• 2017, um ano de embates na área ambiental

    Em 2017, o mundo acompanhará com atenção as consequências do governo Trump (que promete investir pesado em combustíveis fósseis) sobre os esforços internacionais para reduzir as emissões de gases estufa, a desaceleração dos investimentos em fontes limpas e renováveis de energia nos Estados Unidos e a possível ascensão da China como novo líder mundial nas negociações do clima. Apesar de Trump, parte das empresas americanas e dos governos locais (estaduais e municipais) está fortemente comprometida com o Acordo do Clima de Paris e não deve modificar rigorosamente nada em seus respectivos planejamentos estratégicos.


    No Brasil, o governo Temer (e parte do Congresso) será fortemente pressionado a não levar adiante o plano de flexibilizar o licenciamento ambiental nem mudar a Constituição para que o Poder Legislativo substitua o Poder Executivo na definição das novas reservas indígenas (podendo também rever antigas demarcações).

     

    Será, portanto, um ano de embates e enfrentamentos importantíssimos e definidores de rumo na área ambiental.

     

    O presidente eleito Donald Trump em vídeo em que fala sobre ações que emitirá em seu primeiro dia de governo

    (Foto: Reprodução/YouTube/Transition 2017)

     

  • O dia da infâmia

    Não foi acidente.

     

    A Samarco tinha pleno conhecimento da vulnerabilidade da Barragem do Fundão, que foi licenciada sem os devidos critérios técnicos. 

     

    Vários problemas estruturais foram registrados desde a construção da barragem, com sucessivos remendos e "puxadinhos".

     

    Meses antes do desastre - o maior vazamento de rejeitos minerais da história da Humanidade - um documento do departamento de Geotecnia da Samarco previu profeticamente o que viria a acontecer: o rompimento da estrutura causaria aproximadamente 20 mortes (foram 19, mas se contarmos o aborto espontâneo de uma sobrevivente traumatizada pela catástrofe, chega-se a 20 vítimas fatais), a destruição da bacia do rio Doce, que demandaria pelo menos 20 anos de investimentos em diferentes projetos de recuperação, dois anos de suspensão dos trabalhos da mineradora, intensa exposição negativa da Samarco nas mídias locais e estrangeiras, etc. 

     

    Não por acaso o Ministério Público Federal denunciou 22 pessoas por homicídio qualificado com dolo eventual.

     

    A lama que alcançou o litoral do Espírito Santo tornou Regência uma cidade fantasma. Nenhuma das pesquisas que pretendiam medir os impactos dos rejeitos da Samarco sobre os ecossistemas marinhos teve continuidade. Falta uma série histórica que permita avaliar com precisão o que houve exatamente. O que se sabe é que elevou-se a carga de metais pesados no mar, a lama impediu a passagem da luz solar até o leito marinho e se depositou no fundo do mar, impactando outras espécies que vivem (ou viviam) por lá.  

     

    Um ano depois da tragédia, ninguém foi preso e nenhuma multa pesada foi paga.

     

    O DNPM (órgão federal responsável pela fiscalização das barragens) conta com apenas 18 fiscais em todo o país, número considerado insuficiente pela própria direção. Mais de grandes 400 barragens espalhadas pelo Brasil contêm materiais perigosos. São bombas-relógio que podem explodir sem a devida fiscalização e controle.   

     

    Enquanto isso, o Congresso Nacional discute vários projetos - apoiados pelo Governo Federal -  que pretendem afrouxar o licenciamento ambiental, o que na opinião de vários especialistas, significa elevar exponencialmente o risco de novas tragédias como a de Mariana.

     

    Por tudo isso, o dia 5 de novembro merece ser eternizado com o Dia da Infâmia. Que inspire todos os cidadãos de bem a lutar por um país melhor e mais justo onde a destruição da bacia do Rio Doce inspire punições severas, multas pesadas, e o mais espetacular projeto de recuperação de uma bacia hidrográfica da História. Totalmente ficanciado pelas mineradoras.     

     

  • Em entrevista, ministro cobra que empresa cumpra reparação por rompimento de barragem

    Um ano depois da maior tragédia ambiental do Brasil - o maior vazamento de rejeitos minerais do planeta - o Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, critica a Samarco, o acordo firmado pelo governo da Presidente Dilma com a empresa, e a bancada da mineração no Congresso Nacional.

    Nesta entrevista que gravei no Aeroporto de Brasília - quando o Ministro voltava de uma viagem de trabalho ao exterior - Sarney Filho reconhece as pressões pelo afrouxamento do licenciamento ambiental, mas garante que isso não acontecerá. Veja a entrevista:

     



  • Se liga no setembro amarelo!

    Setembro amarelo
    "Às vezes tem um suicida na sua frente e você não vê".  Foi o que escreveu num pedaço de papel o motoboy que se atirou dias atrás do 17º andar do Fórum Trabalhista de São Paulo. Ele levou junto o filho de 4 anos, para perplexidade da família e dos amigos. O trágico bilhete resume uma questão incômoda. Quem experimenta um sofrimento profundo, daqueles difíceis de suportar, não sabe por vezes como lidar com tanta dor. Em boa parte dos casos se recolhe, omite a opressão que vai no peito e inicia uma jornada solitária que parece sem volta. Essa situação é mais frequente do que se imagina. E por falta de informação, muitos não conseguem imaginar que haja uma saída.

    A Organização Mundial da Saúde afirma que em pelo menos 90% dos casos o suicídio é prevenível, porque está associado a psicopatologias diagnosticáveis e tratáveis, principalmente a depressão. A tristeza faz parte da vida, e nos ajuda crescer emocional e espiritualmente. A tristeza persistente inspira cuidado e atenção. Pessoas deprimidas tendem a se isolar, não interagem socialmente, parecem desmotivadas, anestesiadas, sem iniciativa. Por vezes chegam a verbalizar o quanto a vida lhes parece um fardo. Quem passa por essa experiência difícil - e principalmente parentes, amigos e pessoas próximas - devem prestar atenção aos sinais e, se for o caso, procurar ajuda.

    Há opções de assistência gratuita nos Caps (Centros de Atenção Psicossocial) e nos serviços oferecidos por universidades ou entidades classistas ligadas a psiquiatras e psicólogos. Mesmo quando se trata de um outro problema qualquer (angústia, ansiedade, solidão, etc) os próprios profissionais de saúde costumam recomendar (com o aval do Ministério da Saúde) que se recorra ao CVV, o Centro de Valorização da Vida, organização voluntária sem ligações políticas ou religiosas, que desde 1962 realiza de forma gratuita, um serviço de apoio emocional e prevenção do suicídio por telefone (141) ou por um chat (CVV.com.br). Os voluntários do CVV não são terapeutas, mas oferecem algo precioso num mundo onde é anda vez mais difícil encontrar alguém que se disponha a ouvir um desabafo sem julgamentos, sem receitas prontas sobre como se sentir melhor, e guardando-se absoluto sigilo em relação ao que é conversado. São aproximadamente 800 mil ligações por ano sem grandes apoios ou divulgação nas mídias,  o que confirma a importância desse serviço.

    Neste mês celebra-se em todo o mundo mais uma edição do Setembro Amarelo, uma campanha que pretende quebrar o tabu em torno do assunto e levar à população informação relevante em favor da vida. Seminários, palestras, jornadas científicas e artísticas, monumentos iluminados de amarelo em várias cidades, entre outras ações, pretendem despertar no grande público o senso de urgência em relação a estes que tanto sofrem. Neste sábado, por exemplo, Flamengo e Vitória entram em campo pelo campeonato brasileiro levando uma faixa da campanha e os jogadores usarão munhequeiras amarelas.

    A prevenção do suicídio não é apenas assunto de profissionais de saúde ou ONGs humanitárias. Todos estamos sendo chamados a fazer algo pelos que estão em situação de risco e, por vezes, nem sabem disso. Se a vida é o bem mais precioso que existe, protegê-la é o que empresta sentido à palavra "Humanidade". Aproximadamente 32 pessoas se matam todos os dias no Brasil. Em todo mundo esse número chega a 2.200. Onde a mobilização em favor da vida cria redes de cuidado e atenção, esses números caem drasticamente. Vamos virar esse jogo? Depende de nós!

    (FOTO: Campanha busca discutir suicídio - CRÉDITO: Divulgação/Caps)

  • A cerimônia de abertura mais verde da História

    Quis o destino que a cerimônia de abertura mais ecológica da História dos Jogos acontecesse na cidade que desprezou o legado ambiental mais importante (o avanço do saneamento básico na Baía de Guanabara) e num país ameaçado por vários projetos de Lei que tentam inutilizar a ferramenta do licenciamento ambiental.
    Fogos de artifício explodem durante abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016

    Contradições à parte, foi a cerimônia mais bonita que já vi sobre a riqueza da cultura brasileira. Mostrou a nossa cara, fugindo dos clichês que remetem às "caricaturas". Mas foi na parte ambiental que o evento esbanjou coragem e inovação.

    No momento esteticamente mais exuberante do espetáculo, mostramos os povos originais do Brasil ocupando o Maracanã (palavra que vem de "Maraca", o som de um pássaro em tupi-guarani), embora Brasil afora prossigam os massacres contra os povos indígenas sem que haja qualquer resposta à altura dos governos.

    Destacou-se a força de um povo miscigenado - nossa verdadeira identidade nacional - embora a representatividade política esteja fortemente (e tragicamente) concentrada num segmento muito específico: homens, brancos e ricos.

    Mais de três bilhões de telespectadores receberam uma aula sobre a maior tragédia ambiental do nosso tempo, o aquecimento global. E viram os atletas de todos os países serem convidados a depositar sementes em pequenos tubetes que serão a gênese de uma nova floresta no bairro de Deodoro, na zona oeste. A semeadura ocorre num momento em que boa parte do país arde em chamas com a proliferarão das queimadas, as taxas de desmatamento voltem a crescer de maneira preocupante, e muitos projetos absurdos - inclusive o do atual Ministro da Agricultura, Blairo Maggi - tentam implodir a exigência de licenciamento ambiental.

    O orçamento da festa correspondeu a apenas 10% do que foi gasto na cerimônia de abertura dos Jogos de Londres. Ponto para os responsáveis pela concepção do evento, entre os quais, o cineasta Fernando Meirelles, que recentemente, ao ser indagado por um jornalista como se definiria, respondeu sem titubear: "quando não sou ecochato, sou biodesagradável".

    Abençoada seja toda ecochatice que denuncia as gigantescas contradições do único país do mundo com nome de árvore.

  • No Reino da Intolerância

    Eleitores britânicos decidem na quinta-feira em plebiscito se o país continua ou não a integrar a União Europeia

    Há vários motivos para se lamentar a saída do Reino Unido (mais desunido do que nunca) da União Européia. O menor continente do planeta é historicamente o mais salpicado de guerras e litígios por metro quadrado. Quando o Tratado de Maastricht instituiu a União Européia em 1993, a Humanidade experimentava a utopia da paz entre 27 países distintos, desiguais, porém sujeitos desde então às mesmas regras gerais (que extrapolam apenas a unidade monetária).

    O êxito dos separatistas britânicos parece ter origem na aversão à chegada maciça de imigrantes (que hoje somam mais de 8 milhões no Reino de Sua Majestade). A vitória do "Brexit" ocorreu apenas 3 dias depois de a ONU anunciar que o número de refugiados no mundo inteiro alcançou a impressionante marca de 65 milhões de pessoas fugindo de guerras, perseguições e torturas. Isso dá uma média de 24 novos refugiados a cada minuto, algo parecido com o que houve durante a 2ª Guerra Mundial. Uma gigantesca crise humanitária.

    Do outro lado do Atlântico, o candidato à Presidência dos Estados Unidos Donald Trump racha o país (e o próprio Partido Republicano) com um discurso racista, misógino, xenófobo e intolerante sustentado por uma parcela surpreendentemente expressiva do eleitorado. Quem apóia Trump parece ignorar o óbvio: o que seria dos Estados Unidos sem os imigrantes? É do mix racial e cultural que reside parte importante da força daquele país.

    A onda de intolerância fez com o Papa Francisco, recém ungido à condição de líder espiritual dos católicos, escolhesse como destino da primeira viagem oficial de seu pontificado (em julho de 2013) a Ilha de Lampedusa, na Itália, porta de entrada de centenas de milhares de imigrantes na Europa.

    "Tende a coragem de acolher aqueles que procuram uma vida melhor”, pediu o Papa. O apelo continua ecoando sem efeito no velho continente.

    O Reino se desuniu.

    Os Estados Unidos se fragmentaram.

    A luz amarela está acesa.

Autores

  • André Trigueiro

    Pós-graduado em gestão ambiental pela COPPE/UFRJ e professor de jornalismo ambiental da PUC RJ. É jornalista da TV Globo e comentarista da Rádio CBN. Aqui, fala sobre os principais desafios e entraves do desenvolvimento sustentável e preservação.

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André Trigueiro fala sobre sustentabilidade e meio ambiente.