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Lula também pode "passar a boiada"?

Thomas Milz
Thomas Milz
5 de julho de 2023

Depois da polêmica sobre o petróleo na foz do rio Amazonas, governo Lula parece disposto a promover o projeto da Ferrogrão, arriscando alienar Marina Silva, Sonia Guajajara e a UE, aponta o colunista Thomas Milz

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Lula e Marina Silva
Marina Silva e Lula. Ministra e presidente já explicitaram diferenças em relação à exploração de petróleo na foz do AmazonasFoto: Eraldo Peres/AP Photo/picture alliance

São dias intensos entre o Brasil e a União Europeia em relação ao acordo entre o bloco sul-americano com o Mercosul, pendente desde 2019. Lula tem feito ultimamente críticas ao bloco europeu por causa de certas exigências ambientais, encaradas pelo brasileiro como "inadmissíveis", e pela postura dos países ricos de "exigir, mas não cumprir" acordos ambientais.

Para os dois lados, fechar o acordo é importante: os europeus querem trazer o Mercosul e, principalmente o Brasil, para o lado ocidental no jogo de influência com o bloco russo-chinês. Para Lula, que atualmente preside o Mercosul, é importante apagar a crise com o Uruguai e o Paraguai, que estão perdendo a paciência com a lentidão dos processos dentro do Mercosul. 

Justamente neste momento no qual Lula precisa de bons argumentos na disputa com os europeus, surge uma notícia capaz de abalar sua aura de ambientalista. Na segunda-feira (03/07), o site UOL revelou que o governo quer tirar do papel um antigo projeto da ferrovia EF-170, conhecida como Ferrogrão, um trajeto de 933 quilômetros entre Sinop (MT) a Miritituba (PA), em plena Amazônia.

A construção da ferrovia derrubaria uma área de 49 mil quilômetros quadrados de vegetação nativa – equivalente ao estado do Rio de Janeiro – e pode custar até R$ 34 bilhões, além de emitir 75 milhões de toneladas de gás carbono, segundo a reportagem.

Uma pesquisa do Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG, de novembro de 2020, concluiu que a EF-170 traria uma redução dos custos de transporte de commodities, mas, ao mesmo tempo, causaria graves impactos ambientais e sociais para povos indígenas da região.

Só em Mato Grosso, a ferrovia provocaria um desmatamento de até 2.000 quilômetros quadrados, estimam a PUC-Rio e o grupo de pesquisa Climate Policy Initiative.

O projeto ganhou visibilidade durante o governo de Jair Messias Bolsonaro, quando se tornou um dos projetos queridos do então ministro dos Transportes Tarcísio de Freitas. Houve quem acusou o projeto de fazer parte da "boiada” que Bolsonaro e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, queriam fazer passar. O PSOL foi um dos atores que entrou na briga contra o projeto.

Mas o nascimento da Ferrogrão ocorreu antes. Mais especificamente em 15 de agosto de 2012, quando a então presidenta Dilma Rousseff lançou o Plano de Investimentos em Logística (PIL). Depois, grandes traders internacionais de commodities – Archer Daniels Midland (ADM), Amaggi, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus.  custearam estudos técnicos e de diagnóstico ambiental.

O grande entrave do projeto sempre foi a passagem do trajeto pelo Parque Nacional do Jamanxim. Em 2021, atendendo a um pedido do PSOL, o ministro Alexandre de Moraes chegou a determinar que o projeto fosse paralisado por causa da prevista alteração de limites da unidade de conservação. E em maio deste ano, a Advocacia Geral da União (AGU) se manifestou em favor do PSOL, que alega que o projeto oferece riscos ao Meio Ambiente.

Enquanto o PSOL se opõe ao projeto, o governo Lula tem dois motivos para apoiá-lo:

  • Ele melhora a difícil relação do governo com a bancada do agronegócio no Congresso.
  • Porque Lula gosta deste tipo de projeto. Junto com Dilma Rousseff, ele já "presenteou" a Amazônia e seus povos indígenas com as usinas hidrelétricas de Belo Monte, Santo Antônio e Jirau. Foi com projetos assim que a dupla forçou a saída de Marina Silva do governo Lula 2 em 2008. Outro projeto é a pavimentação da BR-319 entre Manaus a Porto Velho, um antigo pesadelo de ambientalistas defendido por Lula.

A situação de Marina dentro do governo já piorou nas últimas semanas com o posicionamento de Lula sobre a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas – o presidente disse que achava "difícil” que a extração causasse impacto para o meio ambiente. Houve ainda a retirada de competências importantes do ministério de Marina pelo Congresso.

Mas a Ferrogrão não apenas atinge Marina, mas, também, a segunda estrela socioambiental do governo: a titular do Ministério dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. A política do PSOL se opõe à redução do Parque Nacional do Jamanxim. E ela apostou na postura ambiental de Lula ao dizer, em maio, que "a efetividade em proteção aos povos indígenas é umas das pautas primordiais do governo".

Mas a Ferrogrão atinge povos indígenas como os Munduruku, os Kayapó e comunidades do Xingu. Segundo a Convenção número 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, esses povos tem o direito de serem consultados, "mediante procedimentos apropriados toda vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente”.

Já é de se esperar protestos na Europa contra a Ferrogrão, e sua consequente piora da pegada ambiental dos produtos agrícolas transportados por essa ferrovia. Será mais um argumento para os europeus dificultarem a conclusão do acordo com o Mercosul e um incentivo para redobrar a pressão em cima do governo brasileiro.

E já sabemos, também, como será a reação da fatia ufanista da esquerda brasileira. Aldo Rebelo, eterno nacionalista ferrenho e companheiro de Dilma dos tempos do PDT, afirmou o seguinte sobre o estudo da UFMG que abordou os problemas ambientais da Ferrogrão: "O Brasil está condenado a ser tutelado e comprado, inclusive as consciências acadêmicas, por ONGs e pelo dinheiro internacional que quer paralisar o nosso país.”

Para Rebelo, a UE e os Estados Unidos estão querendo frear o Brasil, para "congelar"” o poder mundial. "Já há uma grande disputa no mundo entre americanos e chineses. Imagina se o Brasil também tiver um futuro de desenvolvimento. Isso, os concorrentes europeus e americanos não querem, por isso, financiam ONGs e pesquisas acadêmicas para condenar o Brasil ao imobilismo.”

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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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Thomas Milz Jornalista e fotógrafo
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Realpolitik

Depois de uma década em São Paulo, Thomas Milz mudou-se para o Rio de Janeiro, de onde escreve sobre a política brasileira sob a perspectiva de um alemão especializado em Ciências Políticas e História da América Latina.