Quais as chances de você ter um sósia – e chegar a conhecê-lo?
- Author, Zaria Gorvett
- Role, Da BBC Future
Ele está no seu passaporte. É por ele que muitos criminosos são identificados. É por causa dele que seus amigos de infância conseguem reconhecer você. O rosto está tão ligado à nossa identidade que, muito em breve, será também a chave para ter acesso ao escritório e até comprar uma casa.
Permeando tudo isso está a "garantia" de que cada um de nós tem uma aparência única. Até que um dia essas ilusões caem por terra diante de uma aparente coincidência.
"Fui o último a entrar em um avião e já tinha um homem na minha poltrona. Pedi para ele sair e, quando ele se virou, percebi que seu rosto era igual ao meu", conta o britânico Neil Douglas.
"Todos os passageiros olharam para nós e riram. Então decidi tirar uma selfie", diz. As coincidências continuaram: sem saber, os dois homens estavam hospedados no mesmo hotel. Mais tarde, seus caminhos se cruzaram em um bar e eles acabaram tomando umas doses juntos. No dia seguinte, Douglas acordou com um telefonema de uma rádio argentina. Sua selfie tinha viralizado na internet.
Probabilidade rara?
Dizem que todos nós temos um sósia - alguém que é uma cópia perfeita de você, com os olhos da sua mãe, o nariz de seu pai e aquelas sardas que você queria tirar há anos. A ideia povoa o imaginário popular há milênios. É o tema de uma das obras mais antigas da literatura, Gilgamesh.
Mas será mesmo verdade? Vivemos em um planeta com mais de 7 bilhões de pessoas, portanto provavelmente alguém por aí tem o mesmo rosto que você, não? Bem, a resposta é mais complicada do que parece.
Na realidade, até pouco tempo atrás ninguém havia tentado descobrir. Até que, no ano passado, a pesquisadora australiana Teghan Lucas, da Universidade de Adelaide, decidiu testar o risco de confundir um inocente com um assassino.
Munida de uma coleção de fotografias de funcionários das Forças Armadas americanas, Lucas analisou a fundo os rostos de quase 4 mil pessoas. Ela mediu as distâncias entre partes fundamentais da face, como os olhos e as orelhas. A seguir, ela calculou a probabilidade de os rostos de duas pessoas serem semelhantes.
O que ela descobriu pode ser uma boa notícia para o sistema judicial, mas deve decepcionar aqueles que estão em busca de seus sósias: as chances de apresentar oito dimensões de rosto iguais às de uma outra pessoa são de menos de uma em 1 trilhão. Ou seja, mesmo com 7,4 bilhões de pessoas no planeta, haveria apenas uma chance em 135 de se encontrar um único par de sósias.
"Antes você podia até se perguntar se um réu seria mesmo inocente e estaria sendo confundido com o verdadeiro criminoso. Mas agora podemos dizer que as chances de isso acontecer são ínfimas", afirma Lucas.
Além disso, a enorme variedade de aspectos humanos se resume a muito mais do que oito traços. Para Lucas, é mais provável que ninguém tenha um sósia.
'Soma das partes'
Mas a história não acaba por aqui. O estudo se baseou em medidas exatas. Se suas orelhas medem 59 milímetros e a de seu sósia, 60 milímetros, a semelhança entre vocês não seria levada em consideração.
Existe outra maneira de pensar na possibilidade de existir um sósia. E tudo depende da definição do que é um sósia: "é alguém parecido com outro ser humano ou alguém parecido com outro segundo um software de reconhecimento facial?", indaga David Aldous, estatístico da Universidade da Califórnia em Berkeley.
O canadense François Brunelle, que fotografou mais de 200 pares de sósias para seu projeto intitulado I'm not a look-alike ("Não sou um sósia"), concorda. "Para mim, um sósia é alguém que você vê e pensa que se trata de um conhecido. É uma soma das partes", define.
Quando vistos separadamente, as pessoas que ele retratou parecem clones perfeitos. "Mas quando você as vê lado a lado, você percebe que eles não são tão parecidos assim", diz.
Percepção cerebral de um rosto
Mas se pequenos detalhes não são importantes, será que a possibilidade de ter um sósia parece mais real?
Para descobrir, precisamos entender o que acontece quando reconhecemos um rosto familiar.
Nosso cérebro guarda rostos mais como um mapa do que com uma imagem. Quando você encontra um amigo na rua, o cérebro imediatamente começa a reconhecer suas características individualmente - como se estivesse reconhecendo a Itália em um mapa apenas por sua forma.
Mas e se a pessoa cortou o cabelo ou está usando maquiagem? Para assegurar que as características de alguém possam ser reconhecidas em qualquer contexto, o cérebro emprega uma área conhecida como os giros temporais para juntar todas as peças. Se você estivesse olhando para um mapa, teria que procurar a fronteira com a França e um litoral para se certificar de que se trata da Itália.
Essa percepção "da soma das partes" é o que faz o fato de reconhecer amigos algo bem mais preciso do que se suas características fossem avaliadas isoladamente. Isso também disfarça a importância de alguns dos detalhes mais sutis.
"A maioria das pessoas se concentra em características como a linha dos cabelos, o tipo de cabelo e as sobrancelhas", diz Nick Fieller, estatístico do Projeto de Reconhecimento Facial por Computador. Outros estudos mostram que reparamos primeiro nos olhos, na boca e no nariz, nessa ordem.
Portanto, trata-se apenas de descobrir a probabilidade de que outra pessoa tenha as mesmas versões que você. "Há uma quantidade determinada de genes que especificam o formato do rosto e bilhões de pessoas, então é possível que existam indivíduos extremamente parecidos", afirma Winrich Freiwald, que estuda percepção facial na Universidade Rockefeller. "Alguém que tenha um rosto 'normal' pode ter facilidade em encontrar sósias."
Pensemos em um homem com o cabelo curto e loiro, olhos castanhos, um nariz carnudo, um rosto arredondado e barba. É difícil encontrarmos pesquisas sobre a prevalência dessas características, mas já se sabe que 55% da população mundial tem olhos castanhos.
Além disso, mais de uma em cada dez pessoas tem o rosto arredondado, segundo uma pesquisa realizada por uma fabricante de cosméticos. Um estudo com fotos tiradas na Europa e em Israel identificaram os narizes carnudos como os mais comuns (24,2%).
Finalmente, os cabelos: uma pesquisa realizada com 24,3 mil visitantes de um parque temático na Flórida mostrou que 82% dos homens tinham cabelos curtos. Mas loiros naturais seriam apenas 2%.
E a Grã-Bretanha é a capital mundial da barba, já que um em cada seis apresenta uma barba completa.
Um simples cálculo revela que a probabilidade de uma pessoa ter todas essas características é de uma em 100 mil.
Isso daria ao nosso amigo nada menos do que 74 mil possíveis sósias. Claro que a prevalência desses dados não é global, então trata-se de um número impreciso. Mas levando-se em conta a quantidade de sósias de famosos pelo mundo, pode ser que o número esteja bem próximo.
Então qual a probabilidade de que todos nós tenhamos um sósia por aí? A maneira mais simples de adivinhar seria estimar o número de possíveis rostos e compará-lo com o número de pessoas vivas hoje.
Fieller acredita que há boas chances. "Acho que a maioria das pessoas tem um rosto que pode ser encontrado em outros indivíduos, a menos que possuam feições verdadeiramente peculiares", diz.
Fascínio e empatia
E por que esse assunto é tão fascinante?
Brunelle acredita que conhecer alguém que se parece conosco nos ajuda a formar um laço instantâneo por causa das feições em comum. O fotógrafo conta que recebe milhares de pedidos de pessoas buscando seus sósias, principalmente da China, onde até pouco tempo atrás as famílias não podiam ter mais de um filho.
Na área científica, pesquisas mostram que temos a tendência de julgar pessoas parecidas conosco como sendo mais confiáveis e atraentes.
Pode ser que esse interesse também venha de nossos antepassados, em uma época em que a semelhança facial era um bom indicador de proximidade. No mundo globalizado de hoje, no entanto, essa noção é equivocada.
"É perfeitamente possível que duas pessoas com rostos semelhantes tenham DNAs completamente diferentes, enquanto um par de indivíduos compatíveis geneticamente pode ser distintos fisicamente", explica a geneticista Lavinia Paternoster, da Universidade de Bristol.
Por isso, antes de começar a sonhar com a ideia de trocar de papel com seu possível "gêmeo", lembre-se de que há outros aspectos que podem denunciá-lo. Douglas, nosso britânico que encontrou um sósia no avião, destaca ser bem mais baixo do que ele.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site da BBC Future.