Guia de carreiras

Por Ana Carolina Moreno, G1


Médicos formados com base na soma de habilidades profissionais e valores éticos: é com esse objetivo que os cursos de graduação em medicina têm caminhado para uma reforma no currículo, privilegiando o ensino de competências baseadas na prática e na "autonomia intelectual" dos futuros profissionais. De acordo com o nefrologista e clínico geral Henry Campos, que é reitor da Universidade Federal do Ceará (UFC), a maioria dos currículos mais modernos e contemporâneos, do Brasil e em outras partes do mundo, tem sido inspirada no conceito de integralidade.

"Antigamente, o que acontecia? A formação era muito fragmentada. Você estava fazendo às vezes a anatomia do pescoço e a fisiologia do pulmão", explicou ele, em entrevista ao G1. "Hoje isso tudo é feito de maneira integrada."

De acordo com o reitor da UFC, atualmente há várias formas de estruturar um curso de graduação em medicina no Brasil. "Os cursos podem ser organizados por sistemas: o sistema cardiovascular, sistema digestório, respiratório... Eles podem ser organizados por ciclos de vida: infância e adolescência, adulto, questões ligadas ao envelhecimento. E podem ter uma combinação de tudo isso", explica ele.

"O que se busca hoje é facilitar a construção do conhecimento de uma maneira integrada e já aplicada à realidade que o aluno vai vivenciar."
(Henry Campos, reitor da UFC)

O reitor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Henry Campos, que é formado em nefrologia e clínica geral — Foto: Divulgação/UFC/Viktor Braga

Ética, comunidade e autonomia intelectual

Em 2014, as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de medicina foram reformuladas pelo Ministério da Educação e pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Veja abaixo quais são as três principais competências esperadas atualmente dos estudantes formados na graduação:

  • Atenção à saúde: "considerar sempre as dimensões da diversidade biológica, subjetiva, étnico-racial, de gênero, orientação sexual, socioeconômica, política, ambiental, cultural, ética e demais aspectos que compõem o espectro da diversidade humana que singularizam cada pessoa ou cada grupo social"
  • Gestão em saúde: "compreender os princípios, diretrizes e políticas do sistema de saúde, e participar de ações de gerenciamento e administração para promover o bem estar da comunidade"
  • Educação em saúde: "corresponsabilizar-se pela própria formação inicial, continuada e em serviço, autonomia intelectual, responsabilidade social, ao tempo em que se compromete com a formação das futuras gerações de profissionais de saúde, e o estímulo à mobilidade acadêmica e profissional"

Dentro da cada uma delas, há uma série de objetivos e habilidades previstas nas diretrizes, como "acesso universal e equidade como direito à cidadania, sem privilégios nem preconceitos de qualquer espécie".

Prática aliada à teoria: estudantes de graduação da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo durante atendimento à comunidade do bairro em que estudam, em abril de 2017 — Foto: Divulgação/FCMSCSP/Daiane de Andrade Oliveira

Seis anos de graduação

As diretrizes atuais mantiveram uma característica da carreira: ela exige muitos e muitos anos de dedicação. A carga horária mínima para a graduação em medicina é de 7.200 horas, que devem ser cumpridas em um prazo mínimo de seis anos. O conteúdo dos cursos precisa ser estruturado segundo "as necessidades de saúde dos indivíduos e das populações identificadas pelo setor saúde".

De acordo com Henry Campos, essa nove estrutura deve "facilitar a construção do conhecimento" por meio de metodologias como os laboratórios de habilidades. "Você trabalha com simulações, manequins, peças do corpo humano, para praticar exame ginecológico, exame de mama, procedimentos médicos. Hoje não é mais aceitável que, quando o estudante chegue para o encontro clínico, ele já não domine bem essas habilidades. Hoje se usa bastante o recurso tecnológico na formação para a aquisição dessas habilidades."

Na Faculdade de Medicina da USP, bonecos são usados em simulações pelos estudantes de graduação — Foto: Divulgação/FMUSP

Outra opção de ensino é por meio da reprodução de situações clínicas, contando com a ajuda de pacientes padronizados, que são atores representando pacientes em determinada situação.

"Hoje o conceito de disciplina está cada vez mais abandonado. A tendência é não mais segmentar, separar. Quando você vai ver um doente, você não vê o doente por pedaço, você vê o doente como um todo, é a visão holística do paciente", afirmou o professor.

Equipamentos dos cursos de medicina ajudam o estudante a aprender — Foto: Divulgação/Universidade Federal do Ceará

Internato obrigatório

Essa nova tendência do ensino e formação de médicos no Brasil começou a ser debatida em 2013, com o anúncio da criação de um estágio obrigatório dos estudantes no Sistema Único de Saúde (SUS). A ideia original do governo federal era que o período de graduação fosse ampliado. Porém, quando as diretrizes saíram do papel, elas mantiveram a carga horária original da graduação, e remanejaram o número de horas que o estágio no SUS ocuparia dentro do período de internato que já existia.

Do total da carga horária, pelo menos 35% deve ser cumprida em no mínimo dois anos, com o período de estágio obrigatório, que é feito no regimo de internato. Isso quer dizer que todos os estudantes de medicina precisam obrigatoriamente passar pelo menos 2.520 horas da graduação em atividades práticas de internato supervisionado por professores.

Graduação em medicina: teoria e prática
Das 7.200 horas mínimas dos cursos de medicina, pelo menos 35% delas precisam ser usadas no internato
Fonte: CNE/Diretrizes curriculares dos cursos de medicina

As regras também definem a carga hora de cada área do estágio: pelo menos 30% do internato, ou cerca de 760 horas, são destinados à prática no SUS, nas áreas de atenção básica e de serviços de urgência e emergência. Antes de 2014, as diretrizes que estavam em vigor previam os mesmos 35% de carga horária da graduação dedicada ao internato, mas não exigiam que a passagem do estudante pelo SUS fosse obrigatória ou ocupasse uma parte tão grande do período de estágio.

Os demais 70% do internato, que somam aproximadamente 1.760 horas, são destinados ao estágio nas áreas de clínica médica, cirurgia, ginecologia-obstetrícia, pediatria, saúde coletiva e saúde mental. Não existe carga horária mínima para essas áreas, mas o estágio não pode passar de 20% da carga horária total do internato.

Divisão da carga horária do internato
Das 2.520 horas mínimas de internato, pelo menos 30% devem ser dedicadas à prática no SUS
Fonte: CNE/Diretrizes curriculares dos cursos de medicina

Ligas médicas

É também durante a graduação que os futuros médicos começam a decidir que especialização vão seguir. Segundo Miller Barreto, que tem 29 anos, se formou na graduação pela UFC, em Fortaleza, e atualmente está no último semestre da residência em cirurgia do aparelho digestivo na USP, há estudantes que já entram na faculdade sabendo em que área vão se especializar, mas todos são obrigados a passar pelas matérias de todas as áreas clínicas.

“É uma coisa que parte muito do aluno. Tem gente que no primeiro dia de aula já dizia que iria ser oftalmologista, mas é uma cadeira que a gente via só no quarto ano", afirma ele. De acordo com o cirurgião, nesses casos, em geral, o que acontece é a influência dos pais ou parentes que já são especialistas na área.

Miller lembra que, no seu caso, sua primeira intuição foi seguir a área de cirurgia. Mas, depois da residência em clínica geral, que durou dois anos, ele disse que decidiu fazer uma segunda residência em cirurgia do aparelho digestivo depois de se interessar pelas aulas de anatomia do sistema digestivo. Em seguida, ele seguiu um caminho comum aos estudantes: entrou para a liga dessa área.

"Entrei na liga de cirurgia, convidavam a gente para visitar outros hospitais da cidade, acompanhar cirurgias. A área foi me envolvendo, fui criando gosto, acompanhando alguns cirurgiões de Fortaleza no horário livre, porque eles me chamavam. Automaticamente você vai criando gosto pela coisa", diz ele. As ligas médicas fazem parte de atividades extracurriculares do curso de graduação, e servem para que os estudantes entrem em contato mais próximo de cada especialidade, para descobrir se querem, depois, dedicar os anos de residência perseguindo uma especialização na área.

Estudantes acompanham atividade da Liga de Neurologia da Universidade Federal do Ceará — Foto: Divulgação/UFC/Rafael Cavalcante

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