Edição do dia 21/04/2010

22/04/2010 00h10 - Atualizado em 22/04/2010 00h44

A capital federal e o rock dos anos 80

Na terceira reportagem da série chegamos aos anos 80: o fim da ditadura e a explosão do rock. Saiba quais foram os fatores que levaram a música de Brasília a ganhar o cenário nacional.

Vladimir NettoBrasília, DF

A edição de Celso Fontão Júnior e Fábio Ibiapina, com arte de Cacá Soares.

"Quando a gente era moleque a cidade sediava o poder e só", relembra Philippe Seabra do Plebe Rude. "Brasília era muito mais uma cidade do interior", comenta o vocalista do Capital Inicial, Dinho Ouro Preto.

"Aquela terra vermelha, aquele vento, aquele cerrado, aquela secura, aquele céu que não termina nunca", relembra Dado Villa-Lobos, ex-Legião Urbana. "A gente foi cobaia daquela cidade experimental", diz Marcelo Bonfa, também ex-Legião Urbana.

"Quem ia escrever a história dessa cidade? Quem ia comentar sobre a cidade? Até então a cidade era um entreposto burocrático, um distrito federal", comenta Felipe Lemos do Capital Inicial.

A música 'Que País é Esse' foi escrita no final da década de 70. Nessa época, o plano piloto, o coração da cidade, tinha cerca de 150 mil habitantes. O projeto de Lúcio Costa estava consolidado, mas os prédios ainda continuavam subindo da noite para o dia. As pessoas, chegando e os jovens? Segundo eles, não havia nada para fazer.

Na cidade administrativa, adolescentes filhos de funcionários públicos, como Renato Russo, ficaram amigos de filhos de professores universitários, como os irmãos Lemos, e de diplomatas, como Dinho Ouro Preto. A troca de informações era intensa, lembra o amigo Herbert Vianna.

"Tem gente ali de todo o país e tem canais abertos em uma época em que você não tinha, no país, tanta informação e tantas referências do exterior. Ali, pela coisa diplomática e por todos esses canais abertos, sempre foi uma velocidade muito grande e muito intensa".

Formar uma banda de rock era o sonho para espantar o tédio e falar do que vivenciavam. Nesse contexto, o punk rock que explodia na Inglaterra era referência.

"Se você não gostar eu vou fazer mais alto. É isso que é para ser e ponto final. Nada pode ser diferente", diz Bonfá. Não era bem isso o que achava a mãe de Renato Russo, Dona Maria Do Carmo Manfredini.

"A pior fase da minha vida foi o movimento punk porque eles saiam todos, o Júnior, saia todo rasgado, cheio de alfinete. Um tênis vermelho, outro azul. Metade do cabelo amarelo, outra metade verde. Jesus".

Daquela turma, nasceu o primeiro grupo punk: o 'Aborto Elétrico'. A lendária banda formada por Renato Russo e os irmãos Lemos que abriu caminho para muitas outras e de onde saíram Legião Urbana e Capital Inicial.

"O 'Aborto Elétrico' juntou tanta gente em volta por causa da figura do Renato, por causa das letras dele", afirma Flávio Lemos do Capital Inicial. "Foi a primeira vez que eu li letras em português que eu falei: 'olha isso, o que esse homem está escrevendo'", relembra Dinho.

As letras geniais de Renato Russo cantaram como era a vida na cidade em músicas inesquecíveis como a saga épica de João de Santo Cristo, em 'Faroeste Caboclo'.

"Ele andava muito à noite a pé. A própria cena do João de Santa Cristo, chegando na rodoviária. São impressões que ele deve ter dito em uma noite qualquer, andando ali, voltando de uma festa da Asa Norte ou cruzando uma das pontes. Ele fazia muito isso", afirma Carmem Teresa Manfredini, irmã de Renato Russo.

Nos shows ao ar livre na universidade, bares e festas, aquela geração cantava também a presença da repressão militar no cotidiano da cidade.

"'Veraneio Vascaína' é uma música não para a polícia de um modo geral, mas para a polícia dos governos militares, do regime militar", explica o vocalista do Capital Inicial.

Sob o signo da juventude, com o regime militar agonizando, Brasília viu a votação da emenda das 'Diretas Já' e a turma do rock também estava lá.

"A gente sai, começa a ir para casa. A caminho sai o resultado e ficamos sabendo que a emenda tinha sido rejeitada. Não tinha passado no Congresso e declara-se em Brasília um estado de exceção", relembra Dinho.

"Aquele general, o Newton Cruz, com um cavalo, não sei se um cavalo ou camburão, ele parava na frente dos carros com um chicote e chicoteava os carros: 'pára, pára'. Era bizarro", relembra Dado.

"No caminho a gente vendo todo mundo protestando, as buzinas todas", conta Dinho. "O buzinaço se estendeu durante a noite na cidade".

"Ninguém nunca antes na geração da música popular brasileira teve como falar sobre isso de maneira tão explicita", afirma João Barone dos Paralamas do Sucesso.

A nova República, filha da derrota das Diretas, traz a democracia. Era hora de enfrentar outros problemas nacionais e o rock brasiliense, estourando em todo o país, já começava a perceber o aumento da desigualdade na capital.

"Nada mais natural do que o rock and roll nascesse forte em Brasília, tinha tudo a ver. Você cantar essas coisas olhando para o Congresso nacional, dá uma legitimidade e uma força que não vai te dar você olhando para o pão de açúcar", diz a cantora, Zélia Duncan.