Gabinete do ódio
Gabinete do Ódio é o nome dado a um grupo de assessores de Jair Bolsonaro que atuavam no Palácio do Planalto e foram coordenados pelo ex-presidente e por Carlos Bolsonaro.[1] O grupo atuava na gestão das redes sociais do ex-presidente e foi formado durante a campanha para a Eleição presidencial no Brasil em 2018, continuando a atuar até o fim de seu mandato.[2]
Histórico
[editar | editar código-fonte]A existência de uma "milícia virtual", com domínio de perfis falsos em redes sociais e divulgação de fake news direcionadas a atacar adversários, foi inicialmente divulgada em meados de 2019 pela deputada Joice Hasselmann, antiga aliada de Jair Bolsonaro.[3] Segundo a deputada, o grupo foi responsável por difundir em massa notícias falsas relacionadas, dentre outros assuntos, ao suposto "kit gay" e à "mamadeira de piroca", vinculando-as ao candidato Fernando Haddad durante a eleição presidencial de 2018; o mesmo grupo teria sido responsável, meses antes, por divulgar informações falsas difamando a vereadora Marielle Franco, assassinada em março de 2018, alegando falsamente que a vereadora seria casada com um traficante e apoiadora da organização criminosa Comando Vermelho.[3]
A atuação do "gabinete do ódio", assim denominado, foi inicialmente reportada pelo jornal O Estado de S. Paulo em setembro de 2019,[4] e se notabilizou a partir da CPMI das Fake News. Deputados anteriormente aliados ao governo Bolsonaro, incluindo, além de Joice Hasselmann, Alexandre Frota e Heitor Freire, relataram a existência do grupo, que se autodenomina "Gabinete do Ódio",[5] descrevendo as frentes de atuação e os métodos utilizados.[6] As alegações principais são de que o grupo utiliza as redes sociais e ferramentas de disparos em massa, principalmente via WhatsApp, conforme relatório da Polícia Federal: "um grupo que produz conteúdos e/ou promove postagens em redes sociais atacando pessoas (alvos) – os ‘espantalhos’ escolhidos – previamente eleitas pelos integrantes da organização, difundindo-as por múltiplos canais de comunicação".[7] O inquérito 4.781 indica a existência do "gabinete do ódio"[8] [1]
O conteúdo divulgado inclui a propagação de notícias falsas, o uso de robôs e de investimentos pesados em promoção do conteúdo gerado. Há suspeitas de que pelo menos parte do dinheiro usado na divulgação dessas notícias seja público.[9]
Além dos ex-aliados do governo, a existência do gabinete é apontada pela Polícia Federal e por ministros do Supremo Tribunal Federal[10], mas é negada pelo presidente.[4]
Em 11 de julho de 2024, a Polícia Federal, que deflargou a Operação Última Milha, descobriu indícios apontando uma ligação entre dirigentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) com o gabinete do ódio, uma equipe digital que, segundo as investigações, operava dentro do Palácio do Planalto para difundir notícias falsas contra adversários do então presidente da República Jair Bolsonaro.[11]
Atuação
[editar | editar código-fonte]O nome, utilizado pelo próprio grupo,[5] foi escolhido por ter como principal forma de atuação a produção e divulgação de conteúdo de ataque a pessoas e instituições vistas como críticas do governo.[12]
Métodos
[editar | editar código-fonte]Segundo relatório preparado pela Polícia Federal, o grupo tem um processo bem estabelecido de atuação, que consiste em quatro etapas:[13]
- Eleição, fase em que é escolhido a pessoa ou instituição que será alvo de ataques;
- Preparação, em que o conteúdo ofensivo é produzido e as tarefas são divididas dentro do grupo;
- Ataque, fase de publicação em redes sociais e disparos em massa nos aplicativos de mensagem;
- Reverberação, fase em que o conteúdo é retransmitido e impulsionado nas redes, inclusive "por autoridades públicas e/ou pelos meios de comunicação tradicionais".[7]
A reverberação do conteúdo é, segundo depoimentos na CPMI das Fake News, impulsionada por robôs.[6] Além dos assessores diretos da presidência, o deputado Alexandre Frota alega a replicação de conteúdo era impulsionada com a participação do site Terça Livre, coordenado pelo blogueiro Allan dos Santos.[6] Segundo mensagens divulgadas, Allan se envolveu com o processo de disseminação de notícias falsas financiado pelo empresário Luciano Hang após intermediação do senador Flávio Bolsonaro.[14][14] O blogueiro foi condenado pelo STF pela disseminação de conteúdo calunioso e está atualmente foragido nos Estados Unidos.[15]
DarkMatter
[editar | editar código-fonte]Em novembro de 2021, integrantes do gabinete que viajaram a Dubai na comitiva presidencial para participar do Dubai AirShow se reuniram com representantes da DarkMatter, uma ferramenta espiã desenvolvida para invadir computadores e celulares de alvos, inclusive desligados.[16] O foco principal da aquisição seria a eleição presidencial de 2022.[17]
Atuação durante a Pandemia de COVID-19
[editar | editar código-fonte]A CPI da COVID-19, realizada pelo Senado Federal durante a pandemia de COVID-19, identificou 15 pessoas, dentre as quais o próprio presidente Bolsonaro, como ligados ao Gabinete do Ódio.[18] A CPI concluiu que o gabinete foi utilizado para minimizar os riscos da emergência sanitária, contrariar orientações da Organização Mundial da Saúde e promover tratamentos sem comprovação científica, como a hidroxicloroquina e outras formas de tratamento precoce contra a COVID-19.[19][20] A disseminação de notícias falsas durante a pandemia é apontada como uma das responsáveis pelo alto número de mortes no Brasil.[21]
Durante depoimento na CPMI, o empresário Luciano Hang negou envolvimento no gabinete paralelo, mas reconheceu contribuir para a disseminação de conteúdo defendendo o uso da cloroquina para tratamento da COVID-19, uma das principais pautas do gabinete durante a pandemia de COVID-19.[22]
Ver também
[editar | editar código-fonte]- Allan dos Santos
- CPI da COVID-19
- CPMI das Fake News
- Mamadeira de piroca
- Gabinete da ousadia
- Notícia falsa
Referências
- ↑ «Bolsonaro e o 'gabinete do ódio': entenda as investigações da PF». Estadão. Consultado em 18 de junho de 2023
- ↑ Cesar, Daniel (24 de fevereiro de 2023). «Gabinete do ódio de Bolsonaro acabou, diz relatório do governo Lula». iG. Consultado em 18 de junho de 2023
- ↑ a b «Análise: impunes, "milícias virtuais" desafiam os Três Poderes». Metrópoles. 23 de outubro de 2019. Consultado em 17 de agosto de 2022
- ↑ a b Estado', 'Agência (19 de dezembro de 2020). «Bolsonaro nega existência do 'gabinete do ódio' dentro do Planalto». Política. Consultado em 17 de agosto de 2022
- ↑ a b «PF afirma ao STF que estrutura do 'gabinete do ódio' é usada por milícia digital». CartaCapital. 11 de fevereiro de 2022. Consultado em 17 de agosto de 2022
- ↑ a b c «Ex-aliados de Bolsonaro mostram como funciona o Gabinete do Ódio». Congresso em Foco. 28 de maio de 2020. Consultado em 17 de agosto de 2022
- ↑ a b Vasconcelos, Rodrigo (11 de fevereiro de 2022). «Relatório da PF entregue ao Supremo aponta a existência de um "gabinete do ódio"». CNN Brasil. Consultado em 17 de agosto de 2022
- ↑ DE MORAES, ALEXANDRE (6 de maio de 2020). «INQUÉRITO 4.781 DISTRITO FEDERAL» (PDF). Supremo Triunal Federal. Distrito Federal (DF), Brasilia. Consultado em 6 de novembro de 2023
- ↑ «Joice Hasselmann denuncia "milícia" e "gabinete de ódio" na disseminação de fake news - Notícias». Portal da Câmara dos Deputados. Consultado em 17 de agosto de 2022
- ↑ «"Há gabinete do ódio sim", diz Moraes em votação contra Bolsonaro». Metrópoles. 28 de outubro de 2021. Consultado em 17 de agosto de 2022
- ↑ Valdo Cruz (11 de julho de 2024). «PF aponta ligação da Abin com gabinete do ódio no governo Bolsonaro». G1. Consultado em 12 de julho de 2024
- ↑ «Sob cerco, 'gabinete do ódio' age para manter influência digital - Política». Estadão. Consultado em 17 de agosto de 2022
- ↑ «Delegada da PF diz que Bolsonaro usa estrutura do 'gabinete do ódio' para promover ataques». ISTOÉ Independente - A mais combativa revista semanal de informação e interesse geral do Brasil. 11 de fevereiro de 2022. Consultado em 17 de agosto de 2022
- ↑ a b «Bolsonaro e o 'gabinete do ódio': entenda as investigações da PF - Política». Estadão. Consultado em 17 de agosto de 2022
- ↑ «Foragido, Allan dos Santos se reúne com apoiadores de Bolsonaro em Orlando, nos EUA». G1. Consultado em 17 de agosto de 2022
- ↑ «"Gabinete do ódio" usou viagem oficial de Bolsonaro para negociar programa espião». Congresso em Foco. 17 de janeiro de 2022. Consultado em 17 de agosto de 2022
- ↑ «Gabinete do ódio busca comprar nova ferramenta espiã intitulada DarkMatter». noticias.uol.com.br. Consultado em 17 de agosto de 2022
- ↑ «CPMI das Fake News mirará gabinete do ódio apontado por CPI da Pandemia | Radar». VEJA. Consultado em 17 de agosto de 2022
- ↑ Oliveira, Joana (20 de outubro de 2021). «Bolsonaro é "líder e porta-voz" das 'fake news' no país, diz relatório final da CPI da Pandemia». El País Brasil. Consultado em 17 de agosto de 2022
- ↑ «PF diz ao STF que Bolsonaro usou "gabinete do ódio" para espalhar fake news em lives». Revista Fórum. Consultado em 17 de agosto de 2022
- ↑ «Centenas de pessoas morreram por causa de fake news sobre Covid-19, diz estudo». Super. Consultado em 17 de agosto de 2022
- ↑ «Luciano Hang nega participação em gabinete paralelo, mas admite propaganda de cloroquina». www12.senado.leg.br. Consultado em 17 de agosto de 2022