Open-access Saberes (des)legitimados nas aulas de português e literaturas: um olhar para documentos do ensino1

(No) legitimized Knowledge in Portuguese and Literature Classes: A Look at Teaching Document

Resumo

Este artigo discute processos de (des)legitimação quanto a saberes, valores e culturas que se operam dentro das escolas brasileiras, sobretudo aqueles relacionados a práticas de leitura literária. Nesse sentido, a fundamentação teórica apoia-se em autores como Soares ([1986] 2017), Freitas (2009) e Gerhardt (2014), por salientarem aspectos tradicionalmente (des) legitimados dentro do sistema educacional brasileiro. As teorizações são, então, postas em diálogo com documentos oficiais de ensino, no que tange ao trabalho com a leitura na escola. Com relação ao recorte analítico e metodológico, à luz da Análise Dialógica do Discurso (ADD), o texto investiga documentos como os PCNs, as OCEM e a BNCC para problematizar que enfoques são ou deixam de ser legitimados com relação a práticas literárias. Os resultados apontam para orientações que pouco consideram saberes e vivências dos aprendizes durante o ato da leitura literária.

Palavras-chave: Leitura literária; ensino; documentos oficiais

Abstract

This article discusses processes of (de)legitimation regarding knowledge, values and cultures that operate within Brazilian schools, especially those related to literary reading practices. In this sense, the theoretical foundation is supported by authors such as Soares ([1986] 2017), Freitas (2009) and Gerhardt (2014), for highlighting aspects that are traditionally (un)legitimized within the Brazilian educational system. Theorizations are then placed in dialogue with official teaching documents, regarding the work with reading at school. Regarding the analytical and methodological approach, in the light of Dialogical Discourse Analysis (DDA), the text investigates documents such as the PCNs, the OCEM and the BNCC to discuss which approaches are or are not legitimate in relation to literary practices. The results point to guidelines that take little account of the knowledge and experiences of learners during the act of literary reading.

Keywords: Literary reading; Teaching; Official documents

Introdução

O ensino de língua portuguesa e de literaturas no Brasil vem sendo regido, desde a década de 1990, por documentos oficiais que impactam na elaboração de currículos, materiais didáticos e práticas escolares. Dentre esses documentos, destacam-se os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), em suas versões para o Ensino Fundamental e Médio, as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (OCEM) e, mais recentemente, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Neste artigo, proponho-me a investigar esses documentos, com fins a problematizar que saberes, valores e culturas são (des)legitimados nas orientações oficiais, no que tange ao ensino de literatura. Tal objetivo parte de uma defesa por práticas de leitura literária abertas às intersubjetividades discentes, além da observação de que o sistema educacional brasileiro parece dispensar pouca atenção a saberes, valores e culturas de grande parte das pessoas que frequentam seu espaço, sobretudo daquelas provenientes de camadas populares.

Nesse sentido, os objetivos aqui delineados são os de: 1) apresentar um panorama sobre a relação entre ensino e classes populares no Brasil, tendo em vista o histórico de ampliação do acesso à escolarização básica; e 2) analisar os principais documentos oficiais que têm regido o ensino das disciplinas de português e literaturas nas etapas do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio (EM) nas últimas duas décadas, para discutir como se operam nesses documentos os processos de legitimação de saberes, valores e culturas discentes.

Esses objetivos surgem de inquietações nascidas durante a leitura do documento oficial de ensino mais recente, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Apesar de uma primeira leitura sugerir certa atenção a práticas literárias comuns ao mundo discente contemporâneo (menções a slams, fanfictions, vlogs, booktubers etc.), uma investigação mais atenta do documento revela que os descritores referentes às práticas literárias dos alunos são destinados à avaliação em larga escala do ensino e não a orientações para o processo e desenvolvimento de saberes referentes a tais práticas. Muitas habilidades e competências ligadas ao campo artístico-literário apresentam enfoque em ações de reconhecimento e identificação de características ligadas à esfera literária, ao passo que a experiência calcada nas subjetividades leitoras parece ser pouco legitimada nos descritores.

Com vistas a elucidar ou aprofundar essas primeiras impressões quanto à leitura da Base - e sabendo que o documento não surge de um vácuo, mas dialoga com toda uma tradição de documentação oficial quanto ao ensino e também com todo um histórico de implementação do sistema escolar brasileiro -, lanço-me a um atento olhar aos documentos dedicados a orientações sobre o ensino de português e literaturas. O olhar para esses documentos será guiado por pressupostos da Análise Dialógica do Discurso (ADD). Para Beth Brait (2006), a ADD procura compreender os processos de construção de sentidos e seus efeitos no mundo social. Desse modo, buscarei realizar uma análise dos discursos encontrados nos documentos oficiais, pondo-os em diálogo com pesquisas relacionadas a processos de (des)legitimação quanto a valores, culturas e saberes no espaço escolar.

Para cumprir o esboço delineado, percorro o seguinte caminho: na primeira seção, apoiada em autores como Gadotti (2000), Freitas (2009), Gerhardt (2014) e Soares ([1986] 2017), discuto processos de (des)legitimação de saberes, valores e culturas no espaço escolar. Em seguida, discorro brevemente sobre a Análise Dialógica do Discurso como opção metodológica para a investigação. Por fim, em diálogo com as discussões teóricas levantadas, apresento uma análise discursiva dos seguintes documentos: Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), Orientações Curriculares Nacionais (OCEM) e Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Em cada um deles, concentro-me nos trechos relacionados a práticas literárias.

1 Ensino escolar: processos de (des)legitimação

Da primeira vez em que me assassinaram Perdi um jeito de sorrir que eu tinha... Depois, de cada vez que me mataram, Foram levando qualquer coisa minha... Mário Quintana, [1940] 2005

Os lindos versos de Quintana, muito presentes em livros didáticos, ilustram as seleções textuais valorizadas e predominantes no universo escolar. Entre os diversos fatores que determinam a escolha dos textos que compõem as atividades de livros didáticos, parece haver o entendimento consensual da necessidade de selecionar textos e autores canônicos2 e socialmente prestigiados. Esse consenso é observado no Guia do PNLD 2018:

Há nas coletâneas, a presença de muitos autores do cânone literário brasileiro importantes de serem lidos e conhecidos pelos estudantes, mas é tímida a inclusão de autores não canônicos representantes da literatura marginal ou da literatura feminina, por exemplo, igualmente importantes de serem lidos e conhecidos pelos estudantes. São mais raros ainda os textos de autoria indígena ou que tematizam a cultura indígena (Brasil, 2017, p. 15).

A escolha de textos e autores canônicos parece ser compreendida, portanto, como conferidora de qualidade aos livros didáticos e ao ensino de literatura, de forma geral. É como se o prestígio dos escritores dos textos selecionados pudesse ser transferido para o material didático que os abriga. Não pretendo advogar, é claro, pela não presença dos textos canônicos nos livros didáticos. Ou melhor, concordo com Dias (2016) quando afirma que a polarização canônico e não-canônico não favorece as práticas escolares de leitura literária. Assim, o que saliento é, tal como apontado pelo Guia do PNLD, a importância de inserção de outras representações literárias nos materiais e o diálogo que se possa promover entre os diferentes textos. Isto posto, com relação aos versos de Quintana citados, espero costurar, ao longo da discussão, a relação que deles estabeleci com as inquietações que apresento neste artigo.

A instituição escolar, apesar de abrir as portas e, nos dias de hoje, quase aprisionar os alunos dentro dela, parece desprestigiar as pessoas das camadas populares, valorizando, predominantemente, padrões de camadas privilegiadas, produzindo uma negação daquilo que é proveniente do aluno pertencente à camada popular: cultura, linguagem, valores, desejos. Essa negação já era apontada por Soares na década de 1980:

A escola, quando inserida em sociedades capitalistas, assume e valoriza a cultura das classes favorecidas; assim, o aluno proveniente das camadas populares encontra nela padrões culturais que não são os seus, e que são apresentados como ‘certos’, enquanto os seus próprios padrões são ou ignorados como inexistentes, ou desprezados como ‘errados’ (Soares, [1986] 2017).

Infelizmente, as denúncias feitas pela autora sobre o apagamento das culturas e/ou práticas de letramentos dos alunos dentro do ambiente escolar parecem ter sido ignoradas pela instituição escolar, fazendo com que o desafio de uma educação menos excludente permaneça e continue a ser apontado por pesquisadores da área da educação. Gadotti, por exemplo, no cenário da virada do milênio, procurando vislumbrar perspectivas e desafios para a educação do futuro, aponta: “espera-se que a educação do futuro seja mais democrática e menos excludente” (Gadotti, 2000, p. 8).

Freitas (2009), por sua vez, ao elencar fatores que determinam práticas educacionais, denuncia a crueldade da instituição escolar e mostra que a ralé3 nunca foi vista pelo Estado como classe e nunca se pensou em uma escola que atendesse suas demandas:

A crueldade da má-fé institucional está em garantir a permanência da ralé na escola, sem isso significar, contudo, sua inclusão efetiva no mundo escolar, pois sua condição social e a própria instituição impedem a construção de uma relação afetiva positiva com o conhecimento (Freitas, 2009, p. 301).

A construção de uma relação afetiva com o conhecimento escolar só pode acontecer quando o aluno consegue se reconhecer como parte integrante e valorizada dentro desse processo de construção de conhecimento. Quando seus saberes são desprezados e ele percebe ser visto como mero acumulador dos conteúdos que a escola despeja sobre ele, não há possibilidade de criar vínculos afetivos necessários à construção do conhecimento escolar, pois ele sente, tal como no poema de Quintana, que lhe tiraram uma parte. Vale destacar que Freitas também aborda questões familiares como preponderantes para o rendimento escolar. Contudo, considero tal questão complexa e consequência de um conjunto imbricado de fatores históricos, interinstitucionais e sociais, nos quais a escola está inserida. Por isso, busco me ater ao papel da escola como instituição que tem a incumbência de encontrar caminhos para superar os desafios que a ela são impostos.

(Des)legitimação no ensino de português e literaturas

Prosseguindo no estudo de pesquisas relacionadas à educação e ao ensino e aprendizagem, e olhando mais especificamente para o ensino de português e literaturas, percebo que as questões levantadas por Soares ([1986] 2017), Gadotti (2000) e por Freitas (2009) também são apontadas por Gerhardt (2013). Segundo a autora, no que particularmente tange ao ensino de português como língua materna, a exclusão dos alunos é manifestada por “silenciamento do aluno e alijamento das normas linguísticas cotidianas, as quais em princípio não seriam objetos de ensino nas escolas” (Gerhardt, 2013, p. 79). Por isso, Gerhardt denuncia que, para os documentos, basta a presença dos conteúdos no livro e sua menção na sala de aula. A figura do aprendiz parece ser ignorada. Em 2014, a mesma autora, ao perceber relações entre as situações apresentadas no filme francês Entre os muros da escola4 e o universo escolar brasileiro, discorre sobre a interação entre alunos e professores sob o prisma da normatividade. Analisando o contexto de sala de aula, tanto do filme quanto da realidade brasileira, Gerhardt aponta que o apagamento discente “diz respeito também à cognição do aluno, que traria para a escola não apenas uma linguagem de segunda classe, mas também uma cognição de segunda classe, que não precisaria ser levada em conta no seu aprendizado” (Gerhardt, 2014, p. 902).

Ao partir de uma concepção de pessoa como um ser que agrega não somente um corpo, mas o conjunto do corpo, cognição, valores, desejos, linguagem etc., é possível inferir das palavras de Gerhardt que houve inclusão de corpos e não da vivência das pessoas de camadas populares no sistema educacional. Essa inclusão somente dos corpos implica uma dissociação entre idealização e prática escolar. Conforme nos mostra Gerhardt (2014), a sociedade idealiza a escola como um espaço que objetiva ensino e aprendizagem; contudo, na prática, os objetivos de quem nela está inserido, alunos e agentes escolares, são os de aprovação.

Com relação à leitura literária, é sabido que a crítica, embasadora das escolhas que se faz para o universo escolar, “ignora a experiência leitora dos estudantes” (Dias, 2016, p. 215). A exclusão das vivências dos alunos também explica a apatia deles perante as atividades do universo escolar. Algumas vezes, diante de atividades pedagógicas tradicionais, a percepção que tenho é a de que os alunos estão, figurativamente, como nos mostrou o poeta Quintana, mortos dentro da escola. Essa percepção também parece ter sido observada por Graciliano Ramos que, ao falar sobre a escola de sua Infância, assim a descreve: “O lugar de estudo era isso. Os alunos se imobilizavam nos bancos: cinco horas de suplício, uma crucificação. Certo dia vi moscas na cara de um, roendo o canto do olho, entrando no olho. E o olho sem se mexer, como se o menino estivesse morto” (Ramos, 1981, p. 199).

Ao fazer a leitura e a discussão sobre um fragmento do mencionado romance de Graciliano com uma turma de sexto ano, a identificação se mostrou presente nas palavras das crianças e, como professora, um turbilhão de sentimentos diversos e paradoxais me invadiu: satisfação por conseguir, através da literatura, tocar e me aproximar dos alunos, associada a uma tristeza por perceber que a realidade da dureza escolar continua ferindo infâncias e, sobretudo, a infância das crianças pertencentes a famílias de camadas populares. O próprio romance de Graciliano aponta para a existência de dois tipos de escolas: a escola “decente” e a escola de sua infância, onde os corpos não respondem aos estímulos que muitas das práticas escolares oferecem e, não vendo sentido algum naquele espaço, os alunos só desejam dar liberdade aos corpos ali aprisionados.

2 Metodologia

O ensino de português como língua materna no Brasil parece vir sendo compreendido, a partir da análise de documentos que o têm regido nas últimas duas décadas, como o conjunto de ações didáticas voltadas para o ensino e desenvolvimento de práticas de linguagem. Essas ações didáticas devem compreender as modalidades oral e escrita da língua e envolver processos de leitura, produção textual, conhecimentos gramaticais, também chamados de usos da língua, e conhecimentos a respeito das literaturas brasileira, portuguesa e, mais recentemente, indígena, africana e latino-americana.

Como se pode perceber, a disciplina Língua Portuguesa é ampla e agrega uma gama de áreas. Portanto, embora esteja ciente de que todas as áreas constituintes da disciplina estejam imbricadas, como recorte para este artigo, focarei em questões referentes à leitura e à literatura, pois são as partes que mais interessam aos objetivos delineados. Além disso, organizo a discussão em um caminho que parte de documentos referentes ao Ensino Fundamental II e chega à etapa do Ensino Médio. Tal caminho se dá com base na consideração da Educação Básica como um processo contínuo, no qual as práticas de uma etapa são influenciadas pelas práticas da etapa precedente. Logo, diante das limitações de espaço, que inviabilizam uma investigação em materiais de todas as etapas da Educação Básica, opto por analisar documentos das duas etapas finais do processo, sobre as quais minha experiência profissional permite tecer maiores considerações. O olhar para esses documentos será guiado por pressupostos da Análise Dialógica do Discurso (ADD).

Para Beth Brait (2006), a ADD procura compreender os processos de construção de sentidos e seus efeitos no mundo social. Desse modo, a investigação feita a partir da ADD parte do pressuposto de que todo enunciado está intrinsecamente vinculado a seu contexto sócio-histórico de produção, e que, por isso, é atravessado e influenciado por acentos valorativos e disputas dialéticas. Nessa perspectiva, buscando compreender os efeitos dos documentos oficiais em práticas do mundo social, começo por aqueles referentes ao Ensino Fundamental II, que corresponde à etapa que vai do sexto ao nono ano de escolaridade.

Inicio a investigação documental através dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) - Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino Fundamental, de 1998. Esse ponto de partida se deve ao fato de o documento representar um marco na tentativa de contribuir com professores no processo de elaboração de propostas didáticas. Em seguida, avanço para analisar as relações entre os PCNs do Ensino Fundamental, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e documentos da etapa do Ensino Médio: os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCEM), as Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN+) e as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM).

3 (Des)legitimações quanto ao ensino de literatura em documentos oficiais

PCNs e BNCC do Ensino Fundamental II

Começando pela etapa do Ensino Fundamental II, com relação aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), a maior contribuição parece estar na mudança do foco de ensino das aulas de português, passando de conteúdos referentes a nomenclaturas gramaticais para conhecimentos sobre gêneros textuais que circulam nos meios públicos. Essa mudança de foco implica, também, a mudança do nível da frase para o nível do texto.

Contudo, o que parece ter havido foi a substituição de práticas escolares focadas na identificação de nomenclaturas gramaticais pela práxis de identificação de características dos gêneros textuais. Logo, os gêneros, apesar de serem descritos no documento como constituídos por “formas relativamente estáveis de enunciados, disponíveis na cultura” (Brasil, 1998, p. 21), acabaram sendo interpretados de forma muito estanque, como é possível depreender do excerto abaixo:

A noção de gênero refere-se, assim, a famílias de textos que compartilham características comuns, embora heterogêneas, como visão geral da ação à qual o texto se articula, tipo de suporte comunicativo, extensão, grau de literariedade, por exemplo, existindo em número quase ilimitado (Brasil, 1998, p. 22).

Com base na noção de gênero inferida pelo trecho, a observação de características comuns que poderiam enquadrar determinado texto dentro de um gênero passou a ser conteúdo presente nos livros didáticos e nas avaliações educacionais, gerando práticas de reconhecimento, classificação e reprodução de características textuais. Fiorin (2008), ao abordar a questão da apropriação do conceito de gêneros do discurso no contexto pedagógico, afirma:

Depois que os Parâmetros Curriculares Nacionais estabeleceram que o ensino de Português fosse feito com base nos gêneros, apareceram muitos livros didáticos que vêem o gênero como um conjunto de propriedades formais a que o texto deve obedecer. O gênero é, assim, um produto, e seu ensino torna-se, então, normativo. Sob uma aparência de revolução no ensino de Português está-se dentro da mesma perspectiva normativa com que se ensinava gramática (Fiorin, 2008, p. 60).

Como exemplo dessa perspectiva normativa mencionada por Fiorin, destaco o documento que, nos últimos seis anos, vem respaldando as práticas pedagógicas nas escolas da Rede Estadual de Ensino do Rio de Janeiro: o Currículo Mínimo. Nele, os conteúdos para o 4º bimestre do 8º ano de escolaridade giram em torno do gênero Texto Teatral, e os objetivos destinados ao eixo leitura são:

  • - Identificar características do gênero dramático.

  • - Relacionar a lógica que presidiu a divisão das cenas aos efeitos criados por tal divisão.

  • - Identificar a função das rubricas num texto teatral.

  • - Reconhecer a importância dos elementos não-verbais como complementos do texto a ser encenado.

  • - Identificar e valorizar a ocorrência de variações dialetais geográficas, históricas, de classe ou idade. (Rio de Janeiro, 2012, p. 11)

Como se pode notar, a prevalência de objetivos para o eixo leitura no currículo - saliento ser a leitura de textos pertencentes a uma esfera considerada literária - gira em torno de atividades de identificação e reconhecimento de características do gênero estudado. Há, nesse caso, uma (des)legitimação das subjetividades dos leitores, que são silenciadas em prol das ações mencionadas. Retomando Dias (2016), o currículo direciona a uma prática pedagógica que “ignora a experiência leitora dos estudantes” (Dias, 2016, p. 215), em um movimento de exclusão da cognição (Gerhardt, 2013; 2014), valores e culturas discentes (Freitas, 2009; Soares, [1986] 2017).

Nesse sentido, concordo com Fiorin (2008) em sua menção de que o ensino de língua portuguesa regido pelos PCN, apesar de ter apresentado uma mudança de conteúdo focal, continuou a impactar em práticas pedagógicas classificatórias e concentradas na língua, em detrimento do foco no aluno e nas suas relações com as práticas de linguagem. No caso dos objetivos para a leitura do gênero teatral, por exemplo, o que se viu no currículo destacado foi a não atenção aos significados e relações construídas durante a leitura, ou seja, tudo o que vem do estudante, como aponta Gerhardt (2013).

Como se nota, apesar de o presente artigo se dedicar à análise dos documentos oficiais, com vistas a problematizar (des)legitimações relacionadas à leitura literária, as discussões sobre os PCNs do Fundamental II, até o momento, giraram em torno da questão dos gêneros. Isso ocorre porque, no tocante específico à leitura literária, os PCNs lhe destinam apenas uma pequena seção intitulada A especificidade do texto literário (Brasil, 1998), na qual se aborda a questão do literário a partir do reconhecimento das singularidades que caracterizam os textos. No entanto, uma discussão sobre a abordagem da leitura literária e das relações estabelecidas durante sua prática não é apresentada, o que é lamentável, pois nos anos finais do Ensino Fundamental, o aluno, já tendo consolidado os processos iniciais de alfabetização, poderia ser direcionado à percepção de que pode estabelecer construções de sentido literárias com determinados textos, e ser direcionado ao agenciamento dos seus processos de leitura. Esses direcionamentos parecem ser excluídos, uma vez que o documento pouco se dedica a discussões sobre o literário.

Passadas duas décadas nas quais o Ensino Fundamental teve os PCNs como principal documento norteador, vivenciamos um novo documento: a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). No que tange ao ensino de língua portuguesa e literatura, a BNCC do Ensino Fundamental mantém o mesmo foco dos PCN: os gêneros textuais, aliados ao desenvolvimento de habilidades linguísticas. Contudo, por ser um documento sobre o que se deve ensinar, e não sobre o processo de ensino, o foco no desenvolvimento parece reduzido na BNCC, e os descritores referentes às habilidades são destinados à avaliação do ensino e não a orientações para o processo e desenvolvimento de saberes. Logo, os descritores da BNCC demonstram habilidades esperadas que os alunos apresentem: “(EF89LP33) Ler, de forma autônoma, e compreender...; (EF89LP34) Analisar a organização de texto dramático...; (EF89LP35) Criar contos ou crônicas; (EF89LP36) Parodiar poemas conhecidos da literatura e criar textos em versos...” (Brasil, 2018, p. 187). Tal como se apresentam, os descritores sugerem itens a serem verificados em avaliações de larga escala, e o uso de combinações alfanuméricas parece ter como principal objetivo a facilitação desse processo de avaliação. Assim, viabiliza-se a divulgação de tabelas com grandes quantidades de dados.

Esse objetivo avaliativo da BNCC é apontado por Dermeval Saviani ainda durante o processo de elaboração do documento, que, conforme já mencionado aqui, passou por três versões antes da homologação. Ao analisar as relações entre currículo e sociedade e questionar as razões de tanto empenho na construção de uma nova norma relativa à base nacional curricular, Saviani aponta:

Considerando a centralidade que assumiu a questão da avaliação aferida por meio de testes globais padronizados na organização da educação nacional e tendo em vista a menção a outros países, com destaque para os Estados Unidos tomados como referência para essa iniciativa de elaborar a ‘base comum nacional curricular’ no Brasil, tudo indica que a função dessa nova norma é ajustar o funcionamento da educação brasileira aos parâmetros das avaliações gerais padronizadas (Saviani, 2016, p. 75, grifo meu).

A avaliação do aprendizado, como apontada por Saviani, parece ser, portanto, o principal objetivo da BNCC, e os interesses por trás dessa avaliação são os de ajustar modelos avaliativos externos à nossa realidade. Com tais objetivos, o apagamento do processo de construção de saberes pode ser observado, e o que aparece no documento são listagens de habilidades a serem cobradas, em uma lógica utilitária, pragmática e neoliberal5 (Szundy, 2019). O modo como as habilidades são desenvolvidas não parece ser considerado relevante, uma vez que o foco parece estar no produto. Dessa forma, escamoteia-se o processo no qual subjetividades leitoras estão incluídas, focando-se em processos de reconhecimento de uma literariedade posta a ser simplesmente reconhecida, como se pode observar nas discussões sobre o campo artístico-literário para o ensino fundamental:

No âmbito do Campo artístico-literário, trata-se de possibilitar o contato com as manifestações artísticas em geral, e, de forma particular e especial, com a arte literária e de oferecer as condições para que se possa reconhecer, valorizar e fruir essas manifestações (Brasil, 2018, p. 138).

O contato com a arte literária é vista, então, como forma de reconhecimento, valorização e fruição de uma literariedade definida a priori e não construída na intersubjetiva relação entre leitor, mundo social e texto. Dessa forma, a educação do futuro apontada por Gadotti como “mais democrática e menos excludente” (2000, p. 8) parece estar em um alcance bastante distante.

Aprendizagem de português e literaturas no Ensino Médio: PCNEM e PCN+

Com relação ao Ensino Médio, as disciplinas Língua Portuguesa e Literatura fazem parte da área até recentemente chamada Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Dentro desta área, os Parâmetros Curriculares Nacionais - Ensino Médio (PCNEM) trazem uma lista de competências a serem desenvolvidas no processo de ensinagem. Entretanto, os itens da lista de competências são amplos e vagos, tais como:

Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas; compreender e usar a Língua Portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização de mundo e da própria identidade (Brasil, 1999, p. 10).

Em virtude disso, o documento foi considerado muito técnico e de pouca utilidade para a estruturação de currículos e práticas pedagógicas, gerando a necessidade de um novo documento: as Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN+).

Nos PCN+, é apontada a necessidade de uma reforma nas práticas pedagógicas da etapa do Ensino Médio para que estejam adequadas à lei 9.394/96 e à “promoção humana de seu público atual” (Brasil, 2002, p. 8). O objetivo é o de uma formação mais ampla, em oposição ao modelo anterior, que era dicotomizado entre preparar para o vestibular ou preparar para o mercado de trabalho. O documento, então, entende a etapa do Ensino Médio como a que completa a Educação Básica, e isso significa “preparar para a vida, qualificar para a cidadania e capacitar para o aprendizado permanente, seja no eventual prosseguimento dos estudos, seja no mundo do trabalho” (Brasil, 2002, p. 8). A maneira de entender a etapa do Ensino Médio é um ponto elogiável no documento. Contudo, ao se analisar a área Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, verifica-se que, apesar de o documento mencionar várias vezes os termos competência e habilidade, a proposta de ensino está pautada na assimilação de conteúdos e conceitos referentes às linguagens e não na construção de saberes sobre as próprias práticas de linguagem (cf. Gerhardt, 2014).

Nesse sentido, os PCN+ até apresentam uma abordagem sobre a questão da aprendizagem, porém, o faz de forma problemática, como se pode observar no quadro abaixo:

Quadro 1
Noção de aprendizagem nos PCN+

Como se vê, o documento separa a noção de aprendizagem em duas: uma para fatos e outra para conceitos. Desse modo, demonstra partir de uma visão de linguagem como expressão/representação e não como construção/performance. Nessa segunda visão, com a qual me alinho, a distinção entre fatos e conceitos não faz sentido, na medida em que aquilo que (des)legitimamos como fatos e conceitos, como verdades, são (des/re)construções sempre forjadas nas (inter)ações, ou seja, pertencem à nossa forma de enquadrar o mundo. Ademais, segundo a tabela presente no material, a aprendizagem de fatos consiste em cópia literal, é alcançada por repetição e memorização, é adquirida de uma só vez e esquecida rapidamente. Ora, tais características não correspondem à noção de aprendizagem, mas somente às ações de cópia e de memorização. A coluna correspondente aos conceitos é o que se pode chamar de aprendizagem, que requer a integração de saberes já consolidados com novas informações. A falta de clareza sobre a noção de aprendizagem, aliada a uma concepção de linguagem marcada por contradições6, resvala no modo como o documento direciona as práticas pedagógicas, focadas nos conteúdos linguísticos e não na construção dos conhecimentos que incluiriam atenção ao que vem dos alunos. Opera-se, portanto, mais uma vez a deslegitimação de saberes, valores e culturas discentes, tal como apontam Soares ([1986] 2017) e Gerhardt (2014).

Outro aspecto inquietante a ser mencionado sobre esses dois documentos do Ensino Médio (PCNEM e PCN+) é a ausência de uma discussão consistente sobre práticas literárias, ao passo que a literatura constitui disciplina sistematizada nesta etapa de escolaridade. Diante de tal problema, no ano de 2006, foram lançadas as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM). Passo a investigá-las.

As Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM)

Ainda que não deem conta de todas as complexidades relacionadas ao ensino de literaturas, as Orientações Curriculares para o Ensino Médio representaram um enorme avanço na questão, pois apresentam uma seção de valiosas contribuições à discussão sobre Conhecimentos de Literatura. Citando Antonio Candido ([1970] 2011), as OCEM partem da noção de literatura como “arte de cuja apropriação todos têm direito” (Brasil, 2006, p. 52) e, atentas às questões de desigualdade social que assolam o nosso país, salientam: “Diríamos mesmo que têm mais direito aqueles que têm sido, por um mecanismo ideologicamente perverso, sistematicamente mais expropriados de tantos direitos, entre eles até o de pensar por si mesmos” (Brasil, 2006, p. 52). Logo, cientes do papel social que a literatura pode exercer, as OCEM definem, como objetivos e metas para o ensino de literatura, um trabalho que vá além da fruição estética: “a escola deverá ter como meta o desenvolvimento do humanismo, da autonomia intelectual e do pensamento crítico, não importando se o educando continuará os estudos ou ingressará no mundo do trabalho” (Brasil, 2006, p. 54). O que se lê, portanto, são objetivos concretos, possíveis e coerentes com a visão de literatura apresentada. Há, ainda, direcionamentos pedagógicos claros: “Para cumprir com esses objetivos, entretanto, não se deve sobrecarregar o aluno com informações sobre épocas, estilos, características de escolas literárias etc.” (Brasil, 2006, p. 54). O objetivo preconizado é, portanto, uma educação literária que seja pautada em sua prática. Desse modo, a teoria deve ser mobilizada a partir da prática, não deve ser posta de antemão e não deve se sobrepor à experiência de leitura.

Cumpre destacar que, apesar das considerações importantes encontradas nas OCEM, o documento peca por supervalorizar os cânones literários, mesmo quando se propõe a problematizar a questão do cânone nas escolhas de obras literárias por professores. A esse respeito, as OCEM questionam se, embora havendo boas intenções nas atitudes dos professores menos conservadores nas escolhas das obras a serem lidas, “não haveria demasiada tolerância relativamente aos produtos ditos ‘culturais’, mas que visam somente ao mercado?” (Brasil, 2006, p. 56). Segundo o documento, é necessário que, ao serem selecionadas, as obras não canônicas passem pelo mesmo crivo que se utiliza para textos canônicos, com questionamentos sobre intencionalidade artística, relevância para o contexto histórico-social e possibilidade de proporcionar estranhamento ou prazer estético. Ocorre que a maioria desses critérios é subjetiva e dependente da relação leitor/obra. Não há como determinar, a priori, a relevância do texto para o contexto histórico-social do aluno, muito menos se haverá estranhamento ou prazer estético.

Percebo, portanto, que as OCEM, ao possibilitarem esses questionamentos sobre as escolhas literárias dos professores menos conservadores e ao pautarem seus critérios de julgamento em fatores subjetivos, podem desencorajar escolhas não canônicas por parte dos professores, desencorajando possibilidades de diálogo entre o que tradicionalmente se exclui e se inclui no que tange à literatura no espaço escolar.

Dialogando com os apontamentos das OCEM sobre a questão das escolhas literárias e com o que encontro no Guia de escolhas para livros didáticos de 2018 - isto é, a “tímida inclusão de autores não canônicos representantes da literatura marginal ou da literatura feminina” (Brasil, 2017, p. 15) -, percebo uma certa relação entre documentos oficiais e materiais que impactam diretamente o fazer pedagógico.Nessa mesma direção, saliento a dificuldade que nós, docentes, sentimos ao lidar com a literatura marginal7 contemporânea, apesar de observarmos o quanto ela costuma apresentar mais facilmente uma identificação com as vivências dos alunos. Nossa dificuldade pode decorrer da falta de prática pedagógica com essas literaturas, visto que elas não costumam fazer parte dos materiais disponíveis para o nosso fazer docente: os livros didáticos. Mas também está, em parte, relacionada à formação acadêmica, mais centrada nos cânones. Além disso, os textos canônicos possuem uma espécie de aura de qualidade inquestionável que lhes permitem adentrar o ambiente escolar, ainda que toquem em temas tidos como tabus na sociedade. De modo inverso, os textos marginais apresentam maior probabilidade de serem contestados por direções escolares e responsáveis de alunos.

Por tudo isso, vejo com ressalvas a posição das OCEM com relação aos cânones, uma vez que ela parece mais fragilizar do que reforçar a potencialidade docente perante as escolhas literárias. Não nego, entretanto, o valor do documento para a área de ensino de literatura. Nesse sentido, ressinto-me do fato de as valiosas considerações tecidas nas OCEM parecerem não ter surtido grande impacto em práticas pedagógicas. Indicativo disso é o fato de pesquisas atuais, tais como a de Silva (2017) sobre o enfoque da literatura em livros didáticos do Ensino Médio, mostrarem que os livros didáticos do Ensino Médio insistem na supervalorização de informações sobre épocas, estilos e características de escolas literárias. Por isso, “direcionam o ensino de literatura para enfoques formalistas/estruturalistas, os quais não valorizam as conexões entre autores, textos e leitores no ato da leitura literária” (Silva, 2017, p. 92). Considero importante mencionar os livros didáticos como testemunho da influência ou da falta de influência de documentos orientadores de práticas escolares, primeiro porque eles são acessíveis e muito utilizados nas escolas, depois porque, na prática pedagógica da grande maioria dos professores, o impacto dos documentos oficiais só se faz sentir efetivamente através de currículos e livros didáticos; os documentos em si nem sempre são alvos de leitura pessoal e/ou discussões nos encontros pedagógicos.

Por fim, resta analisar mais detalhadamente a questão do ensino de língua portuguesa e de literaturas na já mencionada BNCC, agora na etapa do Ensino Médio.

A BNCC na etapa do Ensino Médio

No texto da BNCC para o Ensino Médio, a disciplina de Língua Portuguesa faz parte da área Linguagens e suas tecnologias, e o foco está nas competências e habilidades, entendidas e demonstradas “por meio da indicação clara do que os alunos devem ‘saber’ [...] e, sobretudo, do que devem ‘saber fazer’ [...]” (Brasil, 2018, p. 13, grifo meu). Portanto, no entendimento do documento, a “explicitação das competências oferece referências para o fortalecimento de ações que assegurem as aprendizagens essenciais definidas na BNCC” (Brasil, 2018, p. 13). Desse modo, a BNCC parece considerar que a simples explicitação das habilidades esperadas do aluno no final de cada ano de escolaridade implicará a realização de ações garantidoras de aprendizagens.

No tocante específico ao ensino de literatura, a discussão está inserida em um dos campos de atuação social colocados como eixos organizadores da área: o campo artístico-literário. Nesse campo, segundo o documento,

está em jogo a continuidade da formação do leitor literário e do desenvolvimento da fruição. A análise contextualizada de produções artísticas e dos textos literários, com destaque para os clássicos, intensifica-se no Ensino Médio (Brasil, 2018, p. 503).

Vale destacar que, bastante voltado para a apreciação e a fruição estética, o parágrafo dedicado a tecer considerações sobre o campo artístico-literário nos anos finais do Ensino Fundamental menciona os conhecimentos necessários às habilidades que envolvem a formação literária, com direcionamentos que remetem à compreensão dos elementos da narrativa (espaço, tempo, personagens, narrador) e ao alcance imagético dos sentidos possibilitados por usos metafóricos e metonímicos presentes nas construções literárias. O objetivo para a etapa do Fundamental é, de acordo com o documento, o de “garantir a formação de um leitor-fruidor” (Brasil, 2018, p. 138). No entanto, a ideia de fruição não é desenvolvida no documento.

Dando prosseguimento a esse processo de formação de leitor-fruidor, o texto do Ensino Médio parece avançar nas discussões sobre o campo artístico-literário e apresenta Parâmetros para a organização/progressão curricular. São apenas seis, portanto irei transcrevê-los, ainda que sem mencionar os detalhes de cada um:

  1. Diversificar, ao longo do Ensino Médio, produções das culturas juvenis contemporâneas (...);

  2. Ampliar o repertório de clássicos brasileiros e estrangeiros com obras mais complexas (...);

  3. Estabelecer seleções em perspectivas comparativas e dialógicas, que considerem diferentes gêneros literários, culturas e temas;

  4. Abordar obras de diferentes períodos históricos (...);

  5. Propor a leitura de obras significativas da literatura brasileira (...);

  6. Encontrar outros tempos e espaços para contemplar a escrita literária, considerando ferramentas e ambientes digitais (...) (Brasil, 2018, p. 524).

Tais parâmetros, ainda que possam ser considerados vagos, podem servir como pontos de partida no EM para o direcionamento de práticas pedagógicas que ultrapassem a compreensão dos elementos da narrativa e o alcance dos sentidos imagéticos da linguagem poética, focalizados na etapa dos anos finais. No entanto, o que parece não avançar na BNCC é o foco na fruição estética. No trecho seguinte, por exemplo, verifica-se:

No Ensino Médio, devem ser introduzidas para fruição e conhecimento, ao lado da literatura africana, afro-brasileira, indígena e da literatura contemporânea, obras da tradição literária brasileira e de língua portuguesa, de um modo mais sistematizado, em que sejam aprofundadas as relações com os períodos históricos, artísticos e culturais (Brasil, 2018, p. 523, grifos meus).

Esse foco na fruição literária se mostra preponderante nos objetivos da BNCC. Em comparação com os objetivos apresentados nas OCEM, por exemplo, que estão voltados também para o desenvolvimento humano, intelectual e crítico dos alunos, o escopo do ensino de literatura parece reduzido, além de deslegitimar desenvolvimentos importantes possibilitados pela prática de leitura literária. Vale ressaltar aqui a importância que as disciplinas de Língua Portuguesa e Literaturas assumem no novo contexto de educação no Ensino Médio. Por serem componentes obrigatórios no currículo dos três anos de escolaridade da etapa, essas disciplinas precisam “assumir sua dimensão crítica em plenitude, uma vez que já não está garantido aos estudantes o acesso pleno a outras áreas fundamentais para o desenvolvimento do pensamento crítico, como a filosofia, a história e as artes” (Silva; Pereira, 2018, p. 21).

Outra questão que merece ser investigada na BNCC diz respeito a como o documento trata o cânone escolar, pois conforme já discutido, é comum que os materiais didáticos apresentem sempre os mesmos gêneros e autores - aqueles tidos como de prestígio em nossa sociedade. A esse respeito, a BNCC parece avançar em relação às OCEM e aos PCN, mencionando que a progressão das aprendizagens no Ensino Médio deve levar em conta:

  1. a ampliação de repertório, considerando a diversidade cultural, de maneira a abranger produções e formas de expressão diversas - literatura juvenil, literatura periférico-marginal, o culto, o clássico, o popular, cultura de massa, cultura das mídias, culturas juvenis etc. - e em suas múltiplas repercussões e possibilidades de apreciação, em processos que envolvem adaptações, remidiações, estilizações, paródias, HQs, minisséries, filmes, videominutos, games etc.;

  2. a inclusão de obras da tradição literária brasileira e de suas referências ocidentais - em especial da literatura portuguesa -, assim como obras mais complexas da literatura contemporânea e das literaturas indígena, africana e latino-americana (Brasil, 2018, p. 500).

Dessa forma, ao considerar a diversidade cultural e a abrangência de produções e formas de expressões diversas, a BNCC do Ensino Médio pode respaldar uma aula de Literatura na qual haja espaço para dialogizações entre diversas manifestações artísticas, sejam elas canônicas ou não. Por outro lado, ao mencionar a necessidade de inclusão de “obras mais complexas da literatura contemporânea”, o documento parece hierarquizar as produções artísticas sem, no entanto, problematizar o que seria complexidade em uma obra. Parece haver, portanto, uma breve concessão ao que vem de culturas menos prestigiadas.

A ausência de problematizações sobre o trabalho com as literaturas contemporânea, indígena, africana e latino-americana, por exemplo, é apontada por Amorim e Silva (2019), que, ao analisarem o ensino de literaturas na BNCC, mencionam a falta de discussões sobre o que seria a complexidade artística dessas obras e inferem:

A ideia de complexidade parece, no entanto, permear o documento, geralmente a partir da afirmação de que é necessário complexificar as habilidades e competências desenvolvidas no Ensino Fundamental, sobretudo aquelas relacionadas à compreensão, análise e síntese dos efeitos de sentido gerados em práticas de uso das linguagens (Amorim; Silva, 2019, p. 167).

Nesse sentido, a leitura da BNCC permite inferir que a ideia de complexidade pode ser pensada para os modos de abordagem do texto. Assim, de um mesmo texto se pode fazer uma abordagem mais ou menos complexa, e esse nível de complexidade dependerá de fatores como a etapa, o ano de escolaridade, os diversos níveis de compreensão que turmas do mesmo ano de escolaridade podem apresentar, os objetivos da leitura, a quantidade de tempo destinado à aula etc.

Por fim, o último ponto que destaco com relação ao ensino de literaturas na BNCC diz respeito à escrita literária, questão não discutida nos documentos anteriores, (PCN, PCNEM e OCEM) e mencionada na BNCC como rica em possibilidades expressivas. Para o documento,

o desenvolvimento de textos construídos esteticamente no âmbito dos mais diferentes gêneros pode propiciar a exploração de emoções, sentimentos e ideias que não encontram lugar em outros gêneros não literários (e que, por isso, devem ser explorados) (Brasil, 2018, p. 504).

Essa atenção à escrita discente constitui brecha importante ao pensarmos na legitimação dos saberes, valores e culturas dos alunos.

Como forma de resumir essa breve análise da BNCC, apresento as palavras de Amorim e Silva (2019), que vão ao encontro das minhas percepções ao me debruçar sobre a Base:

Com efeito, a Base avança em relação a documentos como os PCNEM e as OCEM ao ampliar o leque de gêneros possíveis de serem trabalhados, estabelecer uma abordagem dialógica para o ensino de literaturas, problematizar a historiografia simplista para a construção do currículo de literaturas e estabelecer o lugar da escrita literária na sala de aula de linguagens. No entanto, ao não discutir de modo aprofundado tais avanços, o texto da BNCC pouco elucida para o professor - quem, de fato, irá, em sua comunidade escolar, construir o currículo com base nesse documento - modos possíveis de trabalho com o literário a partir das mudanças sinalizadas (Amorim; Silva, 2019, p. 168-169)

Os autores sintetizam os avanços trazidos pela BNCC e tecem considerações a respeito das lacunas deixadas pela Base. Tais lacunas geram neles, assim como em mim, preocupações sobre como nós, professores, poderemos construir currículos e modos de trabalho mais inclusivos às subjetividades discentes.

Considerações

Finalizada a leitura dos principais documentos oficiais do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio (PCN, PCNEM, PCN+, OCEM e BNCC), sintetizo as interpretações nascidas do meu contato com esses documentos: 1) a leitura dos documentos oficiais norteadores do ensino de língua portuguesa e literaturas revela um enfoque nos conteúdos a serem ensinados e nas competências e habilidades a serem cobradas dos alunos; 2) o conceito de aprendizagem se mostra como naturalizado nos documentos, a ponto de a maior parte deles só problematizar a linguagem, dispensando teorizações a respeito de seu ensino e aprendizagem; 3) o modo como os saberes são construídos ou como as competências são desenvolvidas nãocostumam estar no alvo das principais teorizações dos documentos oficiais, o que revela pouca legitimação de valores, culturas e saberes das pessoas incluídas no sistema educacional.

Por todo o descrito, os documentos que regem o ensino de língua portuguesa e literaturas parecem partir do pressuposto de que basta o contato com os objetos de conhecimento escolares para que os alunos desenvolvam competências e habilidades para lidar com eles. Compreendo essa naturalização da aprendizagem como intrínseca a um projeto de ensino exclusor das pessoas dos aprendizes. Problematizar como se aprende requer considerar o aprendiz, a sua cognição, os seus conhecimentos prévios, os seus desejos, enfim, tudo o que se mostrou apagado nos documentos analisados. Esse apagamento do que vem dos estudantes nas práticas de ensino já vem sendo denunciado por pesquisas nas últimas décadas (Soares, [1986] 2017; Gadotti, 2000; Freitas, 2009; Gerhardt, 2013, 2014).

Vale ressaltar que o apagamento por mim averiguado, e também denunciado pelos autores, se refere aos alunos em geral. Porém, fica óbvia a constatação de que os alunos de classes populares são os mais prejudicados com o alijamento das normas linguísticas cotidianas e da cultura popular, pois é sabido que a variante reconhecida dentro do ambiente escolar, bem como o tipo de cultura abordado, pertence às camadas sociais prestigiadas. Ainda que o componente de língua portuguesa na BNCC pareça valorizar as variedades linguísticas, colocando um grande foco sobre gêneros midiáticos e recursos semióticos que se afastam da dita norma padrão e culta, especialmente os do mundo digital, os conhecimentos literários, culturais e linguísticos trazidos pelos alunos de camadas populares ainda costumam ser considerados pelos materiais didáticos como inferiores, errados e não aceitos nem mesmo como pontes necessárias à construção de saberes sobre outras culturas e variedades linguísticas.

Por tudo o que foi mencionado, reitero o que foi apontado por Gerhardt (2013): “o foco dos planejamentos curriculares de língua portuguesa tem recaído sobre a língua, e não sobre os alunos” (Gerhardt, 2013, p. 80). Desse modo, os alunos são direcionados a acumular saberes sobre a linguagem e não a construir saberes sobre suas próprias práticas de linguagem. Nessa enviesada lógica, ocorre a deslegitimação das práticas de linguagem em que os alunos se engajam fora da escola. No caso específico da leitura literária, percebo que o texto como produto é o principal elemento considerado nos documentos oficiais, e não as relações e significados construídos pelos alunos no contato com ele. A presença de orientações oficiais focadas no texto e não nas relações entre leitores e textos inviabiliza, inclusive, que se dê conta da possibilidade de uma construção literária de sentidos. Na contramão de tal perspectiva, advogo que as práticas relativas à leitura literária nas salas de aula permitam que os alunos se voltem para os processos envolvidos em uma possível relação literária de construção de sentidos para um texto.

Referências

  • AMORIM, M. A. de; SILVA, T. C. da. O ensino de literaturas na BNCC: discursos e (re)existências possíveis. In: AMORIM, M. A. de; GERHARDT, A. F. L. M. (org.). A BNCC e o ensino de línguas e literaturas. Campinas, SP: Pontes Editores, 2019. p. 153-179.
  • BRAIT, B. Análise e teoria do discurso. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2006. p. 9-31.
  • BRASIL, Secretaria de Educação. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental - língua portuguesa. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, 1998.
  • BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais (PCN): Ensino Médio. Brasília, DF: MEC/SEMTEC, 1999.
  • BRASIL. PCN+Ensino Médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Orientações educacionais complementares aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, v. 1. 2002.
  • BRASIL. Orientações curriculares para o ensino médio: linguagens códigos e suas tecnologias. Brasília: Ministério da Educação, 2006. 239 p.
  • BRASIL. Ministério da Educação - Secretária de Educação Básica - SEB - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. PNLD 2018: língua portuguesa - guia de livros didáticos - Ensino Médio. Brasília, DF: 2017.
  • BRASIL, SEB/MEC. Base nacional comum curricular. Versão Final. Brasília, DF, SEB/MEC, 2018.
  • DIAS, A. C. P. Literatura e educação literária: quando a literatura faz sentido(s). Revista Cerrados, v. 25, p. 210-228, 2016. Disponível em: file:///C:/Users/periodicos/Downloads/1776-571-PB.pdf. Acesso em: 21 fev. 2024.
  • FIORIN, J. L. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2008.
  • FREITAS, L. A educação da ralé. In: SOUZA, J. Ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009. p. 325-351.
  • GADOTTI, M. Perspectivas atuais da educação. São Paulo em Perspectiva, v. 14, n. 2, p. 03-11, abr. 2000. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-88392000000200002 Acesso em: 21 fev. 2024.
    » https://doi.org/10.1590/S0102-88392000000200002
  • GERHARDT, A. F. L. M. As identidades situadas, os documentos oficiais e os caminhos abertos para o ensino de língua portuguesa no Brasil. In: GERHARDT, A. F. L. M.; AMORIM, M. A.; CARVALHO, A. M. Linguística aplicada e ensino: língua e literatura. Campinas: Pontes/ALAB, 2013. p. 77-113.
  • GERHARDT, A. F. L. M. Comprometimento conjunto, situatividade e normatividade entre os muros da escola. Educação e Realidade, v. 39, n. 03, p. 887-906, Jul. 2014. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/edreal/a/xGf9M9vxf5hdpG8VSFpRDGG/abstract/?lang=pt# Acesso em: 21 fev. 2024.
    » https://www.scielo.br/j/edreal/a/xGf9M9vxf5hdpG8VSFpRDGG/abstract/?lang=pt#
  • RAMOS, G. Infância. Posfácio de Octávio de Faria, ilustrações de Darcy Penteado. 17. ed. Rio de Janeiro: Record, 1981. 275 p.
  • RIO DE JANEIRO. Currículo mínimo. Língua Portuguesa e Literatura. Governo do Estado do Rio de Janeiro. Secretaria de Estado de Educação, 2012.
  • SAVIANI, D. Educação escolar, currículo e sociedade: o problema da base nacional comum curricular. Movimento - Revista de Educação, ano 3, n. 4, 2016. p. 54-84. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.uff.br/revistamovimento/article/view/32575/18710 Acesso em: 21 fev. 2024.
    » https://periodicos.uff.br/revistamovimento/article/view/32575/18710
  • SCHMIDT, R. T. Centro e margens: notas sobre a historiografia literária. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, [S. l.], n. 32, p. 127-141, 2011. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/estudos/article/view/9573 Acesso em: 21 fev. 2024.
    » https://periodicos.unb.br/index.php/estudos/article/view/9573
  • SILVA, I. M. M. Literatura no ensino médio: conexões com orientações curriculares. Olhares: Revista do Departamento de Educação da Unifesp, [S. l.], v. 5, n. 2, p. 90-107, 2017. DOI: https://doi.org/10.34024/olhares.2017.v5.709. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.unifesp.br/index.php/olhares/article/view/709 Acesso em: 21 fev. 2024.
    » https://doi.org/10.34024/olhares.2017.v5.709» https://periodicos.unifesp.br/index.php/olhares/article/view/709
  • SILVA, S. B. B.; PEREIRA, J. N. O livro didático de língua portuguesa e a formação do jovem brasileiro. In: SILVA, S. B. B. da; PEREIRA, J. N. (org.) Língua portuguesa e literatura no livro didático: desafios e perspectivas. Campinas, SP: Pontes, 2018.
  • SOARES, M. Linguagem e escola: uma perspectiva social. 18. ed. São Paulo: Contexto, [1986], 2017.
  • SZUNDY, P. T. C. A base nacional comum curricular e a lógica neoliberal: que línguas(gens) são (des)legitimadas? In: AMORIM, M. A. de; GERHARDT, A. F. L. M. A BNCC e o ensino de línguas e literaturas. Campinas, SP: Pontes, 2019. p. 121-151.
  • 1
    Texto construído durante pesquisa de Tese defendida junto ao Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PIPGLA - UFRJ).
  • 2
    A noção de cânone literário é aqui entendida como definida a partir de critérios de recepção estabelecidos por pessoas prestigiadas na área literária. Esses critérios envolvem afetamentos decorrentes dos modos de construção (qualidades do trabalho com a linguagem) e de significação (componentes de uma narrativa social e existencialmente relevante). A classificação de um texto como canônico está, portanto, relacionada a concepções estéticas e axiológicas de pessoas socialmente reconhecidas e autorizadas na área.
  • 3
    Termo referente à classe menos socialmente assistida, menciona no livro Ralé Brasileira - Quem é e como vive, de Jessé Souza (2009).
  • 4
    Filme francês, lançado em 2008. Direção de Laurent Cantet.
  • 5
    Lógica neoliberal é aqui entendida como uma lógica na qual se minimiza o papel do Estado e da coletividade, ao passo em que se preconiza a individualização do comportamento. Uma educação baseada no neoliberalismo seria aquela, portanto, que “deposita nos indivíduos - especialmente em professores/as e alunos/as - a responsabilidade pelo (in)sucesso escolar” (Szundy, 2019, p. 147-148).
  • 6
    É importante destacar que o documento sinaliza para uma visão sociointeracional de linguagem. No entanto, a leitura do documento como um todo revela incoerências que não permitem afirmar que a visão de linguagem adotada é, de fato, sociointeracional.
  • 7
    Termo aqui entendido como o conjunto dos “textos limiares, produzidos nas margens da nação” (Schmidt, 2008, p. 136), ou ainda, “textos situados nas zonas de sombra e esquecimento” (Schmidt, 2008, p. 130).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    21 Ago 2022
  • Aceito
    05 Jan 2023
location_on
Faculdade de Letras - Universidade Federal de Minas Gerais Universidade Federal de Minas Gerais - Faculdade de Letras, Av. Antônio Carlos, 6627 4º. Andar/4036, 31270-901 Belo Horizonte/ MG/ Brasil, Tel.: (55 31) 3409-6044, Fax: (55 31) 3409-5120 - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: [email protected]
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro