Projeto quer dar vida nova ao desertificado Mar de Aral
16 de dezembro de 2024Quando Maria Zadneprovskaya viu o Mar de Aral pela primeira vez em 2021, foi tomada por uma tristeza crua e profunda. "Parecia uma verdadeira catástrofe", diz a especialista em meio ambiente, caminhando pelo leito seco do lago, com conchas rangendo sob os pés. A água aqui já teve quase 16 metros de profundidade, cheia de carpas eurasianas grandes e bigodudas.
Aquele que já foi o quarto maior lago do mundo, o Aral desaparecera em grande parte no final da década de 1970, quando os rios que o alimentavam foram desviados para irrigação na era soviética para regar campos de algodão e arroz. Em 2010, a área da superfície havia diminuído em mais de 50 mil quilômetros quadrados.
O impacto sobre o meio ambiente foi devastador. O aumento drástico dos níveis de salinidade levou ao desaparecimento de muitas das mais de 30 espécies de peixes que habitavam o lago e serviam de fonte de renda.
Agora, a área, marcada por vegetação esparsa, violentas tempestades de areia, temperaturas de verão de até 42,7 °C e paisagem cortada por estrias brancas de sal, ficou conhecida como Aralkum. É um dos desertos mais jovens do mundo, já cobrindo um terreno de 62 mil quilômetros quadrados. E ainda em crescimento.
Como vice-gerente do Projeto de Restauração Ambiental do Mar de Aral, no Cazaquistão, país na Ásia Central, Zadneprovskaya passou os últimos três anos trabalhando para trazer a vida de volta ao leito do lago.
No início, o cenário parecia esmagador e quase a fez querer desistir, diz ela. Mas, então, uma semente de algo maior, um desejo de promover mudanças, começou a se enraizar.
Contendo o deserto
Zadneprovskaya e sua equipe têm plantado saxauls negros, em um terreno de 500 hectares na região norte do Mar de Aral para ajudar a conter o deserto e tornar a área mais resistente aos impactos da mudança climática.
O arbusto de saxaul, também denominado haloxylon, pode estabilizar a areia, ajudando a evitar a degradação do solo e a reduzir os impactos à saúde causados pela inalação de poeira. "Esses arbustos são únicos. Suas raízes podem conter até 4 mil quilos de areia", diz Zadneprovskaya, enquanto passa as mãos pelos ramos espinhosos da planta.
A planta é nativa da Ásia Central e é um psamófilo, o que significa que se desenvolve em solos arenosos onde outras plantas não conseguem sobreviver.
O projeto Oásis, como é chamado, fica em uma área remota. A única maneira de fazer uma chamada a partir do acampamento é se alguém aparecer com um kit de satélite Starlink – ocorrência rara, mas bem-vinda para a equipe.
E eles estão constantemente lutando contra a areia.
De comunidade próspera a vilarejo fantasma
"Quando ocorre uma tempestade de areia, tudo fica embaçado e opaco", lembra Zauresh Alimbetova, chefe da associação pública do Oásis do Aral. "As partículas de areia são como névoa, completamente impenetráveis. Mas onde há árvores de saxaul, a visibilidade é melhor."
Os arbustos bloqueiam a rota da areia flutuando no ar. Alimbetova, de 58 anos, é de Aralsk, uma pequena cidade a cerca de 120 quilômetros do acampamento base. Ela viu o Aral pela primeira vez quando tinha 4 anos. Suas águas começavam logo atrás do hospital distrital. Alimbetova sempre corria para a praia para nadar e tomar um sorvete com seus irmãos..
"Havia um clube do farol e um clube dos peixeiros. O jornal local se chamava A Onda. As crianças iam para a creche Viveiro das Gaivotas", diz ela. Uma fábrica local fornecia grandes quantidades de peixe para outras repúblicas soviéticas. A cidade vivia com o som das buzinas dos navios. Os marinheiros passavam em seus uniformes. Capitães andavam ocupados pelas docas.
Como a maioria das comunidades da região, a economia de Aralsk dependia da água. Então, por volta de 1975, começaram a se espalhar rumores de que o Aral estava recuando. "Minha mãe, que era professora, leu em uma revista científica que, se o mar desaparecesse, não haveria nada além de areia e somente areia. Era uma perspectiva aterrorizante."
Mas foi isso que aconteceu. O fluxo para o Aral caiu de 43,3 quilômetros cúbicos na década de 1960 para 16,7 quilômetros cúbicos na década de 1980, fazendo Aralsk secar. Um estaleiro local de reparos de navios foi transformado em uma fábrica para consertar vagões de trem, e uma peixaria que empregava cerca de 3 mil pessoas fechou.
A vila fantasma de Akespe, a cerca de 90 quilômetros de Aralsk, é um exemplo impressionante de uma vila de pescadores engolida pela areia. Cerca de 20 casas estão abandonadas, espalhadas ao longo das duas estradas principais. As dunas corroeram as janelas. Algumas delas têm buracos abertos. Outras estão cobertas por jornais velhos amassados.
Quase todos os residentes, exceto um ou dois, mudaram-se para Nova Akespe, vilarejo construído a cerca de um quilômetro de distância.
Novos ecossistemas
A cidade de Aralsk, por outro lado, sobreviveu à queda livre econômica e social do período pós-soviético. Em 2022, tinha uma população estável de cerca de 36.793 habitantes. A barragem de Kok-Aral, financiada pelo Banco Mundial, elevou o nível da água no Mar de Aral do Norte para 42 metros, e partes da orla marítima voltaram a se recuperar.
Mas há áreas do Grande Mar de Aral no sul do Cazaquistão e no vizinho Uzbequistão onde a água nunca mais voltará. Nesses locais, há uma necessidade urgente de criar novos ecossistemas, como no projeto Oásis.
Lá, longas fileiras de arbustos de saxaul se estendem até o horizonte em uma área plantada em 2022. Na vastidão desolada do deserto, os arbustos frutíferos parecem nuvens fofas de rosa e amarelo flutuando acima do solo.
É difícil mantê-los vivos nesse ambiente hostil. As taxas de sobrevivência podem variar, dependendo das condições do solo, da qualidade do estoque do viveiro e da proteção das raízes.
Se o solo arenoso for muito salino, as raízes podem ficar queimadas. Para proteger esse lote de arbustos, os trabalhadores colocaram areia e neve nos sulcos que mais tarde receberiam as mudas. Isso criou um pedaço de solo menos salgado ao redor das raízes. "As mudas foram plantadas em março, enquanto ainda estavam hibernando", diz Zadneprovskaya.
Mudando padrões
Com câncer, doenças renais e mortalidade infantil entre os piores problemas sanitários da região, a criação de "cinturões verdes" é um modo eficaz de combater os danos gerados pelo ar carregado de sal e poeira contaminada e melhorar a saúde pública.
Mas o saxaul por si só não é suficiente. É essencial integrar as práticas de plantio ao planejamento da paisagem. "Temos que decidir o que fazer com a terra onde os arbustos são plantados", diz Talgat Kerteshev, da Universidade Nacional de Pesquisa Agrária do Cazaquistão.
Se o objetivo for criar pastagens, o foco deve ser nas culturas forrageiras. E, embora o saxaul possa ser usado como pasto, ele não é o principal componente da dieta de uma vaca leiteira.
Uma das abordagens poderia ser o "plantio misto". Isso envolve a introdução de várias espécies de árvores, arbustos e ervas para que cresçam juntos de forma mutuamente benéfica. Algumas delas podem ser vendidas como remédios fitoterápicos. Outras tornarão o solo menos salgado. "Isso é essencial para o uso sustentável dos ecossistemas", diz Kerteshev.
Outro desafio é envolver as comunidades locais no processo de plantio. De acordo com Zadneprovskaya, oito das 12 pessoas envolvidas no projeto Oásis são locais. Mas isso é apenas uma gota no oceano para toda a área do Mar de Aral. Fazer isso em uma escala maior poderia ajudar a promover mudanças.
Aigul Solovyova, presidente da Associação de Organizações Ambientais do Cazaquistão, vem fazendo pesquisas há anos. "Em 2023, 7% das pessoas na região de Almaty, no sudeste do Cazaquistão, estavam cientes das mudanças climáticas. Este ano, o número subiu para 30%", diz ela. Aumentar a conscientização sobre questões ambientais, como o plantio de saxaul, é um processo gradual que exige intervenções direcionadas e apelos regulares à ação.
Ainda assim, apesar dos desafios, as coisas estão melhorando para a pequena área de arbustos saxaul no posto avançado do Oásis. Alguns já estão dando frutos. Libélulas zumbem, enquanto esquilos-do-mato-amarelos passam correndo.
Onde antes existia o Mar de Aral, um novo ecossistema – frágil, mas ousado – está gradualmente criando raízes.
A pesquisa para este artigo foi possível graças ao apoio do Pulitzer Center.