Os profissionais que se orgulham de fazer o mínimo possível no trabalho
- Author, Kate Morgan
- Role, BBC Worklife
Quando Hunter Ka’imi compareceu ao programa de TV americano Dr. Phil, em 2022, os produtores não chegaram sequer a mencionar seu sobrenome. Eles o identificaram apenas como um “demissionário silencioso”.
“Acredito que a demissão silenciosa seja um protesto pelos direitos dos trabalhadores”, afirmou Ka’imi. “Não acho que o trabalho seja o que há de mais importante na minha vida, nem acho que deveria ser o mais importante na vida de uma pessoa.”
O programa dedicou meio episódio a este fenômeno, que começou no verão (do hemisfério norte) de 2022. Um usuário do TikTok chamado Zaid Khan postou então um vídeo em que ele mesmo explica “esta expressão, chamada demissão silenciosa, quando você não está saindo deliberadamente do seu emprego, mas está abandonando a ideia de ir além das expectativas”.
A expressão viralizou quase instantaneamente. Ela dominou manchetes e hashtags. No TikTok, #quietquitting (“demissão silenciosa”, em inglês) teve cerca de 900 milhões de visualizações até o fechamento desta reportagem.
Ka’imi explica no seu vídeo: “não vou trabalhar em uma semana de 60 horas e me esforçar sozinho por um emprego que não cuida de mim como pessoa”. O vídeo acumulou mais de sete milhões de visualizações, 38 mil comentários e mais de 43 mil compartilhamentos.
O jovem Ka’imi, de 23 anos, era gerente de um restaurante no Estado americano de Washington. Ele se tornou um símbolo do movimento, que rapidamente fez com que a demissão silenciosa se tornasse uma espécie de medalha de honra. Declarar sua demissão silenciosa logo se tornou um ato arrojado ou, pelo menos, virou tendência.
Ka’imi afirma que aquilo aconteceu porque muitas pessoas se identificaram imediatamente com a sensação de estarem sendo usadas pelos seus empregadores. E “demissionários silenciosos” como ele simplesmente deram um nome a esta sensação.
“Acho que as pessoas vinham se sentindo frustradas há tempos, mas não tinham as palavras para articular os motivos, a não ser ‘estou com raiva do meu patrão’”, segundo ele.
“Quando apareceu a demissão silenciosa, a conversa passou a ser sobre a cultura do trabalho, o capitalismo e a exploração. Foi quando muitas pessoas perceberam, ‘oh, na verdade, é disso que tenho raiva”, explica Ka’imi.
Esta tendência pode já ter saído do linguajar diário, mas ele e os especialistas afirmam que o espírito da demissão silenciosa permanece forte.
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A popularidade da demissão silenciosa começou durante a pandemia, “quando as pessoas reavaliaram suas experiências no trabalho, suas relações com seus empregadores e sua vida em geral”, segundo Katie Bailey, professora de trabalho e emprego do King’s College de Londres.
“Como muitas tendências nas redes sociais, ela decolou porque acadêmicos, economistas, outros especialistas no mercado de trabalho e assim por diante, todos estavam falando sobre ela, o que fez com que ela ganhasse ainda mais importância”, conta a professora. “A expressão foi adotada e usada em diferentes formas por diferentes pessoas.”
Para Bailey, a expressão entrou com muita força no zeitgeist (o espírito da época) devido às intensas reações dos profissionais ao conceito, resumido em uma expressão curta.
Embora muitas pessoas se identificassem com a situação (como os seguidores que idolatraram Ka’imi), outras passaram a difamar os demissionários silenciosos.
No programa Dr. Phil, o planejador financeiro Brent Wilsey, de San Diego, nos Estados Unidos, afirmou que aquilo era simplesmente preguiça.
“Acho que [a demissão silenciosa] realmente se resumiu a ‘nós contra eles’”, afirma Ka’imi. Ele esclarece que, embora parecesse algo arrojado e proibido, a demissão silenciosa, na verdade, nunca foi questão de rebelião.
“Ela significa simplesmente fazer o seu trabalho”, explica Ka’imi. “Não é um protesto exagerado, nem uma retórica, digamos, de sabotar seu empregador, chegar tarde todos os dias ou roubar a sua empresa.”
“A demissão silenciosa diz que, se sou contratado para fazer A, B e C, isso é tudo que eu irei fazer”, prossegue ele. “É a resistência a fazer X, Y e Z, que não estão na descrição do seu cargo e pelo que você não está sendo pago.”
Bailey defende que a situação atípica, em alguns países, do mercado de trabalho - com empresas lutando para preencher vagas e reter funcionários - ajudou a encorajar os profissionais em demissão silenciosa a irem a público nas redes sociais, sem medo de serem demitidos.
Ka’imi conta que simplesmente não teve medo de que os seus patrões assistissem ao vídeo. Na verdade, ele esperava que eles vissem, mesmo se, com isso, sua demissão silenciosa se tornasse, digamos, menos silenciosa.
“Eu não me importei”, ele conta.
Ka’imi afirma ainda que ficou orgulhoso quando pediu ao seu patrão para sair mais cedo para ir ao programa de TV e contar explicitamente o quanto ele não gostava do seu trabalho.
Seus empregadores podem não ter ficado muito felizes, mas também não discutiram. Ao falar abertamente sobre a questão, Ka’imi esperava poder trazer alguma mudança significativa, tanto para o seu emprego quanto em escala mais ampla.
'Atualmente, a demissão silenciosa é o status quo'
A demissão silenciosa foi uma moda, segundo Katie Bailey, no sentido de que a expressão perdeu relevância em questão de poucas semanas.
As pesquisas pela expressão no Google atingiram seu pico em agosto de 2022 e, desde então, os números minguaram.
As discussões sobre a demissão silenciosa podem ter esmorecido, mas isso não significa que os profissionais tenham abandonado essa prática.
“Questões subjacentes sobre nossas horas de trabalho e como nos dedicamos ao trabalho – acho que [a demissão silenciosa] continua por aí”, afirma Bailey.
Nós podemos ter deixado de rotular esse comportamento como demissão silenciosa, mas as pessoas estão definindo mais fronteiras em torno do seu tempo e energia.
Para a professora, “os profissionais estão mais conscientes sobre a reafirmação da autonomia e controle e dizendo ‘sou um ser humano e existem outras coisas na minha vida além do trabalho’”.
Bailey destaca que alguns profissionais podem agora estar dedicando menos atenção a esse comportamento, para não prejudicar os seus empregos e proteger sua renda “devido à situação financeira enfrentada por muitas pessoas com a inflação crescente e a deterioração da economia”.
Mas, obviamente ou não, dados do instituto Gallup indicam que a maior parte dos profissionais ainda pratica a demissão silenciosa. A edição de 2023 do relatório sobre o Estado do Mercado de Trabalho Global, publicado pelo instituto, afirma que seis em cada 10 empregados em todo mundo estão psicologicamente desligados da sua organização, mesmo quando trabalham nas horas contratadas.
Hunter Ka’imi afirma que “depois que o movimento se reduziu um pouco, acho que as pessoas perceberam que existe uma forma muito mais saudável de trabalhar”.
“É normal dizer ‘vou fazer apenas o mínimo possível; vou chegar para o meu turno e sair quando ele acabar’. Atualmente, a demissão silenciosa é o status quo.”
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Worklife.