Leaving Neverland: 'Michael Jackson abusou de nós centenas de vezes'
"Ele abusou de nós centenas de vezes."
É o que afirmam à BBC Wade Robson e James Safechuck, que acusam o cantor americano Michael Jackson (1958-2009) de ter abusado sexualmente deles quando eram meninos, na década de 1990.
Os depoimentos dos dois são o foco do controverso documentário Leaving Neverland ("Deixando Neverland", em tradução livre), que estreou no festival Sundance em janeiro e foi exibido nos EUA pela HBO.
Em entrevista ao programa da jornalista Victoria Derbyshire, da BBC, Robson e Safechuck apresentaram detalhes das acusações de crimes que afirmam ter ocorrido no rancho Neverland, propriedade de Jackson na Califórnia. Eles dizem que ali dividiram a cama com o cantor.
O documentarista Dan Reed disse ter levado "um tempo" até acreditar em ambos. "Entrevistei Wade por três dias e James, por dois. Eles foram muito abertos e consistentes em seus relatos. Depois, quando aprofundei minha pesquisa, não descobri nada que contestasse o que disseram."
O artista foi alvo de acusações dessa natureza por mais de 15 anos.
A exibição do documentário provocou a reação da família de Jackson, que alega "não haver uma única evidência" que comprove as declarações deles.
'Toda vez que passava a noite com ele, ele abusava de mim'
Hoje com 36 anos, o coreógrafo Wade Robson relata ter conhecido Michael Jackson aos cinco anos, após ganhar um concurso de dança na Austrália - o prêmio, segundo o jornal britânico The Guardian, era participar de um show do artista.
Segundo o jornal americano The New York Times, o garoto, sua irmã e a mãe, Joy, se mudaram para Los Angeles, deixando o patriarca e o primogênito da família na Austrália, acreditando na promessa de Michael Jackson de transformar Robson em uma estrela.
Em entrevista ao programa da BBC, Robson afirmou que o cantor começou a abusar dele quando tinha sete anos.
"Toda vez que eu estava com ele, toda vez que passava a noite com ele, ele abusava de mim."
"Jackson me acariciava, tocava meu corpo inteiro", afirmou Robson, que também teria sido obrigado a ver o cantor praticando sexo.
Segundo ele, Jackson tentou estuprá-lo quando tinha 14 anos. "Esse foi um dos últimos incidentes sexuais que tivemos."
'É assim que demonstramos nosso amor'
Robson afirmou à BBC que Jackson fez com que ele acreditasse que ambos se amavam.
"É assim que demonstramos nosso amor", lhe dizia o cantor, segundo Robson. "E logo depois, ele falava: 'Se alguém descobrir o que estamos fazendo, você e eu vamos passar o resto de nossas vidas na cadeia e nossas vidas serão destruídas'."
Robson disse ter medo, à época, de ser afastado do ídolo. "A ideia de ficar longe de Michael, deste homem, desta figura de outro mundo, que para mim era um Deus e se tornou meu melhor amigo... Jamais faria algo que pudesse nos separar."
"Ele disse que eu era seu melhor amigo e a única pessoa com quem havia praticado esses atos sexuais. (...) De todas as crianças do mundo, fui a escolhida, pensei."
À BBC, Robson descreveu Jackson como um "mestre da manipulação".
'Como se masturbar'
James Safechuck, hoje com 40 anos, afirmou à BBC ter conhecido Jackson aos dez anos, quando foi selecionado para contracenar com o artista em um comercial da Pepsi.
Ele contou que foi molestado pelo cantor dos 10 aos 14 anos, e os abusos começaram, segundo Safechuck, com o cantor ensinando a ele "como se masturbar".
"Depois veio o beijo de língua. E ele disse que eu havia ensinado ele a fazer isso", afirmou Safechuck à BBC.
Tudo isso teria sido seguido por outras formas de abuso sexual - como sexo oral. "Enquanto você está sendo abusado, parte de você está morrendo."
No longa, Safechuck descreve todos os lugares da propriedade em que ele foi abusado por Jackson, a exemplo de um quarto com portas e campainhas para alertar caso alguém se aproximasse.
Confiança dos pais
O documentário de Dan Reed mostra como os garotos e suas famílias foram atraídos pela fama em torno de Michael Jackson.
Segundo Safechuck, o artista foi capaz de abusar dele por tanto tempo porque traiu a confiança de seus pais.
"É um longo processo de manipulação em que Michael se insere na sua família e se torna parte dela. Demorou um pouco até conquistar a confiança deles, isso não aconteceu da noite para o dia."
Em seguida, ele "cria uma separação entre você e seus pais, e te isola dos outros".
O documentário mostra como a enorme estrutura de Neverland, com zoológico e parque de diversões, servia também para manter os pais afastados das crianças que frequentavam o local.
Acusadores já defenderam o artista à Justiça
Em 1993, Jackson passou a ser investigado pela polícia de Los Angeles sob suspeita de ter abusado de um garoto de 13 anos. Contratado pelo astro pop, o detetive particular Anthony Pellicano passou a rebater as acusações feitas pelos pais do jovem, classificando-as de tentativa de extorsão.
A estratégia de defesa passou também oferecer relatos de outras crianças em apoio a Michael Jackson. Uma delas era Wade Robson, que tinha dez anos quando disse à CNN que participou apenas de "festas do pijama inocentes".
James Safechuck também deu um testemunho em favor do cantor.
Em 1994, Jackson e os pais do garoto fecharam um acordo de US$ 23 milhões, sendo US$ 5 milhões para os advogados da família. A investigação criminal foi então encerrada.
Uma década depois, após uma série de novas acusações veiculadas no documentário Living With Michael Jackson, o artista foi a julgamento nos Estados Unidos sob acusação de molestar crianças.
Durante esse processo judicial, Robson testemunhou, em 2005, que dormiu mais de 20 vezes em Neverland, mas nunca foi abusado pelo artista. Ele também negou o depoimento de uma camareira, que disse ter visto o garoto tomando banho com Jackson.
Safechuck não testemunhou nesse processo.
Jackson foi absolvido de todas as acusações - ele sempre negou as denúncias de abuso.
O artista morreu em 25 de junho de 2009, aos 50 anos, após tomar uma dose letal de sedativos.
De testemunhas de defesa a acusadores
Em 2013, quatro anos após a morte de Jackson, Wade Robson decidiu processar o espólio do artista, a quem acusava de lavagem cerebral.
Quando se tornou pai, Robson afirmou em uma entrevista que, após duas fortes crises nervosas, revelou ao terapeuta o grande segredo que guardava.
"Só a ideia de que algo assim pudesse acontecer ao meu filho me dava dor, raiva e nojo", disse ele.
A Justiça americana considerou, no entanto, que o caso estava prescrito.
Em entrevista à BBC, ele observou que parte da responsabilidade pelos supostos casos de abusos deveria recair sobre "todas as outras pessoas, todos os outros funcionários que o tempo todo estavam próximos a Michael, a mim e a James e que fizeram vista grossa".
No ano seguinte, James Safechuck também abriu um processo contra o espólio de Michael Jackson.
Acusações de perjúrio
Em resposta às denúncias feitas em Leaving Neverland, a entidade que administra o espólio do músico classificou o documentário como "uma tentativa ultrajante e patética de explorar e lucrar" após a morte de Jackson.
E acusou Robson e Safechuck de perjúrio (falso testemunho) - por terem no passado "testemunhado sob juramento e dito que esses eventos nunca ocorreram".
"Além disso, eles não forneceram uma única prova das acusações que estão fazendo, o que significa que o filme inteiro se apoia unicamente na palavra deles."
Os irmãos de Jackson - Tito, Marlon e Jackie - e seu sobrinho Taj Jackson contestaram as acusações de abuso sexual feitas por Robson e Safechuck no documentário.
Taj afirmou que o comportamento do tio parecia curioso para alguns, mas que ele era uma pessoa "muito inocente".
"Sua ingenuidade foi sua ruína", acrescentou.
Marlon destacou, por sua vez, que "não há uma única evidência" que sustente as acusações.
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