O INEPAC / Histórico
HISTÓRICO DO INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNO CULTURAL
1- Da Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico (DPHA) ao Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac)
O pequeno histórico aqui desenvolvido não tem o objetivo de apresentar toda a história do desenvolvimento da preservação do patrimônio histórico e artístico (hoje patrimônio cultural) no Rio de Janeiro. Buscamos apenas apresentar o que foi a DPHA, e hoje o Inepac, como forma de facilitar a compreensão do que foi a construção do conceito de patrimônio cultural e as medidas de proteção tomadas pelo DPHA (a partir de 1965) e o Inepac (a partir de 1975).
1.1- A fundação do Estado da Guanabara e a criação da Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico (DPHA)
A história do atual Estado do Rio de Janeiro está diretamente ligada à formação do Estado da Guanabara, em 1960, e à construção de Brasília para ser capital federal. A Constituição de 1946 já incluía em seu texto, na seção Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a criação do Estado da Guanabara e a transferência da capital federal para o planalto central do país:
Art 4º - A Capital da União será transferida para o planalto central do país.
§ 1 º - Promulgado este Ato, o Presidente da República, em sessenta dias, nomeará uma Comissão de técnicos de reconhecido valor para proceder ao estudo da localização da nova Capital.
§ 2 º - O estudo previsto no parágrafo antecedente será encaminhado ao Congresso Nacional, que deliberará a respeito, em lei especial, e estabelecerá o prazo para o início da delimitação da área a ser incorporada ao domínio da União.
§ 3 º - Findos os trabalhos demarcatórios, o Congresso Nacional resolverá sobre a data da mudança da Capital.
§ 4 º - Efetuada a transferência, o atual Distrito Federal passará a constituir o Estado da Guanabara.
No governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), a população do então Distrito Federal foi testemunha de inúmeras discussões sobre a transferência da capital e o que isto acarretaria de prejuízos para a cidade do Rio de Janeiro no plano nacional. Somente em 12 de abril de 1960, portanto nove dias antes da inauguração de Brasília e da transferência efetiva da capital do país, com a aprovação da Lei San Tiago Dantas, “considerada a certidão de nascimento do mais novo estado da federação brasileira” (Motta, 2001), ficou definido que o Distrito Federal passaria a ser o estado da Guanabara, Dessa forma, o anseio da maioria da população carioca, que não desejava a fusão com o antigo estado do Rio de Janeiro, era atendido.
Naquele período o campo político do Rio de Janeiro dividia-se entre os partidos mais poderosos: UDN, majoritário, PTB e PSD. Os demais se acoplavam a estas siglas. O governador da Guanabara, Carlos Lacerda (UDN), eleito em.1960 com superioridade de apenas 2,3% dos votos em relação ao segundo colocado, Sergio Magalhães (PTB), imprimiu ao seu mandato uma imagem de competência administrativa, cujo objetivo seria levar a Guanabara ao desenvolvimento e à consequente modernização da cidade do Rio de Janeiro.
Nesse contexto, buscando modernizar a administração do novo estado, Lacerda tomou uma série de medidas na área cultural, como a criação do Museu da Imagem e do Som (MIS), inaugurado em 3 de setembro de 1965, como parte das comemorações do IV Centenário da cidade do Rio de Janeiro.. A ideia era manter o Rio de Janeiro no posto de capital cultural do país e local onde tudo repercutia em nível nacional.
A Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico (DPHA), da Secretaria de Estado da Educação e Cultura, foi criada nesse contexto, com o objetivo de preservar o patrimônio do novo Estado da Guanabara, atendendo ao disposto no artigo 75 da Constituição Estadual, de 1962, [...] “O Estado protegerá de modo especial, em colaboração com os órgãos federais competentes, os bens naturais, assim como as obras e os monumentos de valor histórico, artístico e cultural situados no seu território”. (Peixoto, 1990, p. 8)
A DPHA foi criada em 25 de março de 1963, pelo Decreto nº 1.594, publicado no Diário Oficial do Estado da Guanabara em 8 de abril de 1963, e, em 31 de dezembro de 1964, o decreto "N" N. 346 regulamentou o primeiro órgão de patrimônio cultural em nível estadual de todo o país:
“DECRETO "N" N. 346 — DE 31 DE DEZEMBRO DE 1964
Regula a Proteção ao Patrimônio Histórico e Artístico da Guanabara
Art. 1º À Secretaria de Estado da Educação e Cultura compete promover o tombamento, a conservação, o enriquecimento e a divulgação do patrimônio histórico e artístico da Guanabara.
Art. 2º As atribuições executivas serão exercidas pela Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico, observadas as normas constantes do anexo, que são aquelas que disciplinam as atividades da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Art. 3º A Secretaria de Estado da Educação e Cultura baixará os atos necessários ao cumprimento deste Decreto.
ANEXO AO DECRETO "N" N. 346. DE 31 DE DEZEMBRO DE 1964
CAPÍTULO I
Do Patrimônio Histórico e Artístico da Guanabara
Art. 1º Constitui o patrimônio histórico e artístico da Guanabara o conjunto dos bens móveis e imóveis, públicos e particulares, existentes no Estado, inclusive os monumentos naturais, os sítios e as paisagens, cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos históricos memoráveis, quer por seu excepcional valor folclórico, documental, artístico ou bibliográfico, quer pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana.
§ 1º Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante do patrimônio histórico e artístico estadual, depois de inscritos, separada ou agrupadamente, nos Livros do Tombo a cargo da Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico.
§ 2º Serão obrigatoriamente inscritos nos Livros de Tombo os bens tombados pela Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional situados no território do Estado.
CAPÍTULO II
Do Tombamento
[....]
Art. 5º O tombamento dos bens do Estado far-se-á por decreto, à vista de processo devidamente instruído e encaminhado pelo Diretor da Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico.
Art. 6º O tombamento dos bens de propriedade de pessoa natural ou de pessoa jurídica de direito privado se fará de ofício, voluntária ou compulsoriamente.
[....]
CAPÍTULO IV
Disposições Gerais
Art. 27. O Estado manterá, para a conservação e a exposição de obras artísticas e históricas de sua propriedade, o Museu da Cidade e tantos outros museus estaduais quantos se tornarem necessários.
[....]
Art. 33. O Governador do Estado, atendendo a motivo de manifesto e relevante interesse público, e por provocação de qualquer legítimo interessado, poderá após parecer favorável da Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico, determinar o cancelamento de tombamento levado a efeito na forma deste regulamento. Se o parecer da Divisão for contrário, a decisão do Governador que autorizar o cancelamento deverá ser referendada por todos os Secretários de Estado.”
Segundo Cybelle de Ipanema, em depoimento ao Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, em 2008, a respeito da posse do primeiro diretor do DPHA, Marcello de Ipanema :
[...] o Carlos Lacerda deu tanta importância a esse aspecto de tombamento e de patrimônio, que deu posse ao Marcello [de Ipanema] no Palácio Guanabara. Foi uma solenidade excepcional. Na mesa estavam o Carlos Lacerda, governador, Raphael de Almeida Magalhães, vice-governador, secretários de Estado. [...] me lembro dele [Lacerda] falando na mesa: “Professor Marcello, tombe o Parque Lage.”. Foi realmente o primeiro tombamento do Estado. (Kushnir e Horta, 2011, p.25)
Com a regulamentação promovida pelo Decreto "N" N. 346, o estado adquiriu a condição de preservar o seu patrimônio de forma legal. A atuação do órgão, cujo primeiro tombamento data de 1965, foi considerada, desde o início, emblemática, pela autonomia e originalidade em relação aos critérios que prevaleciam no campo do patrimônio em nível federal.
Em texto publicado na Arquitetura Revista, da FAU/UFRJ, em 1990, o arquiteto Gustavo Rocha Peixoto comenta a importância desse primeiro tombamento estadual no Brasil:
A criação da antiga DPHA, da qual o Inepac é o sucessor legal, abriu caminho para que em 15 de julho de 1965 fosse efetivado o primeiro tombamento estadual do Brasil - o Parque Henrique Lage, obra eclética do início do século vinte. Sua preservação seria quase impossível de acordo com os rigorosos critérios de seleção de bens para tombamento que vigoravam naquele momento. Ao mesmo tempo em que se preservava a construção, protegia-se também o amplo parque, importante área de lazer e área verde para a Cidade. (Peixoto, 1990, p. 8)
É importante assinalar que a DPHA foi criada em um contexto novo, com profundas modificações na área do patrimônio cultural acontecendo no mundo. Lia Motta ressalta que:
A recomendação relativa à salvaguarda da beleza e do caráter das paisagens e sítios, resultante da Conferência Geral da ONU, de 1962, considerava, pela primeira vez em documento internacional, os centros históricos como parte do meio ambiente, devendo ser alvo de planejamento territorial. (Motta, 2000, p. 39)
Outra modificação foi o incentivo ao turismo como forma de apropriação do patrimônio cultural:
Desde 1963 a Conferência das Nações Unidas vinha promovendo discussões sobre o aproveitamento do patrimônio cultural como recurso para o seu incremento. O Conselho Econômico e Social, reunido em assembléia geral em 1964, declarou o ano de 1967 como o “Ano do Turismo Internacional”. (Motta, 2000, p. 40)
Mais importante ainda para os destinos da preservação do patrimônio cultural foi a Carta de Veneza, resultante do II Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos dos Monumentos Históricos – ICOMOS, em Veneza, no ano de 1964, como destaca Motta:
Embora predominantemente dedicada a critérios de intervenção em monumentos e sítios históricos, o conceito de patrimônio que a carta definiu, assim como sua intransigência com relação à demolição das áreas de vizinhança dos monumentos, tornou-se referência nas argumentações que visavam novas possibilidades de preservação, com amplas interpretações a seu respeito. (Motta, 2000, p, 40)
É nesse momento de profundas modificações nos caminhos do patrimônio cultural que nasce a DPHA, embrião do futuro Inepac. Peixoto faz uma abordagem resumida desse panorama:
Esse início da década de "60", quando foi criado o patrimônio estadual, é uma época de múltiplos significados na história da teoria da arquitetura e do patrimônio no Brasil e fora dele. Em 1964 é publicada a Carta de Veneza do II Congresso Internacional de Arquitetura e de Técnicos de Monumentos Históricos. Ela diz claramente e logo no seu início que “a noção de monumento compreende não só a criação arquitetônica isolada, mas também a moldura em que ela é inserida. O monumento é inseparável do meio onde se encontra situado e, bem assim, da história da qual é testemunho”. É o primeiro passo na direção da rápida transformação conceitual que as cartas internacionais posteriores, de Amsterdam, Quito e Nairóbi, irão expressar, considerando como verdadeiro bem cultural a cidade ou o centro histórico, palco e testemunho maior das ações culturais e retrato da superposição de camadas históricas que se sucedem, gravando seus contornos culturais profundos através da criação artística - especialmente arquitetônica. (Peixoto, 1990, p.8)
No Estado da Guanabara foram diretores do órgão o professor Marcello de Ipanema, de 1965 a 1967, e o professor Trajano Quinhões, de 1967 a 1975. Na gestão de Marcello de Ipanema e Trajano Quinhões foram realizados 17 e 14 tombamentos, respectivamente, num total de 31 tombamentos.
Desses processos destacamos os tombamentos de imóveis de arquitetura eclética, como o palacete do Parque Henrique Lage e, principalmente, o Theatro Municipal, em 1972, quando ainda não havia sido tombado pelo Iphan. Além disso, destacamos o tombamento de diversos morros da cidade, árvores na ilha de Paquetá e pequenas igrejas .
No final da década de 1960 foi publicado um decreto ampliando o conceito de patrimônio, mais adequada às novas tendências aqui destacadas. O Decreto-Lei nº 2, de 11 de abril de 1969, “define os Bens Integrantes do Patrimônio Histórico, Artístico e Paisagístico do Estado da Guanabara e institui medidas para a sua proteção.” Este decreto criou o instituto do tombamento provisório e do tombamento definitivo e o Conselho Estadual de Tombamento . Uma importante função do conselho era emitir parecer prévio sobre os atos de tombamento e de destombamento. Deveria ser constituído por nove membros, sendo um deles o diretor da DPHA, que exerceria a presidência do Conselho. Três membros seriam livremente escolhidos pelo governador, dentre pessoas de reconhecida competência em assuntos históricos ou artísticos, e os demais seriam indicados pelas seguintes entidades: Departamento de Engenharia Urbanística, Departamento de Edificações, Departamento de Recursos Naturais, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e Instituto de Arquitetos do Brasil.
O registro do tombamento tem sido feito, por Edital publicado no Diário Oficial do poder Executivo do estado. Ao ser publicado, o Edital é anexado ao processo.
1- a restituição do aspecto das paisagens e sítios, naturais, rurais ou urbanos, devido à natureza ou à obra do homem, que apresentem um interesse cultural ou estético, ou que constituam meios naturais característicos.(CURY, 2004, p. 83)
1.2- O Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
A Lei Complementar nº. 20, de 1 de julho de 1974, publicada durante o governo do general Ernesto Geisel, promoveu a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, a partir de 15 de março de 1975, formando o novo Estado do Rio de Janeiro.
Após a fusão, a DPHA foi transformada em Instituto Estadual do Patrimônio Cultural, Inepac, continuando a fazer parte do Departamento de Cultura da Secretaria do Estado de Educação e Cultura.
A Resolução nº 20, de 22 de agosto de 1975 – DO de 27/08/1975, regulamenta a Secretaria de Estado de Educação e Cultura (SEEC) criando seu Regimento Interno. No Capítulo II, Seção VII Do Departamento de Cultura, a partir do Art. 15, são criadas as competências do Departamento de Cultura. Em seu Art. 26 ao Art. 31, define as competências do Inepac, como órgão do Departamento de Cultura. Nesse período, foram seus diretores o arquiteto Alex Nicolaeff, de 1975 a 1979, e o professor Manuel Diégues Júnior, de 1979 a 1983.
Mais tarde, a Secretaria de Educação e Cultura foi subdividida, permanecendo o Inepac na recém-criada Secretaria de Estado de Ciência e Cultura. Nesse estágio ele foi dirigido pelos arquitetos Ítalo Campofiorito, de 1983 a 1985, e Dina Lerner, de 1985 a 1987. Nesse último ano o órgão passou a integrar a nova Secretaria de Estado de Cultura. A partir de então, se sucederam na direção, de 1987 a 1990, o professor Jorge Czajkowski; de 1990 a 1991, retornou a arquiteta Dina Lerner; de 1991 a 1994, assumiu o professor Juarez Lins de Albuquerque; de 1999 a 2002, o poeta Alexei Bueno; de 2003 a maio de 2009, o historiador Marcus Antonio Monteiro Nogueira; de 2009 a maio de 2011, a arquiteta Maria Regina Pontin de Mattos, substituída, interinamente, desde então, pela arquiteta e Subsecretária de Assuntos Institucionais da Secretaria, Olga Campista. Em maio de 2012 assumiu a Direção Geral o Arquiteto Paulo Eduardo Vidal Leite Ribeiro.
Com a fusão, a antiga DPHA teve suas atribuições e composição ampliadas, tornando-se o Inepac, responsável pelo patrimônio cultural desse novo estado. O próprio nome do órgão indica uma mudança. O “patrimônio cultural” é um conceito mais abrangente do que o antigo “histórico e artístico”, e mais adequado às mudanças consolidadas com a Carta de Veneza.
A ampliação da conceituação de patrimônio implicou algumas mudanças na estrutura do órgão. Foram criadas três divisões: a divisão de Folclore, encarregada de identificar, recolher e divulgar as manifestações folclóricas vigentes no estado; a divisão de Pesquisa da Manifestação Cultural, responsável pelas tarefas de identificar, cadastrar, incentivar e divulgar os múltiplos aspectos de manifestações culturais, e a divisão do Patrimônio Histórico e Artístico, responsável pela preservação dos bens culturais perenes do estado. Essa última atuava em quatro áreas: produção do inventário de patrimônio cultural fluminense, estudo das alternativas legais de proteção e preservação desse patrimônio - sendo o tombamento a principal delas -, ações de restauração e ações de divulgação do patrimônio cultural fluminense.
A partir da fusão, tendo que atender a uma diversidade cultural muito mais ampla e complexa, o Inepac assumiu uma postura de diversificação em direção a outras áreas de atuação, como demonstra sua própria estrutura. No que se refere ao processo de tombamento, já se verificava em sua história uma tendência a promover tombamentos de bens não atendidos pelo órgão federal, o que se intensificou nesse novo momento.
Ao resgate da cadeia de “rejeitados pela proteção legal” sucederam-se alguns tombamentos comunitários que atendiam basicamente a pedidos das prefeituras, associações de bairro e instituições culturais comunitárias. (Peixoto, 1990, p.9)
Para melhor entendermos as ações do Inepac em sua fase inicial, é preciso traçarmos um panorama que remonta aos anos 1960, no que se refere ao patrimônio cultural.
Ainda em 1966 chegou ao Brasil, enviado pela Unesco com a função de consultor, e atendendo a uma solicitação do Dphan (atual Iphan), o Inspetor Principal dos Monumentos Franceses, Michel Parent, com a missão de orientar e definir diretrizes em conformidade com as conferências da década de 1960.
Parent percorre quase o Brasil inteiro em duas viagens, entre 1966 e 1967. A partir delas elabora um relatório que passa a constituir a base de toda a atuação futura não só do Sphan, mas de todo o governo federal com relação ao patrimônio (Sant´Ana apud Motta, 2000, p. 45).
Segundo Fonseca (1997, p. 160), em função dessa consultoria, e em consonância com as diretrizes da UNESCO, foi implantada uma política de descentralização da preservação do patrimônio cultural no Brasil, substituindo-se a imagem centralizadora do Iphan, “por uma figura de negociador, que procura sensibilizar e persuadir os interlocutores, e conciliar interesses”.
Segundo Motta (2000), seguindo-se uma das recomendações de Parent iniciou-se uma política de descentralização dos trabalhos de preservação no Brasil. O governo federal, por sugestão do Ministro da Educação e Cultura, Jarbas Passarinho, organizou o 1º e o 2º encontros dos Governadores, em Brasília e Salvador, nos anos de 1970 e 1971, respectivamente (Fonseca, 1997, p.161)
No 1º encontro foi produzido documento intitulado Compromisso de Brasília, no qual se destacavam: “a ação supletiva” dos estados e municípios na proteção dos bens culturais de valor nacional, e a necessidade de proceder à “proteção dos bens culturais de valor regional” (Fonseca, 1997, p.161).
No 2º encontro foi produzido o Compromisso de Salvador, no qual os governadores fizeram diversas reivindicações que se transformaram em recomendações. Os governadores pretendiam conseguir mais recursos financeiros e formação de pessoal, além de criar condições legais para melhor proteger os conjuntos paisagísticos, arquitetônicos e urbanos de valor cultural (Fonseca, 1997, p.161).
O Inepac nasceu, como vimos, com a fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, como herdeiro natural do DPHA, poucos anos depois do movimento de descentralização, desencadeado após a assinatura dos Compromissos de Brasília e Salvador, que deram novos rumos à proteção do patrimônio cultural no Brasil. Nesses encontros já se propôs que os estados e municípios “assumissem, sob orientação técnica do então Dphan, a proteção dos bens de valor regional” (Fonseca, 1997, p. 161)
No entanto, segundo Motta,
[...] foi no documento editado pelo Ministério da Educação e Cultura, em 1975, denominado Política Nacional de Cultura, que a noção de pluralismo cultural associada à diversidade regional surge como indicativo de uma ação oficial do poder público. (Motta, 2000, p.64).
Continuando a análise dos primeiros anos do Inepac, em busca de sua própria identidade, Motta (2000) explica:
[...] a nova instituição já continha em seu nome um conceito mais amplo de patrimônio, conforme apontado por Dina Lerner, arquiteta do Inepac, desde 1983, ao identificar que a ‘ênfase no patrimônio cultural traz consigo significado muito importante e o compromisso com uma nova visão mais ampla da questão cultural e consequentemente da responsabilidade do órgão’. (Motta, 2000, p. 65)
Como recomendavam os Compromissos assinados pelos governadores e o documento Política Nacional de Cultura, era preciso buscar nas regiões o que havia de plural e diverso na cultura brasileira.
Raquel Sisson, primeira diretora da Divisão de Patrimônio Histórico e Artístico do Inepac, procurou enfocar a noção de “contexto territorial”, dando mostras da importância da busca de alternativas regionais de valorização do patrimônio cultural. Sisson efetivou seu trabalho com base no que propunha a direção do órgão. O então diretor-geral Alex Nicolaef (1975-1979) afirmava:
Além da quase total indiferença (do Iphan) por manifestações mais simples de arquitetura, prevalecia a nível de obras eruditas um certo descaso pela arquitetura de ferro da Revolução Industrial e exemplares ecléticos. A demolição do palácio Monroe em 1975 ilustra a situação. No Estado do Rio de Janeiro ainda se encontram remanescentes de linguagens semelhantes e compõem o perfil cultural da região. (Nicolaef apud Motta,.2000, p.66)..
Embora tenha havido um investimento grande do Inepac em dar atenção aos imóveis de arquitetura eclética, ou mais “simples”, na prática a ação do órgão estadual estava baseada em um compromisso estético-estilístico, pois os imóveis a serem tombados deveriam ser reconhecidos pelos cânones da arquitetura. Havia uma preocupação com tipologias e estilos distintos dos coloniais:
Neste caso, a referência utilizada para a seleção dos imóveis era a do valor arquitetônico ligado à historiografia tradicional da arquitetura. Os imóveis foram valorizados pelas suas características estilísticas, desde que enquadrados na historiografia da arquitetura. Embora imóveis ecléticos e de arquitetura mais simples do que aqueles contemplados pelo Iphan, como as igrejas barrocas em todo o Brasil, havia um compromisso estético-estilístico, pois que fossem valorizados deveria ser reconhecidos pela historiografia. (Motta, 2000, p. 66,67).
Essas reflexões se referem aos tombamentos de origem arquitetônica, de bens edificados. O Inepac, e antes o DPHA, já promoviam tombamentos do patrimônio natural, justificados por serem bens de grande significado para o ambiente sócio-cultural no qual estavam localizados, como a reserva biológica de Jacarepaguá, as dez árvores em Paquetá, os morros do Rio de Janeiro (como o Dois Irmãos), e o pontal de Sernambetiba, entre outros.
Na busca de encontrar um caminho mais próximo da regionalização e do respeito à legitimidade das comunidades e suas reivindicações, o Inepac na gestão de Manoel Diegues Jr. (1979-1983) não abriu nenhum processo de tombamento por iniciativa própria. Um tombamento foi solicitado pelo Conselho Estadual de Cultura, e os demais por agentes externos.
Na gestão seguinte, de Ítalo Campofiorito, 1983 a 1987, o discurso de valorização da participação das comunidades se fortaleceu.
Campofiorito tentava por em prática o que se propunha o governo Leonel Brizola, eleito com grande apelo popular, e seguir as orientações do Secretário de Cultura, Darcy Ribeiro.
Nesses tempos de reestruturação democrática do país, alguns intelectuais ensimesmados têm protestado contra a legitimidade de uma política cultural entendida por eles como vontade de orientar ou dirigir a produção de cultura. Tolo engano; as idéias básicas e diretrizes de ação para uma política cultural inteligente e democrática pretendem atingir justamente o outro lado. O que se quer é organizar, da melhor forma possível em cada caso, a atuação administrativa. “Onde a cultura existe dar voz a ela” nos dizia Darcy. (Campofiorito, 1986, p.6)
Analisando a ação do Inepac após a fusão e já na década de 1980, é Peixoto que nos informa:
Daí passou-se à preservação de um leque mais aberto de bens de significação diversificada e exemplar. A palavra de ordem do Inepac no miolo da década é diversidade cultural. Tratava-se de assumir inteiramente a feição da cultura do Estado pela sua verve de produção cumulativa e cotidiana. E tombaram-se os bondes de Santa Teresa, sítio-santuário de Burle Marx em Guaratiba, a Casa da Flor de São Pedro d´Aldeia, a Confeitaria Cavé, o Observatório Nacional, além de uma imensa extensão de praias no litoral fluminense – Grumari, Parati, Niterói, São João da Barra, Ilha Grande, Paquetá. E houve o tombamento de catorze coretos em dez municípios, dos caminhos de Minas abertos desde o século XVIII, e do cemitério dos Ingleses, na Gamboa – Arca de Noé da cultura fluminense posta a salvo do dilúvio pelo tombamento. (Peixoto, 1990, p.9).
O Inepac abriu novas frentes de luta na preservação do patrimônio cultural, na constituição dos seus quadros técnicos, e o órgão adotou uma política mais de acordo com os documentos internacionais da época, como a Carta de Veneza, de 1964.
A noção de monumento histórico compreende [...], também às obras modestas, que tenham adquirido, com o tempo, uma significação cultural. (Cartas Patrimoniais, 2004, p. 92)
Os tombamentos da Antiga Estação e Cocheira da Linha de Carris e Vila Guarani, na Rua Pedro Alves n° 210, Santo Cristo, de 1966, da Árvore (figueira gigante) em frente ao Senai, na Rua Mariz e Barros nº 678, Tijuca, de 1968 e da Chácara do Viegas, na Rua Monte Alegre nº 313, Santa Teresa, de 1972, são exemplos claros de bens que só têm significado local.
Em 1985, foi criada a Secretaria de Estado de Cultura e o Inepac passou a fazer parte da sua estrutura. Houve um pequeno retrocesso na área cultural no governo Moreira Franco (1988-1992), com a recriação da Secretaria de Estado de Educação e Cultura e o retorno do Inepac a esta secretaria. Em 1989, ainda na gestão Moreira Franco, porém, recriou-se a Secretaria de Estado de Cultura (SEC) e o Inepac voltou a ser um órgão específico da área cultural, permanecendo assim até o momento.
Nos anos 1990, a estrutura do Inepac passou por algumas alterações para dar mais dinamicidade ao órgão (Decreto nº 21, de 5 de julho de 1995, Capítulo IV, Inciso 4.5). Os órgãos técnicos ficaram divididos da seguinte forma:
• Departamento de Patrimônio Natural e Cultural, responsável direto pela parte legal do tombamento e de outras formas de preservação, como a elaboração de inventários e estudos de tombamento, além de atender à demanda do Ministério Público , que se amplia na medida do aumento da consciência do valor do patrimônio cultural;
• Departamento de Pesquisa e Documentação, responsável pela manutenção e guarda do acervo referente ao patrimônio cultural material. Conta com uma biblioteca especializada na área e atende não só os técnicos do Inepac, como também o público;
• Departamento de Apoio a Projetos de Preservação, responsável pelo desenvolvimento de projetos na área do patrimônio cultural. Atualmente este departamento está sendo reestruturado. Parte de suas funções foi distribuída pelos dois primeiros departamentos e ele se dedica ao estudo e preservação dos bens móveis e integrados à arquitetura dos bens culturais;
• Divisão do Folclore, atualmente sendo transformada em Departamento de Patrimônio Imaterial, é responsável pela pesquisa e registro de todas as manifestações culturais do estado.
Nos anos 2000, o Inepac dedicou-se decisivamente à pesquisa e à difusão do patrimônio cultural fluminense. Publicou livros que descrevem o patrimônio religioso do Rio de Janeiro, como o Santuário Mariano, e Historia das Imagens de Nossa Senhora: tomo decimo e ultimo e O Rio de Janeiro nas Visitas Pastorais de Monsenhor Pizarro - Inventário da Arte Sacra Fluminense , obras de significativa importância para o estudo do patrimônio da Igreja Católica no estado, que não estavam disponíveis para a maioria dos pesquisadores. Foi realizada uma pesquisa de campo para o levantamento da existência das imagens citadas nos dois livros. As imagens encontradas ilustram as publicações.
Outra vertente da atuação do Inepac diz respeito à produção de inventários, como o das estações ferroviárias da linha central, o das fazendas do Vale do Paraíba, o da Arte Sacra e o dos Reservatórios da Cedae (vários reservatórios já são tombados, mas necessitavam de um inventário mais completo). É preciso ressaltar que o objetivo do inventário é identificar o bem e resguardá-lo de alguma forma, mas não há obrigatoriedade desse inventário transformar-se em tombamento. Ainda na linha da pesquisa e possível tombamento, o Inepac está empenhado, em parceria com as prefeituras, no levantamento e inventariação dos centros históricos das cidades do interior do estado.
Outra área de atuação do Inepac, na qual vem fazendo investimentos a partir de 2006, é a da Educação para o Patrimônio Cultural. O Programa de Educação para o Patrimônio Cultural faz parte da estratégia de divulgação do patrimônio cultural fluminense, em parceria com a Superintendência de Museus da SEC e uma proposta de parceria com a Secretaria de Estado de Educação, para que o professor e o aluno sejam agentes da preservação do patrimônio cultural do estado.
Essa breve exposição de algumas atividades desenvolvidas no Inepac nos últimos anos tem por finalidade mostrar que um órgão de preservação do patrimônio necessita expandir a sua atuação para além dos inventários e dos tombamentos. Todas essas atividades se traduzem em formas de educação para o patrimônio cultural, pois visam a divulgar cada vez mais o valor desse patrimônio.
Como é fundamental a utilização dos instrumentos do tombamento e do inventário, como formas legais de preservação, a conscientização da população, principalmente em nível de comunidade local, é de suma importância para que um processo de tombamento transcorra sem traumas.
Nos anos 2000, o Inepac foi instado por iniciativas dos próprios cidadãos a preservar conjuntos que, se destruídos, representariam uma perda irreparável para a história de pequenas cidades.
Os tombamentos do Centro Histórico de Valença, do Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico do Sítio Histórico de São Pedro da Aldeia e do Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico do Centro Histórico de Miracema, todos por solicitação local, mostram claramente que o princípio de preservar os centros históricos das cidades, mesmo que eles não componham mais um conjunto contínuo, é uma realidade. Esses três tombamentos abrangem mais de 250 imóveis, o traçado de ruas, sua pavimentação, o paisagismo de praças, ou seja o conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico. Tudo que não foi feito na antiga Avenida Central, por exemplo.
Com o Decreto Nº 41.282, de 30 de abril de 2008, que definiu a nova organização da Secretaria de Estado de Cultura, foram mantidos os departamentos do Inepac e acrescentados os Escritórios Regionais: da Região Serrana, , das Baixadas Litorâneas, do Norte Fluminense e do Médio Paraíba.
O Inepac já desenvolveu 228 processos de Tombamento, cujos bens estão listados e disponíveis no banco de dados neste Portal.