As muito feias que perdoem Vinicius de Moraes, mas é impossível contar as belezas do Rio sem citar suas musas. A história da cidade, prestes a celebrar 450 anos de fundação, é permeada pelos encantos femininos. Como os da Marquesa de Santos que, dizem, tirou a sanidade de Dom Pedro I, ou os de Luz del Fuego, precursora do nudismo no país. Mas foi o balançar de uma única moça, do corpo dourado do sol de Ipanema, que projetou a Cidade Maravilhosa mundialmente: Heloísa Eneida Menezes Paes Pinto Pinheiro, ou simplesmente Helô Pinheiro, a eterna Garota de Ipanema.
Hoje com 69 anos, avó de três netos, mãe de quatro filhos e casada com o namorado da época, Fernando Pinheiro, a bela que pode ser considerada uma das musas dos 400 anos do Rio, em 1965, lembra 50 anos depois com saudosismo da praia que ajudou a internacionalizar.
“Aquilo tudo que eu vivi passou. Eu brinco que hoje eu sou a coroa de Ipanema, já não sou mais a garota”, conta Helô Pinheiro, em entrevista ao G1.
(Assista acima ao vídeo em que Helô conta como se descobriu a musa de Tom e Vinicius.)
anos 1960 (Foto: Helô Pinheiro / Arquivo Pessoal)
Considerada o hino da bossa nova, a canção, inicialmente intitulada "Menina que passa", foi composta por Vinicius e musicada por Tom Jobim em 1962. Três anos depois, ganhou a versão em inglês "The girl from Ipanema" e estourou nos Estados Unidos na voz da baiana Astrud Gilberto. O reconhecimento veio com o Grammy de Gravação do Ano. Foi quando o mundo quis saber quem era a tal garota.
Muitas mulheres se disseram musa inspiradora da canção. Mas foi o próprio autor, Vinicius, quem fez a revelação pública do nome de Heloísa Pinheiro.
“Para ela fizemos, com todo o respeito e mudo encantamento, o samba que a colocou em todas as manchetes do mundo inteiro e fez de nossa querida Ipanema uma palavra mágica aos ouvidos estrangeiros”, publicou o poeta à época. “Eu dizia ‘não, eu não sou tudo isso. O que é isso?’. Demorou para a ficha cair”, contou Helô, em entrevista ao G1.
Ela tinha 17 anos quando os precursores da bossa nova a viam passar a caminho do mar. “Eu me perguntava: ‘mas será que meu balanço é doce? Até que ponto eles açucararam esse balanço'”, diz, em tom de brincadeira.
Embora afirme ter ficado dividida entre a incredulidade e a timidez ao se saber fonte de inspiração da dupla, Helô revela que se sentiu profundamente tocada.
Assédios e galanteios
A vida da tímida adolescente, filha de pai militar e mãe rígida, teve uma reviravolta. Assediada por jornalistas do mundo inteiro, passou a ser procurada para trabalhos como modelo e manequim.
Helô conta que era uma jovem "careta" e "inocente” e que pouco se valeu da fama para se lançar a aventuras diversas. “Tem amigas minhas que dizem que se fossem a garota de Ipanema iriam fazer e acontecer, iam andar de nariz empinado. Eu não sou assim”.
À época, Helô já namorava Fernando Pinheiro. Segundo ela, a fidelidade ao primeiro amor foi determinante para que não se deixasse levar pelos galanteios dos bossa-novistas. Ronaldo Bôscoli, lembra, foi um dos que se revelou apaixonado. “Ele inclusive fez algumas poesias para mim também.”
casamento de Tom Jobim (Foto: Arquivo Pessoal)
Helô revela, no entanto, que o maestro Jobim a balançou ao pedi-la em casamento. "Ele era um homem lindo. Eu, logicamente, balancei. Meu coração palpitou, bateu mais forte, mas eu já tinha namorado. Naquela época traição era uma coisa muito drástica”, disse.
Saudosismo
No ano em que a música estourou e o mundo conheceu sua musa inspiradora, o Rio de Janeiro completava seu quarto centenário. Meio século se passou e, às vésperas de completar 70 anos, Helô Pinheiro se revela saudosista pela Ipanema dos anos 60.
Reclama que hoje há pouco espaço na praia, que não se acha mais conchinhas na areia, que há menos romantismo nos encontros à beira-mar e que o culto exacerbado à beleza física mudou o foco das atividades de lazer na orla.
“Nós éramos muito mais naturais. A gente jogava frescobol na praia, jogava vôlei, mas sem aquela preocupação de se exibir. As pessoas hoje ficam muito preocupadas em ter um corpo bem trabalhado, cheio de músculos”, disse.
“Mas eu brinco que a areia é a mesma e o mar é o mesmo. Continua refrescando a gente, a areia continua na mesma textura, e os Dois Irmãos [o morro] continua embelezando a paisagem. Eu acho que Ipanema é um presente de Deus e continua bronzeada”, disse. Mas, enfatizou "saudade, muita saudade”.
Sucessora
Quando questionada sobre quais mulheres poderiam ser apontadas como musas do Rio em seus 450 anos, ela titubeia até dizer que entregaria o seu título à mineira Isis Valverde. “Não sei se a Isis é de Ipanema, mas eu acho que ela lembra muito meu estilo.”