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Por Marcos Rozen


Corcel II foi lançado em setembro de 1977, mas os planos para sua apresentação começaram cerca de um ano antes, em 1976 (Foto: Divulgação) — Foto: Auto Esporte
Corcel II foi lançado em setembro de 1977, mas os planos para sua apresentação começaram cerca de um ano antes, em 1976 (Foto: Divulgação) — Foto: Auto Esporte

O lançamento de um carro novo é algo fascinante – especialmente para quem está de fora. Para quem trabalha na montadora é um tsunami de problemas a resolver, prazos apertados, recursos controlados, stress, aflição e ansiedade. Geralmente funciona a regra de que se algo puder dar errado, dará.

Isso sempre ocorre porque a apresentação de um novo modelo requer esforço conjunto de várias áreas da montadora, como engenharia, manufatura, marketing, imprensa, propaganda, diretoria etc.

Isso é assim até hoje, mas imagine como era o processo antes da informática. Hoje as comunicações entre essas áreas ocorrem de forma bem mais rápida e fluida graças a e-mail, WhatsApp e outros recursos, mas antigamente exigiam um monte de papéis, assinaturas e carimbos, de forma que ao fim do processo havia pastas e mais pastas de arquivo com centenas de páginas acumuladas.

Para usar o autódromo de Jacarepaguá para o evento foi preciso pedir autorização à Confederação Brasileira de Automobilismo e mudar a data de prova da F-Ford (Foto: Acervo MIAU) — Foto: Auto Esporte
Para usar o autódromo de Jacarepaguá para o evento foi preciso pedir autorização à Confederação Brasileira de Automobilismo e mudar a data de prova da F-Ford (Foto: Acervo MIAU) — Foto: Auto Esporte

Uma destas pastas, refere ao Projeto Onça, como era chamado internamente o Corcel II, chegou ao acervo do MIAU, o Museu da Imprensa Automotiva, por meio de uma doação anônima. Esse material traz informações, à época, estritamente confidenciais.

Por exemplo: só de cachê a Roberto Carlos, que fez um show exclusivo durante o lançamento do carro, a Ford pagou, na época, nada menos do que US$ 2,4 mil.

A papelada mostra que a ideia inicial era apresentar o carro em São Paulo, mas os planos mudaram para o Rio de Janeiro. Primeiro problema: não havia quartos disponíveis em um único hotel para os cerca de 150 jornalistas e mais 50 concessionários convidados. A solução foi dividi-los entre o Nacional e o InterContinental.

Apenas para alugar um telex para uso pelos jornalistas durante o evento foram necessárias várias trocas de correspondência com a Embratel, que tinha monopólio das linhas (Foto: Acervo MIAU) — Foto: Auto Esporte
Apenas para alugar um telex para uso pelos jornalistas durante o evento foram necessárias várias trocas de correspondência com a Embratel, que tinha monopólio das linhas (Foto: Acervo MIAU) — Foto: Auto Esporte

A lista de tarefas era enorme e envolvia desde a produção de discursos dos executivos até o menu do jantar, passando pelo aluguel do Autódromo de Jacarepaguá para um test-drive.

Para piorar: a matriz resolveu mostrar o carro simultaneamente nos Estados Unidos, aos correspondentes brasileiros que trabalhavam lá. E tome papelada e providências para embarcar um Corcel II. Tudo teria que funcionar sem a mínima falha, afinal estava prevista a presença de ninguém menos que o presidente global Henry Ford II.

Aí o financeiro reclamou que a previsão de gastos estava muito acima do orçamento. Só que o valor previsto originalmente, de cerca de R$ 1 milhão em números atuais corrigidos, era para o lançamento em São Paulo. O deslocamento de carros e pessoas para o Rio aumentava bastante a conta – que no final bateu em quase R$ 1,5 milhão, também em números de hoje.

Pouco tempo antes do lançamento a engenharia avisou que não conseguiria preparar todos os carros pedidos a tempo: saíram do test-drive então as versões GT e LDO (Foto: Acervo MIAU) — Foto: Auto Esporte
Pouco tempo antes do lançamento a engenharia avisou que não conseguiria preparar todos os carros pedidos a tempo: saíram do test-drive então as versões GT e LDO (Foto: Acervo MIAU) — Foto: Auto Esporte

Como problema pouco é bobagem, o test-drive previa oferecer 31 carros, para abarcar todas as versões e cores. A engenharia avisou em cima da hora que não conseguiria preparar todos os modelos, ainda pré-série, a tempo. Saíram então os modelos LDO e GT, diminuindo o total para 20 carros.

Uma curiosa lista de equipamentos a alugar para o evento apontava necessidade de dez máquinas de escrever, um telex (que tinha que ser solicitado somente à Embratel) e um telefoto – uma espécie de pré-fax.

Ah, não se podia esquecer a concorrência: a VW ia lançar na mesma época a Variant II, a GM o novo Chevette e a Chrysler o Dodge Polara com faróis retangulares. A chegada do Corcel II não podia coincidir com nenhum deles.

Só para complicar um pouco mais a matriz pediu que fosse embarcado um Corcel II para os Estados Unidos para exibição a correspondentes brasileiros por lá (Foto: Acervo MIAU) — Foto: Auto Esporte
Só para complicar um pouco mais a matriz pediu que fosse embarcado um Corcel II para os Estados Unidos para exibição a correspondentes brasileiros por lá (Foto: Acervo MIAU) — Foto: Auto Esporte

A produção das fotos de divulgação também não saiu como previsto. Alguns detalhes, como as lanternas traseiras, não foram registrados porque o modelo pré-série colocado à disposição tinha encaixes irregulares e desgastes de testes. O jeito foi arrumar outro carro melhor dias depois para produzir as imagens.

Só para demonstrar bem o que era a burocracia interna da época, somente para fazer aquela clássica foto de divulgação em que há malas junto à traseira do carro, para ilustrar sua capacidade de carga, a Ford precisou escrever uma carta solicitando essas malas à Primícia, que foi datilografada e depois passeou por três departamentos.

Mais tarde outra carta indicava o nome da pessoa responsável por retirar as malas na Primícia. E uma terceira carta foi escrita para autorizar outra pessoa a sair com essas malas vazias da fábrica da Ford rumo ao estúdio fotográfico!

E para dificultar um pouquinho mais a maioria destas comunicações tinha uma cópia enviada à matriz nos Estados Unidos, então ainda precisavam ser traduzidas para o inglês, mesmo que fossem simples convocações para uma reunião.

O depto. financeiro mandou avisar que os gastos estavam acima do previsto e que valores adicionais teriam que ser autorizados pelo próprio presidente (Foto: Acervo MIAU) — Foto: Auto Esporte
O depto. financeiro mandou avisar que os gastos estavam acima do previsto e que valores adicionais teriam que ser autorizados pelo próprio presidente (Foto: Acervo MIAU) — Foto: Auto Esporte

Apesar de tudo, o lançamento ocorreu sem problemas em 28 e 29 de setembro de 1977, abrindo caminho para o sucesso comercial do carro, hoje um dos mais conhecidos da história da nossa indústria.

Todos na Ford respiraram aliviados, mas ninguém teve tempo para comemorar ou descansar: já era hora de começar tudo de novo, desta vez para a Belina II...

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