O segredo de como os monumentos de Roma permanecem em pé
- Author, Alex Fox
- Role, BBC Travel
Dentro das paredes de pedra e argamassa do Coliseu, os visitantes têm muito espaço para imaginar o público de mais de 50 mil pessoas que se aglomeravam na arena para assistir a eventos que iam desde batalhas sangrentas de gladiadores até procissões opulentas e corridas de carruagens.
Também conhecido como Anfiteatro Flaviano, ele foi inaugurado em 80 d.C., com 100 dias consecutivos de jogos e cenas violentas, que estima-se terem incluído o abate de cerca de 9 mil animais.
Com quatro andares de altura e 188m de largura em seu maior eixo, a estrutura oval continua sendo o maior anfiteatro do mundo.
Construído cerca de 40 anos depois, o Panteão ostenta uma cúpula impressionante que se estende por 43m e culmina em uma janela circular semelhante a uma pupila em seu ápice, conhecida como óculo, que inunda o interior com luz natural.
O nome Panteão (Pantheon), que combina as palavras gregas relativas a "todos" e "deuses", sugere uma função religiosa, mas alguns historiadores acreditam que o monumento foi construído sobretudo para homenagear os imperadores romanos.
Apesar da ação do tempo, a icônica meia-esfera permanece intacta e ainda é a maior cúpula de concreto não reforçado do mundo.
Quando se tratava de construções grandiosas, os romanos sabiam claramente o que estavam fazendo.
Quase 2.000 anos depois de terem sido construídas, estas duas estruturas enormes e tecnicamente surpreendentes resistiram a terremotos, inundações e conflitos militares, durando muito mais do que o império que as gerou e se tornando a personificação física da influência duradoura da cultura romana em todo o mundo.
Mas como a Roma antiga foi capaz de desenvolver uma arquitetura tão monumental e resistente naquela época?
Engenheiros e cientistas de materiais ainda hoje estudam as estruturas romanas, e dizem que o segredo é a junção de um projeto engenhoso com uma receita inovadora de concreto, um material extremamente resistente e adaptável que ainda é usado em todo o mundo.
Embora os romanos não tenham inventado o concreto, certamente o colocaram em outro patamar.
Despejar concreto permitiu aos arquitetos romanos alcançar praticamente qualquer forma que pudessem imaginar, limitadas apenas por sua capacidade de construir as formas de madeira necessárias para moldar a pasta rochosa.
Mas os arcos, abóbadas e cúpulas que são a marca registrada de construções romanas não eram apenas enfeites. As maiores expressões das construções do Império Romano confrontam os visitantes modernos com uma "abordagem de engenharia", diz Renato Perucchio, engenheiro mecânico da Universidade de Rochester em Nova York, nos EUA.
"Os romanos realizaram análises sofisticadas que os levaram a esses projetos, que foram então expressos por meio de um processo de construção extremamente cuidadoso."
O concreto que mantinha as estruturas de pé também era único e levado profundamente em consideração. Ele usava uma receita diferente do concreto moderno, e os pesquisadores que estudam esse material antigo dizem que seus ingredientes parecem conferir uma resistência fenomenal à degradação.
Hoje, a maior parte do concreto é feita a partir de cimento Portland — uma combinação de areia de sílica, calcário, argila, giz e outros minerais que é levada ao forno a uma temperatura de cerca de 2.000°C e triturada em um pó fino — e pedaços de pedra ou areia chamados agregados.
Misturar os agregados, que variam em tamanho (desde areia e cascalho a pequenos pedaços de pedra), com o cimento torna o concreto resultante mais resistente e economiza cimento.
Finalmente, adicionar água à mistura de concreto desencadeia uma reação química no cimento que une estes elementos.
Na maioria das vezes, os agregados do concreto moderno são cuidadosamente escolhidos para serem o mais quimicamente inertes possível. A ideia é evitar subprodutos indesejados depois que a reação inicial for concluída, uma vez que quaisquer reações adicionais no futuro geralmente racham ou enfraquecem o concreto.
Pra resolver a fragilidade do concreto hoje, o mais comum é o uso de concreto armado, como é chamado o concreto reforçado com estruturas de aço em seu interior. Mas os romanos não faziam uso de reforços internos como os do concreto armado.
O concreto romano é uma mistura mais simples de cal virgem a partir do cozimento e trituração de rochas calcárias e, mais importante, agregados de rocha vulcânica de vários tipos, abundantes na região ao redor de Roma.
Em comparação com os agregados usados no concreto moderno, estes materiais vulcânicos utilizados pelos romanos são altamente reativos, e o concreto resultante permanece quimicamente ativo por séculos depois que endurece.
"Os cimentos Portland hoje em dia não são destinados a mudar quimicamente e, se mudarem, geralmente isso vai ter um efeito negativo", diz Marie Jackson, geóloga da Universidade de Utah, nos EUA, que estuda o concreto romano há décadas.
"Os romanos queriam que seu concreto reagisse. Eles escolheram um agregado que continuaria a participar dos processos do concreto ao longo do tempo."
Ao contrário do concreto moderno, esta reatividade contínua permite que o concreto romano se torne mais resistente com o tempo.
Estas reações químicas de longo prazo podem servir para reforçar pequenas rachaduras que costumam se formar entre os pedaços de agregado e o cimento de ligação e evitar que elas se propaguem.
Essa capacidade regenerativa, viabilizada pelos minerais vulcânicos reativos, é o que confere a extraordinária capacidade de resistência do concreto romano.
"Claro, podemos produzir concreto com maior resistência à tração hoje, mas e daí?" diz Perucchio. "A construção moderna de concreto pode durar 100 anos com manutenção, mas algumas estruturas romanas sobreviveram por mil anos ou mais essencialmente sem supervisão."
Embora os pesquisadores tenham suspeitado por muitos anos que era a adição de minerais vulcânicos que oferecia ao concreto romano sua resistência, só em 2014 que Jackson e outros pesquisadores descobriram a química precisa envolvida.
Em seu estudo, eles testaram uma mistura de concreto com base na que foi usada na construção do Mercado de Trajano, em Roma, e observaram o crescimento de cristais de um mineral chamado estratlingita nas chamadas "zonas interfaciais", entre os pedaços de rocha vulcânica e o cimento que mantém a mistura unida.
Estes cristais serviram para reforçar essas zonas interfaciais, que são normalmente o elo mais fraco em concretos feitos a partir do cimento Portland, tornando o concreto romano mais resistente a rachaduras.
Recentemente, um novo estudo de Jackson e outros pesquisadores, publicado em 2021, sugere que os cristais de estratlingita não são o único subproduto da reatividade contínua do concreto antigo que o mantém forte.
A equipe analisou uma amostra de concreto da tumba cilíndrica de 21m de altura de uma nobre romana chamada Caecilia Metella, construída por volta de 30 a.C. perto de uma antiga estrada romana conhecida como Via Ápia.
Este concreto, descobriu-se, havia sido feito com rochas vulcânicas que continham um alto teor de um mineral rico em potássio chamado leucita. Ao longo dos 2.000 anos após a construção da tumba, a chuva e a água subterrânea se infiltraram nas paredes da sepultura e dissolveram a leucita, liberando seu potássio no concreto.
No concreto moderno, a inundação com potássio provocaria a formação de um gel expansivo e causaria rachaduras e deterioração.
Mas Jackson e seus colegas descobriram que os minerais vulcânicos reativos no concreto romano promoveram um resultado diferente. O potássio dissolvido acabou reconfigurando a química da "cola" que forma a espinha dorsal do concreto endurecido, que manteve e reforçou a resistência do material, apesar de conter significativamente menos estratlingita do que a equipe observou no concreto do Mercado de Trajano.
Linda Seymour, que trabalhou no estudo enquanto concluía seu doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), nos EUA, diz que o motivo da longevidade do concreto romano parecer ter uma explicação ligeiramente diferente nestes dois contextos se deve em parte ao fato "que essas estruturas estavam em ambientes diferentes, o que resultou em diferentes processos químicos".
Segundo ela, as diferenças também podem ser explicadas "pelas composições químicas dos agregados usados pelos romanos — mas o ponto em comum é esta reatividade contínua que resulta em uma reconfiguração não prejudicial do concreto ao longo do tempo".
A diversidade química do concreto romano provavelmente significa que nem tudo que eles tentaram funcionou igualmente bem, mas no Coliseu e no Panteão temos dois testemunhos irrefutáveis do sucesso do material.
No Coliseu, o concreto não é necessariamente a estrela principal, mas desempenhou um papel fundamental na sobrevivência da arena.
O material mais proeminente no Coliseu é o calcário travertino, mas o concreto é o que mantém os vários arcos icônicos do anfiteatro de pé.
No entanto, talvez a contribuição mais significativa de concreto para a longevidade do Coliseu não esteja ao alcance dos olhos.
"Você não pode ver como turista, mas a razão pela qual o Coliseu ainda está de pé é por causa de sua fundação de concreto incrivelmente robusta", explica Jackson.
Sua base de concreto é preenchida com agregado de rocha de lava densa e pesada e tem 12 m de espessura, acrescenta ela.
Sem um material tão forte e duradouro em sua fundação, o Coliseu teria sido reduzido inteiramente a escombros pelos terremotos da região.
Cúpula do Panteão
Nenhuma visita a Roma estaria completa sem uma visita ao Coliseu, mas para quem busca o ponto alto da construção de concreto no mundo antigo, Perucchio diz que a cúpula não reforçada do Panteão é obrigatória.
Dentro da redoma do Panteão, a distância do chão até o topo da cúpula é praticamente idêntica ao diâmetro de 43 m da cúpula, convidando qualquer pessoa que esteja lá dentro a imaginar a esfera enorme e perfeita que poderia ser alojada em seu interior.
Perucchio afirma que se um arquiteto tentasse construir o Panteão hoje, o projeto seria negado porque sem reforço, como as barras de aço comumente usadas em estruturas de concreto modernas (que formam o concreto armado), a cúpula violaria o código de engenharia civil moderna.
"A cúpula cria tensões de tração muito altas, mas está de pé há 19 séculos", diz Perucchio.
"A partir disto, você pode tirar duas conclusões: ou a gravidade funcionava de maneira diferente na época romana; ou existe um conhecimento que perdemos", diz brincando.
Fora a química única de seu concreto, os arquitetos romanos por trás do Panteão empregaram inúmeros truques para alcançar seu objetivo.
Dois destes truques visavam tornar as paredes da cúpula o mais leves possível.
Durante a construção, o concreto que forma o teto semiesférico do monumento teve que ser despejado da base até o topo em moldes de madeira que formavam anéis concêntricos sucessivos.
Mas para aliviar as elevadas tensões de tração mencionadas por Perucchio, os construtores usaram rochas vulcânicas progressivamente mais leves como agregados à medida que se aproximavam do ápice da cúpula, além de tornar as próprias paredes mais finas.
Na parte mais baixa e mais larga da cúpula, o concreto contém grandes blocos de basalto pesado para conferir maior resistência e tem cerca de 6 m de espessura.
Em contrapartida, a última camada ao redor do óculo utiliza como agregado pedra-pome porosa, que é tão leve que flutua na água, e tem aproximadamente 2 m de espessura.
O segundo truque pode ser visto em todo interior da cúpula. O interior curvo do teto é coberto por painéis na forma de retângulos rebaixados. Estas figuras geométricas são hipnotizantes, mas não estão lá apenas pela estética.
Elas também reduziram a quantidade de concreto necessário para construir a cúpula, e a tornaram mais leve, o que diminuiu a tensão sobre os materiais.
"O Panteão é um lugar mágico", afirma Perucchio. "Já estive lá inúmeras vezes, mas todas as vezes sinto uma enorme admiração pela arquitetura e engenharia envolvida. Considero uma das estruturas mais extraordinariamente belas já construídas."
No Panteão, o concreto pode ter alcançado sua forma mais sublime — um livro sobre a estrutura o declara como o "triunfo do concreto" —, mas Admir Masic, cientista de materiais do MIT e coautor do estudo de 2021, afirma que no mundo moderno o concreto é "meio do mal", apesar de todas as coisas úteis e bonitas que podem ser feitas com ele.
Isso porque a fabricação do cimento Portland que vai para o concreto de hoje é responsável por pelo menos 8% das emissões globais de carbono.
Masic e Jackson estão estudando o concreto romano com o objetivo de tornar o concreto de hoje mais ecológico.
A maior vantagem do concreto romano, segundo Masic, é que seu aglutinante à base de cal só precisa ser aquecido a cerca de 900 °C, enquanto o cimento Portland precisa de uma temperatura de aproximadamente 1.450°C.
Isso por si só significa que o concreto romano tem o potencial de oferecer uma enorme redução na pegada de carbono da produção de concreto. Mas Masic acrescenta que a longevidade do material também pode nos permitir substituir a infraestrutura com menos frequência.
"Imagine que a gente comece a construir infraestruturas que durem 500 anos, em vez de 100 anos, e que adicionemos a propriedade de autorregeneração do concreto romano a cada projeto que fizermos", afirma Masic.
"Podemos vender menos concreto como resultado, mas esse é exatamente o problema em nosso modo atual de infraestrutura. Fazer as coisas durarem mais é talvez a maneira mais simples de melhorar a sustentabilidade."
Jackson e seus colaboradores estão trabalhando em um estudo da Agência americana de Projetos de Pesquisa Avançada de Energia (ARPA-E, na sigla em inglês) para desenvolver um concreto semelhante ao romano com o objetivo de reduzir potencialmente em 85% as emissões associadas à produção e instalação do concreto e quadruplicar sua vida útil.
Entre os maiores obstáculos para uma adoção mais ampla da receita romana, estão o longo processo de cura — pode levar até seis meses para atingir a resistência total, em comparação com os 28 dias do concreto padrão — e a resistência mais baixa (Perucchio diz que é cerca de 10 vezes mais fraco que o concreto moderno), o que significa que pode falhar em algumas aplicações modernas pesadas.
Mas Masic observa que há maneiras de acelerar a química envolvida no processo de cura do concreto romano.
Ele está trabalhando em uma técnica que envolve a injeção de dióxido de carbono no concreto romano, que pode permitir a cura da mistura em questão de dias. "Não precisamos copiar exatamente o que os romanos fizeram", diz ele.
"Mas quando se trata de tornar o concreto mais durável e sustentável, eles claramente têm algumas coisas a nos ensinar."
Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Travel.
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