López Obrador, o novo presidente mexicano que já foi comparado a Chávez, Lula e até Trump
O candidato de esquerda Andrés Manuel López Obrador confirmou seu favoritismo e foi eleito neste domingo o novo presidente do México, em uma eleição considerada histórica tanto pela quantidade de cargos em disputa - mais de 18 mil em âmbitos local e federal - quanto pelos altos níveis de violência e pela mudança radical de poder.
AMLO, como é conhecido, teve mais de 53% dos votos, mais do dobro de seu rival mais próximo, tornando-se o primeiro presidente esquerdista do país em décadas.
Em discurso em uma praça central na capital mexicana para celebrar sua vitória, AMLO disse a correligionários que sua prioridade será combater a corrupção e a impunidade.
"Seja quem for, (o corrupto) será punido. Mesmo se for companheiro de luta, funcionário, amigo ou familiar."
AMLO disse ainda que sintetiza sua visão de governo em uma frase: "Pelo bem de todos, primeiro os pobres".
"As mudanças serão profundas, mas serão realizadas dentro da ordem estabelecida. Haverá liberdade empresarial, de expressão, de associação e de crenças".
O ex-prefeito da Cidade do México (2000-2006) é eleito presidente em sua terceira tentativa e com uma plataforma centrada no combate à corrupção, no fim de "regalias" a políticos e empresários, na melhora na qualidade de vida dos mais pobres e de revisão de privatizações realizadas no setor petrolífero.
"Vamos purificar a vida pública do México", afirmou em comício recente.
Nascido em 1953 no Estado sulista de Tabasco, AMLO é filho de comerciantes e estudou Ciências Políticas e Administração Pública na Universidade Nacional Autônoma de México (UNAM).
É conhecido por despertar tanto lealdade quanto rechaço incondicionais, característica que já o levou a ser comparado a outros líderes do continente: o venezuelano Hugo Chávez, o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e, curiosamente, até mesmo o americano Donald Trump.
Violência, reformas e mercado
López Obrador assumirá um país com níveis historicamente altos de violência, em plena guerra entre cartéis do narcotráfico e forças de segurança.
O país registrou um recorde de mais de 25 mil homicídios no ano passado, cifra que tende a aumentar neste ano, segundo previsões de especialistas.
A violência respingou também na campanha eleitoral, durante a qual foram assassinados mais de 120 políticos.
O cenário, somado a escândalos de corrupção, impactou negativamente a popularidade do atual presidente, Enrique Peña Nieto, do PRI (Partido Revolucionário Institucional), que deixa o cargo com menos de 20% de aprovação. Em 2012, quando tomou posse, chegou a superar os 60% de aprovação.
E foi também com críticas à política tradicional e às condições macroeconômicas que López Obrador conquistou grande parte de seu eleitorado.
"As políticas que temos aplicado nos últimos 30 anos não funcionaram. Sequer tivemos crescimento econômico", afirmou ele em seu último comício, na quarta-feira. "O que cresceu foi a corrupção, a pobreza, o crime e a violência. Por isso, vamos mandar essas políticas à lixeira da história."
AMLO já havia tentado a Presidência duas vezes antes pelo Partido da Revolução Democrática (em 2006 e 2012, quando perdeu para Peña Nieto), sem sucesso. Agora, postulou-se pelo Movimento de Regeneração Nacional (Morena), que fundou há quatro anos e hoje tenta se firmar como a segunda principal força política do país.
É visto com ceticismo pelo mercado financeiro e pela comunidade empresarial mexicana, por suas críticas de longa data ao neoliberalismo e sua promessa de reverter alguns pontos da reforma do setor energético, no que diz respeito à exploração privada das reservas petrolíferas do México.
Tais características já o fizeram ser comparado a Lula, que também enfrentou resistência do mercado quando eleito pela primeira vez, em 2002.
Partidários de AMLO afirmam que o novo presidente já não é mais tão radical quanto no passado e lembram que ele recrutou assessores próximos ao mercado financeiro, como um aceno conciliatório.
História
López Obrador também enfrentará a descrença de parte considerável da classe média mexicana, que o vê como um radical messiânico e que teme que o país encampe políticas socialistas e nacionalistas semelhantes às venezuelanas, iniciadas por Hugo Chávez.
Em pleitos passados, AMLO chegou a ser chamado de "um perigo para o México", crítica que qualifica de "guerra suja" eleitoral.
Ele despontou na política nos anos 1980 como militante do PRI no sul do país e, na década seguinte, no ativismo em defesa de causas indigenistas. Em seu Estado natal, Tabasco, chegou a liderar dezenas de protestos indígenas contra danos ecológicos causados pela exploração de petróleo nas comunidades.
Na prefeitura da Cidade do México, criou sistemas de aposentadoria municipais e distribuiu material escolar gratuitamente aos estudantes de educação básica. Já nessa época era conhecido por seu discurso de austeridade e anticorrupção, o que o levou a criar uma legião de "seguidores fervorosos", explicam analistas políticos.
Para parte do eleitorado, "ele se converteu em um mito e disso vem seu êxito na política nacional", dizem os historiadores Saray Curiel e Alfonso Argote, autores de uma biografia de AMLO.
Eles concluíram que o candidato cultiva entre seus seguidores a ideia de que o México precisa de um "salvador que o resgate", algo que críticos também usam para traçar paralelos com o chavismo.
Já defensores afirmam que seu discurso de tolerância zero à corrupção e atenção aos mais pobres lhe rendeu apoio entre profissionais liberais e entre o eleitorado mais jovem.
No que diz respeito ao combate à violência, suas promessas até agora foram consideradas vagas, em geral centradas a uma anistia aos traficantes de menor porte e uma visão "mais inteligente" de enfrentamento ao crime.
Relações com os EUA - e Trump
Ao mesmo tempo, o novo presidente assume em um momento de relações especialmente espinhosas com seu principal vizinho, os EUA, por conta das políticas contrárias à imigração e por uma guerra comercial.
AMLO foi um forte crítico de Trump durante a campanha eleitoral, pedindo "respeito aos mexicanos", prometendo colocar o presidente americano "em seu lugar" e rejeitando a política migratória do vizinho.
O curioso é que seu histórico de declarações fortes e de tom populista, suas críticas ao livre comércio e sua popularidade ao se apresentar como alternativa aos políticos tradicionais também lhe renderam comparações com o presidente americano, em um momento de rejeição recorde ao status quo partidário em ambos os países.
"Ele (López Obrador) acabou sendo o candidato certo para o momento atual, o candidato antissistema", disse à AFP o fundador da empresa de pesquisas Parametría Francisco Abundis.
Mas uma diferença crucial em relação ao bilionário Trump é que AMLO cultiva um estilo de vida simples e prometeu "governar pelo exemplo, com austeridade". Afirmou que vai cortar o próprio salário, continuar a morar em sua casa de classe média na Cidade do México e transformar o palácio presidencial em um centro cultural.
"Nem chavismo, nem trumpismo (...), sim ao mexicanismo", declarou AMLO pelo Twitter, do qual também é usuário frequente.
Com reportagem adicional de Alberto Najar, da BBC News Mundo na Cidade do México