Enteógeno
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Enteógeno (também chamado enteogênico (português brasileiro) ou enteogénico (português europeu)) são plantas capazes de expandir a consciência e induzir ao estado xamânico ou de êxtase. É um neologismo que vem do grego, tendo sido proposto em 1973 por investigadores, dentre os quais se pode citar Gordon Wasson (1898-1986). Segundo Roberts,[1] foi incluído no Dicionário Oxford de Inglês na lista de novas palavras desde setembro de 2007, significando uma substância química, normalmente de origem vegetal, que é ingerida para produzir um estado de consciência não ordinária para fins religiosos ou espirituais.
A palavra "enteógeno", que significa, literalmente, "manifestação interior do divino", deriva duma palavra grega obsoleta da mesma raiz da palavra "entusiasmo", e se refere à comunhão religiosa sob efeito de substâncias visionárias, ataques de profecia e paixão erótica. Este termo foi proposto como uma forma elegante de nomear estas substâncias, sem tachar pejorativamente costumes de outras culturas (ver Medicina indígena).
O uso de plantas (ou fungos) para alteração da consciência e percepção é uma realidade mundial e milenar. Até mesmo animais usam plantas com atividade psicotrópica, como é o caso de javalis e primatas que cavam para conseguir as raízes do poderoso Tabernanthe iboga. Substâncias atuais do nosso cotidiano, como vinho e tabaco, eram, originalmente, ligadas a cultos religiosos. Os sacerdotes védicos da Antiga Índia utilizavam o soma, uma bebida alucinógena, para entrar em contato com o Reino Celestial. Os druidas, sacerdotes celtas, tomavam uma poção que lhes dava força e coragem. O rei Salomão tinha conhecimento de enteógenos. Os astecas, maias e incas utilizavam os enteogenos em suas práticas religiosas. Na Grécia antiga, os historiadores especulam que os vapores que envolviam o oráculo no templo de Delfos tinha propriedades enteogenas, e que a bebida kikeon dada antes do rito de iniciação nos mistérios de elêusis, possuía substâncias enteógenas. Os historiadores também especulam a utilização de enteogenos no judaísmo antigo e cristianismo primitivo gnóstico, nas visões de Moisés na "sarça ardente" (árvore da acácia, rica em D.M.T., substância análoga encontrada na ayahuasca). A madeira da Acácia também foi utilizada na construção da arca de Noé, e no altar de Deus. A acácia também foi considerada sagrada entre os egípcios, e é a árvore do mestre maçom, símbolo da morte e renascimento. A partir dos anos 1960, os livros de Carlos Castaneda popularizaram o uso de enteógenos.[2] Entre as plantas, alguns dos enteógenos mais conhecidos são Ayahuasca, jurema, Cannabis, Yopo, Peiote, Cactos São Pedro,[3] e Ololiuqui. Entre os fungos, Psilocybe e Amanita.[4]
Observa-se que se incluem, nessa relação, plantas com substâncias que possuem efeitos farmacológicos distintos. A Cannabis (Cannabis sativa), por exemplo, com suas múltiplas formas de preparação (Bangue (Bhang) Haxixe, etc.) enquadra nessa categoria por seu uso étnico (religioso-medicinal) em algumas culturas da Índia, da Jamaica e de algumas tribos africana,s e por ser um sedativo euforizante, ou seja, um psicotrópico com efeito depressor no sistema nervoso. Já o ópio, nas suas diferentes preparações (como a Heroína e Morfina, por exemplo), também é considerado um enteógeno, embora possua propriedades farmacológicas distintas da maconha.[5][6]
Quando são plantas, os enteógenos também são chamados por grupos religiosos e povos indígenas de plantas mestres, plantas professoras, plantas de conhecimento, plantas de poder e plantas sagradas.[2]
Enteógeno x alucinógeno
[editar | editar código-fonte]A farmacologia ainda não chegou a um acordo sobre o termo para descrever as suas ações farmacológicasː assim, o termo "alucinógeno" continua sendo a designação predominante entre os cientistas mais tradicionais, apesar de a maioria das substâncias não provocar alucinações no sentido clínico. O termo "psicodélico" continua muito utilizado por cientistas de gerações mais recentes, em geral referindo-se apenas a substâncias cujos efeitos são semelhantes aos do LSD ou da mescalina.
Alguns autores não consideram que a expressão "enteogénico" seja um mero sinônimo de psicodélico, já que nem todas as substâncias usadas num contexto sagrado provocam alucinações, e para diferenciar os enteogênicos do uso de alucinógenos com finalidade lúdica. Os estados de comunhão com a divindade característicos do uso tradicional de substâncias visionárias não seria igualmente alcançado com o uso de substâncias sintéticas (LSD, MDMA etc.) para fins recreacionais ou de prazer farmacológico. A distinção religiosa se apoia no contexto em que seu uso é feito. Se for dentro de uma realidade religiosa, sagrada e tradicional, a substância é considerada enteogénica, por religiosos. Se for num contexto recreativo e associado à moderna cultura pop, ela é considerada psicodélica.[carece de fontes]
Por outro lado, o sentido do termo "psicodélico" como associado à utilização individual e lúdica foi uma consequência do uso descontrolado a partir do movimento hippie, mas iniciou-se com sérias pesquisas etnofarmacológicas e bioquímicas, mais especificamente na área da psicoterapia, associadas à descoberta do LSD.
A proibição moral de algumas substâncias de uso recreativo, tanto lícitas como ilícitas, não se relaciona necessariamente com o seu potencial de dano, efeito colateral ou dependência química. Alguns autores associam essa preocupação à "invasão farmacêutica" (o aumento explosivo da produção e consumo de novos fármacos ocorrida ao longo de todo o século XX) e ao etnocentrismo (combate às culturas pagãs no período colonial). Os legisladores estão atentos para esse fenômeno, diante dos efeitos sociais nefastos do narcotráfico, mas essa é outra área cerceada por múltiplos interesses e aonde também não se possui um saber esclarecedor.[7], [8]
Pontos de vista de grupos espirituais e religiões
[editar | editar código-fonte]O Catecismo da Igreja Católica é categórico em afirmar que o uso de qualquer psicotrópico é uma ofensa grave, a não ser por prescrições estritamente terapêuticas.[9] Leonardo Boff, autor da Teologia da Libertação, considera que a ayahuasca não deve ser compreendida como droga, mas como uma bebida ritualística, equivalente ao corpo de Cristo na Eucaristia.[10]
A ordem Sufi Fatimiya consome a ayahuasca.[11] Como no Alcorão só há proibição (haram) explícita ao vinho, o assunto do uso de psicoativos sempre foi controverso entre muçulmanos, como no caso do haxixe.[12] Em março de 2014, o Grande Aiatolá Rohani emitiu formalmente uma Fátua (um pronunciamento legal no Islão emitido por um especialista em lei religiosa) determinando que o uso de enteógenos é halal (legal) e seu uso é permitido para muçulmanos xiitas, sob a supervisão de especialistas qualificados.[13]
Semelhantemente, o quinto preceito do Buda também é impreciso ao não permitir que budistas ingiram substâncias que causem negligência: é debatido entre os budistas se psicodélicos como a ayahuasca se enquadrariam sob este preceito.[14]
Para Rudolf Steiner, fundador da antroposofia, o uso de plantas xamânicas como a ayahuasca é uma forma de clarividência atávica, significando que pertence ao passado da humanidade, pois se tornou inadequado com as mudanças que ocorreram na constituição do corpo, alma e espírito do homem: e, portanto, passou a oferecer um alto risco de criar ilusões na consciência.[15][16][17]
A Fraternidade Rosacruz afirma que nenhum psicodélico pode conduzir à evolução espiritual, pois todos expõem o aspirante ao risco de ser controlado por espíritos indesejáveis e enfraquecem o corpo físico e os corpos espirituais, podendo causar danos que levarão muitas vidas para serem reparados.[18] Isto ocorre porque são considerados formas de clarividência involuntária, no sentido de provocarem visões que independem da própria vontade de quem as recebe. Este modo de clarividência é considerado anacrônico, pertencendo a estágios passados da humanidade, se tornando prejudicial e negativo quando transportado para os dias de hoje.[19][20] A Sociedade Teosófica considera os psicodélicos como sendo mais prejudiciais à evolução espiritual do que o próprio álcool.[21][22]
Semelhantemente, o espiritismo aponta que, embora drogas tenham sido utilizadas "para abrir as comportas do entendimento para as viagens místicas", elas "liberam componentes tóxicos que impregnam as delicadas engrenagens do perispírito, atingindo-o por largo tempo. Muitas vezes, esse modelador de formas imprime nas futuras organizações fisiológicas lesões e mutilações que são o resultado dos tóxicos de que se encharcou em existência pregressa".[23]
Entretanto, para Samael Aun Weor, fundador da Igreja Gnóstica Cristã Universal, nem todas as plantas e substâncias psicodélicas são iguais em valor. Segundo sua visão, enquanto a cannabis (santa maria) e o LSD levam a degeneração do usuário, a ayahuasca, a trombeta, as folhas de coca, o óxido nitroso, os cogumelos e o peiote, embora não sejam imprescindíveis à evolução, conduzem aos mundos superiores e facilitam viagens astrais, desde que o utilizador não abuse de tais plantas e seja celibatário ou praticante da magia sexual gnóstica, do contrário "a nada conduz".
Referências
- ↑ ROBERTS, Thomas B. The New Religious Era - From the 500-year Blizzard of Words to Personal Sacred Experiences. forthcoming 2014 in: Harold J. Ellens (editor) Seeking the Sacred With Psychoactive Substances: Paths to Self and God. Praeger/ABC-CLIO, Westport, CT. Academia.edu Jul. 2014
- ↑ a b Xamanismo. Disponível em http://www.xamanismo.com.br/Poder/SubPoder1189634475. Acesso em 5 de maio de 2016.
- ↑ «Declaran Patrimonio Cultural de la Nación a los conocimientos, saberes y usos del cactus San Pedro». elperuano.pe (em espanhol). 17 de novembro de 2022. Consultado em 10 de dezembro de 2022
- ↑ SANTOS, RAFAEL G. DOS; Aspectos culturais e simbólicos do uso de enteógenos; NEIP
- ↑ GREEN, JONATHON. Cannabis. Barcelona, RBA - integral, 2003
- ↑ GOTH, ANDRES. Farmacologia médica. RJ, Guanabara Koogan, 1975
- ↑ CARNEIRO, HENRIQUE. Filtros, mezinhas e triacas, as drogas no mundo moderno. SP, Xamã, 1994
- ↑ VARGAS, EDUARDO. V. Fármacos e outros objetos sócio-técnicos: notas para uma genealogia das drogas, in: LABATE, BEATRIZ C....(et al.) (orgs.) Drogas e cultura: novas perspectivas. Salvador, EDUFBA, 2008 PDF Jul. 2014
- ↑ «DOMINICANA: Yes to Life: Popes on Drugs. By: Br. Nicholas Schneider, O.P.»
- ↑ «Declaração de Leonardo Boff sobre Fernando, Chico e a Doutrina do Santo Daime»
- ↑ «Famitiya Sufi Order - Interview - Reality Sandwich»
- ↑ «I'm a Muslim and I drink ayahuasca - By Michael Muhammad Knight»
- ↑ «An Iranian mystic makes the Grand Ayatollah Rohani approve the use of ayahuasca». ICEERS (em inglês). Consultado em 1 de maio de 2019
- ↑ Paul Trafford. «Avoiding pamāda: An analysis of the Fifth Precept as Social Protection in Contemporary Contexts with reference to the early Buddhist teachings»
- ↑ «"A long correction about Steiner's anthroposophy"». Breaking Open the Head Forum
- ↑ «Rudolf Steiner and Atavistic Clairvoyance». The Philosophy of Freedom
- ↑ STEINER, Rudolf (1990). The Presence of the Dead on the Spiritual Path. [S.l.]: SteinerBooks. ISBN 9780880102834
- ↑ «"Effects of Alcohol, Drugs, and Tobacco"». Rosicrucian Fellowship
- ↑ «Clairvoyance - Rosicrucian»
- ↑ «Manly Palmer Hall - Diferença entre clarividência voluntária e mediunidade»
- ↑ BLAVATSKY, Helena. The Key to Theosophy. [S.l.: s.n.]
- ↑ «The Theosophical View of Meat and Alcohol». Blavatsky Theosophy Group UK
- ↑ FRANCO, Divaldo. Nas fronteiras da loucura (PDF). [S.l.: s.n.]
- ↑ "Samael Aun Weor e os psicoativos", no blogue Imagens Ocultas. Estas informações também constam dos próprios livros e cartas deste autor.
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- Alberto R. Gonzales, Procurador Geral e outros v. Centro Espírita Beneficente União do Vegetal e outros. Trad. André Fagundes. Revista Publicum. Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, p. 323-341. 2018. Disponível em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/publicum/article/download/33892/25148>. Acesso em 02 out. 2020.
- BERNARDINHO-COSTA, Joaze (org.). Hoasca: ciência, sociedade e meio ambiente. Campinas: Mercado das Letras, 2011.
- FAGUNDES, André. O Direito Penal e as minorias religiosas hoasqueiras (ayahuasqueiras) na Espanha. Comentários à decisão judicial da 4ª Seção da audiência provincial de Valência, processo n. 46250370042016100256. In: Derechos humanos desde la interdisciplinariedad en Ciencias Sociales y Humanidades. DÍAS, R. L. S. et al. (eds.) Madrid: Dykinson, 2020. p. 93-110.
- GENTIL, Lúcia R. B. e GENTIL, Henrique S. O uso de psicoativos em um contexto religioso: A União do Vegetal. In: LABATE, Beatriz C. e ARAÚJO, Wladimir S. O uso ritual da Ayahuasca. Campinas: Mercado das Letras, 2002.
Ver também
[editar | editar código-fonte]- Psicoterapia com enteógenos
- Narcótico
- Lista de enteógenos
- Drogas enteogénicas y registro arqueológico