Ciência Fundamental

O que pensam os jovens cientistas no Brasil?

Ciência Fundamental - Ciência Fundamental
Ciência Fundamental

Menos com menos é mais: o papel do erro na matemática

Nesta área do conhecimento, errar é mais que humano: é parte da rotina

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

  • 7
Edgard Pimentel

Um dos maiores temores da vida estudantil é o erro. Marcar a resposta errada, errar uma conta, entender errado a pergunta. Há várias formas de errar. E a impressão mais comum é a de que o ato de errar diz respeito ao universo estudantil. Nada mais errado! Em matemática, e em ciência em geral, errar não só é humano como é parte da rotina. E exemplos acometem as estrelas mais importantes da constelação profissional.

Uma história belíssima envolve o cientista francês Henri Poincaré e o rei Oscar II, da Suécia e Noruega. Para homenagear o aniversário de 60 anos do monarca, o periódico "Acta Mathematica" promoveu uma competição. Uma lista de tópicos importantes foi anunciada, e trabalhos acerca daqueles temas iriam competir pelo prêmio. A iniciativa partiu do matemático sueco fundador da Acta, Gösta Mittag-Leffler, que entre outras coisas queria envolver o rei na promoção da Acta. O entusiasmo de Mittag-Leffler pelo suporte real não era novidade: ele já havia garantido ao rei a primazia de ter sido que o primeiro assinante do periódico.

Arte ilustra um símbolo do infinito formado por pequenas pessoas, ao lado do eixo vertical de um gráfico.
Ilustração: Lívia Serri Francoio - Instituto Serrapilheira

Doze monografias se inscreveram na competição, anunciada no volume 7 da "Acta" (estamos em 1885). Uma delas, "Sobre o problema de três corpos e as equações da dinâmica", de Poincaré, logo se mostrou pertencer a uma esfera de qualidade muito superior. E naturalmente venceu o prêmio. Entretanto, entre ser considerada vencedora e ser publicada na Acta ocorreu uma pequena surpresa.

E a surpresa era um erro. Nos fins de novembro de 1889, Poincaré enviou um telegrama a Mittag-Leffler pedindo-lhe que interrompesse a impressão da revista devido a um erro nos argumentos. No dia seguinte, uma carta de Poincaré explicava a grave natureza do erro. Corrigir o trabalho (vencedor!) exigiria esforço substancial.

Poincaré revisou a monografia e, em janeiro de 1890, submeteu uma nova versão. Sua revisão expandia o documento original, estava matematicamente correta e, sobretudo, inaugurava questões fundamentais na teoria dos sistemas dinâmicos. Foi nessa versão corrigida que apareceu pela primeira vez a noção de ponto homoclínico. Se começamos a andar a partir de um ponto homoclínico e seguimos a regra do sistema dinâmico, tanto faz se o tempo anda pra frente ou para trás: sempre acabamos no mesmo lugar!

O erro de Poincaré parece familiar a muitos matemáticos profissionais: escreve-se um artigo, ou um livro, e de repente alguém nos pergunta sobre determinado argumento. E em alguns casos o argumento está equivocado. E ao consertar as coisas, aprendemos todos. Mas essa percepção óbvia não é necessariamente universal.

Em 2021, mais de 230 mil artigos em matemática foram publicados. Seria ingênuo imaginar que estão todos corretos. Por outro lado, quando comparamos a matemática a outras áreas do conhecimento, a taxa de correções é muito menor. Eu, por exemplo, nunca ouvi falar de um artigo retratado em matemática. Será porque os profissionais da área ficam constrangidos em reconhecer que, como todos os outros, erram?

O problema aqui são as consequências de uma atitude editorial que "olha para outro lado" e ignora o erro. Primeiro, porque um resultado errado se propaga por intermédio da literatura. Ora, muito do que se faz hoje depende do que foi feito ontem. E se ontem estava errado, os ombros do gigante não oferecem a sustentação necessária para amanhã.

Outro problema grave diz respeito ao acesso ao conhecimento. Na literatura, há uma série de pequenos erros de que apenas alguns poucos cientistas estão a par. E cujas soluções são conhecidas por ainda menos pessoas. Assim, o acesso à informação correta torna-se limitado. E o progresso da matemática — que deveria ser o principal objetivo — fica restrito a um grupo. Sem falar nas premiações atribuídas a indivíduos, que devem se sustentar em avanços no mínimo corretos da disciplina.

Para a profissão de matemático, talvez seja uma boa hora de entender melhor o lugar de estar errado, para aperfeiçoar a beleza de cada acerto.

*

Edgard Pimentel é pesquisador do Centro de Matemática da Universidade de Coimbra e professor da PUC-Rio.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, de apoio à ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

  • 7

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.

JOSE EDUARDO MARINHO CARDOSO

12.mai.2023 às 18h46

Cientistas desenvolveram um sistema de arquivos que promete acabar com a perda de informação causada por travamentos em computadores. O projeto, desenvolvido pelo MIT, funciona com um conceito de verificação formal, que usa matemática pura para determinar as lógicas e limites de operação de um programa de computador. O sistema de arquivos é lento demais para qualquer aplicação no mundo real. Mas a perspectiva é de que o estudo evolua.

Vito Algirdas Sukys

11.mai.2023 às 23h45

Muitos acontecimentos na vida são processos de Bernoulli. Kahneman e Tversky chamaram, sarcasticamente, de Lei dos Pequenos Números. Não é lei . De que uma pequena amostra reflete precisamente as probabilidades subjacentes. Nossa intuição muitas vezes nos leva a interpretar erroneamente o que observamos. Uma boa sequência não traz azar e uma sequência ruim não significa que a sorte vai melhorar.É a falácia do jogador.Ao usar a intuição na matemática podemos cometer erros e aprender c/eles

JOSE EDUARDO MARINHO CARDOSO

11.mai.2023 às 14h54

O termo 'bug' indica um erro de lógica na concepção de um software. O Bug do Milênio estava relacionado a datas cujo ano era guardado com 2 dígitos. Havia o medo de que após a virada do milênio, os sistemas tomassem 2000 como 1900. Assim, um mero erro de informática causou uma preocupação de escala mundial. Aviões podiam cair, usinas de energia seriam interrompidas, mísseis nucleares explodiriam em seus silos, bancos entrariam colapso...Quase nada que estivesse sujeito a um software funcionaria.