Há 20 anos, em janeiro de 2003, eu embarcava para Camaçari, na Bahia, para conhecer de perto o carro que havia ofuscado a Ferrari Enzo no Salão do Automóvel de São Paulo dois meses antes. Um jipe!
Camaçari é o polo industrial onde a Ford mantinha uma de suas fábricas no país, responsável pela produção da linha Fiesta. E o jipe se chamava EcoSport, um projeto desenvolvido em Dearborn, QG da Ford nos Estados Unidos, por engenheiros brasileiros, sob olhares desconfiados dos americanos.
Os planos da matriz para a quarta geração (terceira no Brasil) da família Fiesta previam uma minivan compacta, a Fusion, e não um SUV. Um grupo de engenheiros, liderado por Luc de Ferran, então engenheiro-chefe da filial brasileira, foi contrário à ideia e apresentou a proposta inusitada do SUV compacto para os executivos americanos.
Na bagagem, Luc de Ferran e seu braço direito, Márcio Alfonso, levaram o resultado de pesquisa de opinião sobre as aspirações dos consumidores: dez entre dez mulheres ouvidas queriam um SUV. A vontade dos homens era a mesma. E em 1997 teve início o desenvolvimento do modelo. O EcoSport (nome, a propósito, dado por Márcio Alfonso) nasceu antes do Fiesta hatch, mas foi lançado depois.
Há um mês da apresentação, lá estava eu ao volante de um protótipo de desenvolvimento. Depois de rodar 500 km em diferentes tipos de piso com a versão 4x2, com motor Duratec 2.0 16V mexicano, concluí que o modelo reunia ingredientes para se dar bem no mercado. Conclusão modesta: o EcoSport havia se transformado em objeto de cobiça.
À época, todos queriam um SUV, mas poucos tinham condições de comprar as opções importadas, como o Toyota RAV4. O EcoSport preencheu a lacuna criando o segmento dos utilitários esportivos compactos, de preço mais acessível, solução que a maioria dos fabricantes tratou de copiar. Hoje é o segmento mais acirrado do mercado de automóveis, com mais de 20 modelos disputando preferências.
Nos primeiros cinco anos de produção, o EcoSport figurou entre os dez carros mais vendidos. Perdeu fôlego com a chegada do Hyundai Tucson, um SUV maior e de preço agressivo, e sentiu o golpe com o lançamento do Renault Duster, derivado do Sandero, em 2011.
Parou no tempo e, quando tentou reagir, era tarde. O Eco tinha qualidades, mas a chegada dos concorrentes escancarou seus defeitos: acabamento, espaço acanhado, ruído e a dificuldade de manejar o estepe fixado na tampa traseira — um improviso criado em função da falta de espaço para abrigar a roda sobressalente.
O jipinho, como era chamado, teve, no entanto, mais méritos do que deméritos. Mal comparando, o EcoSport representou para a Ford do Brasil o mesmo que o Mustang havia representado para a matriz norte-americana nos anos 1960: um carro criado para atender aos desejos ocultos do comprador. Fenômenos assim não surgem da noite para o dia.
O Mustang caminha para seus 60 anos de produção ininterrupta, a serem completados no próximo ano. O Eco, ao contrário, saiu de cena em definitivo com o encerramento da produção na Romênia, último país onde ainda era fabricado. Despediu-se como o quinto Ford mais vendido no mundo e o terceiro SUV mais vendido da marca em 2021.
Luiz Guerrero é jornalista, apaixonado por carros antigos (originais) e motos de qualquer época
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