílio Camanzi, Caio Moraes e José Luiz Vieira, que tinha saído da Motor 3 com o fim da revista. Um pouco mais adiante, trouxe também o Bob Sharp.

AE: Houve aprimoramentos técnicos também nessa segunda passagem?

FC: Sim! Conseguimos comprar um equipamento de medição, conhecido como quinta roda. Já usávamos, mas tínhamos de pedir emprestado às fábricas. Custava uma fortuna na época, US$ 30 mil, porém o José Luiz Vieira descobriu uma opção mais moderna e mais barata nos Estados Unidos. Encomendei e, em uma das viagens que fiz para lá, trouxe o equipamento na minha bagagem. Antes disso, usávamos um dinamômetro da Sun Electric para fazer os testes de aceleração, frenagem, consumo e até de velocidade máxima.

Teste dos 70.000 km foi outro marco da gestão de Calmon à frente de  Autoesporte — Foto: Autoesporte
Teste dos 70.000 km foi outro marco da gestão de Calmon à frente de Autoesporte — Foto: Autoesporte

AE: Foi nessa época que Autoesporte chegou a fazer os famosos testes de 70.000 quilômetros, não?

FC: Exato. Não tínhamos dinheiro para isso, pois o custo era muito alto. Do carro em si nem tanto, porque nós o compraríamos e depois o venderíamos, então o investimento era só a diferença. O maior gasto mesmo era com combustível. Nossa concorrente não tinha esse problema porque usava os carros que rodavam para produção de um guia de turismo da mesma editora. Então, tive a ideia de propor para a Shell uma parceria: eles nos dariam gasolina e, em troca, nós daríamos uma página de publicidade e indicaríamos que nossos testes eram feitos com o combustível deles. Eles toparam e, então, tínhamos toda gasolina do mundo à disposição. Passamos a fazer os testes de longa duração de forma bem acelerada, em no máximo um ano, às vezes menos, enquanto a outra revista levava dois anos ou mais, pois dependia do trabalho do pessoal do guia de turismo. Além disso, definimos como quilometragem total 70 mil quilômetros, só para irritar a concorrência, que fazia 60 mil quilômetros [risos].

AE: Sua segunda passagem durou até quando?

FC: Fiquei até 1996. Logo a seguir, Autoesporte foi adquirida pela Editora Globo. A revista representou para mim uma grande realização pessoal e profissional, pois era meu sonho trabalhar em uma publicação especializada. Isso rendeu frutos que existem até hoje — como a minha coluna, que atualmente é publicada em dezenas de sites e jornais, mas nasceu na Autoesporte.

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