terça-feira, junho 19, 2007

Variante de uma variante de fazer polvo


Tinha no frigorífico uns tentáculos de polvo cozido que me deram a ideia. Pus três batatas inteiras sem casca numa panelita com água e sal, e acendi o lume. Entretanto, como parece que gosto de tornar os pratos mais trabalhosos, fiz umas brasas bem acesas e deitei-as, vivíssimas, num púcaro de inox cheio de azeite aquecido. Aquilo até parecia coisa de bruxas. As brasas engalfinharam-se com o azeite, por um momento não queriam ir para o fundo, estrilharam e fumegaram, até que o fumo se desvaneceu e a superfície do azeite ficou em paz, como o mar depois de engolir um barco: escuro e liso, sem se ver nada. Consegui assim um azeite a saber a fumeiro, coisa que li não sei onde e que dá jeito.


Parti as batatas às rodelas de 5 mm de espessura e o polvo mais ou menos igual.


Dispus as rodelas de batata no prato refractário e, sobre elas, as de polvo.



Reguei tudo com o azeite de aroma a fumeiro, temperei o polvo com flor de sal e levei o prato ao forno a gratinar levemente. Polvilhei o polvo com pimentão doce de La Vera, que sabe também a fumo, pus um pouco de salsa bem picada e consolei-me a comer e a ver o azeite fervilhar. O sabor a fumeiro do azeite e do pimentão fez uma ligação esplêndida com o polvo.


É uma variante de outra variante do polvo à galega, que costuma servir-se cozido e assim às rodelas, sozinho, sobre uma tábua, ou então com batatas cozidas na própria água do polvo. A variante, que saboreei num restaurante galego de Madrid era como esta, as batatas cozidas em água, mas o prato sem ir a gratinar, sem o azeite aromatizado, sem salsa e com um pimentão normal, que não tem o aroma a fumo como todos sabemos.

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sábado, maio 26, 2007

A paelha do almoço de domingo passado...

Vou ter de arranjar tempo não sei como, de inventar dias com vinte e seis ou vinte e sete horas, isto porque dormir menos do que necessito é coisa de que não gosto nada, como também ficar na cama depois de acordar. O sono é um dos melhores bens da vida, sabêmo-lo, embora às tantas a gente começe a pensar que esvair um terço da existência nesse torpor inconsciente é um desperdício; que Deus ou o Big Bang deveriam ter disposto acerca do sono diário com a mão mais fechada.

Enfim, este amouse-bouche é para dizer que só hoje venho com o prato forte do almoço de domingo de há uma semana. Duas paelleras de paella marinera, a de cima com as asas encarnadas e a de baixo, na última imagem, atrás da garrafa, com asas verdes.


Trouxe de Espanha os lagostins de mar e de rio, bem como o arroz Bomba. De cá, foi tudo o resto, salvo os camarões, penso que do tamanho 40-60, que eram de Madagáscar e que estavam inteiriçados numa das muitíssimas ilhas de gelo do Sr. Azevedo. Cerca de 500 g de cada um dos lagostins, um pouco menos de camarões e ainda umas quatro lulas, julgo que da nossa costa. Do mesmo Sr. Azevedo vieram 2 kg de mexilhões.

Para a calda da paelha, fiz um um fumet com uma cabeça de pescada congelada (queria uma de corvina fresca, não a arranjei), 1 cenoura grossa, 1 alho francês e 1 cebola média às rodelas, 2 dentes de alho, 1 ramo de salsa, sal e 1 punhadito de pimenta preta em grão . Ao contrário das receitas que tenho para aqui, no fumet não usei vinho branco, não fazia sentido para uma calda de arroz. Fervilhou em lume mínimo durante uma hora, coei-o e, mais tarde, viria a juntar-lhe a água de cozer os lagostins de mar e o líquido que os mexilhões largaram quando foram abertos. Como éramos cinco, usei 500 g de arroz Bomba e 4 vezes o seu volume de fumet.

Fiz um refogado, na própria paelhera, sobre o espalhador, com uma cebola bem picada, até ficar macia e transparente. Juntei-lhe dois tomates médios ralados, sem sementes nem pele, e deixei apurar.


Cortei as lulas aos anéis e deixei-as cozer nesse refogado.



Distribuí as lulas e o refogado pelas duas paelleras. Numa pus 300 de arroz g, noutra, por ser mais pequena, 200 g.

Num almofariz, esmaguei, com sal grosso, dois dentes de alho, uma ramo de salsa, um pacote de estames de açafrão, uns 2 g, massa que viria a juntar nas paelleras quando adicionei a calda.
Como vegetais, entraram o pimento e meio assado que deixara da samfaina, feijão verde cortado, a que dei uma entaladela antes num tacho com água e sal, as ervilhas cozidas 4 minutos, também com água (já quente) e sal, no microondas, com que ficam muito verdes e bonitas. As cenouras baby, essas seguiram cruas para a confecção da paelha, por serem muito tenras.


Aqueci o fumet coado, rectifiquei de sal e juntei um pouco de corante amarelo alimentar. A calda deve ficar sobre o salgado, para este ou para qualquer arroz seco ou apenas húmido como os arrozes valencianos.
Coloquei a paelhera sobre o espalhador e adicionei a calda e os vegetais ao arroz.

Tinha, entretanto, descascado os camarões em cru, deixando-lhes a cabeça e a cauda.
Pus acima a imagem da paelha para se ver que ela deve ferver em toda a superfície, com o lume distribuido pelos dois anéis do espalhador. É um dos segredos da paelha. Outro é a quantidade de calda. Outro ainda é não usar muito arroz numa só paellera, o ideal é 3 a 3,5 cm de altura depois de feito (vê-se pela altura do líquido e, em ultima análise, com a prática).

Quando a água estava já a desaparecer, enterrei os camarões no arroz e, no fim de 14 minutos de ter levantado fervura, apaguei o lume e tapei o arroz durante pouco mais de 5 minutos.

Acompanhou-se a paelha com o alvarinho galego Vionta 2006, um vinho elegante, fresco, a encher a boca com uma longa persistência, cujos aromas mais notados por mim foram de mel e de bolos. Dar-lhe-ia a nota de 8,5 em 10. Outro casamento perfeito, o deste vinho com a paella marinera, que difere da mais comum por não levar carnes (frango, coelho, entrecosto).

É um prato bonito. Estava uma rica paelha (ou uma paelha rica?). Como-o com agrado, mas não me perco por paelhas. Prefiro bem mais este arroz, por exemplo. Penso que somos nós quem dá cartas quanto a arrozes na Península Ibérica. Pelo menos, para meu gosto. Só que a paelha é mil vezes mais mediática que o nosso inigualável arroz de forno em dia de assado, para só falar deste arroz cada vez mais em vias de extinção, creio.

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terça-feira, outubro 24, 2006

Um velho petisco em escabeche

Comi estas espetadas ainda nem devia ter barba, numa tasca da Praça da Batalha, no Porto, cidade onde passei a infância e parte da adolescência. Desde então nunca mais as esqueci. Consegui recriá-las, e esta é a terceira vez que as faço. Soube, entretanto, que terão nascido em Aveiro, no séc, XVII. Provectas espetadas! Dizem que em Aveiro as fritam ou fritavam. Não vejo hoje nenhuma utilidade nisso, apenas o inconveniente de se tornarem duros os mexilhões. De resto, as espetadas não são para se guardar mais de três dias, tão gulosas se tornam. Vão num ai. O vinagre, o frio do frigorífico e o pouco tempo que duram protegem os mexilhões de qualquer desenvolvimento bacteriano.

Aproveitei, no próprio dia, os mexilhões que sobraram da sopa e enfiei-os em palitos aos cinco em cada um. Fiz um escabeche na sertã, passando por azeite alho esmagado, um ramo de salsa e cebola às rodelas, temperei com pimenta preta e dei-lhe um pouco de cor com pimentão comum, que para pouco mais serve o pimentão dos hipers da Lusitânia. Juntei um pouco da água dos mexilhões, vinagre, vinho branco, deixei ferver. Dispus as espetadas numa tigela com o molho a cobrir e guardei-as no frigorífico e hoje provei-as. Estão boas e amanhã ainda estarão melhores. Servem para um petisco ou para uma entrada.

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domingo, junho 25, 2006

Gambas al ajillo

Os restaurantes portugueses dão a mais desvairada grafia a este saborosa entrada espanhola, e não é frequente comê-la inteiramente do meu agrado, quer em Espanha, quer, por maioria de razão, em Portugal. É muito simples e rápida e é óptima com cerveja a acompanhar. Se não for de engordar, acabados os camarões, faça sopinhas de pão no azeite, que fica a saber a alho e ao marisco e beba, só com isso, mais uma cerveja.

Azeite, camarões médios de Moçambique descascados na altura, bastantes dentes de alho cortados em lâminas (um por cada três ou quatro camarões, conforme o tamanho dos camarões e dos dentes de alho), um piripiri para quem gostar, o que não é o meu caso, salvo em pratos africanos e orientais.

Aqueça o azeite, que cubra bem a sertã. Ponha ao mesmo tempo a frigir os camarões e os alhos laminados, volteando-os algumas vezes. Quando os camarões deixarem de estar translúcidos, um minuto depois, mais ou menos, consoante o tamanho, estão no ponto. Se não quer arriscar, prove um, mas não os passe de mais. Lembre-se de que, sobretudo, o marisco e o peixe estarão cozidos no preciso momento em que deixam de estar crus. É uma verdade de La Palisse que pouco se sabe. Tempere com sal fino se for preciso. Divida por pequenas frigideiras de barro aquecidas, uma por pessoa.

Sendo assim tão fácil, por que razão não é frequente comer bem feita esta entrada, pelo menos a meu gosto? Muitas vezes porque fritam o camarão para lá da conta, mais vezes ainda porque não deitam o alho na mesma altura, pondo-o antes, dourando-o até e alterando o seu sabor.

Se pesquisar “gambas al ajillo” no Google (web) encontrará os mais variados modos de fazer estes camarões, com salsa, com conhaque, até com licor de maçã, mas em quase todas as receitas ou os passam de mais ou põem antes os alhos. Das duas, uma: ou não sabem fazer esta entrada, ou não dizem tudo, e o tudo não passa da técnica de a fazer.

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