A onda de demissões de quem não quer abandonar o trabalho remoto
- Author, Bryan Lufkin
- Role, BBC Worklife
Durante a pandemia, muitos trabalhadores disseram que pediriam demissão se seus empregadores os forçassem a voltar ao escritório. Em março, a Robert Half, uma empresa global de recrutamento, divulgou uma pesquisa que revelou que 50% dos trabalhadores americanos preferem se demitir do que serem forçados a voltar ao escritório em tempo integral.
No início de maio, um executivo de alto escalão pôs isso em prática: o diretor de machine learning da Apple, Ian Goodfellow, renunciou devido à política de retorno ao escritório da gigante do Vale do Silício. A empresa começou a trazer de volta trabalhadores um dia por semana a partir de 11 de abril, depois dois dias em 2 de maio, com um aumento para três dias obrigatórios a partir de 23 de maio. Goodfellow não estava de acordo com o plano — e pediu as contas. (A Apple não respondeu ao pedido de comentário da BBC; também ainda não comentou publicamente sobre a renúncia de Goodfellow.)
Talvez a saída de Goodfellow não tenha sido surpreendente — pelo menos não entre funcionários da Apple. Uma pesquisa recente com mais de 650 funcionários da Apple no site de pesquisas anônimas Blind revelou que 76% dos entrevistados estavam insatisfeitos com os planos de retorno ao escritório da empresa; 56% disseram que considerariam se demitir por causa disso.
Mas fora da empresa, especialistas também não estão surpresos.
"Não estou nem um pouco surpresa. Na verdade, estou surpresa que tenha demorado tanto que um executivo de uma empresa de alto perfil tenha pedido demissão por causa da volta ao escritório", diz Anita Williams Woolley, professora de Comportamento Organizacional e Teoria na Tepper School of Business da Carnegie Mellon University, nos EUA. Ela diz que os executivos de alto escalão das empresas com as quais trabalha estão "meio que observando uns aos outros para ver quem fará o que primeiro e qual será a reação" com a redução do trabalho remoto. "Agora, eles estão entendendo qual é a reação."
Goodfellow é apenas um exemplo de grande repercussão de pessoas que optam por se demitir, em vez de aceitar contra a sua vontade a política da empresa. E há muito mais trabalhadores ansiosos para se demitir, mas que ainda não o fizeram. No entanto, alguns recrutadores e analistas acreditam que esse exemplo, de um profissional tão proeminente, pode ser um sinal de que mais demissões virão à medida que as políticas de retorno ao escritório começarem a crescer — e os trabalhadores começarem a reagir.
'Ponto de inflexão'
Embora não haja dados concretos para mostrar o aumento de demissões devido ao término do trabalho flexível especificamente, estão começando a surgir relatos de pedidos de demissão de trabalhadores.
"As empresas estão realmente começando a voltar mais e em maior escala — então os funcionários estão tendo que realmente parar para decidir se vale a pena ficar", diz Elise Freedman, sócia da Korn Ferry, uma empresa de recrutamento dos EUA. "A outra realidade é que há muitas vagas de trabalho disponíveis no mercado."
Esses dois fatores levaram a "um ponto de inflexão", diz Eric Anicich, professor assistente de Administração e Organização da Universidade do Sul da Califórnia, nos EUA. Quando os trabalhadores começam a agir, outros provavelmente seguem o mesmo caminho. "Ver outros (como colegas de trabalho) e figuras de autoridade respeitadas (como executivos de alto escalão) se demitirem pode ser a gota d'água para alguns funcionários."
Woolley concorda, dizendo que mais "trabalhadores têm amigos que estão mudando de emprego e, portanto, podem se sentir menos intimidados a dar o mesmo passo".
Os planos de retorno ao escritório têm sido um problema que muitas empresas tentam adiar, mas a hora finalmente chegou para se tomar decisão. E, em muitos casos, trabalhadores e empregadores estão em campos opostos.
"Com grande parte da incerteza relacionada à covid agora encerrada, os trabalhadores podem começar a agir de acordo com preferências que formaram nos últimos dois anos", diz Anicich. "Todas essas coisas serão difíceis de mudar — mesmo passando de cinco dias remotos para três dias remotos".
Todos podem fazer isso?
É claro que nem todos os trabalhadores têm as mesmas opções. Embora Goodfellow já tenha conseguido outro emprego no Google, segundo a imprensa, a capacidade dos trabalhadores de fazer a transição para empregos mais flexíveis depende de vários fatores.
"Se você está nessa classe de trabalhadores do conhecimento, ainda vejo isso como um momento bastante flexível e bastante empoderador para estar na economia agora", diz Anicich, já que atualmente estamos em um mercado de trabalho apertado em que muitas empresas brigam por bons candidatos — até mesmo por estagiários. Uma grande variedade de opções para muitos trabalhadores — especialmente aqueles em setores como tecnologia e finanças — permite que eles deixem suas empresas devido a políticas indesejáveis.
Mas, apesar de os trabalhadores terem mais poder, nem todos estão na posição de Goodfellow — que é executivo sênior, com talento específico e uma forte rede de contatos. Um trabalhador que quer se demitir precisa ter capacidades que estão em demanda em um setor que esteja precisando de força de trabalho, além de opções mais flexíveis sendo oferecidas por potenciais empregadores. Isso pode ser um desafio para pessoas em busca de um novo emprego.
Freedman acredita que "se demitir por causa da política de retorno ao escritório é uma decisão que tem menos a ver com o nível de carreira de cada um e mais com a situação pessoal", apontando para a ampla gama de cenários em que os trabalhadores se encontraram durante a pandemia. "Acho que basicamente se resume à rapidez com que você acredita poder encontrar outro emprego", diz ela.
'Nós queremos decidir'
Se mais trabalhadores realmente se demitirem, o que acontecerá depois?
Algumas empresas devem manter uma certa hesitação, diz Woolley: para se proteger contra esse tipo de desgaste, "muitas organizações se recusaram a divulgar políticas formais por causa da preocupação com isso, e algumas podem continuar mantendo suas políticas vagas ou 'flexíveis'".
Além disso, algumas empresas que divulgaram planos formais para trazer de volta os trabalhadores ao escritório recuaram de suas posições, ou até mesmo reverteram suas políticas. A Apple interrompeu seu esquema de retorno ao escritório, citando o aumento de casos de covid-19; não está claro se as demissões também contribuíram de alguma forma para essa decisão, mas, segundo relatos, os funcionários ficaram satisfeitos com a mudança.
Mas, assim como as empresas foram forçadas a se adaptar ao trabalho remoto quando não tinham outra escolha, elas também podem ter que se adaptar a esse novo cenário potencialmente permanente de trabalho remoto.
"Pode ser uma realidade difícil de entender para muitos empregadores, mas a velha maneira de fazer negócios acabou", diz Rich Deosingh, presidente da Robert Half nos EUA. "A retenção é um grande problema para todos os empregadores no momento e, se você eliminar as opções de trabalho flexíveis, seus funcionários considerarão outras opções."
E os especialistas não acreditam que a ideia de permitir que trabalhadores de uma empresa trabalhem remotamente, desde que aceitem um corte salarial, possa dar certo. "Acho que a coisa está evoluindo para um ponto em que as pessoas não estarão nem dispostas a dizer 'eu aceito corte salarial ou aceito um emprego menor'", diz Woolley.
Freedman concorda, apontando para empresas como o Spotify, que continua pagando salários do nível da cidade de Nova York a seus funcionários, não importa onde eles estejam. Ela diz que os trabalhadores continuarão se demitindo de empresas que não acomodem seus interesses, e migrarão para empresas que dizem: "'estamos pagando pelo seu valor — more onde você quiser'".
Isso pode explicar por que, depois que o Airbnb anunciou que nunca mais voltaria ao escritório, seu site de carreiras tenha recebido mais de 800 mil visitas no início deste mês.
Ainda assim, Freedman também diz que grandes empresas como Apple, de tecnologia, ou Goldman Sachs, de finanças (uma empresa que obrigou a presença no escritório nos cinco dias da semana), têm um prestígio que pode convencer alguns trabalhadores a ficar. Algumas pessoas estão dispostas a trocar flexibilidade por ter um grande nome em seu currículo — bem como um grande salário, especialmente porque setores como esses estão aumentando salários e vantagens em meio a uma guerra de talentos.
Mas a força do prestígio têm seus limites — especialmente se concorrentes igualmente prestigiosos oferecerem arranjos mais flexíveis. Em última análise, "todos os indicadores apontam para a conclusão de que veremos uma movimentação maior à medida que as organizações anunciarem suas políticas", diz Woolley.
Ainda não está claro se a grande repercussão da saída de Goodfellow é um sinal de que mais gente se demitirá. Mas muitos trabalhadores estão ficando inquietos. Como milhares de funcionários da Apple disseram em uma carta aberta à gerência: "não existe uma solução única para todos, vamos decidir como trabalhamos melhor e vamos fazer o melhor trabalho de nossas vidas".
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