Jairo Marques https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br Assim como você Tue, 07 Dec 2021 19:25:10 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O pai, a filha e o gênio https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2020/08/04/o-pai-a-filha-e-o-genio/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2020/08/04/o-pai-a-filha-e-o-genio/#respond Wed, 05 Aug 2020 02:15:54 +0000 https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/files/2020/08/aladdin1-320x213.jpg https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=3898 Escrevo e penso a respeito de diversidade e inclusão já tem lá uns bons dias. As experiências que vou vivendo ou acompanhando sempre abrem novas perspectivas da diante minha própria realidade cadeirante e do modo como ela se reflete na vida dos outros, dos meus.

Ter filhos, família e cuidar de cachorros, para pessoas com deficiência, como eu, é, de certa forma, feito recente, embora não raro. Veio no embalo do acesso ao trabalho, do reconhecimento de capacidades para além do que se vê e do que julga normal.

Veio da quebra do mito da assexualidade, do entendimento um pouco maior da sociedade de que ser gente não é necessariamente andar engomado em um paletó ou se equilibrar em um salto bem alto.

Por isso, também, questões novas sobre relacionamento humano dentro de realidades diversas vão surgindo à medida que se expõem mais as ditas “novas famílias” e seus desafios, suas encruzilhadas legítimas pela carência de grandes referências.

Essas composições de convivência também ganham o título, a meu ver, porque estão abertas, de certa forma, para aceitar olhares, opiniões e sugestões de como lidar com seus também novos conflitos e questionamentos.

Claro que sigo com a máxima que de “pé de galinha não mata pinto” e me valho de minhas convicções e autoentendimento para lidar com desafios da paternidade de minha filha Elis, de cinco anos, que também curte ser chamada de biscoita, mas não estou isento de interrogações.

Pois bem, em uma de nossas brincadeiras, que agora acontecem quase de hora em hora, intercaladas com o trabalho remoto, a menina quase me derrubou da cadeira de rodas, não por um empurrão desengonçado, mas por uma frase sem perífrase.

– Pai, se eu conseguisse a lâmpada mágica do Aladim, sabe o que eu ia pedir para o gênio?

O ator Will Smith, que interpreta o gênio, em cena de ‘Aladdin’ Foto: Divulgação
– Uma boneca Lol ultra mega blaster rara?

– Não.

– Um encontro exclusivo com a Maria Clara e com o JP (youtubers mirins que encantam a molecada desta geração).

– Não, pai. Eu ia pedir para o gênio que você pudesse andar, ficar em pé, essas coisas. Daria para fazer um monte de coisas novas.

Por mais que minha pitchuca tenha sido criada a bordo de um colo cadeirante, que se tenha divertido com o pai sobre rodas, aprendido que há formas distintas de atuar na vida, ela deseja, naturalmente, aquilo que é improvável, inatingível, como se um filho pedisse ao pai que caminha que ele pudesse flutuar.

Não me acabrunhei diante dela, evidentemente, e soltei aquele discurso básico de que existem formas diferentes, mas igualmente divertidas, de fazer tudo entre nós dois.

Se eu não pulo dobrando os joelhos, eu pulo meio atrapalhadamente, usando o tronco…

– Eu sei, papai, mas queria que você pudesse andar mesmo. Mas, agora, pega essa Barbie e vamos fazer um desfile…

Sou um pai privilegiado, pois Elis tem o hábito de abraçar forte, de agarrar as bochechas e de dizer que ama com uma frequência fofa e acalentadora.

Mas também é vantagem da minha paternidade me ver questionado em minhas pseudosseguranças de ser, em ter enfrentadas minhas reflexões a respeito da forma de levar o cotidiano.

Filhos pequenos não apontam o que temos a menos, mas, sim, alertam para aquilo que poderíamos ter a mais ou para aquilo que não podemos desistir de perseguir ou aprimorar, de alguma maneira.

Ainda não penso em comprar uma daquelas vestes robóticas inúteis que prometem fazer o “serumano” sem movimentos nas pernas sair sambando na boquinha da garrafa, mas me arrisco a dizer que, talvez, eu possa retomar o meu projeto de criar um par de asas. Feliz dia para qualquer pai.

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Ser pai é padecer na zona norte https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2019/08/07/ser-pai-e-padecer-na-zona-norte/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2019/08/07/ser-pai-e-padecer-na-zona-norte/#respond Wed, 07 Aug 2019 05:30:15 +0000 https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/files/2019/08/eliseeu-1-320x213.jpg https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=3686 Já faz um ano, mas sempre que visito aquela imagem, aquela sensação, é como se a mesma erosão que senti no peito fosse reaberta. Elis estava mais empolgada que Alice escorregando pela toca do coelho com a festa do Dia dos Pais na escolinha. Eu, que prevejo roubadas com quilômetros de antecedência, sentia que haveria alguém, em algum momento, gritando “cortem-lhe as cabeças”.

Como era o “meu momento exclusivo com biscoita”, minha mulher deu no pé rapidinho de toda aquela maravilha formada por homens desengonçados com seus pequenos alucinados para apresentar a serenata tão ensaiada. Mas, em um dia “todo especial”, não bastaria ouvir a cantoria. Havia uma programação completa me esperando e me desesperando.

“Agora todos os pais com seus filhos se dirijam à quadra de esportes. Vamos fazer um aquecimento bem legal com uma aula de kung fu”, gritava a coordenadora pelo pátio.

Minha menina saiu qual um foguete para o local da atividade, alegre e com entusiamo de coelho saltitante. Respirei fundo, roguei a nossa senhora da bicicletinha para que me desse acessibilidade no caminho, e fui atrás.

Não dava para entrar na quadra, que tinha uma rampa ingrime usada, geralmente, por quem não precisa de rampa nenhuma, não por um cadeirante. Fiquei tenso, chateado, enquanto Elis já copiava do mestre, meio perdida e desaprumada, a lição de um chute espalhafatoso.

Elis em traje de luta marcial Foto: Arquivo Pessoal

Ela me vê do lado de fora e, no auge de sua inocência inclusiva, começa a berrar e gesticular com a: “Veeeeem, pai, vem! Já começou!”.

“Não dá, filha! Papai não consegue entrar”, respondo com cara de tacho, encabulado diante da minha pequena, que sente pela primeira vez na vida, já aos três anos, os sintomas de um mundo não desenhado para o diverso, não acolhedor com quem é diferente, refletindo em suas famílias.

Enquanto meu coração derretia, Elis parecia se sintonizar com minha angústia. Olha ao seu redor, com um montão de pais e seus filhos brincando de artes marciais, e solta um golpe final naquela situação. Sai da quadra, pega em minha mão e me faz um convite: “Vamos conhecer a escola, pai. Tem galinha, pato, Branca de Neve. É muito legal aqui, pai”.

Quando pensava que a presepada maior já era passado, eis que é chegada a hora da apresentação da turma. No momento em que o “grupo 2” foi chamado ao palco, foi como se um enxame de homenzarrões, machos alfas, coaches de como se dar bem em festinhas infantis, saísse em disparada para conseguir o melhor lugar.

Fui me embrenhando pelos cantos, passando sobre os pés de todo o mundo com as rodas da cadeira até ficar num vão entre o sovaco de um pai aqui e os dois aparelhos de gravação de outro pai ali. Estiquei o pescoço, construí um sorriso e esperei a cantoria.

Muitos colégios estão adotando o Dia da Família e abandonando as efemérides mais tradicionais devido às múltiplas formas de organização de quem se ama e congrega, na atualidade. Estão também botando olhos sobre as várias maneiras de ser gente, de ser pai, de ser mãe, de ser cuidador.

As “novidades” ainda não chegaram lá pelas escolinhas da zona norte, região onde estuda pitchuca, assim como não chegou à cabeça de muita gente o conceito de ser um pai cadeirante. Por outro lado, me acolhe o versinho que Elis, também espichando o pescoço para me ver, cantou naquele dia: “Meu papai mora no meu coração e é com toda emoção que eu te dou o meu amor”.

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Um pai em apuros…nos States https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2018/08/08/um-pai-em-apuros-nos-states/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2018/08/08/um-pai-em-apuros-nos-states/#respond Wed, 08 Aug 2018 05:30:21 +0000 https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/files/2018/08/elis-states-320x213.jpg https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=3339 Foi a primeira viagem grande, em família, da minha filha biscoita, de três anos. Ansiosa por natureza, a menina começou a aventura um mês antes do embarque para o Texas (EUA), tagarelando palavras em inglês e prometendo botar muita energia para fora.

Mas quem botou algo para fora, mesmo, fomos eu e minha mulher: os bofes, de tanto que tivemos de interceder para evitar que a menina transgredisse alguma das milhares de regras de bom comportamento dos americanos.

Logo na chegada em Houston, depois de ter apagado no voo somente após ter visto quinze vezes pedaços de um filme a respeito de um reino gelado –mas prontamente ter acordado ao saber que a tia do avião estava distribuindo jantar–, Elis já revelou que pimenta pouca seria bobagem.

Como normalmente acontece, por uma questão de logística, fui o último a sair da aeronave. Ela e a mãe aguardaram do lado de fora. “Mamãe, cadê meu pai?”, “mãe, meu pai não vem?”, “Mãe, vamos buscar o papai?”.

Depois de devidamente acomodado em minha cadeira, rumamos para a imigração, mas biscoita logo deu o alerta de que tinha necessidade “urgente” de ir ao banheiro. Saiu de lá renovada.

“Papai, fiz um moooonte de cocô! Você fez também? Você não foi no banheiro no avião. Fez um cocozão, pai?”, berrava ela na língua universal do constrangimento.

Enquanto aguardávamos nossa vez para sermos atendidos no guichê da aceitação, a menina parecia buscar um jeito de nos mandar para Guantánamo. Puxava as cordas de separação de filas, entrava em salas de acesso restrito, ria dos agentes de segurança e disse que o policial que nos atendeu tinha bigode estranho.

Um dos meus maiores receios quando estou com a pitchuca em lugares públicos é o de ela correr de mim durante alguma ausência temporária da mãe. Se pais sem deficiência levam olés de seus pequenos, no meu caso, é goleada certa.

E como ela me testou! Sempre dando uma olhadinha para trás para saber o meu nível de desespero, correu pelos saguões dos aeroportos, dentro de shoppings, em parques, nos corredores do hotel, na rua. Só mesmo acreditando em nossa senhora da bicicletinha para nada ter dado errado.

Com um calor de 39º C na lomba, ficamos numa sombrinha esperando mamãe encontrar algo diferente de gordura para comermos e seguirmos o passeio pelo mundo das baleias presas em aquários.

Durante o desfile final dos bichinhos do parque, Elis (à direita na imagem), sai correndo e vai pro meio da parada Imagem: Arquivo Pessoal

A conexão do celular, o que ela chama de “Seu Lobato” morreu, o desenho parou e o desespero de procurar a mãe chegou a níveis alarmantes. Ela ensaiou uma fuga, em meio à multidão, mas um casal cheio de meninos, também degustando da sombra, me ajudou a conter o tsunami mirim.

Novamente cansados, à procura de um oásis, entramos em um shopping. De longe, a menina avista o paraíso do consumo infantil e escoadouro de parcos dólares de pais brasileiros trabalhadores: a loja da Disney.

“A fantasia da Moaaaaana! Paaaai, olha iiiiissso, a boneca da Bella! Meu Deus do céu, que lindo esse vestido da Branca de Neve”.

Quase uma hora depois de percorrer todos os corredores da loja por dez vezes cada um, extasiada, ela se contentou e quis mesmo um conjuntinho de bonecas de princesas por dez doletas. E viva o Mickey!

Sábado (11) tem festa do Dia dos Pais na escolinha que será “exclusiva” para eu e biscoita. Mamãe não entra. Mas, como dizem os entendidos, nada melhor do que uma experiência internacional para dar tarimba na gente. Como me falou um motorista de Uber ao ver o nível de animação de minha garota ao chegar num parquinho aquático: God Bless…

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Levanta, papai! https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2018/04/18/levanta-papai/ https://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2018/04/18/levanta-papai/#respond Wed, 18 Apr 2018 05:30:44 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/?p=3190 Eu sabia que aconteceria, que chegaria o momento de biscoita me dar uma enquadrada por estar sempre sentado na hora das danças, na hora de brincar de pique-esconde. Só não imaginava que seria de maneira tão precoce e tão contundente.

Minha filha, às vésperas de completar três anos, quer entender já o que é ser diferente, e eu, que me achava tão seguro e bem resolvido, voltei a pensar, como num passado remoto, que não seria de todo ruim que me surgisse um cálice do elixir da normalidade para voltar a andar “só um pouquinho”.

E foi mais ou menos assim: “Papai, levanta para rebolar comigo essa música!”, “Papai, sai da sua cadeirinha um pouco e senta aqui no tapete para brincar”, “Pai, por que sua perninha é assim?”, “Pai, fica em pé só um pouquinho, igual à mamãe”.

Elis tem mais do que uma curiosidade pontual de qualquer criança que vê um cadeirante na rua, no shopping, aponta o dedo e lasca: “O que é iiiiissso, mãe?!”.

Elis e papai brincando de ‘fada madrinha’

Ela tem uma necessidade de compreender por que sua própria vida é brindada com um ineditismo de ser _afinal, ser família, é ser um só em diversos momentos. Ela quer saber por que não a jogo bem lá no alto, como ela adora, porque não a socorro rápido quando se afoga de tanto rir na piscina de bolinhas.

A legítima curiosidade de minha pequena tem sido pueril e cessa diante de uma resposta com pouco argumento tipo “filha, todos somos diferentes. O vovô usa bigode, a vovó usa óculos, o Joca tem os olhos esbugalhados, o lobo faz malvadezas e o papai usa uma cadeirinha, sabe?”.

Pensava que esse processo de reconhecimento e descoberta de minha vida torta fosse construído de maneira mais natural para ela, embalada no berço, embrulhada nas fraldas e acalentada desde sempre comigo na tal “cadeirinha do papai”, mas pitchuca me obriga a refletir que o “serumano” em suas complexidades também é um valor a ser construído, lapidado, discutido, avaliado.

Certa vez, mergulhado numa angústia que não cabe em palavras e aproveitando que estávamos na varanda só eu, ela e a boneca da Luna, quis avançar no debate: “Você fica triste porque o papai só brinca de fada com você sentado?”.

Ela pensa com a brevidade que as grandes expectativas almejam e tasca: “Não fico, não, papai. Agora veste aqui o tutu, porque é sua vez de fazer a magia”.

Naquele momento, bem que a varinha de plástico que ela ostenta com a certeza de fazer o impossível -já fez uma massinha verde ficar azul e aparecer um chocolate dentro de uma caixinha- poderia me fazer ficar em pé um só pouquinho para dar a ela o sagrado mimo de não entortar suas tenros sonhos e inspirações.

Não há convicção que se mantenha diante uma criança que confia a você a orientação das verdades. Deficiência não é pecado, não é carma, não é castigo, mas ler a cartilha de minhas firmezas de caráter, de minha resiliência precisa ter a delicadeza do voo de libélula e explicar que, mesmo aquelas com menos asas podem encantar e seguir adiante, sendo libélulas, não é das tarefas mais fáceis.

Refleti um bocado se deveria compartilhar esse momento com os leitores. Concluí que, se as ideias destas linhas é tentar levar luz ao desconhecimento a respeito das diversas maneiras de viver, é também válido demostrar que há páginas brancas que só a experiência, a inclusão plena e o abraço apertado na diversidade irão ajudar a preencher.

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