Em pleno crescimento desde o período pandêmico, o mercado de carros usados chegou ao seu pico em 2024. Segundo dados da Fenabrave, foram comercializados 5,4 milhões de veículos de segunda mão no 1° semestre de 2024, número recorde para o período.
Com o preço do carro zero km partindo da casa dos R$ 70 mil, o usado surge como boa opção. Afinal, pelo valor de um Renault Kwid Zen novo (R$ 74.590), é possível encontrar modelos mais espaçosos, potentes e equipados como, por exemplo, Nissan Kicks, Volkswagen Golf e Toyota Corolla.
Mas nem tudo são flores. Alguns desses carros usados são encontrados com uma quilometragem bastante elevada. Pensando nisso, Autoesporte preparou três dicas para te auxiliar na compra de um automóvel muito rodado. Confira abaixo:
O que é considerado alta quilometragem?
Antes de entrar nas dicas, é importante ponderar o que pode ser considerado alta quilometragem, um fator que exigirá nível de detalhe maior na inspeção antes da compra. Um número importante de se verificar é a de quilômetros rodados por ano. No Brasil, por exemplo, considera-se uma média de 13 mil a 15 mil km anuais.
Portanto, um carro de 10 anos de uso com 150 mil km rodados estaria dentro de um regime saudável. Acima disso, são necessários maiores cuidados antes da compra, já que, mesmo sem uso severo (como trânsito urbano intenso e paradas frequentes), esse número marca a metade da vida útil de um motor de carro de passeio.
“Veículos bem conservados, com revisões preventivas e uso racional, podem manter suas características até 150.000 km, ou aproximadamente 10 anos de uso. Após essa quilometragem, são necessários cuidados extras e manutenções corretivas, que se tornam mais frequentes e custosas”, comenta Clayton Barcelos Zabeu, professor e pesquisador na área de propulsão automotiva no Instituto Mauá de Tecnologia.
Apesar da quilometragem ser uma métrica importante, Zabeu também alerta para uma análise minuciosa do estado geral do carro, já que “veículos de baixa quilometragem também pode ter sido submetidos a sinistros ou modificações”.
O que observar antes da compra?
E quais componentes devemos observar na compra de um carro com alta quilometragem? Antes de tudo, devemos mencionar que ter acesso ao histórico de manutenção é muito importante, antes de qualquer análise física.
“Sem um histórico de manutenção que se encontre documentado de alguma forma, é um risco muito alto comprar um veículo usado”, alerta Diego Riquero Tournier, chefe do centro de treinamento técnico da Bosch.
Carros são complexos mecanicamente, isso à exceção do ano de fabricação. Justamente por isso, separamos alguns elementos-chave para o funcionamento e manutenção de um carro para que você possa ir direto ao ponto antes da compra.
Fluidos
Fluidos de lubrificação, como óleo do motor e do câmbio, entre outros, são vitais para o bom funcionamento de um carro. Observar o estado e nível desses fluidos pode ser um indicativo de contaminações, como um motor com falha nas juntas de vedação do cabeçote que mistura óleo e água no reservatório de expansão do radiador, ou vazamentos.
Além disso, é recomendável substituir preventivamente os fluidos após a compra, especialmente se não houver histórico claro de manutenção.
“A importância da manutenção dos fluidos de motor, câmbio e diferencial está diretamente relacionada com o histórico de manutenções do veículo, independentemente do estado atual dos fluidos, o mais importante a ser feito na hora de avaliar um veículo usado é justamente a realização de uma avaliação detalhada do histórico de manutenção do veículo com alta quilometragem. De nada adianta trocar os fluidos depois de ter rodado muitos quilômetros com fluidos contaminados ou desgastado, que já perderam todas as propriedades químicas que protegem os sistemas”, complementa Diego Tournier.
Veja abaixo os principais fluidos para se observar:
- Óleo do motor: substituição conforme recomendação do fabricante, geralmente a cada 10.000 km, juntamente com o filtro.
- Óleo de transmissão: transmissões automáticas exigem substituição periódica entre 50.000 e 80.000 km. Veículos 4x4 ou com tração traseira também requerem troca do óleo do diferencial traseiro.
- Fluido de freio: observar e substituir regularmente, pois são higroscópicos (absorvem água).
- Fluido de arrefecimento do motor: trocar conforme especificado em quilometragem ou tempo, usando o fluido recomendado pelo fabricante.
Correias e correntes de sincronização
Elementos de sincronização do motor também devem ser observados, já que danos na corrente ou na correia dentada podem levar a quebras irreparáveis e descarte completo do motor, elevando substancialmente o custo e complexidade do reparo.
Fique atento a folgas e sinais de desgaste nos dentes da correia e nos elos da corrente. Barulhos quando o motor não atingiu a temperatura normal de rodagem também podem servir de alerta. Veja abaixo recomendações gerais para substituição desses componentes:
- Correias dentadas: responsáveis pelo sincronismo do motor, devem ser substituídas entre 60.000 e 100.000 km, seguindo a especificação do fabricante.
- Correntes de sincronização: são mais duráveis, com intervalos acima dos 200.000 km, mas exigem inspeção regular.
Freios e suspensão
Os componentes da suspensão e freios também devem ser avaliados com cuidado, pois são sistemas de segurança que usam peças de desgaste natural.
“Para o caso do sistema de freios, os principais itens de revisão são os componentes de desgaste/fricção (pastilhas de freio, discos, tambores e patins de freio), controle da condição do fluido de freio, assim como os componentes hidráulicos, cilindros e atuadores”, alerta Fournier. “Em condução normal, as pastilhas podem durar entre 35.000 e 50.000 km e os discos, até 100.000 km”, acrescenta Clayton Zabeu.
Para a suspensão, existem diversos itens de controle com relação a folgas ou desgastes, terminais de suspensão e direção, amortecedores, pivô, bandejas e buchas, que vão apresentar mais desgaste em um carro com alta quilometragem. Normalmente, ao dirigir o carro é possível perceber algum problema nesses componentes por desalinhamento, barulhos e folgas – isso ao passar por buracos, ondulações e até mesmo em frenagens e acelerações.
Componentes elétricos
Para carros mais modernos, a parte elétrica é carregada de maior complexidade pela operação de módulos de controle e sistemas de segurança. Mas é possível separar alguns itens que são essenciais para o funcionamento básico do carro.
“Na parte elétrica podemos dividir os itens de inspeção entre sistema de carga e partida do sistema eletrônico do veículo. Dentro do sistema de carga e partida são três os itens a serem avaliados: bateria, alternador e motor de partida. Já no sistema eletrônico é importante realizar uma leitura de todos os sistemas instalados no veículo para identificar possíveis falhas registradas nos computadores do veículo”, diz Diego Fournier, especialista da Bosch.
Na maioria desses casos, ferramentas como o scanner eletrônico pode apontar possíveis problemas, falhas e até adulterações, como ressalta Clayton Zabeu, professor do Instituto Mauá:
“Scanners conectados ao OBD podem acessar registros de quilometragem em diferentes módulos, como a ECU e TCU. Alterações fraudulentas de quilometragem geralmente afetam o painel, mas scanners podem indicar discrepâncias entre módulos, sugerindo possíveis fraudes. Consultar uma concessionária da marca também pode ajudar a identificar inconsistências."
Sempre faça o laudo cautelar
Um grande parceiro na compra de um carro com alta quilometragem é o laudo cautelar. Uma inspeção de laudo cautelar observa pontos estruturais do carro, como soldas, longarinas e colunas. Dessa forma, é possível verificar se o carro já teve reparos estruturais por batidas, trocas de elementos de deformação como alma de para-choque, e ferrugem.
O laudo cautelar pode auxiliar a confirmar a regularização, presença de dívidas e restrições do modelo, essenciais para viabilizar a compra e transferência.
“O laudo cautelar verifica a integridade estrutural e autenticidade do veículo, inspecionando itens como o chassi, número do motor, etiquetas e histórico de sinistros. Busca identificar fraudes ou adulterações, além de averiguar histórico de leilões e restrições administrativas. Componentes estruturais, como longarinas e torres de amortecedores, são inspecionados para detectar sinais de acidentes severos”, complementa Zabeu.
Procure um especialista
Se mesmo após verificar todos esses pontos você ainda se sentir inseguro na hora de comprar um carro com alta quilometragem, é extremamente recomendável procurar um profissional para te ajudar nesse processo.
Atualmente, diversas oficinas mecânicas oferecem o serviço de inspeção antes da compra, em que todos esses componentes que citamos serão observados, além de já poder estimar possíveis custos de reparação após adquirir o veículo. Oficinas especializadas também podem verificar problemas crônicos específicos de certos modelos. Nas concessionárias, apesar do custo elevado, fica mais fácil de verificar possíveis adulterações e atendimentos de recall.
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