O Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou nesta quarta-feira (16) um recurso da Câmara e manteve regras definidas em dezembro pela própria Corte para o rito do impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Por 9 votos a 2, a Corte fixou a impossibilidade de chapas ou candidaturas avulsas para composição da comissão especial da Câmara que analisará as acusações.
Além disso, determinou que a votação para escolha dos integrantes do colegiado seja aberta, mostrando a opção de cada deputado, pela aprovação ou rejeição da comissão formada por indicação dos líderes.
A maioria dos ministros também votou para permitir que o Senado rejeite a instauração do processo – que leva ao afastamento temporário da presidente –, mesmo após decisão contrária da Câmara, em favor da abertura do processo.
Relator do caso, o ministro Luís Roberto Barroso recomendou a manutenção das regras estabelecidas pelo tribunal em dezembro. Votaram com ele os ministros Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski. Votaram contra somente Dias Toffoli e Gilmar Mendes.
Ao final do julgamento, o presidente da Corte, Ricardo Lewandowski, afirmou que a decisão de dezembro não trazia obscuridades ou omissões. "Já a alegada contradição, na verdade, não passa de uma simples contrariedade ou de mero inconformismo dos embargantes", afirmou, em referência à Câmara.
Com a decisão, o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), deverá agora retomar o andamento do processo de impeachment. O próximo passo é a instalação de uma nova comissão especial.
Voto do relator
Em seu voto, o relator Roberto Barroso afirmou que as regras definidas são as mesmas seguidas no impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992.
O recurso da Câmara buscava manter comissão especial que havia sido formada com chapa alternativa -- com deputados não indicados por líderes dos partidos e de majoritariamente de oposição a Dilma -- e eleita por votação secreta do plenário.
Para o ministro, se todos os partidos devem ser representados no colegiado, a escolha dos integrantes deve ser feita de forma oficial pelas legendas, por meio dos líderes partidários.
"A verdade é que o tribunal assentou e essa foi a posição majoritária, que a interpretação mais adequada da Constituição e dispositivos é de que quem escolhe o representante do partido é o partido. Se os partidos são representados na comissão do impeachment cabe aos partidos fazerem essa escolha", argumentou.
Barroso rebateu ainda o outro ponto levantado nos embargos de declaração, de que a votação para a comissão especial deve ser secreta e não aberta. Cunha argumentou que as eleições previstas para a Câmara, como para membros de comissões temáticas, são secretas.
Ele também sustentou que a votação para a comissão na época do impeachment do ex-presidente Fernando Collor só foi aberta somente porque não havia disputa entre chapa alternativa e chapa oficial.
"A votação foi efetiva e concretamente aberta. O argumento de que se mudou de secreto para aberta porque não havia disputa não é dispensável [da votação aberta no caso do impeachment de Dilma]", disse Barroso.
Barroso destacou ainda que a regra geral deve ser de votação aberta e disse que dispositivos previstos no regimento da Câmara que estabeleçam eleição secreta são inconstitucionais. "Uma menção genérica que permita voto sigiloso em toda e qualquer eleição é patentemente inconstitucional. A votação aberta é a regra geral", disse.
Barroso concluiu seu voto dizendo que o tribunal não incorreu em “omissão, incoerência ou obscuridades” no julgamento sobre o rito de impeachment. “Todos os pontos questionados foram enfrentados pelo tribunal de forma clara, coerente e fundamentada”, disse.
A favor da Câmara
Os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes defenderam acolher parcialmente os embargos, para permitir candidatura de chapa avulsa para a comissão de impeachment. Para Toffoli, é uma contradição reconhecer que o colegiado é “eleito” se não pode haver disputa entre chapas.
"Teríamos que permitir candidaturas avulsas. Senão não seria caso de eleição. [...] Isso subtrai a representação popular, porque o cidadão votou num determinado deputado, que está manietado. Onde na Constituição está que isso é uma escolha do líder partidário? Estamos trocando a representação de 513 por 28 líderes partidários, ou menos porque há os blocos", afirmou Toffoli.
Ele também rechaçou o voto aberto para escolha da comissão. "Se a eleição não é secreta ela não é livre! Onde que há eleição livre aberta? Talvez em países autoritários, talvez em países comunistas. Em países democráticos não há que se falar em eleição aberta como eleição livre, porque aí de eleição não se trata mais!", exclamou.
No mesmo sentido, Gilmar Mendes afirmou que se só pudesse haver candidaturas únicas, a eleição para a Mesa Diretora da Câmara, por exemplo, seria uma "ficção".
"Eleição aqui é no sentido mesmo de eleição. O plenário vota e há um forte direito costumeiro no âmbito do Congresso Nacional respeitante a isso. A mim me parece que pelo menos essa contradição deveria ser explicitada", disse.
"Pode-se afirmar o que quiser. O que não há nesse julgado é integridade. Porque o que se produz é uma grande incongruência", completou o ministro.
Críticas a Dilma e Lula
Durante seu voto, o ministro Gilmar Mendes também fez duras críticas à decisão da Corte que mudou o rito do impeachment até então seguido pela Câmara. Ele disse que o STF, na ocasião, teria tentado dar um "balão de oxigênio ao governo".
Para o ministro, o “oxigênio” não foi suficiente e hoje o país está diante de um quadro “caricato”, com a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a Casa Civil.]
"O balão de oxigênio que a Corte deu à presidente não foi efetivo, não se conseguiu pactuação. E agora estamos diante desse quadro talvez mais caricato que a nacionalidade tenha enfrentado. Busca-se o ex-presidente em São Bernardo para a chefia da Casa Civil, com o objetivo de dar sobrevida ao governo e de lhe dar algum conforto no foro privilegiado. Causando-nos desconforto. Quase que uma acusação de que essa Corte será complacente com os malfeitos", disse Gilmar Mendes.
O ministro acrescentou ainda que a nomeação de Lula é uma "bizarrice que nos enche de vergonha". "O tribunal não pode ser partícipe dessa operação", completou.
Para Gilmar Mendes, o ex-presidente vai ocupar o ministério para "fugir" das investigações.
"Agora temos ainda essa medida, a nomeação do ex-presidente da República para o cargo de chefe da Casa Civil, que vem na condição de ser o super tutor da presidente da República. E vem para fugir da investigação que se faz em Curitiba, deixando esse tribunal muito mal”, afirmou o ministro.
Segundo ele, é preciso "muita desfaçatez para obrar dessa forma com as instituições". "É preciso ter perdido o limite que distingue instituições de barbárie", completou.
Recurso
O recurso apresentado pela Câmara, conhecido como "embargos de declaração", serve para esclarecer pontos da decisão considerados obscuros, contraditórios, omissos ou duvidosos. A rigor, não serve para mudar as determinações, mas já houve casos em que isso ocorreu, quando a Corte entendeu ter cometido um erro grave.
O recurso ainda indaga se o próprio Eduardo Cunha poderia indicar membros para a comissão especial na eventualidade de os nomes da chapa única indicada pelos líderes não for aprovada pelo plenário.
Outro ponto questiona se a escolha do presidente e do relator da comissão especial deve ocorrer por votação secreta. Além disso, pergunta se Cunha poderia indicar deputados para esses cargos em caso de também ser proibida a disputa de vários deputados para eles.
No julgamento, todos os ministros rejeitaram esses questionamentos, afirmando que elas ultrapassam o objeto da ação. Em seu voto, Barroso enfatizou que a decisão tomada pelo STF em dezembro se refere exclusivamente ao processo de impeachment, não afetando outras decisões da Câmara.
"Tudo o que foi definido nesta ação diz respeito única e exclusivamente ao processo sobre crime de responsabilidade do presidente da República. O Supremo não se pronunciou sobre quaisquer outros procedimentos internos da Câmara dos Deputados", disse.