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Deputados blindam independência da Suprema Corte da Alemanha

19 de dezembro de 2024

Em meio à popularidade da ultradireita nas pesquisas, Parlamento alemão aprova emenda para afastar risco de interferência no Tribunal Constitucional por um eventual governo antidemocrático no futuro.

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Tribunal Constitucional alemão
Tribunal Constitucional alemão tem 16 juízesFoto: dapd

O Parlamento alemão (Bundestag) aprovou nesta quinta-feira (19/11) uma emenda à Constituição para reforçar a blindagem do Tribunal Constitucional Federal (BVerfG, na sigla em alemão) a fim de protegê-lo da interferência política, e afastar o risco de reformas judiciais controversas, num momento em que o partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) está em alta nas pesquisas.

A aprovação da emenda sobre o funcionamento do BVerfG, a mais alta instância jurídica da Alemanha, marcou um raro momento de consenso entre os principais partidos do Bundestag num momento de enfraquecimento do governo do chanceler federal Olaf Scholz, que perdeu sua maioria em novembro e caminha para o fim diante das eleições antecipadas marcadas para fevereiro. Ao todo, 600 dos 669 deputados presentes na sessão votaram a favor – era necessária uma maioria absoluta, ou seja, pelo menos 489 votos.

"Estamos protegendo o Tribunal Constitucional Federal contra a influência política de extremistas e populistas. A decisão do Bundestag é uma prova de cooperação democrática – estou muito feliz com isso”, escreveu Scholz na rede X após a aprovação.

Reforço

Elaborada sob a supervisão do ex-ministro da Justiça Marco Buschmann, do Partido Liberal Democrático (FDP), e aprovada com os votos das bancadas do Partido Social Democrata de Scholz, dos Verdes e da oposição conservadora da aliança CDU/CSU, além do partido A Esquerda, a emenda inscreve características estruturais do Tribunal Constitucional na Constituição alemã, a Lei Fundamental, tornando-as mais difíceis de serem alteradas.

A lei proposta para a Corte fixará sem brechas o número de juízes (16), os mandatos dos juízes (12 anos) e sua idade máxima (68). Ela também solidifica a estrutura do tribunal: a divisão em dois Senados de oito juízes cada, que contam com respectivamente três Câmaras. O Primeiro Senado julga reclamações constitucionais e de direitos fundamentais e o Segundo Senado, conflitos federais administrativos.

Para ajudar a garantir que a capacidade de funcionamento do tribunal não seja comprometida, a Lei Básica também determinará que um juiz continuará a desempenhar suas funções até que um sucessor seja eleito. A lei salvaguarda ainda a autonomia dos procedimentos internos do tribunal – o que significa, entre outras coisas, que somente os próprios juízes podem decidir em que ordem os casos serão analisados.

Além disso, a emenda enfraquece o poder das "minorias de bloqueio", normalmente grupos políticos na oposição, em qualquer uma das duas câmaras parlamentares, de postergar a nomeação de juízes. Pelas regras atuais, metade dos juízes é escolhida pelo Bundestag (câmara baixa do Parlamento) e a outra, pelo Bundesrat (câmara alta).

Agora, com a emenda, para a nomeação de um juiz, se não for possível reunir uma maioria de dois terços no Bundestag, por exemplo, o Bundesrat – câmara legislativa onde estão representados os estados, semelhante a um Senado – terá o poder de escolha. Isso servirá para contornar a possibilidade de que alguma bancada possa usar sua força para atrasar indefinidamente a nomeação de juízes.

Antes da emenda constitucional, temas como limite de mandato e proibição de que os juízes sejam reeleitos só estavam definidos por uma lei federal, que poderia ser alterada por maioria simples no Parlamento. Em outras palavras, um possível futuro governo autoritário poderia facilmente contornar as regras. Agora, um futuro governo terá que contar com maioria absoluta (dois terços) para promover novas mudanças no futuro.

Sede do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha
O Tribunal Constitucional Federal da Alemanha fica na cidade de KarlsruheFoto: picture-alliance/dpa

Defesa e oposição

A ministra do Interior do governo Scholz, Nancy Faeser, disse que a emenda estava sendo introduzida para garantir que "os inimigos da nossa democracia não tenham uma porta de entrada" para o sistema judicial.

"Quando observamos os países estrangeiros, vemos que quando os autocratas chegam ao poder, quase sempre se voltam primeiro contra a eficácia e a independência do Judiciário", disse ela nesta quinta-feira. "Eles destroem o Estado de Direito, e os tribunais constitucionais são frequentemente seus primeiros alvos."

Ela ainda argumentou que a derrocada final da democracia alemã durante a República de Weimar, nas décadas de 1920 e 1930, ocorreu em parte porque os políticos democratas "não tomaram as medidas necessárias para proteger e defender a democracia, porque não tornaram suas instituições robustas contra ataques”.

A lei foi aprovada com os votos de quase todos os partidos com bancadas no Bundestag. Houve duas exceções: a legenda populista de esquerda BSW e a ultradireitista AfD.

Contrário à proposta, o deputado Fabian Jacobi, da AfD, disse que ela estava sendo imposta por "autodenominados democratas exclusivos". "O que vocês estão projetando aqui é uma imagem do Tribunal Constitucional como um instrumento de poder do cartel de partidos, do qual vocês não estão dispostos a abrir mão", argumentou, acusando as outras legendas de se recusarem a permitir que a AfD participe da nomeação de juízes.

No momento, a AfD trava vários embates no Judiciário, envolvendo a classificação de alguns de seus diretórios regionais como "extremistas" por serviços estaduais de inteligência – algo que pressupõe incompatibilidade com o Estado de Direito. Já o diretório nacional é classificado como uma organização "suspeita" de extremismo de direita pelo Departamento Federal para a Proteção da Constituição (BfV). Essa designação facilita ao BfV investigar e vigiar membros do partido, além de recrutar informantes de dentro da organização.

A AfD já foi aos tribunais tentar reverter as classificações, mas não obteve sucesso. Neste ano, um dos membros mais influentes da AfD, o deputado estadual Björn Höcke, foi condenado duas vezes pela Justiça por proferir em público um antigo slogan de uma organização nazista.

Björn Höcke
O político da AfD Björn Höcke, líder de um diretório estadual do partido considerado extremista por serviços de inteligênciaFoto: Hannes P Albert/dpa/picture alliance

Há tempos vários membros do establishment político alemão defendem que o partido, rotineiramente acusado de abrigar neonazistas e suspeitos de extremismo, seja oficialmente banido, uma tarefa que poderia caber ao Tribunal Constitucional Federal da Alemanha.

Na história alemã do pós-guerra, apenas dois partidos políticos foram banidos pelo Tribunal: O Partido Socialista do Reich (SRP) – de extrema direita –, em 1952, e o Partido Comunista da Alemanha (KPD), em 1956 – ambos no antigo território da Alemanha Ocidental.

No momento, pesquisas apontam que a AfD aparece com entre 18% e 20% das intenções de voto nas próximas eleições federais alemãs, que vão ocorrer em fevereiro. Isso significa que o partido tem chances de dobrar sua bancada de 76 deputados no Bundestag.

A AfD também cresceu recentemente em três eleições estaduais que ocorreram na Alemanha neste ano. No estado da Turíngia, o partido chegou a formar a maior bancada local de deputados, mas não conseguiu liderar o governo, já que todos os outros partidos se recusaram a formar alianças com a legenda de ultradireita.

Alerta que veio da Polônia e da Hungria

Nos últimos anos, a crise provocada pela reforma judicial na vizinha Polônia estimulou juristas e políticos centristas na Alemanha a pesquisar maneiras de proteger o Tribunal Constitucional alemão. A crise polonesa, que provocou protestos em massa, teve início em 2015, quando o Partido da Lei e da Justiça (PiS), então no poder, foi acusado de enfraquecer o Judiciário após assumir o poder. Com maioria absoluta no Parlamento, a legenda alterou as leis que regem o Tribunal Constitucional e nomeou cinco novos juízes.

Em 2019, o governo do PiS também criou uma nova câmara da Suprema Corte da Polônia, chamada Câmara Disciplinar, e alterou a lei para permitir que o governo nomeasse e demitisse o presidente da corte. As reformas sofreram um revés em 2019, quando o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu que elas violavam a legislação da UE e prejudicavam a independência do Judiciário.

Na Polônia, o Tribunal Constitucional lida com disputas envolvendo a constitucionalidade de leis e tratados e a atividade de órgãos públicos e partidos, enquanto a Suprema Corte é o tribunal mais alto do país que dá a palavra final em todas as áreas do direito.

Crises semelhantes já ocorreram em outros lugares – as reformas introduzidas na Hungria pelo partido nacionalista Fidesz em 2013 foram criticadas internacionalmente por enfraquecer a separação de poderes entre o Legislativo e o Judiciário. Em Israel, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu também foi acusado pela oposição e por diversos setores da sociedade de promover reformas para minar a independência do Judiciário, algo que provocou intensos protestos de rua no país. 

A instrumentalização de maiorias parlamentares para enfraquecer o Judiciário também foi a tática usada pelo regime da Venezuela chavista, o governo populista de El Salvador e até mesmo a ditadura militar brasileira (1964-1985).

jps/ra (DW, dpa, ots)