A Travessia do Reno pelas tribos bárbaras - dentre elas, vândalos, alanos e suevos - em 31 de dezembro de 406 é geralmente citada como o início das invasões bárbaras que levariam ao fim o Império Romano do Ocidente. Atravessar o Reno ultrapassava uma das mais seguras fronteiras do Império Romano, um momento crucial no declínio do império e início de uma onda de destruição de cidades romanas e do colapso da ordem no norte da Gália. A confusão provocada pelos invasores resultou ainda na ascensão de três usurpadores em sequência na província da Britânia.

Rotas de migrações dos vândalos

É por este motivo que 31 de dezembro de 406, a data da travessia, é uma data importante do chamado Período das Migrações. O relato completo indica que "um grupo misto de vândalos, alanos e suevos atravessaram o Reno em Mogoncíaco (atual Mainz, na Alemanha) em 31 de dezembro de 406 e começaram a destruir a Gália". Diversos relatos escritos documentam a travessia e são suplementados pela cronologia detalhada de Próspero da Aquitânia, que fornece a data firme de 31 de dezembro.

Uma carta de Jerônimo escrita em Belém,[1] fornece uma longa lista de tribos envolvidas -algumas delas, como é o caso dos quados e dos sármatas, retiradas da tradição histórica ou literária[2] - menciona Mogoncíaco primeiro numa lista de cidades devastadas pela invasão e é este o único suporte para a tese de que a travessia do Reno, até então desprovido de pontes, teria se dado ali. Além de Mogoncíaco, Jerônimo cita ainda as modernas cidades de Worms, Reims, Amiens, Arras, Thérouanne, Tournai, Espira e Estrasburgo como vítimas da invasão.

O agrupamento inicial de bárbaros na margem leste do Reno tem sido interpretado como a junção de diversos bandos fugindo dos hunos[3] ou de sobreviventes dos godos derrotados de Radagaiso,[4] ambas as teses sem evidências diretas. O fato de o Reno estar congelado (o que teria facilitado a travessia), um fato não relatado por nenhuma das fontes contemporâneas, foi considerado plausível por Edward Gibbon. Antes da travessia, ainda na margem oriental, o bando misto de vândalos e alanos ainda teve que enfrentar um ataque dos francos.[5] O rei vândalo Godigisel foi morto, mas os alanos correram para ajudá-los. Uma vez do lado romano da fronteira, o bando não encontrou nenhuma resistência organizada, pois Estilicão havia esvaziado as guarnições fronteiriças em 402 para enfrentar Alarico na Itália.

A "Nova História" de Zósimo (vi.3.1) afirma que a revolta do usurpador Marco da Britânia seria uma reação à presença de bárbaros na Gália em 406; a partir de um fragmento de Olimpiodoro, a aclamação de Marco, o primeiro dos usurpadores romano-britânicos, teria sido realizada naquele mesmo verão.

406 ou 405?

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Um artigo de Michael Kulikowski[6] revelou que "a sequência de eventos está coalhada de dificuldades técnicas", ignoradas nos relatos dos historiadores modernos, que ele acredita dependerem de Gibbon e de um outro, em sua reanálise das fontes históricas. Sua conclusão é que a data para a travessia do Reno no meio do inverno seria "31 de dezembro de 405", uma data que oferece uma cronologia de eventos na Bélgica, Gália e Britânia mais coerente. Kulikowski também demonstrou como o ano de 406 veio a ser escolhido.

A data de 31 de dezembro de 406 é firmemente defendida pelo relato de Próspero da Aquitânia em sua crônica ano-a-ano:

No sexto consulado de Arcádio e Probo, vândalos e alanos invadiram as Gálias, tendo cruzado o Reno na véspera das calendas de Janeiro.[7]

O sexto consulado de Arcádio, tendo Probo como co-cônsul, corresponde a 406. Próspero nota ainda que a invasão da Itália por Radagaiso como sendo o principal evento do ano anterior[8] e corretamente atribui ao ano seguinte (407) o golpe de Constantino III:"As três entidades estão ligadas e, juntas, tendem a contar um tipo de história", observa Kulikowski [9] "Próspero estava escrevendo uma crônica e este gênero detesta anos vazios. Por isso, como o gênero escolhido por ele necessitava de uma entrada para cada três anos, Próspero simplesmente redistribuiu sua sequência de eventos, colocando um por ano. Ele fez o mesmo em vários outros pontos de sua crônica."

Com a data tradicional de 31 de dezembro de 406 em mente, muito se debate sobre a inação de Estilicão, por vezes atribuída à sua estratégia de focar suas ambições na Ilíria. A data de Kulikowski, 31 de dezembro de 405, indica que Estilicão estaria completamente ocupado na Túscia enfrentando as forças de Radagaiso, que só seria completamente derrotado e finalmente executado em agosto de 406.[10]

Referências

  1. Jerônimo, Epístola 123.
  2. Michael Kulikowski, "Barbarians in Gaul, Usurpers in Britain" Britannia 31 (2000:325-345) p 326 se refere a ela como "uma longa e divertida lista", "nada mais do que uma mostra de virtuosidade etnográfica"
  3. Peter Heather, in: English Historical Review 110 (1995)
  4. Drinkwater 1998
  5. Segundo um relato, hoje perdido, de Renato Profuturo Frigérido, que foi utilizado por Gregório de Tours, e cujas passagens estão inseridas na "História dos Francos" deste.
  6. Michael Kulikowski, "Barbarians in Gaul, Usurpers in Britain" Britannia 31 (2000:325-345).
  7. Arcadio VI et Probo, Wandali et Halani Gallias trajecto Rheno ingressi II k. Ian; citado por Kulikowski 2000:328.
  8. Assim como a morte dele, que também ocorreu em 406.
  9. Kulikowski 2000:329
  10. Peter Heather, Goths and Romans, 1991, 199-213.

Bibliografia

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  • Drinkwater, John F., "The usurpers Constantine III (407-411) and Jovinus (411-413)", Britannia 29 (1998), 269-98.
  • Heather, Peter (2006). The Fall of the Roman Empire: A New History of Rome and the Barbarians 2nd ed. New York: Oxford University Press. ISBN 0-19-515954-3 
  • Kulikowski, Michael, "Barbarians in Gaul, Usurpers in Britain", Britannia 31 (2000), 325-345.