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PolíticaAngola

Corpo de ex-presidente de Angola no alvo de disputa política

António Cascais
13 de julho de 2022

A seis semanas das eleições, presidente é acusado de querer se aproveitar politicamente da morte de José Eduardo dos Santos. Família exige o corpo e rejeita funeral em Luanda. Últimos eventos lembram uma telenovela.

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Velório público em Luanda do ex-presidente angolano  José Eduardo dos Santos
Velório público em Luanda do ex-presidente angolano José Eduardo dos SantosFoto: Borralho Ndomba/DW

Durante 38 anos, de 1979 a 2017, José Eduardo dos Santos governou Angola com mão de ferro. Ao longo de todos esses anos, controlou o partido no poder – o antigo movimento de libertação MPLA – mas também o aparelho estatal, as receitas do negócio do petróleo e os diamantes, os militares e também os seus cidadãos. Recompensou amigos e parentes com dinheiro, poder e cargos. Os seus opositores foram perseguidos e punidos.

Em 2017, retirou-se da política e entregou o poder ao seu antigo ministro da Defesa, João Lourenço, que ele próprio escolheu para sucedê-lo. Na última sexta-feira (08/07), José Eduardo dos Santos morreu aos 79 anos de idade, após uma longa estada numa clínica privada em Barcelona, Espanha.

Mas agora estalou uma guerra sobre o seu legado político. Enquanto o atual presidente é acusado de querer explorar a morte de seu antecessor, a seis semanas das eleições gerais de 24 de agosto, para os seus próprios fins políticos, os familiares mais próximos de José Eduardo dos Santos fazem sérias acusações contra João Lourenço e o MPLA: dizem que o atual regime não tem direito ao legado político do antigo presidente.

Pelo contrário, afirmam que ele é parcialmente responsável pela morte de José Eduardo dos Santos e tentam impedir por todos os meios o repatriamento do seu corpo para Angola.

Funeral de Estado em Luanda?

Logo que a morte de Eduardo dos Santos foi anunciada, João Lourenço apressou-se a declarar uma semana de luto nacional. E não deixou dúvidas de que seu governo e seu partido estão no direito de organizar um funeral de Estado, para o qual nomeou uma comissão de 12 membros.

Mas o chefe de Estado angolano não contava com a oposição dos filhos do ex-presidente, especialmente da segunda filha mais velha, Tchizé dos Santos, antiga deputada do MPLA e empresária.

Tchizé dos Santos não quer que o corpo do seu pai seja transferido para Luanda enquanto João Lourenço estiver no poder. "Este era o desejo expresso do meu pai", afirma numa declaração de quase 80 minutos no Instagram. "O nosso pai ficou muito desiludido com o seu sucessor. Ele até me disse que preferia que o líder da oposição Adalberto Costa Júnior, da Unita, ganhasse as próximas eleições."

A ex-deputada diz ter o apoio da irmã mais velha, a empresária Isabel dos Santos, que tem atualmente residência oficial na Holanda, assim como de outros irmãos.

Vladimir Putin condecora presidente angolano José Eduardo dos Santos, em foto de 2006
José Eduardo dos Santos encontrou-se com Vladimir Putin no Kremlin em outubro de 2006Foto: Yuri Kochetkov/EPA/dpa/picture alliance

Investigações contra o clã dos Santos

Na realidade, muito mudou para a família dos Santos em Angola desde 2017. Seus membros que ocupavam cargos públicos em empresas e autoridades estatais perderam os postos. Isabel dos Santos teve de renunciar à gestão da empresa petrolífera estatal Sonangol, e o filho José Filomeno dos Santos à gestão do fundo estatal para o petróleo. Em 2020, um tribunal condenou-o a cinco anos de prisão por desvio de fundos.

As duas filhas mais velhas – Isabel e Tchizé – ainda estão sendo investigadas pelo sistema judicial angolano por corrupção e outros delitos. Suas contas em Angola e Portugal foram congeladas, e as ações que tinham em algumas empresas foram confiscadas.

Tchizé classifica os procedimentos e investigações em Angola contra si e seus familiares como "uma caça às bruxas". Considera o que o regime de Lourenço faz "desrespeitoso" para com seu pai e sua família, que "se sacrificaram" pela nação angolana durante décadas.

Com a ajuda de um advogado, ela conseguiu que fosse feita uma autópsia do ex-presidente. Além disso, apresentou queixa à polícia espanhola para esclarecer as circunstâncias exatas da morte. Tchizé afirma que a última esposa do pai não foi inocente na deterioração da saúde dele, e que José Eduardo dos Santos se separou de Ana Paula dos Santos há mais de quatro anos.

Desde então, esta teria feito amizade com o regime de Luanda e conspirado repetidamente contra seu pai, acusa a empresária, que deseja a todo custo impedir a transferência dos restos mortais para Luanda.

Jogo de poder em torno de um cadáver ilustre

Quem pode ganhar politicamente com o conflito em torno do corpo do ex-chefe de Estado? O presidente João Lourenço, do MPLA, ou Adalberto Costa Júnior, da Unita?

"Se o governo de João Lourenço conseguir realmente transferir o corpo do ex-presidente para Luanda, então Lourenço poderá sair mais forte deste conflito", diz o analista político angolano Orlando Ferraz, co-fundador do instituto de pesquisa eleitoral AngoBarómetro.

As relações políticas e econômicas entre Angola e Espanha são estreitas e Madri não quer certamente pô-las em risco. "A delegação do governo angolano atualmente em Barcelona não regressará certamente a Angola de mãos vazias. Podemos assumir isso", diz Ferraz em entrevista à DW.

E como se comporta a oposição? "A Unita está tentando manter uma certa distância de ambos os lados, ou seja, dos familiares, bem como de Lourenço e do governo. O líder da oposição Adalberto da Costa Júnior está assistindo a todo o espetáculo à distância", para que o seu partido possa obter capital político nas eleições de 24 de agosto, conclui o analista.