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Brasil tem a chance de assumir uma liderança responsável e equilibrada no diálogo global sobre a questão climática

Canteiro de obras: Uma grande arena e muitas outras estruturas de convivência estão sendo construídas no Parque da Cidade, em Belém, para sediar a COP30. No âmbito das negociações pelo clima, a responsabilidade do Brasil em novembro do ano que vem será imensa.

A ordem jurídica internacional enfrenta atualmente uma crise de urgência sem precedentes. Apesar dos esforços globais, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, para estabelecer um sistema de paz e cooperação, continuamos a presenciar graves violações humanitárias. Os sistemas regionais de direitos humanos carecem de recursos humanos e financeiros adequados para cumprir suas obrigações.

Simultaneamente, os impactos das mudanças climáticas, como demonstrado pelas recentes inundações em Valência, na Espanha, e no Rio Grande do Sul, no Brasil, tornam-se cada vez mais devastadores, exigindo respostas imediatas e coordenadas.

Quo Vadis, Brasil?

Nesse contexto, a presidência brasileira da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30), que ocorrerá em Belém, no Pará, em 2025, carrega uma responsabilidade imensa.

Há três décadas, o Brasil sediou a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Foi na Rio-92, como ficou conhecida a Conferência, que se aprovou a Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas (cuja sigla em inglês é UNFCCC), um tratado internacional com o objetivo de estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera em um nível que impeça uma interferência humana perigosa no sistema climático.

Mais de 30 anos depois, caberá ao Brasil, anfitrião da próxima conferência climática, guiar os rumos desse difícil diálogo global. E para onde vais, Brasil? Essa é a pergunta central para o próximo ano. A liderança brasileira e os rumos que ela imprimirá ao sistema ONU, por meio da UNFCCC, são aguardados com grande expectativa pela comunidade internacional.

Mais do que a celebração do 30º capítulo de uma história iniciada na Rio-92, a próxima COP será marcada pelo acesso a uma quantidade inédita de informações – graças às Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e aos Relatórios Bienais de Transparência (BTRs).

As NDCs são as metas climáticas de cada país para reduzir as emissões de gases de efeito estufa até 2030 e, assim, reduzir o aumento da temperatura média global do planeta. Os países têm até o início de 2025 para enviar as atualizações de suas NDCs à ONU. O Brasil já enviou a sua, em que se compromete a reduzir as emissões de gases de efeito estufa até 2030, em relação às emissões de 2005.

Já os BTRs são relatórios que os países signatários do Acordo de Paris devem enviar até o fim deste ano, com informações como o inventário nacional de emissões de gases do efeito estufa, o acompanhamento da implementação da NDC, os impactos e adaptação às mudanças do clima e o apoio necessário e recebido em matéria de financiamento, desenvolvimento e transferência de tecnologia relativos às mudanças climática.

Com esse volume de informações, é essencial realizar uma análise integrada que compile as metas nacionais e avalie os avanços já alcançados, identificando lacunas críticas. Esses dados devem ser utilizados para orientar negociações estratégicas, promovendo uma incidência precisa e direcionada em pontos-chave, como financiamento climático, natureza, sistemas alimentares e adaptação. O objetivo é fechar as lacunas que ainda existem e alinhar os esforços globais ao caminho necessário para limitar o aquecimento global a 1,5°C, promovendo um impacto sistêmico.

Durante a COP 30, o Brasil ainda terá a tarefa desafiadora de resgatar agendas cruciais, como:

  • o Programa de Trabalho em Mitigação (MWT), que é um processo para ajudar os países a ampliar sua ambição e implementação de mitigação para alcançar a meta de 1,5°C do Acordo de Paris;
  • a Meta Global de Adaptação (GGA), que é um compromisso coletivo para aprimorar a capacidade de adaptação do mundo, fortalecendo a resiliência e reduzindo a vulnerabilidade às mudanças climáticas;
  • o Programa de Trabalho para uma Transição Justa (JTWP), uma nova iniciativa para garantir que os objetivos do Acordo de Paris sejam alcançados de forma justa e equitativa, de forma específica para cada contexto nacional;
  • e a Nova Meta Coletiva Quantificada (NCQG), que é a nova meta global de financiamento climático, levando em conta as necessidades e prioridades dos países em desenvolvimento.

A incógnita Trump

Com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, no entanto, surge uma nova incógnita. Seu discurso pode legitimar visões de negacionismo climático em outras nações – um termo que descreve a negação ou minimização da gravidade das mudanças climáticas – e enfraquecer a implementação de direitos humanos, especialmente aqueles relacionados à imigração. Além disso, com a maioria no Congresso, sua administração terá mais facilidade em aprovar políticas que podem impactar negativamente os esforços globais de enfrentamento da crise climática.

Especialistas apontam que será necessário um esforço significativo para reverter avanços conquistados na administração de Joe Biden, como a Lei de Redução da Inflação. Essa legislação abrangente busca reduzir emissões de carbono e promover energias renováveis nos Estados Unidos, além de ser um marco importante na política climática do país.

Durante sua administração anterior, Trump retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, interrompendo compromissos climáticos estabelecidos pela gestão Obama. Esse vai e vem de compromissos evidencia a importância de tratar as mudanças climáticas como uma política permanente, que transcenda governos e administrações, e não como um tema suscetível a alterações ideológicas temporárias.

O que significaria uma eventual nova saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris para as metas globais? Esse cenário ganhou relevância na COP29, realizada em Baku, Azerbaijão, em novembro de 2024. Apesar da expectativa de que a delegação norte-americana adotasse uma postura neutra, prevendo uma possível retirada do acordo, ocorreu o oposto.

Os representantes dos EUA foram ativos ao pressionar por maiores compromissos de países em desenvolvimento no âmbito do Programa de Trabalho em Mitigação (MWT), enquanto mantinham uma posição conservadora em relação à Nova Meta Coletiva Quantificada (NCQG). A estratégia, segundo a delegação, era preparar o terreno para facilitar uma eventual reintegração dos EUA ao cenário climático global, caso necessário.

A eleição de Trump gerou impactos perceptíveis nas negociações em Baku, em pelo menos duas dimensões: primeiramente, a retirada precoce dos negociadores argentinos na primeira semana, influenciada pelo alinhamento do presidente Javier Milei ao recém-eleito Trump; em segundo lugar, a sobrecarga sobre a União Europeia e o Reino Unido para financiar os compromissos associados à NCQG.

Esses fatores, aliados à presidência do Azerbaijão e a outros elementos conjunturais, resultaram na aplicação, em vários itens de negociação, da polêmica Regra 16 das normas de procedimento da UNFCCC, que posterga as discussões para o próximo ano, sem que sejam considerados nenhum dos documentos produzidos na sessão. Além da adotação expedita da decisão sobre o NCQG, com fortes protestos da Índia, Bolivia e outros países menos desenvolvidos.

Diante desse cenário de incertezas, policrises e crise do multilateralismo, o Brasil terá a chance de demonstrar sua tradição diplomática robusta e assumir uma liderança responsável e equilibrada. Embora seja um país que historicamente pouco contribuiu para as mudanças climáticas globais, o Brasil pode desempenhar um papel fundamental na construção de soluções globais, mostrando que é possível liderar com equilíbrio em um momento tão crítico para o planeta.

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