Povos indígenas do Brasil: diferenças entre revisões

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{{Info/Grupo étnico
|grupo grupo = Povos indígenas do Brasil
|imagem =bandeira =[[Imagem:BrazilianIndígenas do Brasil indians- 000montagem.JPGjpg|300px]]
|legenda legenda_bandeira = <small>Indígenas respectivamente dos povos:<br />[[Assurinis doAshaninka, Assurini, Bororo, Kayapó, Guajajara, Kaiowá, Kuikuro, Kaingang, Zo'è, Yanomami, Xingu]]Xacriabá, [[tapirapés]]Yawalapiti, [[caiapós]]Wauja, tapirapésWaiwai, [[ricbactas]]Terena e [[bororos]]Rikbaktsa</small>
| imagem = [[Imagem:Brazil_Native_Alone_in_2022.svg|300px]]
|população= 1 652 876<br /><small> segundo o Censo de 2022, aproximadamente 0,8% da população do [[Brasil]]<ref>{{cita web|url=https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2023/04/03/brasil-tem-1653-milhao-de-indigenas-apontam-dados-preliminares-do-censo-2022.htm#:~:text=O%20Instituto%20Brasileiro%20de%20Geografia,habitantes%20estimados%20para%20o%20Pa%C3%ADs. |título=Brasil tem 1,653 milhão de indígenas, apontam dados preliminares do Censo 2022 |pagina=281 |acesso-data=2021-05-02 |publicado=IBGE |língua=pt}}</ref>
|lugares legenda_imagem = População de [[RegiãoAmeríndios|nativos]] Nortepor [[Municípios do Brasil|Nortemunicípio]], segundo o [[Regiãocenso Nordestedemográfico do Brasil|Nordeste]] ede [[Centro-Oeste2022]]
| população = 1 227 642<br /><small> segundo o Censo de 2022, aproximadamente 0,6% da população do [[Brasil]]<ref name="Tabela 9605">{{citar web|url=https://sidra.ibge.gov.br/tabela/9605#resultado|título=Tabela 9605 - População residente, por cor ou raça, nos Censos Demográficos|acessodata=2023-12-25|publicado=IBGE}}</ref>
|línguas= [[Línguas indígenas do Brasil|Línguas indígenas]] e [[Língua portuguesa|português]]. O número de línguas indígenas é incerto, variando conforme os critérios utilizados, mas pode chegar a cerca de 270.
| lugares = [[Região Norte do Brasil|Norte]], [[Região Nordeste do Brasil|Nordeste]] e [[Centro-Oeste]]
|religiões= Religiões tradicionais e [[cristianismo]]
| línguas = [[Línguas indígenas do Brasil|Línguas indígenas]] e [[Língua portuguesa|português]]. O número de línguas indígenas é incerto, variando conforme os critérios utilizados, mas pode chegar a cerca de 270.
|relacionados= [[Povos ameríndios]]
| religiões = Religiões tradicionais e [[cristianismo]]
| relacionados = [[Povos ameríndios]]
}}
Os '''povos indígenas do Brasil''' compreendem um grande número de diferentes [[Grupo étnico|grupos étnicos]] que habitam o país desde milênios antes do início da [[Colonização do Brasil|colonização portuguesa]], que principiou no {{séc|XVI}}, fazendo parte do grupo maior dos [[povos ameríndios]]. No momento da [[Descoberta do Brasil|chegada dos portugueses ao Brasil]], os povos nativos eram compostos por povos semi[[Nomadismo|nômadesseminômades]] que subsistiam da [[caça]], [[pesca]], [[Caçador-coletor|coleta]] e da [[agricultura]] itinerante, desenvolvendo culturas diferenciadas. Apesar de protegida por muitas leis, a população indígena foi amplamente exterminada pelos conquistadores diretamente e pelas doenças que eles trouxeram, caindo de uma população de milhões para cerca de 150 mil em meados do {{séc|XX}}, quando continuava caindo. Apenas na década de 1980 ela inverteu a tendência e passou a crescer em um ritmo sólido. No censo do [[Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística]] de 2022, 1 227 642 brasileiros se autodeclararam indígenas, embora milhões de outros tenham algum grau de [[ascendência]] indígena. Ainda sobrevivem diversos [[povos isolados]], sem contato com a [[civilização]] dominante.
 
A ideia de que os povos indígenas do Brasil (e do continente americano no geral) eram povos puramente [[caçador-coletor|caçadores-coletores]] é errônea, pois muitos deste povos já praticavam a [[agricultura]], o que permitia a estes povos já terem tribos com organização social mais complexa do que os bandos de povos puramente caçadores-coletores (como os [[aborígenes australianos]] ou os [[coissã]]s da África, lembrando que no continente africano havia também uma grande variedade de povos com diferentes organizações sociais, indo de povos puramente caçadores-coletores, povos agricultores como os bantus, povos pastoris como os beduínos, evreinos e impérios como o [[Império do Mali]] e o [[Reino do Congo]])
 
Apesar de protegida por muitas leis, a população indígena foi amplamente exterminada pelos conquistadores diretamente e pelas doenças que eles trouxeram, caindo de uma população de milhões para cerca de 150 mil em meados do {{séc|XX}}, quando continuava caindo. Apenas na década de 1980 ela inverteu a tendência e passou a crescer em um ritmo sólido. No censo do [[Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística]] de 2022, 1 652 876 brasileiros se autodeclararam indígenas, embora milhões de outros tenham algum grau de [[ascendência]] indígena. Ainda sobrevivem diversos [[povos isolados]], sem contato com a [[civilização]] dominante.
 
Os povos indígenas brasileiros deram contribuições significativas para a sociedade mundial, como a domesticação da [[mandioca]] e o aproveitamento de várias plantas nativas, como o [[milho]], a [[batata-doce]], a [[pimenta]], o [[caju]], o [[abacaxi]], o [[amendoim]], o [[mamão]], a [[abóbora]] e o [[feijão]]. Além disso, difundiram o uso da [[Rede de descanso|rede de dormir]] e o costume do [[banho]] diário, desconhecido pelos europeus do {{séc|XVI}}. Para a [[língua portuguesa]] legaram uma multidão de nomes de lugares, pessoas, plantas e animais (cerca de 20 mil palavras), e muitas de suas lendas foram incorporadas ao [[folclore brasileiro]], tornando-se conhecidas em todo o país. Também foram importantes aliados dos portugueses, mesmo que involuntários, na consolidação da conquista territorial, defendendo e fixando cada vez mais distantes fronteiras, e deram grande contribuição à composição da atual [[população do Brasil|população nacional]] através da [[mestiçagem]].
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== Definição ==
[[Imagem:AtlasMiller BNF Brasilis arcoyflecha.jpg|thumb|Uma das mais antigas representações europeias dos indígenas brasileiros, incluída no ''[[Atlas Miller]]'' de 1519]]
Na [[Idade Média]], a palavra "índio" era empregada para designar todas as pessoas do [[Extremo Oriente]]. Ao chegar às Américas, [[Cristóvão Colombo]] acreditou que havia encontrado um novo caminho para as [[Índias]] e chamou os nativos que encontrou de "índios".<ref>Schütz,{{citar Ricardo. [web|url=http://www.sk.com.br/sk-hist.html "|título=Word Histories"].|autor=Schütz, S&KRicardo|publicado=English -Made ESL.in Brazil}}</ref> O conceito de "índio" é, portanto, uma invenção europeia e de cunho depreciativo, pois não realça a diversidade dos povos indígenas.<ref>{{citar web |ultimo=D'Angelis |primeiro=Wilmar |url=https://kamuri.org.br/kamuri/no-brasil-ainda-tem-indio/ |titulo=No Brasil ainda tem “índio” |data=29 de março de -03-2017 |acessodata=24-10-2021 |website=Kamuri |wayb=20210729002618}}</ref> Os habitantes originais das Américas nunca se viram como um só povo. Pelo contrário, diferentes grupos indígenas nutriam grande animosidade e constantemente guerreavam entre si.<ref name="Ribeiro">{{Harvnb|Ribeiro, Darcy. [http://www.iphi.org.br/sites/filosofia_brasil/Darcy_Ribeiro_|2003|p=32-_O_povo_Brasileiro-_a_forma%C3%A7%C3%A3o_e_o_sentido_do_Brasil.pdf ''O Povo Brasileiro'']. Companhia de Bolso, 2003.34}}</ref> Uma "identidade indígena" só foi criada séculos depois, com a chegada dos europeus.<ref name="guia"/>{{fonte melhor}} A denominação mais conhecida das várias [[etnia]]s quase nunca é a forma como seus membros se referem a si mesmos, e sim o nome dado pelos brancos europeus ou por outras etnias, muitas vezes inimigas, que os chamavam de forma depreciativa, como é o caso dos [[caiapós]], denominação que lhes foi atribuída por povos [[tupis]] e que significa "semelhante a macaco".<ref>Povos{{citar Indígenas no Brasil. [web|url=http://pib.socioambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/quem-sao/sobre-o-nome-dos-povos "|título=Sobre o nome dos povos"]. |publicado=Instituto Socioambiental.|website=Povos Indígenas no Brasil|wayb=20081218152840|urlmorta=sim}}</ref>
 
== Origem ==
{{Artigo principal|Povos ameríndios|Povoamento das Américas|Arqueologia da América}}
[[Imagem:Journal.pone.0001596.g004.png|thumb|esquerda|Hipótese da colonização em três ondas migratórias]]
Todos os seres humanos sãodescendem descendentes dos mesmosde antepassados que habitaram a [[África]], local onde o ''[[Homo sapiens]]'' surgiu entre 100 e 200 mil anos [[antes do presente]] (AP). Por milhares de anos, a África foi o único lugar do mundo onde havia pessoas.<ref name="ComCiencia"/> As primeiras [[Hipótese da origem única|a saírem de lá]] o fizeram, acredita-se, há cerca de 50-60 mil anos, e a partir de então passaram a se espalhar pelo resto do mundo. Sua primeira irradiação foi para o [[Oriente Médio]], a única ligação terrestre da África com o restante do mundo, e dali as correntes migratórias se dispersaram: alguns seguiram para o oeste, atingindo a [[Europa]], enquanto que outra parcela rumou para o leste, atingindo a [[Ásia]]. O isolamento prolongado entre essas populações acabou por transformá-las, dando-lhes diferentes características físicas e hábitos de vida, adaptando-se a novos ambientes.<ref name=guia>Narloch, Leandro. ''Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil''. Leya, 2010, p. 317</ref>{{fonte melhor}}<ref>Harvnb|Liu, Hua et al. [http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0002929707631310 "A Geographically Explicit Genetic Model of Worldwide Human-Settlement History"]. In: |Prugnolle|Manica|Balloux|2006; 79 (2):|pp=230–237}}</ref>
 
Os povos das [[Américas]] (ameríndios) são descendentes do grupo que seguiu para o leste e que povoou a Ásia. Sua penetração na América foi explicada por várias teorias, e atualmente a mais aceita diz que a passagem foi feita através do [[estreito de Bering]], em data ainda controversa, mas durante a [[Idade do Gelo]].<ref name="Fagundes"/> Naquele tempo, com o declínio da temperatura mundial, o gelo do mundo se expandiu, rebaixando o [[nível do mar]] e expondo terra seca entre a [[península de Chukotka]], no extremo nordeste da Ásia, e a [[península de Seward]], na [[América do Norte]], criando [[Beríngia|uma ligação transitável]] entre os dois pontos. Com o fim da Idade do Gelo o nível do mar subiu, inundando a ligação dos dois continentes, impedindo novas migrações e separando as populações que ficaram na Ásia das que migraram para a América. Como não havia alternativa, essas pessoas continuaram se deslocando, ao longo de milhares de anos, rumo ao sul, povoando a [[América Central]] e a [[América do Sul]].<ref name="ComCiencia"/><ref name="Fagundes"/><ref name="Bandeira"/>
 
O mapa à esquerda ilustra a hipótese da colonização em três ondas migratórias com populações de diferentes regiões da Ásia, o chamado "Modelo de Berígia", proposto por Greenberg ''et alii'', bastante aceito na comunidade científica, embora não consensual.<ref name="Reevaluation"/><ref name="Battaglia"/> Em marrom, o mapa atual; em ocre, a terra variavelmente exposta na [[glaciação]], e a área em branco é o gelo terrestre entre 36 e 16 mil anos AP. Antes de c. 43 mil anos AP os nômades chegaram ao extremo leste da Ásia. Entraram na [[Beríngia]] e ali teriam ficado até c. 16 mil anos AP, bloqueados pelo gelo de progredir mais para o leste. O gelo avançou e recuou várias vezes neste período glacial, fazendo variar o nível do mar e alternativamente vedando ou abrindo acessos a pé seco. Ali o mar era raso e a exposição máxima de terra seca ocorreu entre 23 e 19 mil anos, abrindo um [[istmo]] de mais de mil quilômetros de largura. A inundação final da passagem aconteceu entre 12 e 11,3 mil anos AP.<ref name="Reevaluation"/><ref name="Hoffecker">{{Harvnb|Hoffecker, John F. & |Elias, Scott A. ''Human Ecology of Beringia''. Columbia University Press, |2013, |pp. =1-18}}</ref> Exatamente como e quando as passagens foram aproveitadas pelas populações nômades, em que número elas passaram, e que linhagens genéticas traziam, são as grandes incógnitas.<ref name="Fagundes"/><ref name="Reevaluation"/>
[[Imagem:Sambaqui, MAE-USP (2).JPG|thumb|Corte [[estratigrafia|estratigráfico]] de um [[sambaqui]], comum em assentamentos litorâneos de toda a América, com ossadas e camadas de conchas e artefatos]]
 
Durante muito tempo se julgou que os primeiros humanos a se fixarem na América haviam sido os chamados [[cultura Clóvis|povos de Clóvis]], instalados no [[Novo México]], [[Estados Unidos]], cujos registros mais antigos, reavaliados recentemente, teriam c. 13-14,5 mil anos,<ref name="Reevaluation"/><ref name="Battaglia"/> e sugerem uma entrada na América um pouco anterior. Contudo, essa teoria tem sido desacreditada nas últimas décadas,<ref name="Lourdeau"/><ref>Silveira,{{citar Evanildo da. [web|url=https://www.bbc.com/portuguese/geral-53504712?at_custom3|título=BBC+Brasil&at_medium=custom7&at_custom4=D4D8E944-CC3E-11EA-AE85-66363A982C1E&at_campaign=64&at_custom1=%5Bpost+type%5D&at_custom2=facebook_page&fbclid=IwAR2poquMnxiUTJcpJfy9kMdHKEoh7Kqq0xfKMNPbujjuMWSGumarQGiB1B0 "Pesquisa revela que América foi 'descoberta' milhares de anos antes do que se pensava"]. ''BBC''|autor=Silveira, Evanildo da|data=22/07/2020|website=BBC}}</ref> em função da descoberta de diversos sítios arqueológicos em várias partes do continente com datas ainda mais antigas,<ref name="Fagundes"/><ref name="Bandeira"/><ref name="Sheila"/> notadamente o sítio de [[Monte Verde (Chile)|Monte Verde]], no [[Chile]], que segundo Arkley Bandeira foi confirmado com 33 mil anos de antiguidade (outros discordam),<ref name="Bandeira"/><ref name="Battaglia"/> e o sítio de Pedra Furada, na [[Parque Nacional Serra da Capivara|Serra da Capivara]], para o qual têm sido propostas datações que variam de 30 a 50 mil anos AP.<ref name="Lourdeau">{{Harvnb|Lourdeau, Antoine. [https://www.scielo.br/scielo.php?pid|2019|pp=S1981-81222019000200367&script=sci_arttext&tlng=pt "A Serra da Capivara e os primeiros povoamentos sul-americanos: uma revisão bibliográfica"]. In: ''Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi — Ciências Humanas'', 2019; 14 (2)230–237}}</ref> Um trabalho do arqueólogo [[Juan Schobinger]] chega a apontar datas de até 100 mil anos para quatro assentamentos na América do Norte, e a historiadora Gabriela Martin, revisando o estudo, admitiu até 300 mil anos.<ref name="Bandeira"/> Isso dataria a migração antes de o corredor de terra seca e livre de gelo ter-se formado em torno de 14-15 mil anos AP, exigindo explicação alternativa para a passagem, mas não a torna impossível, podendo ter havido deslocamentos por mar ou pelo litoral.<ref name="Fagundes"/><ref name="Bandeira"/> Houve muitas mudanças no nível do mar em épocas remotas, e uma ligação intercontinental se formou e desapareceu muitas vezes.<ref name="Hoffecker"/> Se a passagem litorânea aconteceu, será difícil provar, pois depois das mudanças no nível do mar as evidências estarão hoje provavelmente sob mais de 100 metros de água.<ref name="Fagundes"/> Seja como for, resta muita insegurança na comunidade científica sobre quando o homem penetrou no continente pela primeira vez, sobre quantos foram, se isso aconteceu de uma só vez ou em ondas sucessivas, e como dali se desenhou o avanço para o sul.<ref name="ComCiencia">ComCiencia.{{citar [web|url=http://www.comciencia.br/reportagens/arqueologia/arq02.shtml "|título=Novos dados lançam dúvidas sobre o homem americano"]. SBPC, |data=10/09/2003|publicado=SBPC|website=ComCiencia|wayb=20031004110505|urlmorta=sim}}</ref><ref name="Fagundes">Fagundes, Nelson J. R. et al. [http://www.familytreedna.com/pdf/Fagundes-et-al.pdf "Mitochondrial Population Genomics Supports a Single Pre-Clovis Origin with a Coastal Route for the Peopling of the Americas"] {{WaybackHarvnb|url=http://www.familytreedna.com/pdf/Fagundes-et-al.pdf |dateKanitz|Eckert|Valls|2008|pp=20090325120035 1–10}}. In: ''The American Journal of Human Genetics'', 2008; 82:1–10</ref><ref name="Bandeira">{{Harvnb|Bandeira, Arkley Marques. [https://web.archive.org/web/20101114152333/http://www.fumdham.org.br/fumdhamentos7/artigos/21%20Arkley.pdf "O povoamento da América visto a partir dos sambaquis do Litoral Equatorial Amazônico do Brasil"]. II Simpósio Internacional O Povoamento das Américas. In: Fundação Museu do Homem Americano. ''FUNDHAMentos VII'', |2008, |pp. =431-468.}}</ref><ref name="Reevaluation"/><ref name="Sheila"/><ref name="Pivetta"/>
 
=== Genética ===
[[Imagem:Guajajaras (mãe e filho).jpg|thumb|Mãe [[guajajara]] com seu filho]]
Os vários estudos genéticos que têm sido realizados nos últimos anos trouxeram resultados divergentes, e a origem dos povos ameríndios continua centro de acesa controvérsia. Embora haja crescente opinião de que a povoação americana pode ter se dado antes do que se tem por certo até agora, em torno de 15-13 mil anos AP,<ref name="Fagundes"/><ref name="Bandeira"/><ref name="Reevaluation"/> datas anteriores a 30 mil anos são consideradas muito improváveis. Tecnicamente falando, entretanto, se considerarmos a metade oriental da antiga Beríngia como parte da América — sendo efetivamente agora o [[Alasca]] — o ser humano poderia ter posto seu pé no que hoje é América desde o início deste limite cronológico máximo, e, com mais possibilidade, em torno de 20 mil anos AP.<ref name="Goebel1"/><ref>{{Harvnb|Erlandson, Jon et al. "Who Were the First Californians?" In: |Rick|Jones, Terry L. & Klar, Kathryn. ''California Prehistory: Colonization, Culture, and Complexity''. Rowman Altamira / Society for California Archaeology, |Porcasi|2007, |pp. =61-62}}</ref><ref>Guimarães, Maria.{{citar [web|url=http://revistapesquisa.fapesp.br/2012/07/11/um-novo-roteiro-para-invas%C3%A3o-da-am%C3%A9rica/ "|título=Um novo roteiro para o povoamento da América"]. In: ''Pesquisa Fapesp''|autor=Guimarães, Maria|data=11/07/2012|website=Pesquisa (Fapesp|número=17)}}</ref>
 
De acordo com um estudo de 2007 (Tamm ''et alii''), focado no [[DNA mitocondrial]] (aquele que é herdado pela linhagem materna, e o mais usado nas pesquisas sobre evolução humana),<ref name="Reevaluation"/> revelou que os nativos do continente americano têm sua ancestralidade materna traçada a um pequeno número de linhagens do leste asiático. De acordo com o estudo, é provável que os antepassados dos ameríndios tenham ficado por um tempo considerável no istmo da [[Beríngia]], isolados pelo gelo de progredir para o leste, cujo derretimento posterior teria permitido uma rápida migração para o sul.<ref name="Tamm">{{Harvnb|Tamm, Erika et al. [http://www.plosone.org/article/info:doi/10.1371/journal.pone.0000829?imageURI|Kivisild|Reidla|Metspalu|2007|p=info:doi/10.1371/journal.pone.0000829.g002 "Beringian Standstill and Spread of Native American Founders"]. In: ''Plos One'', 2007; 2(9): e829}}</ref> Um outro estudo genético recente de [[DNA autossômico]], de 2012 (Reich ''et alii''), a partir de centenas de milhares de marcadores genéticos, os ameríndios descendem de pelo menos três correntes provenientes do leste asiático. A grande maioria dos ameríndios descenderia de uma população ancestral única, chamada "primeiros americanos". Contudo, os que falam as línguas [[esquimó]] do Ártico herdaram quase metade da sua ancestralidade de uma segunda corrente vinda do leste asiático, e os que falam as [[línguas na-dene]], no [[Canadá]], por sua vez, herdaram a décima parte da sua ancestralidade de uma terceira corrente. O povoamento inicial seguiu uma expansão para o sul, pela costa, com pouco [[fluxo genético]] posterior, especialmente na América do Sul.<ref>{{Harvnb|Reich, David et al. [http://www.nature.com/nature/journal/v488/n7411/abs/nature11258.html "Reconstructing Native American population history"]. In: ''Nature'', |Patterson|Campbell|Tandon|2012; (488):|pp=370–374}}</ref> Análises linguísticas corroboram esses resultados, tendo sido encontradas similaridades entre as línguas faladas na [[Sibéria]] e aquelas faladas no continente americano.<ref>{{citar periódicoHarvnb|url=https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0045198|título=Abstract Profiles of Structural Stability Point to Universal Tendencies, Family-Specific Factors, and Ancient Connections between Languages|primeiro1 =Stephen C.|último1 =Levinson|primeiro2 =Dan|último2 =Dediu|data=20 de setembro de 2012|publicado=|periódico=PLOS ONE|volume=7|número=9|páginasp=e45198|via=PLoS Journals|doi=10.1371/journal.pone.0045198|pmid=23028843|pmc=3447929}}</ref>
 
Um estudo genético autossômico de 2015 deu apoio à teoria da origem siberiana dos ameríndios através de uma única onda migratória, porém tendo sido detectada uma ancestralidade antiga compartilhada com os nativos da Austrália e Melanésia, ainda identificável em indígenas da região Amazônica. A migração teria acontecido não antes de 23 mil anos AP, e o isolamento na Beríngia não teria durado mais de 8 mil anos. Foi apontado também que em torno de 13 mil anos AP teriam se formado duas linhagens genéticas principais, uma espalhada por todo o continente, e outra restrita à América do Norte.<ref>{{Harvnb|Raghavan, Maanasa ''et al''. [http://www.sciencemag.org/content/early/2015/07/20/science.aab3884.full.pdf "Genomic evidence for the Pleistocene and recent population history of Native Americans"]. In: ''ScienceXpress'', 21/07/|Steinrücken|Harris|Schiffels|2015|pp=1-6}}</ref> Outro estudo, porém, considerou uma origem a partir de duas populações diferentes.<ref>{{Harvnb|Skoglund, Pontus ''et al''. [http://www.nature.com/nature/journal/vnfv/ncurrent/full/nature14895.html "Genetic evidence for two founding populations of the Americas"]. In: ''Nature Letter'', 21/07/|Mallick|Bortolini|Chennagiri|2015|pp=104–108}}</ref> De acordo com o sumário de Goebel, Waters & O'Rourke, aceito por alguns outros autores, "as evidências correntes implicam uma dispersão a partir de uma única população siberiana através da ponte de terra da Beríngia.... não antes de c. 30 mil anos AP (possivelmente depois de 20 mil anos AP), e então uma migração da Beríngia para as Américas em algum momento depois de 16,5 mil anos AP".<ref name="Reevaluation">{{Harvnb|Fagundes N. J. R.; |Kanitz, R. & |Bonatto, S. L. [http://www.plosone.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0003157 "A Reevaluation of the Native American MtDNA Genome Diversity and Its Bearing on the Models of Early Colonization of Beringia"]. In: ''PLoS ONE'' |2008; 3(9): |p=e3157}}</ref><ref name="Battaglia"/><ref name="Goebel1">{{Harvnb|Goebel, Ted; |Waters, Michael R. & |O'Rourke, Dennis H. "The Late Pleistocene Dispersal of Modern Humans in the Americas". In: ''Science'', |2008: 319 (5869):|pp=1497-1502}}</ref> Fagundes, Kanitz & Bonatto dizem que uma passagem terrestre só poderia sustentar uma [[população viável|população humana viável]] depois de 14 mil anos AP,<ref name="Reevaluation"/> e segundo Battaglia ''et alii'', a entrada na América do Sul deveria ter ocorrido entre 12 e 11 mil anos AP.<ref name="Battaglia"/>
 
De acordo com um estudo genético de 2016, uma pequena população teria adentrado as Américas, seguindo a costa, por volta de 16 mil anos atrás, após um período anterior de isolamento no leste da Beríngia de 2,4 a 9 mil anos antes da separação de populações do leste da Sibéria. Seguindo um rápido movimento através das Américas, um fluxo genético limitado na América do Sul resultou em uma estrutura genética bem marcada, a qual persistiu durante o tempo. Todas as linhagens mitocondriais presentes no estudo estão ausentes dos descendentes de indígenas modernos, sugerindo uma alta taxa de extinção: aplicada uma análise, verificou-se que a colonização europeia causou uma perda substancial de linhagens pré-colombianas.<ref>[http://advances.sciencemag.org/content/advances/2/4/e1501385.full.pdf Linhagens antigas de DNA mitocondrial revelam a escala temporal de povoamento das Américas, {{Harvnb|Llamas|Fehren-Schmitz|Valverde|Soubrier|2016]|pp=1-7}}</ref>
 
A arqueologia e a genética também não se acham em perfeita concordância, de modo que a polêmica persiste. O material genético de referência disponível é limitado e divergente, enfraquecendo as conclusões possíveis.<ref name="Fagundes"/><ref name="Bandeira"/><ref name="Reevaluation"/><ref name="Battaglia">{{Harvnb|Battaglia, V. et al. [http://www.plosone.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0071390 "The First Peopling of South America: New Evidence from Y-Chromosome Haplogroup Q"]. In: ''PLoS ONE'', |Grugni|Perego|Angerhofer|2013; 8(8): |p=e71390}}</ref> O que parece claro é que os seres humanos foram extremamente rápidos no seu avanço, e em apenas três milênios havia pessoas ocupando todo o continente americano e chegavam à [[Terra do Fogo]], seu extremo sul, se adaptando aos mais variados [[habitat]]s e modificando-os sensivelmente.<ref name="Oliveira"/><ref>{{Harvnb|Canclini, Arnoldo. ''Así nació Ushuaia''. Editorial Dunken, |2009, |pp. =11-13}}</ref>
 
=== Ocupação do Brasil ===
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[[Imagem:Crânio de Luzia.jpg|miniatura|left|O [[crânio]] de Luzia exposto no [[Museu Nacional (Brasil)|Museu Nacional do Brasil]].]]
 
A forma de ocupação do atual território brasileiro, como se pode deduzir, é igualmente incerta. No sítio da [[Lapa Vermelha]], na região arqueológica de [[Lagoa Santa (Minas Gerais)|Lagoa Santa]], em [[Minas Gerais]], foi encontrado um [[cemitério]] datado em pouco mais de 10 mil anos, estudado primeiramente por [[Peter Lund]] no {{séc|XIX}}. Muitas outras pesquisas se sucederam. [[Annette Laming-Emperaire]], na década de 1970, encontrou ali o [[fóssil]] batizado de [[Luzia (fóssil)|Luzia]].<ref name="Sheila"/><ref name="Pivetta"/> Parte de uma população conhecida como [[Homem de Lagoa Santa|povo de Lagoa Santa]], Luzia foi tida como a mais antiga brasileira já encontrada, com idade estimada por Feathers ''et alii'', a partir de evidências indiretas, em até 16,4 mil anos,<ref>{{Harvnb|Feathers, James et alii. [http://www.producao.usp.br/handle/BDPI/32201 "How old is Luzia? Luminescence dating and stratigraphic integrity at Lapa Vermelha, Lagoa Santa, Brazil"]. In: ''Geoarchaeology'', |Kipnis|Piló|Arroyo-Kalin|2010; 25 (4): 395–436.|pp=431–432}}</ref> mas há dúvidas sobre essa antiguidade, aceitando-se em geral c. 11,5 mil anos. Pensava-se que Luzia, bem como outros esqueletos ali encontrados, possuísse traços [[negroide]]s típicos de povos da [[Austrália]] e [[Melanésia]], contrastando com o [[fenótipo]] [[mongoloide]] que define os ameríndios em geral, e apontando para linhagens genéticas alternativas. Achados em vários outros locais de todo o continente, embora não tão antigos, confirmam uma presença precoce do tipo negroide na América, bem antes da chegada dos primeiros africanos no {{séc|XVI}}, através da escravidão imposta pela colonização portuguesa.<ref name="Sheila"/><ref>{{Harvnb|Neves, Walter A. & |Hubber, Mark. [http://www.pnas.org/content/102/51/|2005|pp=18309.full "Cranial morphology of early Americans from Lagoa Santa, Brazil: Implications for the settlement of the New World"]. In: ''PNAS'', 2005; 102 (51)-18314}}</ref><ref>Pivetta,{{citar Marcos. [web|url=http://revistapesquisa.fapesp.br/2012/08/22/a-am%C3%A9rica-de-luzia/ "|título=A América de Luzia"]. In: ''Pesquisa Fapesp''|autor=Pivetta, EdiçãoMarcos|data=maio Especialde 50 Anos da2012|website=Pesquisa Fapesp.}}</ref><ref name="Melatti"/> Contudo, a análise do DNA realizada por pesquisadores da [[Universidade de São Paulo]], da [[Universidade Harvard]] e do [[Sociedade Max Planck|Instituto Max Planck]] mostrou que o código genético do povo de Lagoa Santa é semelhante ao de todos os povos indígenas da América e, neste caso, as feições seriam mongoloides.<ref name="G1">Menezes,{{citar César. [web|url=https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2018/11/08/estudo-contradiz-teoria-de-povoamento-da-america-e-sugere-que-rosto-de-luzia-era-diferente-do-que-se-pensava.ghtml "|título=Estudo contradiz teoria de povoamento da América e sugere que rosto de Luzia era diferente do que se pensava"]. ''G1''|autor=Menezes, César|data=08/11/2018|website=G1}}</ref>
[[File:SERRA DA CAPIVARA05 b crânio humano.jpg|thumb|Crânio escavado no sítio da Pedra Furada.]]
 
Na Pedra Furada, como foi dito, as datações podem chegar a 50 mil anos AP, e quatro outros sítios na área foram datados com 18 a 14 mil anos AP.<ref name="Lourdeau"/> Achados em [[São Raimundo Nonato]], no [[Piauí]], dão cronologias que se estendem a até 48 mil anos antes do presente, e especula-se que camadas inferiores já identificadas mas ainda não exploradas poderiam revelar fósseis de até 60 mil anos. O extremo sul do Brasil parece ter sido atingido primeiro pelos [[Tradição Umbu|povos umbu]], que deixaram registros datados com 12,7 mil anos de idade. Mas essas datações também têm sido questionadas.<ref name="Fagundes"/><ref name="Bandeira"/><ref name="Sheila">{{Harvnb|Souza, Sheila M. F. Mendonça de ''et al''. [https://web.archive.org/web/20141227082054/http://www.arqueologia.mn.ufrj.br/docs/papers/sheila/LagoaSantaNossaOrigem.pdf "Revisitando a discussão sobre o Quaternário de Lagoa Santa e o povoamento das Américas: 160 anos de debates científicos"]. In: Silva, H.P. & |Rodrigues-Carvalho, C. (orgs.). ''Nossa Origem''. Vieria & Lentz, |Silva|Locks|2006, |pp. =19-43}}</ref><ref name="Pivetta">Pivetta,{{citar Marcos & Zorzetto, Ricardo. [periódico|url=http://revistapesquisa.fapesp.br/2012/05/11/walter-neves-o-pai-de-luzia/ "|título=Walter Neves: O pai de Luzia"].|autor=Pivetta, In: ''Pesquisa Fapesp''Marcos|autor2=Zorzetto, Ricardo|ano=2012;|website=Pesquisa (Fapesp|wayb=20121108084855|número=195)}}</ref><ref name="Oliveira">{{Harvnb|Oliveira, Lizete Dias de. [http://books.google.com.br/books?id=Qp_ynR28A0EC&pg=PA21&lpg=PA21&dq=tradi%C3%A7%C3%A3o+umbu&source=bl&ots=eJZEpiiUxs&sig=oTYNRWo-y6R1y1sW6DCW5m0EqVE&hl=en&sa=X&ei=TjPKUbv8IIzO0QHWoYFQ&ved=0CGoQ6AEwBjgK#v=onepage&q=umbu&f=false "Síntese Histórica do Povoamento do Rio Grande do Sul"]. In: Silveira, Elaine da & Oliveira, Lizete Dias de (orgs.). ''Etnoconhecimento e Saúde dos Povos Indígenas do Rio Grande do Sul''. Editora da ULBRA, |2005, |p. =11.}}</ref><ref name="Melatti">{{Harvnb|Melatti, Julio Cezar. [http://books.google.com.br/books?id=6MZRNldDlnoC&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false ''Índios do Brasil'']. EdUSP, |2007, |pp. =18-20}}</ref><ref>{{Harvnb|Dias, Adriana Schmidt & |Jacobus, André Luiz. [http://leiaufsc.files.wordpress.com/2013/03/4-3b-dias-a-s-jacobus-a-quc3a3o-antigo-c3a9-o-povoamento-do-sul-do-brasil.pdf "Quão Antigo é o Povoamento do Sul do Brasil?"]. In: ''Revista do Cepa'', |2003; 27 (38):|pp=39-67}}</ref>
 
O Brasil, ao ser formado pela migração de ameríndios, africanos e europeus (a partir do século XVI) e asiáticos (a partir do século XX) tornou-se um ponto de "reencontro" dessas pessoas que, apesar de terem a mesma origem ancestral, ficaram separadas durante milênios devido às migrações para diferentes partes do mundo. Esses milênios de separação criaram diferenças culturais, linguísticas e fenotípicas, em decorrência da adaptação de cada grupo a meios ambientais completamente diferentes. Apesar dessas diferenças serem muitas vezes interpretadas como formadoras de "raças" humanas diferentes, do ponto de vista genético o conceito de raça é infundado.<ref name="Pena">{{Harvnb|Pena, Sérgio D. J. & |Bortolini, Maria Cátira. [http://www.scielo.br/scielo.php?script|2004|pp=sci_arttext&pid=S010331-40142004000100004 "Pode a genética definir quem deve se beneficiar das cotas universitárias e demais ações afirmativas?"]. In: ''Estudos Avançados'', 2004; 18 (50)}}</ref>
 
== As sociedades tradicionais ==
{{Artigo principal|Cultura indígena do Brasil|Arte indígena brasileira|Jogos dos Povos Indígenas|Línguas indígenas do Brasil|Música indígena brasileira|Arte plumária dos índios brasileiros|Mitologia guarani}}
 
=== Diversidade e unidade ===
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[[File:Zoólito em forma de peixe - Sambaqui de Santa Catarina MN 01.jpg|thumb|Peça de pedra polida em forma de peixe da cultura [[Sambaqui]]]]
 
Como base do entendimento sobre a cultura indígena é preciso saber que não há uma cultura indígena unificada. Cada povo ao longo de milênios desenvolveu modos próprios de compreender e de se relacionar com o mundo, que se expressam em tradições religiosas, artesanato, músicas, hábitos sociais e festejos peculiares, entre outros aspectos, e entrar em detalhes sobre cada [[etnia]] e cada grupo seria impossível no escopo deste artigo.<ref>{{Harvnb|Coelho, Luís Fernando Hering. ''A nova edição de "Why Suya sing", de Anthony Seeger, e alguns estudos recentes sobre música indígena nas Terras Baixas da América do Sul''. Universidade Federal de Santa Catarina, |2007.</ref><ref name|pp="Sedoguch">Sedoguch, Fabiana Barbosa. ''Tecelagem, Trançado e Arte Plumária. Um paralelo entre a artêxtil indígena e a arte contemporânea''. Museu do Índio – Instituto de História – UFU, s/d.</ref><ref name="Dolabella">Dolabella, Renato Melo et alii. ''Arte Plumária: índios Brasileiros''. Grupo de Estudo do Projeto Experimental Artesanato. UFMG. s/d237-249}}</ref><ref name="Montardo">{{Harvnb|Montardo, Deise Lucy Oliveira. "A Música como Caminho no repertório do Xamanismo Guarani". In: ''Anthropológicas'', |2006; ano 10, 17 (1):|pp=115-134.}}</ref><ref name="Bessa">Freire,{{citar José Ribamar Bessa. [web|url=http://www.conexaoaluno.rj.gov.br/especiais-19f.asp "|título=Cinco Equívocos sobre a Cultura Indígena Brasileira"].|autor=Freire, In:José ''Ribamar Bessa|ano=2000|website=Cenesch — Revista do Centro de Estudos do Comportamento Humano'', 2000; 1:|páginas=17-33|wayb=20090420052355|urlmorta=sim}}</ref><ref>Piedade, Acácio Tadeu de Camargo. name="Reflexões a partir da etnografia da música dos índios WaujaPiedade". In: ''Anthropológicas'', >{{Harvnb|Piedade|2006; ano 10, 17(1): |pp=35-48.}}</ref>
 
As descrições quinhentistas e seiscentistas sobre o modo de vida dos indígenas brasileiros foram feitas pelos colonizadores, seus relatos tratam em geral dos povos [[tupis]], e são limitados em muitos aspectos. Sendo culturas que nunca haviam entrado em contato, houve muita incompreensão e imprecisão de parte dos primeiros observadores.<ref name="Fernandes1">{{Harvnb|Fernandes, Florestan. "Antecedentes Indígenas: organização social das tribos tupis". In: Hollanda, Sérgio Buarque de (ed.). ''História Geral da Civilização Brasileira. Tomo I: A Época Colonial. Vol. 1: Do descobrimento à expansão territorial''. Difel, |1976, 5ª ed., |pp. =72-86}}</ref> Até onde se sabe, viviam uma vida basicamente de [[caçadores-coletores]] [[nômade]]s, com uma [[cultura material]] reduzida a armas e ferramentas — sobrevivendo grande acervo de pontas de flecha e lança, machados e outros artefatos em [[pedra lascada]] e osso — formas de sepultamento e apetrechos pessoais, incluindo adornos corporais com conchas, pedras, sementes, etc. Aos poucos aparecem objetos em [[pedra polida]] de progressiva sofisticação, [[arte rupestre|registros rupestres]] e logo artefatos em [[cerâmica]] e pedra esculpida (estes, raros), além de evidências de práticas agrícolas, indicando algum grau de [[sedentarização]], definindo o modelo abaixo descrito, que corresponde, numa grande generalização, à provável realidade dos indígenas brasileiros no {{séc|XVI}}. Mas esta evolução não foi linear, e os diferentes povos foram encontrados pelos colonizadores vivendo variadas formas de cultura, uma diversidade que perdura até hoje e continua em transformação. Nenhuma das atuais etnias do Brasil ainda conserva sua cultura como era no tempo do Descobrimento. A despeito dessas diferenças, há também características básicas comuns.<ref name="Battaglia"/><ref name="Schmitz"/><ref name="rr">{{Harvnb|Ribeiro, Darcy & |Ribeiro, Bertha. "Arte plumária dos Índios Kaapor". In ''Educação em Linha: Índios, os primeiros brasileiros'', 2010; IV (13)|1957}}</ref><ref name="Itamaraty">Departamento{{citar Cultural do Ministério das Relações Exteriores - Itamaraty. [web|url=http://dc.itamaraty.gov.br/imagens-e-textos/revista1-mat5.pdf ''|título=A Cultura dos Povos Indígenas''].|publicado=Departamento GovernoCultural do Brasil.Ministério das Relações Exteriores - Itamaraty|wayb=20141227081055|urlmorta=sim}}</ref><ref>{{Harvnb|Dorta, Sonia Ferraro & |Cury, Marília Xavier. ''A plumária indígena brasileira no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP''. EdUSP, |2000. |pp. =35-38}}</ref>
 
O Portal Brasil, com dados do Censo de 2010, indica que ainda vivem no país mais de 300 etnias, que falam mais de 270 línguas, mas esses números variam conforme os critérios utilizados.<ref name="pop">"{{citar web|url=https://www.douradosagora.com.br/2012/08/13/brasil-tem-quase-900-mil-indios-de-305-etnias-e-274-idiomas/|título=Brasil tem quase 900 mil índios de 305 etnias e 274 idiomas". Portal Brasil, 10|data=13/08/2012|publicado=Dourados Agora}}</ref> O [[Ministério da Justiça (Brasil)|Ministério da Justiça]], por exemplo, apontava cerca de 218 etnias e 180 línguas em 2007.<ref>Ministério{{citar da Justiça do Brasil. [web|url=http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJA63EBC0EITEMID7AFC6B98232B490F84EA7F4BC4380251PTBRNN.htm "|título=Etnias Indígenas"], |ano=2007.</ref><ref>|publicado=Ministério da Justiça do Brasil.|wayb=20100313184750|urlmorta=sim}}</ref><ref>{{citar [web|url=http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJA63EBC0EITEMIDC1A21A1B713340BD99FDF7CB4CDF81C6PTBRNN.htm "|título=Diversidade das Línguas Indígenas"], |ano=2007.|publicado=Ministério da Justiça do Brasil|wayb=20100313184606|urlmorta=sim}}</ref> Essa riqueza linguística deixou grande contribuição à cultura nacional em nomes de pessoas e lugares, como [[Curitiba]], [[Piauí]], Ubirajara e Iracema, em nomes de plantas ou animais como caju, jacaré, abacaxi, tatu.<ref name="Museu">Museu{{citar do Ìndio. [httpweb|url=https://prodocredeglobo.museudoindioglobo.gov.brcom/noticiasgloboecologia/retorno-de-midianoticia/2012/03/66-influencia-da-cultura-indigena-em-nossa-vida-vai-de-nomes-a-medicina ".html|título=Influência da cultura indígena em nossa vida vai de nomes à medicina"], março/|data=30-03-2012.|publicado=Rede Globo|wayb=20120503004059}}</ref> O número de vocábulos tupis incorporados ao português do Brasil é alto, alcançando, segundo estimativas, o número de 20 mil palavras.<ref name="Manso">Manso,{{citar Bruno Paes. [web|url=http://www.usp.br/agen/17dez.htm "|título=Tupi or not tupi"]. ''Veja''|autor=Manso, Bruno Paes|data=26/12/198.1998|website=USP|publicado=Veja|wayb=20001208164600|urlmorta=sim}}</ref>
 
=== Organização da aldeia e sustento ===
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[[Imagem:Beiju de folha; beiju molhado.JPG|thumb|esquerda|Beiju servido sobre folhas de bananeira]]
 
As comunidades viviam em [[tribo]]s, uma entidade organizacional complexa composta de várias aldeias ligadas por parentesco e por interesses comuns. Cada aldeia consistia de um grupo de habitações coletivas, as chamadas [[oca]]s ou malocas, dispostas em relação a uma praça que podia ser o centro ou não, e que era destinada a atividades comunitárias como celebrações, rituais, assembleias e outras. No centro da praça podia haver uma oca destinada a atividades exclusivamente masculinas. Em cada habitação moravam muitos casais com suas famílias, podendo abrigar de 50 a 200 indivíduos, e em muitos casos, bem mais. As ocas eram construídas com um arcabouço de madeira inteiramente fechado com palha, deixando de uma a três aberturas para circulação.<ref name="Fernandes1"/> Em geral eram estruturas alongadas e altas, mas podiam assumir variadas formas e tamanhos, e algumas tribos, como os [[marubo]] e os [[ianomâmis]], construíam apenas uma, onde residiam todas as pessoas da aldeia.<ref>Povos Indígenas no Brasil.{{citar [httpweb|url=https://pib.socioambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/modos-de-vida/habitacoes "Habita%C3%A7%C3%B5es|título=Habitações"]. |publicado=Instituto Socioambiental.|website=Povos Indígenas no Brasil}}</ref>
 
A maior parte da vida familiar se desenvolvia no interior das ocas, que possuíam divisões internas mínimas ou nenhuma. Com esta conformação, nada podia ser segredo para ninguém e tudo era feito à vista de todos, inclusive o intercurso sexual dos casais. À noite acendiam fogueiras e dormiam em redes. Uma descrição de [[Pero de Magalhães Gândavo]], corroborada por outros cronistas, assim mostra o cotidiano no interior das habitações: "Em cada casa vivem todos muito conformes, sem haver nunca entre eles nenhumas diferenças: antes são todos amigos uns dos outros, que o que é de um é todos, e sempre de qualquer coisa que um coma, por pequena que seja, todos os circunstantes hão de participar dela". [[Jean de Léry]] relatou que "mostram os selvagens sua caridade natural presenteando-se diariamente uns aos outros com veações, peixes, frutas e outros bens do país, e prezam de tal forma essa virtude que morreriam de vergonha se vissem o vizinho sofrer falta do que possuem". [[Florestan Fernandes]] acrescentou: "O mesmo padrão básico de cooperação vicinal aplicava-se às relações dos membros das malocas que faziam parte de um grupo social. Os produtos da caça, da pesca, da coleta e das atividades agrícolas pertenciam à parentela que os conseguisse".<ref name="Fernandes1"/>
 
Quando a aldeia ficava próxima de inimigos, era cercada por [[paliçada]]s de troncos de árvores. Entre as paliçadas eram cavados fossos disfarçados com ramos e folhas, e, no fundo, eram fincadas estacas pontiagudas. Algumas tribos, como os [[aimorés]], não construíam aldeias. Simplesmente limpavam uma área e dormiam debaixo das árvores, mantendo, à noite, fogueiras acesas.<ref name=referenciaum>{{Harvnb|Salvador, Frei Vicente do. ''História do Brasil 1500-1627''. São Paulo: Edições Melhoramentos, |1965. 5ª ed.}}</ref> Outros, como os [[tucano]], organizavam-se em núcleos familiares mais ou menos independentes, estabelecendo aldeias e habitações pequenas.<ref name="Phillips"/>
 
Viviam da caça, da pesca e da [[agricultura de subsistência]], mudando periodicamente a instalação das aldeias conforme o declínio dos [[recursos naturais]] disponíveis no entorno. O abandono de áreas exploradas possibilitava sua recuperação natural.<ref name="Schmitz"/><ref name="Ramos"/><ref name="Machado2"/> Como precisavam de poucos bens materiais, e obtinham tudo diretamente de uma Natureza exuberante, a [[pobreza]] era desconhecida no cotidiano, sempre havia o bastante para todos viverem felizes e saudáveis, com uma cultura fortemente baseada na [[troca]] e na distribuição equitativa de excedentes. Carências e fome só ocorriam em situações de crise geral, como nas [[epidemia]]s, que despovoavam as aldeias desestruturando suas cadeias produtivas, ou nas secas, que afetavam negativamente o ambiente de grandes regiões.<ref name="Schmitz"/><ref name="RamosArca">Ramos,{{citar Rita. [web|url=http://institutoarcadenoe.antropos.comorg.br/v3arca/index.php?optionpage_id=com_content&view93|título=article&idSociedade Indigena|publicado=493&catid=35&Itemid=3Instituto "SociedadesArca Indígenasde - Resumo"]. Instituto Antropos, 20/02/2009Noé|urlmorta=sim|wayb=20131203042440}}</ref><ref name="Arca"/>
 
Tinham amplo conhecimento da produção de bebidas fermentadas a partir de tubérculos, raízes, folhas, sementes e frutos como o milho, mandioca, batata-doce, buriti, caju, amendoim, banana, ananás.<ref>{{Harvnb|Cavalcante, Messias Soares. ''A verdadeira história da cachaça''. São Paulo: Sá Editora, |2011.}}</ref> Deixaram forte herança na culinária brasileira, com pratos à base de mandioca e milho, tais como a [[pamonha]] e o [[beiju]], e também com o guaraná, palmito, batata-doce, cará, pinhão, cacau, amendoim, caruru, serralha, mamão, araçá e caju, embora haja dezenas de outros hoje pouco comuns ou de conhecimento apenas regional, como o abajeru, apé, araticum, azamboa, bacaba, bacupari, camboim, cambucá, curuanha, curuiri, guti, grumixama, guapuronga, mocurí, mundururu, murici, ubucaba e umari. Outros vegetais introduzidos pelos indígenas foram fibras como o algodão, o tucum, gramíneas, bambus e o guaratá bravo para fabrico de tecidos, ornamentos e cestaria; para fazer vassouras, a piaçava; gêneros de abóboras para produzir [[cabaça]]s, usadas para armazenar água ou farinha. Dos alimentos derivados de animais, destacam-se os de tartarugas e seus ovos, como o arabu, o abunã, o mujanguê e o paxicá; de peixes, como a [[paçoca]] e o [[moquém]] (também podem ser de outros animais), o [[piracuí]], a [[moqueca]] e a [[mixira]].<ref name="Museu"/><ref>{{Harvnb|Freyre, Gilberto. ''Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal''. São Paulo: Global, |2006. 51ª edição, |pp. =163-165.}}</ref>
 
=== Estrutura social e familiar ===
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[[Imagem:Eduardo Jun 1999 1.jpg|thumb|Índia [[ianomâmis|ianomâmi]] em sua rede tecendo uma cesta, tendo ao regaço seu filho pequeno]]
 
Suas sociedades eram comunais, sem [[propriedade privada]] em larga escala, bastante igualitárias e descentralizadas, ainda que [[Estratificação social|estratificadas]], com papéis sociais nítidos e excludentes, com divisão de trabalho e ''status'' em moldes tradicionais, embora algumas culturas fossem bastante livres neste aspecto, permitindo grandes intercâmbios de funções. Lideranças ou outras funções de prestígio às vezes eram transmitidas em caráter hereditário,<ref name="Schmitz"/><ref name="Ramos"/><ref name="Machado2"/><ref name="Junges">Junges,{{citar Márcia. [web|url=http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3810&secao=359 "|título=A importância da mulher na sociedade kaiowá"].|autor=Junges, Márcia|publicado=Instituto Humanitas, Unisinos.|wayb=20140802050237|urlmorta=sim}}</ref> mas em geral os critérios decisivos eram a competência, o prestígio e o carisma pessoal.<ref name="Colaço"/> Costumavam venerar os ancestrais e tinham respeito pela autoridade e sabedoria dos líderes, dos anciãos e dos [[pajé]]s, que se responsabilizavam pelas tarefas administrativas superiores da tribo, incluindo a aplicação da Justiça e a condução de ritos e festejos coletivos.<ref name="Schmitz"/><ref name="Arca"/><ref name="Com Ciência">Com{{citar Ciência. [web|url=http://www.comciencia.br/reportagens/envelhecimento/texto/env06.htm "|título=Anciãos transmitem cultura indígena"]. |ano=2002|publicado=SBPC/Labjor,|website=Com 2002.Ciência}}</ref> As tribos mantinham-se coesas for fortes laços de parentesco e reciprocidade.<ref name="Schmitz"/><ref name="Colaço"/> O poder era exercido principalmente através da persuasão e da cortesia, de forma colegiada entre os maiorais, os pajés e anciãos, sendo raras as decisões autocráticas do líder principal salvo em emergências coletivas; podia envolver oferta de presentes e outras benesses ao grupo, e líderes tirânicos não permaneciam muito tempo na função. Para que pudessem exercer sua generosidade, os líderes recebiam serviços e bens diversos da comunidade.<ref name="Colaço"/> Seu contato com outras tribos, mediado geralmente por essa elite, se dava através de relações de comércio, cortesia, comemoração, ritual, cooperação, parentesco ou afinidade, aliança e conflito.<ref name="Machado2"/><ref>Ferreira, Andrey Cordeiro. [http://www.ifch.unicamp.br/ihb/Textos/GT48Andrey.pdf "Conquista Colonial, Resistência Indígena e Formação do Estado-Nação: os índios Guaicuru e Guaná no Mato Grosso do {{sécHarvnb|Ferreira|XIX}}"]. In: ''Revista de Antropologia'', 2009; 52 (1):|pp=97-136}}</ref><ref name="Redes">Povos{{citar Indígenas no Brasil.[httpweb|url=https://pib.socioambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/modos-de-vida/redes-indigenas-de-relacoes "Redes_ind%C3%ADgenas_de_rela%C3%A7%C3%B5es|título=Redes indígenas de relações"]. |publicado=Instituto Socioambiental.|website=Povos Indígenas no Brasil}}</ref> Guerras entre indígenas foram comuns antigamente, se registram ciclos de alternância de poder entre vários cacicados poderosos ao longo dos séculos.<ref name="Machado2"/>
 
Os homens cuidavam da guerra, da caça, da pesca, da liderança tribal e relações externas, da construção das estruturas físicas da aldeia, das canoas e armas, de certos tipos de arte e ornamentos corporais, da produção do fogo, dos ritos [[xamã|xamânicos]] (que incluíam práticas medicinais) e da derrubada das matas para as lavouras. Às mulheres cabia o plantio, a colheita, o preparo de alimentos, a fabricação de utensílios domésticos, tecidos e adornos, a preservação do fogo, a limpeza e organização das ocas, a criação de animais, o cuidado inicial da prole e dos mais velhos, e colaboravam na caça e na pesca coletando os animais. Sua sociedade impunha um pesado fardo às mulheres em múltiplos trabalhos, alguns muito pesados, mas delas dependia parte essencial do sustento da tribo e desempenhavam um papel fundamental na localização do homem no tecido social e na preservação do seu conforto pessoal, a ponto de o padre [[José de Anchieta]] dizer que se um homem não tivesse mulher era um pobre coitado. A educação das crianças era compartilhada por todos os habitantes da aldeia, e estimulava-se a autonomia. Certas atividades podiam ser discriminadas por idade. Não havia [[escravidão]] para obtenção de mão de obra, embora fizessem prisioneiros de guerra. Para trabalhos de grande vulto o sistema do mutirão era a prática usual.<ref name="Fernandes1"/><ref name="Schmitz"/><ref name="Arca">Instituto Arca de Noé. [http://arcadenoe.org.br/arca/?page_id=93 "Sociedade Indigena"].</ref><ref name="Junges"/>
 
A família podia ser [[Monogamia|monogâmica]] ou [[Poligamia|poligâmica]], com predomínio da [[poliginia]]. O casamento não era uma ligação perene nem muito sólida, o [[divórcio]] era frequente e fácil, e os maridos podiam usar as mulheres como moeda de troca. O relacionamento entre as várias esposas de um mesmo homem podia gerar atritos e ciúmes, especialmente se havia uma predileta, mas em geral era cordial e respeitoso. Em muitas tribos o casamento era um complexo [[rito de passagem]] que exigia o sacrifício de um prisioneiro de guerra, quando o homem trocava de nome e podia então constituir família.<ref name="Fernandes1"/> Havia muitas uniões consanguíneas, fortalecendo a unidade dos clãs e as redes de reciprocidade que asseguravam a manutenção da ordem e da vida comunitária em larga escala.<ref name="Fernandes1"/><ref name="Schmitz"/><ref name="Colaço"/> Maus tratos de homens sobre esposas e filhos eram comuns e aceitos socialmente, entendidos como assunto privado; em muitas tribos pais e mães tinham direito de vida e morte sobre seus dependentes.<ref name="Colaço">{{Harvnb|Colaço, Thais Luzia. ''"Incapacidade Indígena": Tutela Religiosa e Violação do Direito Guarani Pré-Colonial nas Missões Jesuíticas''. Juruá Editora, |2006, s/p.}}</ref> A mãe amamentava o filho por vários anos, caso não tivesse outro no período. A criança pequena estava sempre acompanhada, e antes de andar frequentemente ia carregada em várias atividades adultas, incluindo a lavoura. Se fosse menino, o pai lhe ensinava logo cedo a manejar o arco e a flecha, a construir balaios e outras lidas. Quando menina, a mãe a introduzia no mister de fiar, tecer redes e fabricar adornos.<ref name=referenciaum/><ref name="Junges"/> Rituais solenes de passagem, conduzidos por xamãs ou pajés, marcavam as diferentes etapas do crescimento desde o nascimento até a morte, e eram celebrados por toda a tribo com grande aparato.<ref name="Schmitz"/><ref name="Com Ciência"/><ref name="Rituais"/><ref>Cesarino, Pedro de Niemeyer. [http://pib.socioambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/modos-de-vida/xamanismo name="XamanismoCesarino"]. Povos Indígenas no Brasil. Instituto Socioambiental, 2009</ref> Pessoas com deficiência ou muito idosas podiam ser abandonadas, mortas ou podiam solicitar [[eutanásia]].<ref name="Colaço"/>
 
=== Tradições, crenças, conhecimentos e valores ===
[[Imagem:Burian urn, AD 1000-1250, Marajoara culture - AMNH - DSC06177 b.jpg|thumb|Urna funerária marajoara, [[Museu Americano de História Natural]]]]
 
A vida de cada indivíduo era programada em linhas gerais desde antes do nascimento pela estrutura tradicional e relativamente fixa de suas culturas, com normas sociais mantidas sem grande modificação desde tempos imemoriais. Muitas sociedades eram profundamente ritualizadas, desenrolando o tecido de suas vidas ao comando de [[mito]]s e crenças diversas, que cercavam certas atividades de [[tabu]]s invioláveis e davam instruções para muitos atos cotidianos.<ref name="Rituais">Povos{{citar Indígenas do Brasil. [httpweb|url=https://pib.socioambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/modos-de-vida/rituais "Rituais"]. |título=Rituais|publicado=Instituto Socioambiental.|website=Povos Indígenas do Brasil}}</ref><ref name="Aracy">Silva,{{citar Aracy Lopes da & Instituto Socioambiental. [httpweb|url=https://pib.socioambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/modos-de-vida/mitos-e-cosmologia "Mitos_e_cosmologia|título=Mitos e cosmologia"].|autor=Silva, Aracy Lopes da|publicado=Instituto Socioambiental|website=Povos Indígenas do Brasil, Instituto Socioambiental.}}</ref><ref name="Salik"/> No entanto, variações e mudanças existiram ao longo do tempo, cronistas antigos informam que na ocorrência de uma situação inesperada ou desconhecida, costumava-se convocar um conselho tribal para analisar o fato novo. Se ele pudesse ser harmonizado às tradições, era incorporado ao cânone dos costumes e imediatamente se tornava regra geral, mas apenas um voto contrário na assembleia podia levar à sua rejeição.<ref name="Fernandes1"/> Com o passar do tempo ocorreram muitos intercâmbios entre povos diferentes, em particular com os colonizadores, e essa evolução progride ainda hoje, sendo de fato culturas vivas e dinâmicas, mesmo que baseadas em tradições antigas.<ref name="Bessa"/><ref name="Machado2">{{Harvnb|Machado, Juliana Salles. [http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-77012006000200009&script=sci_arttext "Dos artefatos às aldeias: os vestígios arqueológicos no entendimento das formas de organização social da Amazônia"]. In: ''Revista de Antropologia'', |2006; 49 (2)}}</ref><ref name="Redes"/>
 
Pouco se sabe sobre suas antigas crenças religiosas senão através de interpretações distorcidas transmitidas pelos colonizadores, para os quais nos primeiros tempos parecia que não possuíam nenhuma ideia de [[Deus]].<ref name="Rituais"/><ref name="Trein">{{Harvnb|Trein, Hans Alfred. [http://anais.est.edu.br/index.php/congresso/article/viewFile/13/76 "Religiões Indígenas Desafiam Reflexões Bíblico-Teológicas sobre Deus, Criação e Terra"]. In: ''Anais do Congresso Internacional da Faculdades EST'', |2012; 1:|pp=1081-1095}}</ref><ref name="Carlos">{{Harvnb|Brandão, Carlos Rodrigues. [http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141990000300004 "Os Guarani: índios do Sul – religião, resistência e adaptação"]. In: ''Estudos Avançados'', |1990; 4 (10)}}</ref> Nas palavras de Hans Alfred Trein, "a inexistência de uma formação social de [[Estado]] foi interpretada como carência civilizatória, da mesma forma como a inexistência de um Deus e de um discurso [[teologia|teológico]] foi interpretada como carência de religião".<ref name="Carlos"/> Logo se percebeu que eles mantinham sim muitos ritos e crenças religiosos, a ideia do divino era de fato generalizada, mas com muitas variações em seu significado.<ref name="Carlos"/><ref>Brito, Ênio José da{{citar Costa. [web|url=http://www.pucsp.br/rever/relatori/notago05.htm "|título=A identidade indígena: Estratégias políticas e culturais ({{séc|XVI}} e XVII)"].|autor=Brito, In:Ênio ''José da Costa|website=Revista de Estudos da Religião'', Pós-Graduação em Ciências da Religião - PUC-São Paulo}}</ref><ref name="Prezia"/> Nas cosmovisões indígenas é comum uma noção de tempo não linear, em que o universo não tem uma origem e fim definidos e os tempos se confundem. Muitas tribos acreditavam em um deus supremo, mas este deus podia ter a função única de criar o universo, deixando-o depois sob a responsabilidade de deuses secundários.<ref name="Salik"/><ref name="Trein"/><ref name="Carlos"/><ref name="Prezia">Prezia,{{citar Benedito. [web|url=http://www.expedicaovillasboas.com.br/evb/ambiental/indigenas/208-o-sagrado-nas-culturas-indigenas.html "|título=O Sagrado nas Culturas Indígenas"].|autor=Prezia, Benedito|publicado=Expedição Villas Boas.|wayb=20131215231241|urlmorta=sim}}</ref> Às vezes, porém, a origem do mundo é inteiramente desconhecida e ele já aparece pronto nas suas lendas de criação, podendo então destacar-se a figura de um herói sábio e civilizador, que podia ser algum tipo de super-homem ou alguma entidade divina, seres benevolentes que organizam e instruem a humanidade e lhe concedem dádivas valiosas. Em muitas tradições a humanidade nasce de um animal mitológico poderoso. Por outro lado, cosmogonias com um par (às vezes antagônico) ou uma coletividade de criadores primevos também são comuns.<ref name="Carlos"/><ref>{{Harvnb|Laraia, Roque de Barros. "A etnologia de Egon Schaden". In: ''Revista de Antropologia'', |2013; 56 (1):|pp=427-439}}</ref>
 
[[Imagem:Xamã guarani.jpg|thumb|esquerda|170px|Pajé guarani]]
[[Imagem:Kuhnert, Wilhelm. Tetenfeier der Bororó-Indianer (Zentralbrasilien).jpeg|170px|esquerda|thumb|Funeral dos [[bororos]], registrado por [[Wilhelm Kuhnert]] (1865–1926)]]
 
Vários animais, plantas, seres mitológicos e a própria Terra e seus elementos em todas as culturas foram variavelmente deificados ([[animismo]]), ou sacralizados, ou personificados, e em muitas comunidades cultivava-se uma identificação [[panteísta]] de um poder divino insondável com a Natureza e os homens. Para eles o mundo visível era apenas um de muitos mundos paralelos, que em certos aspectos ou momentos podiam se tornar intercomunicantes.<ref name="Aracy"/><ref name="Cesarino">Cesarino,{{citar Pedro de Niemeyer. [httpweb|url=https://pib.socioambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/modos-Xamanismo|título=Xamanismo|autor=Cesarino, Pedro de-vida/xamanismo "Xamanismo"].Niemeyer|ano=2009|publicado=Instituto Socioambiental|website=Povos Indígenas no Brasil, Instituto Socioambiental, 2009.}}</ref> Uma ideia de um [[paraíso]] pós-morte, a "[[Yvy marã e'ỹ|terra sem males]]" como o chamam os [[guaranis]], reservada aos bons e corajosos, era recorrente,<ref>Comissão{{citar Pró-Índio de São Paulo. [web|url=http://www.cpisp.org.br/indios/html/saiba-mais/21/a-busca-da-terra-sem-mal.aspx "|título=A Busca da Terra sem Mal"].|publicado=Comissão Pró-Índio de São Paulo|wayb=20140108083520|urlmorta=sim}}</ref><ref>{{Harvnb|Rocha, Joana D'Arc Portella. [http://w3.ufsm.br/ppggeo/files/dissertacoes_06-11/Joana%20DArc.pdf ''Terra Sem Mal: O mito guarani na demarcação das terras indígenas'']. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa Maria, |2010, |pp. =33-34}}</ref><ref>{{Harvnb|Venosa, Roberto. [http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-75901980000300008&script=sci_arttext "''Terra sem mal''. Por Clasíres, Hélène. São Paulo, Brasiliense, 1978"]. Resenha. In: ''Revista de Administração de Empresas'', |1980; 20 (3)}}</ref> e praticavam-se elaborados rituais de sepultamento dos mortos, bem como para preservar a memória de ancestrais e dos fundadores míticos dos clãs. Mas suas religiões não eram [[dogma|dogmáticas]], não havia uma [[liturgia]] imutável, nem escrituras sagradas, não ofereciam vítimas sacrificiais ao seus deuses e não praticavam o [[proselitismo]] religioso.<ref name="Cesarino"/> Acreditavam em diversos tipos de demônios e espíritos da floresta, como o [[Curupira]], um protetor dos animais, capazes de causar dano às pessoas, exigindo ser aplacados com ritos ou presentes. Os mediadores por excelência entre o plano divino e humano eram os [[pajé]]s ou [[xamã]]s, que eram também, junto com os anciãos, os principais guardiões e transmissores de suas tradições. Mas havia algumas tribos sem pajés e os deuses, espíritos e antepassados podiam se comunicar com os humanos comuns através de animais, sonhos, intuições e visões proféticas. O uso de substâncias [[alucinógeno|alucinógenas]], [[tabaco]] e beberagens [[embriaguez|embriagantes]] era generalizado, embora sujeito a regras precisas, para fazer a ponte para o mundo invisível, para relembrar tradições e os antepassados, selar pactos entre as tribos ou renovar a união interna da comunidade.<ref name="Schmitz"/><ref name="Phillips">Phillips,{{citar David. [web|url=http://instituto.antropos.com.br/v3/index.php?option=com_content&view=article&id=545&catid=38&Itemid=5 "|título=Em nome de Deus"]. Instituto Antropos|autor=Phillips, David|data=09/03/2009|publicado=Instituto Antropos|wayb=20190915131353|urlmorta=sim}}</ref><ref name="Trein"/><ref name="Carlos"/><ref name="Prezia"/><ref name="Cesarino"/><ref>{{Harvnb|Moreau, Filipe Eduardo. [http://books.google.com.br/books?id=mFT2Okvh4uYC&pg=PA126&lpg=PA126&dq=%22religi%C3%A3o+ind%C3%ADgena%22+deus+criador&source=bl&ots=jD52qUKTpG&sig=T-MKCSlvpSVbEPP10ufeMVU-eys&hl=pt-BR&sa=X&ei=aSWtUqf6IMPgsATPvIKwCA&ved=0CEUQ6AEwAw#v=onepage&q=%22religi%C3%A3o%20ind%C3%ADgena%22%20deus%20criador&f=false ''Os índios nas cartas de Nóbrega e Anchieta'']. Annablume, |2003, |pp. =123-154}}</ref><ref>{{Harvnb|Damas, Vandimar Marques. "A produção audiovisual como uma nova agência indígena". ''II Semana do Audiovisual da UEG - SAU: Novos Olhares para o Audiovisual Goiano''. Goiânia, Universidade Estadual de Goiás / UnU Goiânia-Laranjeiras, 24-30/09/|2012}}</ref>
 
Diversas de suas lendas se tornaram populares entre não-indígenas, enriquecendo os [[folclore]]s regionais, como as lendas do [[Lenda do boto|Boto]], da [[Boitatá]], da [[Iara]], do [[Irapuru (lenda)|Uirapuru]] e do Curupira,<ref>{{Harvnb|Coelho, Maria do Carmo Pereira. [https://web.archive.org/web/20150419162604/http://www4.pucsp.br/pos/lael/lael-inf/teses/Maria_carmo.pdf ''As Narrações da Cultura Indígena da Amazônia'']. Tese de Doutorado. PUC-SP, |2003, |pp. =145-162}}</ref> mas as mitologias indígenas geram também grande interesse acadêmico, e a partir de estudos de [[Claude Lévi-Strauss]] passou-se a perceber uma recorrência de temas frequentes em seus mitos e cosmologias que são comuns à cultura ocidental, podendo por isso ser valiosas vias de comunicação intercultural. No sumário do [[Instituto Socioambiental]], esse corpo de símbolos enfatiza
 
::"[...] a reflexão sobre oposições, tais como a de natureza/cultura; vida/morte; homem/mulher; particular/geral; identidade/alteridade. As mitologias e as cosmologias indígenas tratam, portanto, de temas com que se preocupam todos os homens, com menor ou maior grau de elaboração, expressão ou consciência. São temas que remetem à essência do que significa ser humano e estar no mundo. Por isto mesmo, apesar do estranhamento inicial trazido por signos desconhecidos - que carregam concepções inesperadas, articuladas a teorias cuja tradução escapa à primeira aproximação - a comunicação é possível e se dá não só na pesquisa e na divulgação, como também fascina e desafia".<ref name="Aracy"/>
[[Imagem:Serra da Capivara - Tree Ritual 2.jpg|thumb|[[Pictograma]] na [[Serra da Capivara]] mostrando um ritual envolvendo uma árvore]]
 
Desenvolveram vários conhecimentos astronômicos e científicos, associando observações dos astros e do [[meio ambiente]] aos ciclos de vida da comunidade e às suas crenças religiosas, mas muito pouco se sabe sobre isso. Na descrição do [[Etnoastronomia|etnoastrônomo]] [[Germano Bruno Afonso]], "os índios e os povos antigos não faziam [[astronomia]] só por fazer. Tudo tinha uma razão. Além da parte prática, com finalidade de orientação — os [[pontos cardeais]] — havia toda uma parte religiosa, de ritual, de culto aos mortos, de fertilidade etc., que também era ligada à astronomia. Por exemplo, para os tupi-guarani cada um dos pontos cardeais representa o domínio de um deus".<ref>Bond,{{citar Rosana.[periódico|url=http://www.anovademocracia.com.br/no-18/835-a-impressionante-astronomia-dos-indios-brasileiros "|título=A impressionante Astronomia dos índios brasileiros"]. In:|autor=Bond, ''Rosana|ano=2004|periódico=A Nova Democracia'', 2004; III (|número=18)|wayb=20110323012147|urlmorta=sim}}</ref> O [[Crux|Cruzeiro do Sul]] era a constelação mais conhecida, usada como uma referência para orientação geográfica.<ref name="Germano">{{Harvnb|Afonso, Germano B. [http://www.sbpcnet.org.br/livro/61ra/conferencias/CO_GermanoAfonso.pdf "Astronomia Indígena"]. In: ''Anais da 61ª Reunião Anual da SBPC''. Manaus, julho/|2009}}</ref> Sobrevivem relatos históricos sugestivos, como o do [[missionário]] francês [[Claude d'Abbeville]]: "Os tupinambá atribuem (corretamente) à Lua o fluxo e o refluxo do mar e distinguem muito bem as duas marés cheias que se verificam na [[lua cheia]] e na [[lua nova]] ou poucos dias depois". Vários mitos relacionam o fenômeno da [[pororoca]] às [[fases da Lua]], o que é também correto, muitas tribos usavam formas de [[relógios solares]] (gnômons), e contavam o tempo através do [[movimento aparente do Sol]].<ref name="Germano"/> Astros e constelações aparecem em pictogramas rupestres, e são personificados e divinizados em suas tradições imemoriais, atribuindo-se-lhes poderes maravilhosos e até comportamentos emocionais. Guerreiros ou personagens famosos podiam ser transformados em estrelas e constelações, ou mesmo em animais ou plantas sobrenaturais.<ref name="Germano"/><ref>{{Harvnb|Lima, Flávia Pedroza. "Observações e descrições astronômicas de indígenas brasileiros. A visão dos missionários, colonizadores, viajantes e naturalistas". In: ''Revista da SBHC'', |2004; 2 (2):|pp=175-177}}</ref><ref>{{Harvnb|Fernandes, Estevão Rafael. "Cosmologias indígenas, exterioridade e educação em contexto culturalmente diferenciado: um olhar a partir dos Xavante, MT". In: ''Tellus'', |2010; 10 (19)}}</ref><ref>Oshiro,{{citar Vitor. [web|url=http://www.jcnet.com.br/noticias.php?codigo=237574 "|título=Unesp resgata astronomia indígena"]. ''Jornal da Cidade''|autor=Oshiro, Vitor|data=03/12/11|website=Jornal da Cidade|wayb=20131219030227|urlmorta=sim}}</ref><ref name="Strauss"/> No célebre mito da [[mandioca]], por exemplo, em versão recolhida por [[Couto de Magalhães]], a planta, que é vital para o sustento indígena, nasce do corpo de uma menina morta.<ref>Couto de {{Harvnb|Magalhães, José Vieira. ''O Selvagem'', |1876. |pp. =134-135}}</ref> Para os [[Línguas tupis-guaranis|tupi-guarani]], se [[Jaci]] (a Lua), gostasse de alguma menina e a quisesse ter por companhia, a transformava em estrela. Por outro lado, [[eclipse]]s e [[cometa]]s, aparições inesperadas, fora da ordem natural que concebiam, costumavam espalhar o terror entre eles.<ref name="Bruno"/> Estando em contato íntimo com a Natureza, se tornaram profundos conhecedores de seus segredos e recursos, ainda que inúmeros fenômenos naturais fossem explicados através de razões sobrenaturais.<ref name="Strauss">{{Harvnb|Lévi-Strauss, Claude. ''Do Mel às Cinzas''. Cosac Naify, |2004, |pp. =223-227}}</ref><ref name="Bruno">Afonso, Germano Bruno. [http://www.pindorama.art.br/file/17046historiaguarani.pdf "Astronomia indígena: Conhecimento dos indígenas da família tupi-guarani antecipou teorias do {{sécHarvnb|Afonso|XVII}}"]. In: ''Revista do Grupo de Estudos Pindorama'', 2010; |pp. =62-65}}</ref> Plantavam de acordo com as estações e as fases da Lua, conheciam relações entre [[mudanças climáticas]] e mudanças na [[biodiversidade]], e usavam o [[controle biológico]] de pragas agrícolas.<ref name="Germano"/>
 
Muitas etnias mantinham costumes que chocaram os colonizadores, como o [[canibalismo]], o [[incesto]], o [[infanticídio]] [[neonatal]] e a [[feitiçaria]], embora deva-se assinalar que estavam inseridos em um contexto cultural coerente,<ref name="Schmitz"/><ref>Raminelli,{{citar Ronald. [periódico|url=http://www.revistadehistoria.com.br/secao/retrato/um-alemao-na-terra-dos-canibais "|título=Um alemão na Terra dos Canibais"] {{Wayback|urlautor=http://www.revistadehistoria.com.br/secao/retrato/um-alemao-na-terra-dos-canibaisRaminelli, Ronald|dateano=2007|periódico=20131204043948 }}. In: ''Revista de História'', 2007; (|número=98)|wayb=20131204043948|urlmorta=sim}}</ref><ref>[http://www.bioeticaefecrista.med.br/textos/uma%20visao%20antropologica%20sobre%20a%20pratica%20do%20infanticidio.pdf "Uma visão antropológica sobre a prática do infanticídio indígena no Brasil"]. In:{{Harvnb|Lidorio|2007}}</ref><ref name="Ventura">{{Harvnb|Santos, Ricardo Ventura; Flowers, Nancy e |Coimbra Jr., Carlos E. A. [http://static.scielo.org/scielobooks/qdgqt/pdf/pagliaro-9788575412541.pdf "Demografia, Epidemias e Organização Social: os Xavánte de Pimentel Barbosa (Etéñitépa), Mato Grosso"]. In: Pagliaro, Heloísa; Azevedo, Marta Maria e Santos, Ricardo Ventura (orgs.). ''Demografia dos povos indígenas no Brasil''. Editora FIOCRUZ, |Flowers|2005, |pp. =69-71}}</ref> mas foram também frequentes os relatos sobre sua generosidade, sua habilidade guerreira, seus valores de honra e coragem, notabilizando-se como heróis, por exemplo, [[Filipe Camarão]] e [[Sepé Tiaraju]].<ref name="Schmitz"/><ref>[[Evaristo de {{Harvnb|Miranda|Miranda, Evaristo Eduardo de]]. ''O descobrimento da biodiversidade: a ecologia de índios, jesuítas e leigos no sécolo XVI''. Edições Loyola, 2004, |pp. =167-169}}</ref><ref>Assembleia{{citar Legislativalei|jurisdição=Estado do Rio Grande do Sul. [|url=http://www.al.rs.gov.br/legis/M010/M0100099.ASP?Hid_Tipo=TEXTO&Hid_TodasNormas=49086&hTexto=&Hid_IDNorma=49086 |título=Lei|número=12.366,|data=3 de 03novembro de novembro2005|ementa=Declara deSepé Tiaraju como Herói Guarani Missioneiro Rio-grandense e dá 2005].outras providências|publicação=Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul|local=Porto Alegre}}</ref><ref name="Moreau, pp. 153-159"/> D'Abbeville registrou no {{séc|XVI}}: "As leis da cavalaria, no tempo em que floresceu na Europa, não excediam por certo em pundonor e brios a bizarria dos selvagens brasileiros. Jamais o ponto de honra foi respeitado como entre estes bárbaros, que não eram menos galhardos e nobres do que esses outros bárbaros, godos e árabes, que fundaram a cavalaria".<ref>{{Harvnb|Ramos, Ivana Pinto. [http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/ALDR-6WDRYC/texto_dissertacao_ivana_pinto_ramos_pdf.pdf?sequence=1 ''Ubirajara: Ficção e fricções alencarianas'']. Dissertação de mestrado. Universidade Federal de Minas Gerais, |2006, |p. =59}}</ref> [[Duelo]]s por questões de honra eram comuns.<ref name="Colaço"/>
[[File:Theodor de Bry - Staden, Duas Viagens ao Brasil, 1557.jpg|thumb|Uma guerra naval em gravura de [[Theodor de Bry]]]]
[[Imagem:Festa do Kuarup dança em torno do tronco.jpg|thumb|Dança coletiva em torno dos troncos que representam os mortos homenageados no ''Quarup'', um dos mais importantes festejos intergrupais da região do [[Parque Indígena do Xingu|Xingu]]]]
 
A guerra era frequente e muitas vezes ritualizada. Podia atender à necessidade de resolver rivalidades e delimitar poder entre as tribos, mas suas principais motivações eram a vingança de ofensas e a captura de prisioneiros destinados ao sacrifício por ocasião do matrimônio dos guerreiros. Até a chegada do colonizador parecem ter sido muito raras as guerras de conquista, não conheciam o cavalo nem armas de fogo ou equipamentos bélicos sofisticados, e suas armas principais eram o tacape, o arco e a flecha, pedras de arremesso, a lança e o escudo, instrumentos típicos do combate corpo-a-corpo, não desprezavam o uso de golpes com mãos nuas, arranhamentos com as unhas e mordidas, e eram hábeis na guerrilha, no combate naval e na emboscada. Matar muitos inimigos e fazer prisioneiros acrescentava grande prestígio e fazia parte do seu sistema de afirmação da masculinidade. Os prisioneiros de guerra não precisavam ficar confinados porque a fuga representaria grande vergonha e desonra. Eram tratados familiarmente como se fossem membros da aldeia, e eram bem alimentados e cuidados até o momento de serem mortos.<ref name="Fernandes1"/><ref name="Colaço"/><ref name="Moreau, pp. 153-159"/> [[José de Anchieta]] testemunhou: "Naturalmente são inclinados a matar, mas não são cruéis; porque ordinariamente não dão nenhum tormento aos inimigos, porque se os não matam nos conflitos da guerra, depois tratam-nos muito bem, e contentam-se com lhes quebrar a cabeça com um pau, que é morte muito fácil. [...] Se de alguma crueldade usam, ainda que raramente, é com o exemplo dos portugueses e franceses". Apesar dos conflitos frequentes, os relatos de carnificinas extensas intertribais só aparecem depois de avançar a conquista portuguesa, quando mudam todas as relações de poder, as guerras para conquista e escravização se tornam habituais e se formam e caem em sucessão poderosos cacicados.<ref name="Moreau, pp. 153-159">{{Harvnb|Moreau, |2003|pp. =153-171}}</ref>
 
Também se registram narrativas sobre intensos afetos familiares e sua predisposição a atividades artísticas e festejos,<ref name="Schmitz"/><ref name="Junqueira"/><ref>{{Harvnb|Sevcenko, Nicolau. ''Pindorama revisitada: cultura e sociedade em tempos de virada''. Série Brasil cidadão. Editora Peirópolis, |2000. |pp. =39-47}}</ref> celebrando regularmente grandes encontros que congregavam enormes grupos, sendo o mais conhecido o ''[[Quarup]]'', ritual celebrado até hoje que homenageia os mortos importantes, onde se trocam presentes, compartilham refeições elaboradas e experiências de vida, e ocorrem disputas esportivas, cantos, lamentos e danças coletivas.<ref>Ministério{{citar da Justiça. [web|url=http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJA63EBC0EITEMID643E1ECEA4A74113BAE2ADA936BB83B9PTBRIE.htm ''|título=Ritual: Kuarup. Etnia: Índios do Alto Xingu''],|ano=2007|publicado=Ministério 2007.da Justiça|wayb=20110804093616|urlmorta=sim}}</ref><ref>Funai.{{citar [web|url=http://www.ebc.com.br/noticias/colaborativo/2014/08/kuarup-2014-saiba-com-acontece-o-culto-aos-mortos-no-alto-xingu "|título=Kuarup, ritual do pranto no Xingu ocorre em agosto"], |data=22/06/2004.|publicado=Funai/EBC}}</ref>
 
Muitas vezes cobriam seus corpos com variada ornamentação de plumas, fibras e outros materiais naturais, especialmente em ocasiões de festejo ou cerimônia, mas a nudez era corriqueira e não causava nenhuma vergonha. Mas vivendo na floresta, cheia de animais agressivos e obstáculos físicos, muitas tribos usavam no cotidiano [[tapa-sexo]]s, [[protetor peniano|protetores penianos]] ou tangas de tecido, que tinham a função de proteger os genitais contra acidentes ou ataques de insetos. Mantas de tecido para cobrir o corpo eram raras.<ref name="Ramos"/><ref name="Arca"/><ref>{{Harvnb|Bernand, Carmen & Gruzinski, Serge. ''História do Novo Mundo, Vol. 2: As Mestiçagens''. EdUSP, |2006, |p. =472}}</ref> Dispensavam grandes cuidados ao corpo e à higiene pessoal. Deles vem o costume moderno do banho diário.<ref name="pontos"/> Mas pouco se sabe de sua [[sexualidade]] e seu significado sociocultural ou afetivo. Pareciam ter uma atitude bastante livre quanto a ela em vários aspectos. A [[virgindade]] era pouco valorizada e costumavam ser ativos sexualmente antes do casamento, embora tabus interditassem para o sexo os [[puberdade|pré-púberes]] e as mulheres em [[período menstrual]] e no [[puerpério]]. Em muitas tribos eram aceitos, por exemplo, o [[sexo grupal]], algumas formas de [[incesto]], o [[adultério]] e a [[homossexualidade]], e homens podiam oferecer os favores sexuais de suas esposas a visitantes ilustres como forma de cortesia. Mesmo o sexo e a higiene eram praticados à vista de quem estivesse perto. É de notar que as ocas em que viviam não tinham divisões internas.<ref name="Ramos"/><ref name="Arca"/><ref name="Colaço"/><ref name="Junqueira">{{Harvnb|Junqueira, Carmen & |Mindlin, Betty. [http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142003000300014&script=sci_arttext "Índias e antropólogas"]. In: ''Estudos Avançados"'', |2003; 17 (49)}}</ref><ref>{{Harvnb|Souza, Marcela Coelho de. [http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-93132004000100002&script=sci_arttext "Parentes de sangue: incesto, substância e relação no pensamento Timbira"]. In: ''Mana'', |2004; 10 (1)}}</ref>
 
Por outro lado, tinham suas próprias convenções restritivas que, se violadas, acarretavam vergonha, [[ostracismo]] ou outras sanções severas que iam de castigos físicos até o [[banimento]] ou a [[pena de morte]]. Alguns exemplos são ilustrativos: Xamãs suspeitos de praticar feitiçaria contra membros de sua tribo podiam ser executados;<ref name="Colaço"/><ref name="Ventura"/> se um homem se mostrasse covarde era rejeitado pelas esposas; revelação de segredos de [[iniciação]] podia significar a morte,<ref name="Colaço"/> e em algumas tribos se mulheres profanassem a Casa das Flautas, reservada apenas aos homens, sua lei exigia que fossem punidas com um [[estupro]] coletivo.<ref>Piedade, Acácio Tadeu de Camargo. name="Reflexões a partir da etnografia da música dos índios WaujaPiedade". In: ''Anthropológicas'', 2006; 10.17 (1):35-48</ref> Os crimes não prescreviam pelo tempo e justificações como embriaguez, descontrole emocional e a coação não costumavam ser aceitas como atenuantes ou escusas de responsabilidade.<ref name="Colaço"/><ref name="Ventura"/>
 
==== Relação com o ambiente e a terra ====
[[Imagem:Índios à beira de um rio 2.jpg|thumb|Família em atividades à beira de um rio]]
 
Em muitos aspectos de sua vida a Natureza se fazia presente, e de fato, como se viu, sua sobrevivência dependia dela em regime diário.<ref name="Schmitz"/><ref name="Core Writing Team 2005, p. 127">{{Harvnb|Core Writing Team. ''Ecosystems and Human Well-being: A Report of the Millennium Ecosystem Assessment. Synthesis''. Island Press, |2005, |p. =127}}</ref> Mantinham animais de estimação;<ref>{{Harvnb|Antonialli, Luiz Marcelo; |Souki, Gustavo Quiroga; |Teixeira, Tiago Habib. ''Estratégias para criação comercial de aves silvestres: o caso de uma empresa rural autorizada pelo IBAMA''. Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural, s/d. |2004|p. =2}}</ref> muitas tribos e [[clã]]s remontavam suas [[genealogia]]s a animais míticos; vários animais e plantas participavam de inúmeras lendas, eram tidos como deuses ou mágicos, deviam ser propiciados com oferendas e cerimônias, e eram reproduzidos em sua arte.<ref name="SedoguchDolabella"/><ref{{citar nameweb|url=https://www.eba.ufmg.br/alunos/kurtnavigator/arteartesanato/plumaria.html|título=Arte Plumária: índios Brasileiros|publicado=Grupo de Estudo do Projeto Experimental Artesanato, UFMG|autor="Dolabella", Renato Melo|urlmorta=sim|wayb=20040531202707|autor4=Midori, Aline|autor5=Seeger, Saulo|numero-autores=1|autor2=Manna, Adriano|autor3=Fernandes, Ana}}</ref><ref name="Dorta"/> Embora não tivessem uma [[ambientalismo|consciência ecológica]] nos moldes ocidentais, viam em geral a Criação como uma obra divina, a vida como toda inter-relacionada, e a Terra como viva e sagrada, e mesmo que tirassem proveito e sustento do ambiente, mantinham um modelo de vida caracterizado pela [[sustentabilidade]].<ref name="Arca"/><ref name="Prezia"/><ref>Povos{{citar Indígenas no Brasil. [web|url=http://pib.socioambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/modos-de-vida/Indios-e-o-meio-ambiente|título=Povos "Índiosindígenas e o meio ambiente"]. |publicado=Instituto Socioambiental.|website=Povos Indígenas no Brasil}}</ref> Pela fundamental importância que as terras tradicionais têm nas suas culturas, estando intimamente associadas a [[mitos fundadores]], hábitos de vida e tradições culturais e sociais, e sendo o local de sepultamento dos venerados ancestrais, sua perda em regra significa a desintegração das sociedades.<ref name="Itamaraty"/><ref>Funai.{{citar [https://web.archive.org/web/20130529174929/|url=http://www.funai.gov.br/indios/fr_conteudo.htm "|título=A importância da demarcação"].|publicado=Funai|wayb=20130529174929|urlmorta=sim}}</ref>
 
Sua sobrevivência também é ameaçada porque muitos animais e plantas que lhes eram importantes de várias maneiras estão desaparecendo, e a legislação nacional proíbe a predação e captura de [[espécies nativas]]. Para os indígenas se abre exceção, desde que o uso se destine à alimentação e a funções tradicionais, mas isso impede que usem produtos naturais, como penas de aves, em artesanato com objetivo comercial, que para muitas tribos já é importante fonte de renda.<ref name="Tiriba">{{Harvnb|Tiriba,|2012}}</ref><ref>{{citar Léa. [https://web.archive.org/web/20140811033212/|url=http://www.revistaalephcobrap.comorg.br/educacao-infantil-entre-parentes-licoes-da-creche-tupinambasite/ "Educação Infantil entre Paredes: Lições na creche Tupinambá"]artigos_vis. In: ''Revista Aleph'', 2012; IV (17)</ref><ref>John, Liana. "php?id=80|título=A Arte Plumária Indígena é sustentável?" ''Estado de São Paulo''|autor=John, Liana|data=05/10/2000</ref><ref>Criança do Futuro: Waköpünska Karipuna! "Comércio|publicado=Estado de arteSão plumária está proibido no Brasil", 24/04/2007Paulo|website=COBRAP|wayb=20101215114640|urlmorta=sim}}</ref>
 
==== Cultura e arte ====
[[Imagem:SouthAmerican families 02.png|thumb|direita|Mapa etnográfico da América do Sul, apresentando as principais [[Línguas indígenas do Brasil|famílias linguísticas]]]]
 
Como já foi mencionado, originalmente a educação nas comunidades era dada de maneira coletiva e tradicional, em grande parte baseada na [[oralidade]], já que nenhuma das sociedades indígenas brasileiras possuiu [[sistemas de escrita]] conhecidos. Calcula-se que antes de Cabral eram faladas cerca de 1 300 línguas nativas. Hoje seu número é muito menor. Não se sabe exatamente qual seja, devido à variação nos critérios utilizados, mas pode ainda haver cerca de 270 línguas vivas. O número oficial do IBGE é de 274. Muitas, porém, estão em rápido declínio, com apenas poucos falantes. Poucas foram estudadas em profundidade, apenas 9% delas tem descrição completa, com [[gramática]], coletânea de textos e [[dicionário]]. Elas se dividem em dois grandes [[tronco linguístico|troncos linguísticos]], o [[Tronco tupi|tupi]] e o [[macro-jê]]. No primeiro se incluem, por exemplo, as línguas [[Línguas tupis-guaranis|tupi-guarani]], [[língua monde|monde]], [[língua tupari|tupari]], [[língua juruna|juruna]] e [[língua mundurucu|mundurucu]], e no segundo, [[língua|jê]], [[língua bororo|bororo]] e [[língua botocudo|botocudo]]. Também existem diversos grupos falantes de [[línguas isoladas]], sem afinidades próximas com quaisquer outras línguas, como o [[Ticunas|ticuna]], [[trumai]] e [[jabuti]]. Além disso, há uma infinidade de [[dialeto]]s e variações das línguas principais. O ticuna, o [[guarani-caiouás]] e o [[caingangues|Caingangue]] são as que têm maior número de falantes.<ref>Gaspar,{{citar Lúcia. [web|url=http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar./index.php?option=com_content&view=article&id=832%3Alinguas-indigenas-no-brasil&catid=47%3Aletra-l&Itemid=1 "|título=Línguas Indígenas no Brasil"].|autor=Gaspar, Lúcia|publicado=Fundação Joaquim Nabuco|wayb=20140506020819|urlmorta=sim}}</ref><ref>Funai.{{citar [web|url=http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/quem-sao "|título=Quem São"].|publicado=Funai|wayb=20140310004045|urlmorta=sim}}</ref><ref>Moore,{{citar Denny. [https://web.archive.org/web/20110923110523/periódico|url=http://www.labjor.unicamp.br/patrimonio/materia.php?id=213 "|título=Línguas indígenas: situação atual, levantamento e registro"].|autor=Moore, In: ''Denny|website=Revista Eletrônica do IPHAN''. Edição especial: ''Dossiê Línguas do Brasil''|wayb=20110923110523|urlmorta=sim}}</ref>
[[Imagem:Serra da Capivara - Several Paintings 2b.jpg|thumb|esquerda|[[Pinturas rupestres]] no [[Parque Nacional Serra da Capivara]], declarado [[Patrimônio Mundial]] pela [[Unesco]] em vista de sua importância arqueológica, possuindo 912 sítios identificados e 657 com pinturas e gravuras.<ref>Fundação{{citar Museu do Homem Americano. [https://web.archive.org/web/20141105085957/|url=http://www.fumdham.org.br/parque.asp "|título=Parque Nacional Serra da Capivara"].|publicado=Fundação Museu do Homem Americano|wayb=20141105085957|urlmorta=sim}}</ref>]]
[[Imagem:Wayana-Aparai costumes and baskets - Memorial dos Povos Indígenas - Brasilia - DSC00511.JPG|thumb|esquerda|Vestes cerimoniais e cestaria dos [[aparai]]. [[Memorial dos Povos Indígenas]]]]
[[Imagem:Tiriyó-Kaxuyana beadwork - Memorial dos Povos Indígenas - Brasilia - DSC00533.JPG|thumb|esquerda|Têxtil com padronagem geométrica típica dos [[tiriós]]-[[caxuianas]]. Memorial dos Povos Indígenas]]
 
Apesar da ausência de sistemas de escrita, muitos grupos desenvolveram uma rica diversidade de sinais e outras formas gráficas, de variado grau de complexidade, repetidas através de gerações e que, sabe-se, eram portadoras de significados específicos, uma forma de comunicação diferente dos sistemas de escrita formais do ocidente, embora seja comparável à sua arte. Ainda que seu significado exato permaneça com frequência mal compreendido, especialmente nos documentos arqueológicos, esses sinais e formas visuais, às vezes arranjados em cenas narrativas ao lado de figuras de seres vivos, são documentos históricos importantes para a reconstituição de suas vidas. [[Pictograma]]s e [[gravura rupestre|gravuras rupestres]] que sobrevivem em sítios arqueológicos em todo o Brasil dão amplo testemunho de mentes capazes de criar mensagens complexas, em que se mesclam plasticidade e significados.<ref name="Bessa"/><ref name="Schmitz"/><ref name="Machado"/> Na descrição de Irene Machado, pesquisadora do [[CNPq]], "as inscrições rupestres.... constituem um legado capaz de desfazer equívocos e desvendar redes de possibilidades. Porque constroem sistemas de escrita por meio de signos notacionais, estão muito mais próximas da criação científica e artística do que da mera comunicação instrumental".<ref name="Machado">{{Harvnb|Machado, Irene. [http://www.semeiosis.com.br/wp-content/uploads/2010/08/MACHADO,_Irene._Tecidos_Gr%C3%A1ficos1.pdf "Tecidos gráficos da cultura e a expansão dos sistemas de escritas"]. In ''Semeiosis'', set/|2010}}</ref> Grande parte deste acervo arqueológico já desapareceu ou está ameaçado pelo avanço da civilização, pelo desconhecimento do seu valor e pelo [[vandalismo]] premeditado.<ref name="Pozzi">Iphan [{{Harvnb|Teixeira, Luana; |Pozzi, Henrique A. & |Silva, Jorge L. L. da (orgs.)]. ''Patrimônio Arqueológico e Paleontológico de Alagoas'', |2012}}</ref><ref>Rocha,{{citar Mariana. [web|url=http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/2013/08/obras-que-revelam "|título=Obras que revelam"]. ''Ciência Hoje''|autor=Rocha, Mariana|data=07/08/2013|periódico=Ciência Hoje|wayb=20130825143843|urlmorta=sim}}</ref><ref>{{Harvnb|Silva, Ana Valéria Ramos Fonsêca da. [http://www.sbpcnet.org.br/livro/64ra/resumos/resumos/3320.htm "Patrimônio Cultural: um enfoque sobre a proteção jurídico-ambiental do patrimônio arqueológico brasileiro"]. In: ''Anais da 64ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência: Ciência, Cultura e Saberes Tradicionais para Enfrentar a Pobreza''. São Luís, 22-27/07/|2012}}</ref>
 
Mesmo que muito já tenha sido perdido, a [[cultura material]] e [[cultura imaterial|imaterial]] dos povos indígenas brasileiros que sobrevive até o presente é riquíssima em conjunto, embora possa variar muito entre os casos individuais. Algumas culturas se caracterizam pela grande fartura de apetrechos e objetos decorados, organizam ritos suntuosos, apreciam generosa pintura corporal; outras são mais adeptas da simplicidade visual, mas podem desenvolver por exemplo grandes habilidades musicais, ter substantiva tradição oral e falar linguagens sutis e sofisticadas. Entre as especialidades que cultivaram se destacam a [[música indígena brasileira|música]], a [[dança]], a [[cerâmica]], a [[tecelagem]], a [[cestaria]], a [[pintura corporal]] e a [[arte plumária dos índios brasileiros|arte plumária]]. Essa produção tinha papel central na vida das tribos, sendo o veículo de ideias, conceitos religiosos e símbolos coletivos, além de servir como expressão de beleza e habilidade. De fato, os melhores criadores eram prestigiados.<ref name="Sedoguch"/><ref name="Dolabella"/><ref name="Montardo"/><ref name="Schmitz"/><ref name="rr"/><ref name="Itamaraty"/><ref name="Dorta">{{Harvnb|Dorta, Sonia Ferraro & |Cury, Marília Xavier. ''A plumária indígena brasileira no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP''. EdUSP, |2000.}}</ref><ref name="Hamada"/>
 
Mas não havia a figura do "[[artista]]"; todos eram hábeis em várias formas de arte. Uma dedicação especializada e exclusiva, típica da sociedade ocidental, era visto como sintoma de um desequilíbrio espiritual ou uma obsessão, pois as atividades vitais deviam ser distribuídas equilibradamente e a produção de objetos simbólicos, que compunham grande parte de sua cultura material, estava sob a influência de poderes espirituais, e devia ser restrita a ocasiões ritualizadas. O próprio processamento das matérias-primas usadas para a confecção dos artefatos era carregado de ritualidade e sujeito a leis precisas, que variavam entre cada tribo.<ref name="Velthem">{{Harvnb|Van Velthem, Lucia Hussak. [https://web.archive.org/web/20131220082020/http://www.funai.gov.br/projetos/Plano_editorial/Pdf/REP4-2/Artigo_3_Lucia_Hussak_Trancados_indigenas_norte_amazonicos_fazer_adornar_usar.pdf "Trançados indígenas norte amazônicos: fazer, adornar, usar"]. In: ''Revista de Estudos e Pesquisas'', |2007; 4 (2):|pp=117-146}}</ref> Para os [[palicures]], por exemplo, as penas vermelhas das [[arara]]s são assentos de espíritos protetores, por isso usadas em adornos corpóreos, objetos e espaços a fim de afugentar influências malignas.<ref>{{Harvnb|Dorta & |Cury, |2000|p. =174}}</ref> Entre os [[uaianas]], a tintura do [[arumã]] é a matéria-prima mais carregada de simbolismo, já que a constituição da planta é comparada à dos seres humanos.<ref name="Velthem"/> O grande [[Cocar (indígena)|cocar]] [[caiapós|caiapó]] chamado ''krokrok ti'' simboliza a própria aldeia. No centro vão penas azuis que representam a praça, o local masculino e público por excelência, em torno são enfileiradas penas vermelhas, simbolizando o mundo feminino e doméstico. Penugens brancas de acabamento representam a floresta.<ref>{{Harvnb|Vidal, Lux B. & |Silva, Aracy Lopes da. [http://www.pineb.ffch.ufba.br/downloads/1244392794A_Tematica_Indigena_na_Escola_Aracy.pdf "O sistema de objetos nas sociedades indígenas: arte e cultura material"]. In: Silva, Aracy Lopes da & Grupioni, Luis Donizete Benzi (orgs). ''A temática Indígena na Escola: novos subsídios para professores de 1º e 2º graus''. Brasília: MEC/MARI/UNESCO, |1995, |p. =396}}</ref> Muitos povos e clãs desenvolveram uma série de padrões geométricos, transmitidos tradicionalmente em cestaria, cerâmica, pintura corporal e tecelagem, que se tornaram marca registrada de cada grupo, possuindo também significados e preservando conhecimentos matemáticos.<ref>{{Harvnb|Sufiatti, Tanabi; |Bernardi, Lucí dos Santos; |Duarte, Cláudia Glavam. [http://www.redalyc.org/pdf/2740/274025755004.pdf "Cestaria e a história de vida dos artesãos indígenas da Terra Indígena Xapecó"].In: ''Revista Latinoamericana de Etnomatemática'', |2013; 6(1), |pp=67-98}}</ref>
[[Imagem:Enawene-nawe 1257a.JPG|thumb|[[Enáuenês-nauês|Enáuenê-nauê]] tocando um instrumento de sopro e ostentando completa ornamentação corporal]]
 
A música tinha grande destaque entre as artes, sua origem era tida como divina, sendo recebida através de sonhos. Para eles o som tinha poderes mágicos, estando na base da estruturação do [[cosmos]] e sendo poderoso instrumento de intervenção deliberada no mundo físico, como por exemplo produzindo curas. Praticamente não se produzia música que não tivesse alguma associação com o sagrado, estando presente em toda parte, especialmente nos grandes festejos, quando era praticada coletivamente.<ref name="Salik"/><ref name="Prezia"/> As cantorias e declamações rituais, que recontavam histórias da tradição, descreviam sonhos proféticos, invocavam espíritos e produziam curas e visões, "cumprem também um papel fisiológico na própria constituição dos estados psíquicos, atualizando a experiência dos eventos míticos", como descreveu a antropóloga Deise Montardo.<ref>Montardo, Deise Lucy Oliveira. name="A Música como Caminho no repertório do Xamanismo GuaraniMontardo". In: Anthropológicas, ano 10, volume 17(1): 115-134, 2006.</ref> A música também incluía canções de amor e saudade, podendo ser impregnadas de intenso lirismo poético.<ref>Cesarino, Pedro.{{citar [httpweb|url=https://pib.socioambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/modos-de-vida/as-poeticas-indigenas "Po%C3%A9ticas_ind%C3%ADgenas|título=Poéticas indígenas"].|autor=Cesarino, Pedro|website=Povos Indígenas no Brasil, |publicado=Instituto Socioambiental.}}</ref> [[José Miguel Wisnik]] analisou esta importância dizendo que "cantar em conjunto, afinar as vozes, significa entrar em acordo profundo e não visível sobre a intimidade da matéria", produzindo uma identificação e afirmação comunitária contra o mar de sons do mundo manifesto.<ref name="Salik"/> Segundo Adriane Salik,
 
::"Nos mitos estavam refletidas questões da origem do seu povo, modo de proceder na vida e sentido de existência, as quais estão intrinsecamente relacionadas com as sonoridades musicais. É a música que estabelece a conexão mito e cosmologia com as artes do corpo: a dança, a plumária e a ornamentação, sendo portadora de sentido, estabelecendo, por conseguinte, uma ponte entre mito e rito.... funcionando como uma 'máquina de transformar verbo em corpo' como diz Menezes Bastos".<ref name="Salik">{{Harvnb|Salik, Adriane Garcia. ''Sonoridades Anímicas: o som nos mitos cosmogônicos indígeno-brasileiros''. Monografia. PUC-PR, |2010, |pp. =22-25; 40-41}}</ref>
 
Por esses poucos exemplos se percebe a forte importância da arte em suas culturas. Contudo, é preciso advertir que eles não tinham um conceito de "[[arte]]" como o ocidental, considerando-a uma atividade autônoma; suas atividades criativas eram integradas às funções cotidianas e sua "arte" era em essência utilitária, em grande medida se confundindo com o [[artesanato]] [[folclore|folclórico]] pelas suas características tradicionalistas, passadas de geração em geração.<ref name="Com Ciência"/><ref name="Hamada">{{Harvnb|Hamada, Katsue e |Zenun, Valeria Maria Alves Adissi. ''Ser índio hoje''. Edições Loyola, |1999. |pp. =59-62}}</ref><ref>{{Harvnb|Lagrou, Els. "Arte ou artefato? Agência e significado nas artes indígenas". In: ''Proa – Revista de Antropologia e Arte'', |2010; ano 02; 01 (02).}}</ref> Esta distinção, que já foi muito usada para desqualificá-la, se tornou, porém, ultrapassada, em vista do amplo reconhecimento atual da cultura indígena material e imaterial como arte efetivamente pelos próprios ocidentais, com riqueza de funções e significados, qualidade estética e níveis de complexidade equiparáveis aos da tradição do ocidente, e muitos museus em todo o mundo possuem preciosas coleções de artefatos indígenas.<ref name="Sedoguch"/><ref name="Dolabella"/><ref name="Montardo"/><ref name="Dorta"/>
 
=== Outros modelos de sociedade ===
[[Imagem:Cerâmica Tupi-Guarani 5.jpg|thumb|Cerâmica [[Línguas tupis-guaranis|tupi-guarani]] pré-cabralina, mostrando o típico modelo despojado predominante no Brasil indígena. [[Museu da UFRGS]]]]
[[Imagem:Vaso-santarém.JPG|thumb|Cerâmica da [[cultura de Santarém]], pré-cabralina. [[Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo]]]]
 
ÉO muitomodelo provávelgeneralista quede este modelo generalistacultura acima descrito, que define tipicamente uma sociedade pré-histórica inteiramente silvícola e seminômade, nãoé tenhao sidoque opor únicomuito desenvolvidotempo pelosfoi primeirosconsiderado povoso brasileirospadrão emcomum temposa maistodas recuados,as emboraculturas sociedadesautóctones muitodo diferenciadasterritório quebrasileiro. porventuraNas tenhamúltimas existidodécadas, no territórioentanto, devemuma tersérie desaparecidode bempesquisas antesvem daacumulando chegadaevidências de [[Pedroque Álvareseste Cabral]]modelo não foi o único desenvolvido pelos povos nativos em tempos mais recuados. Várias tradições e lendas têm circulado há séculos sobre supostas "civilizações" ou "cidades perdidas" na Amazônia e outras regiões brasileiras, trazendo relatos sobre [[hieróglifo]]s misteriosos gravados em pedras, [[megálito]]s, artefatos tecnológicos, [[pirâmide]]s e estruturas urbanas, entre outras anomalias do cenário arqueológico nacional mais conhecido.<ref name="Galdino"/><ref name="Johnni"/><ref name="Civilização"/>
 
Tornaram-se notórios, por exemplo, os casos das "pedras de moinho" de quase 5 m de diâmetro e perfeitamente circulares descritas na [[serra da Copaoba]], na Paraíba, pelo [[polímata]] [[Kaspar Barlaeus]], da corte do conquistador [[Maurício de Nassau]]; o do "[[menir]]" instalado sobre uma enorme pedra esférica descrito no {{séc|XIX}} por [[Adauto Ramos]], do [[IHGB]], e depois destruído;<ref name="Galdino"/> o do "[[Eldorado]] amazônico", um reino fabuloso de riqueza e abundância inimagináveis, e o da "cidade antiquíssima" alegadamente descoberta em 1753 por [[bandeirantes]] que procuravam as lendárias minas de [[Muribeca]], mas que nunca foi reencontrada apesar de muitas buscas. De acordo com o relatório que descreve o local, o famoso ''[[Manuscrito 512]]'' resgatado em 1839 na [[Biblioteca Nacional de Portugal|Real Livraria Pública da Corte]], a cidade, que parecia abandonada, era grande e organizada. Entrava-se nela por um [[arco triunfal]] que continha inscrições, e tinha casario regular de alvenaria cercando uma praça quadrada onde havia vários monumentos, incluindo uma "collumna de pedra preta de grandeza extraordinária, e sobre ella huma Estatua de homem ordinário, com huma mao na ilharga esquerda, e o braço direito estendido, mostrando com o dedo index ao Polo do Norte; em cada canto da dita Praça está uma Agulha, a imitação das que uzavão os romanos, mas algumas já maltratados, e partidos como feridas de alguns raios".<ref name="Johnni">{{Harvnb|Langer, Johnni. [http://www.livrosgratis.com.br/arquivos_livros/ea000103.pdf ''Ruínas e mitos: a arqueologia no Brasil Imperial'']. Tese de Doutorado. UFPR, |2001, |p. =49}}</ref>
[[File:Calçoene,Pedra Stonehengede brasileiraDólmen 2, AmapáAnicuns - GO.jpg|thumb|left|MegálitosDólmen noem [[Parque ArqueológicoAnicuns, do Solstício]].Goiás]]
[[File:2007-08-31 Parque Arqueológico do Solstício.jpg|thumb|left|Megálitos no [[Parque Arqueológico do Solstício]].]]
 
Se uma parte desse folclore pode ser reflexos distantes e distorcidos de povos civilizados pré-cabralinos reais, deixados na memória coletiva de outros povos que depois os transmitiram aos brancos, a maior parte desses relatos é especulação, fantasia, fraude ou má interpretação de elementos naturais.<ref name="Civilização">{{Harvnb|Ferreira, Lucio Menezes. [http://www.revistas2.uepg.br/index.php/rhr/article/view/2072 "Vestígios de Civilização: O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e a Construção da Arqueologia Imperial (1838-1870)"]. In: ''Revista de História Regional'', |1999; 04 (1)}}</ref><ref name="Langer">Langer,{{citar Johnni. [web|url=http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/cacadores-da-lenda-perdida "|título=Caçadores da lenda perdida"]. In: ''Revista de História''|autor=Langer, Johnni|data=07/07/2008</ref> No entanto, nem tudo parece ser engano e invenção, e algumas evidências materiais estudadas com metodologia científica atual apoiam antigas tradições orais. A cerâmica das culturas [[cultura|website=Revista de SantarémHistória|Santarém]] e [[Marajoaraswayb=20150924090528|Marajó]], conhecida e apreciada há bastante tempo, é significativamente mais complexa e tecnicamente avançada do que a da vasta maioria dos outros povos brasileiros, parecendo relacionar-se à de culturas urbanizadas da [[Mesoamérica]] e da costa sul-americana do Pacífico, embora pouco se saiba sobre suas sociedades.<ref nameurlmorta="Langer"/><ref>Schaan, Denise P. [http://seer.ucg.br/index.php/habitus/article/viewFile/380/316 "A arte da cerâmica marajoara: encontros entre o passado e o presente"]. In: ''Habitus'', 2006; 5 (1):99-117sim}}</ref><ref>Museu Nacional. [http://www.museunacional.ufrj.br/exposicoes/arqueologia/exposicao/cultura-santarem "Cultura Santarém"], 2013</ref><ref>Correa, Conceição Gentil. [http://repositorio.museu-goeldi.br/jspui/bitstream/123456789/282/1/P%20Avul%20n4%201965%20CORREA.pdf "Estatuetas de Cerâmica na Cultura Santarém: classificação e catálogo das coleções do Museu Goeldi"]. In: ''Publicações Avulsas do Museu Paraense Emílio Geldi'', 1965; (4):3-21</ref>
 
No entanto, nem tudo é engano e invenção, e evidências estudadas com metodologia científica atual apoiam antigas tradições orais, mostrando que de fato floresceram culturas material e tecnologicamente mais estruturadas no Brasil. A cerâmica das culturas Santarém e [[Marajoaras|Marajó]], conhecida e apreciada há bastante tempo, é significativamente mais complexa e tecnicamente avançada do que a da vasta maioria dos outros povos brasileiros, parecendo relacionar-se à de culturas urbanizadas da [[Mesoamérica]] e da costa sul-americana do Pacífico, embora pouco se saiba sobre suas sociedades.<ref>{{Harvnb|Schaan|2006|pp=99-117}}</ref><ref>{{citar web|url=http://www.museunacional.ufrj.br/exposicoes/arqueologia/exposicao/cultura-santarem|título=Cultura Santarém|ano=2013|publicado=Museu Nacional|wayb=20131218145018|urlmorta=sim}}</ref><ref>{{Harvnb|Correa|1965|pp=3-21}}</ref>
Em anos recentes têm sido feitas outras descobertas que trazem evidências mais fortes de terem vivido culturas material e tecnologicamente mais estruturadas no Brasil, possivelmente até inteiramente sedentárias e com algum grau de efetiva [[urbanização]]. O antropólogo norte-americano Michael Heckenberger publicou um estudo na prestigiada revista ''[[Science]]'' descrevendo vestígios de casas, muros, estradas e represas na área habitada pelos [[cuicuros]], nas cabeceiras do [[rio Xingu]].<ref>Heckenberger, Michael J. [http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/as_cidades_perdidas_da_amazonia.html "As cidades perdidas da Amazônia"]. ''Scientific American Brasil'', s/d.</ref> A partir de importantes e numerosas descobertas feitas em 1999 pelo paleontólogo [[Alceu Ranzi]], estudiosos têm encontrado na região do alto [[rio Purus]] centenas de [[geoglifo]]s de grandes dimensões e com formas geométricas regulares. Os pesquisadores estimaram que a escala das obras envolveria uma população de pelo menos 60 mil pessoas.<ref>Schaan, Denise et alii. [http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/ra/article/viewFile/1681/1323 "Geoglifos da Amazônia ocidental: evidência de complexidade social entre povos da terra firme"]. In: ''Revista de Arqueologia'', 2007; 20: 67-82</ref><ref>[http://www.brasil247.com/pt/247/revista_oasis/122152/Civiliza%C3%A7%C3%B5es-perdidas-Novos-vest%C3%ADgios-de-povos-do-passado.htm "Civilizações perdidas: novos vestígios de povos do passado"]. Brasil 247, 27/11/2013</ref><ref>Dufaur, Luis. "Desmatamento revela civilizações perdidas na Amazônia". ''Verde'', 03/05/2010</ref> No [[Amapá]], no município de [[Calçoene]], descobriu-se megálitos com cerca de 2 mil anos que, se presume, eram utilizados para observações astronômicas. A região foi transformada no [[Parque Arqueológico do Solstício]].<ref>Corrêa Márcia. [http://www.ufrgs.br/nuparq/news/randolfe-vai-atuar-para-potencializar-turismo-em-sitios-arqueologicos "Randolfe vai atuar para potencializar turismo em sítios arqueológicos"], Núcleo de Pesquisa Arqueológica da UFRGS.</ref> Segundo [[Luiz Galdino]], "menires, [[dólmen]]s e principalmente alinhamentos de pedras, apontando para a posição em que o Sol nasce no primeiro dia do inverno ([[solstício]]), têm sido descobertos no Roraima e Amapá, Goiás, Maranhão e Piauí, Paraná e Santa Catarina". A [[pedra do Ingá]] é outro sítio que tem fascinado pesquisadores pela complexidade das suas [[gravura rupestre|gravuras rupestres]].<ref name="Galdino">Galdino, Luiz. [http://mhn.uepb.edu.br/Livros/pre-historiaii_isbn978-85-99619-32-2.pdf "As itaquatiaras e os megálitos"]. In: Oliveira, Thomas Bruno (org.). ''Pré-História II: Estudos para a arqueologia da Paraíba''. Sociedade Paraibana de Arqueologia / JRC Editora, 2011, pp. 43-45</ref>
 
[[Menir]]es, [[dólmen]]s e alinhamentos de pedras apontando para a posição em que o Sol nasce no [[solstício]] do inverno foram descobertos em Roraima, Goiás, Maranhão e Piauí, Paraná e Santa Catarina.<ref name="Galdino">{{Harvnb|Galdino|2011|pp=43-45}}</ref> Tornaram-se bem conhecidos os [[megálito]]s do [[Parque Arqueológico do Solstício]] no município de [[Calçoene]], no [[Amapá]], datados com cerca de 2 mil anos que, se presume, eram utilizados para observações astronômicas.<ref>{{citar web|url=http://www.ufrgs.br/nuparq/news/randolfe-vai-atuar-para-potencializar-turismo-em-sitios-arqueologicos|título=Randolfe vai atuar para potencializar turismo em sítios arqueológicos|autor=Corrêa Márcia|publicado=Núcleo de Pesquisa Arqueológica da UFRGS|wayb=20131215022226|urlmorta=sim}}</ref>
 
Mais relevantes são as centenas de [[geoglifo]]s que vêm sendo descobertos em toda a Bacia Amazônia depois do desenvolvimento recente de novas tecnologias para mapeamento aéreo e por satélite, incluindo áreas fora do Brasil, mas concentrados nos estados brasileiros do Acre, Rondônia e Amazonas, numa faixa com uma extensão de cerca de 1.800 km.<ref name="Communications">{{Harvnb|Souza|Schaan|Robinson|Barbosa|2018}}</ref><ref>{{citar web|url=http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/as_cidades_perdidas_da_amazonia.html|título=As cidades perdidas da Amazônia|autor=Heckenberger, Michael J.|data=Outubro de 2009|website=Scientific American Brasil|wayb=20091027103503|urlmorta=sim}}</ref> Os geoglifos são diferenças detectadas no nível do terreno, de grandes dimensões e formas geométricas regulares, que evidenciam a antiga existência de alterações feitas pelo homem na paisagem através de obras de terraplenagem, escavação ou construção, constituindo vestígios de estruturas como canais, diques, estradas, cultivos agrícolas organizados, arruamentos, alicerces de edifícios urbanos, cemitérios, santuários, etc.<ref name="Communications"/><ref>{{Harvnb|Schaan|Martti|Ranzi|Piccoli|2007|p=67-82}}</ref>
 
As estruturas geoglíficas encontradas no Brasil são às vezes monumentais, indicando a existência de algumas sociedades muito avançadas. Tradições da região recolhidas no século XVIII diziam que estas áreas haviam sido densamente povoadas no passado. Escavações em diversos sítios têm trazido à luz cerâmicas, ex-votos e outros artefatos com acentuada diversificação estilística de lugar para lugar, o que aponta para povos que tinham uma tradição construtiva em comum mas haviam desenvolvido identidades separadas. Este campo de pesquisa é recente e ainda há pouca informação sobre o funcionamento detalhado dessas sociedades, mas segundo Souza et alii, pela quantidade e amplitude das obras pode-se pensar em sociedades organizadas em nível regional e não somente local, muito estruturadas, hierarquizadas e estáveis, com alta densidade populacional. Grandes construtores, com capacidade de planejamento a longo prazo, viviam em grandes vilas fortificadas com paliçadas e fossos, situadas sobre montes artificiais, às vezes com vários círculos concêntricos de defesas, interligadas por uma rede de estradas. Sua estrutura básica geralmente reflete os atuais aldeamentos indígenas do Xingu, mas em uma escala muito ampliada.<ref name="Communications"/> Alguns desses povos aparentemente viviam principalmente da agricultura, e outros viviam principalmente do manejo planejado dos recursos florestais nativos combinado ao cultivo de espécies arbóreas selecionadas. Há evidências de extensa e duradoura domesticação do ambiente nas áreas com geoglifos.<ref name="Esquer">{{citar web|url=https://news.mongabay.com/2023/12/ancient-amazon-earthwork-findings-spotlight-indigenous-land-struggles-today/|título=Ancient Amazon earthwork findings spotlight Indigenous land struggles today|autor=Esquer, Michael|data=01/12/2023|website=Mongabay}}</ref>
 
Até 2023, 961 sítios com geoglifos foram descobertos na Amazõnia, datados de c. 500 a c. 1500 d.C.,<ref name="Planck">{{citar web|url=https://www.shh.mpg.de/2358929/earthworks-amazonia|título=Amazonian Rainforest Hides Thousands of Records of Ancient Indigenous Communities Under Its Forest Canopy|data=05/10/2023|publicado=Max Planck Institute}}</ref> com um pico de ocupação nos sítios entre os anos de 1250 e 1500.<ref name="Communications"/> Nesta época podem ter vivido até 10 milhões de pessoas na Amazônia, e o desaparecimento dessas sociedades altamente organizadas foi atribuído à chegada dos europeus.<ref name="Esquer"/> Eles se distribuem por toda a Amazônia, mas de forma muito irregular, com áreas de alta concentração e outras (a grande maioria) onde nenhum foi achado.<ref name="Esquer"/> Segundo estimativa de Paripato et alii, pode-se esperar encontrar de 10 a 20 mil outros sítios semelhantes.<ref>{{Harvnb|Peripato|Levis|Moreira|Gamerman|2023|pp=103-109}}</ref> Segundo a arqueóloga Carolina Levis, da Universidade Federal de Santa Catarina, "há algum tempo, os ecologistas viam a Amazônia como uma vasta floresta intocada, mas agora, combinando vários tipos de vestígios, podemos ver que muitas áreas que hoje são florestas densas já foram antigamente submetidas a extensas obras de engenharia e ao cultivo e domesticação de plantas por sociedades pré-colombianas, dominando técnicas sofisticadas de manejo de terras e plantas, que, em alguns casos, ainda estão presentes no conhecimento e práticas das comunidades atuais".<ref name="Planck"/>
 
== Contato com os europeus e assimilação à sociedade brasileira ==
{{Artigo principal|Brasil Colônia|Genocídio dos povos indígenas no Brasil|Lista de guerras indígenas no Brasil}}
[[Imagem:Indústria lítica Jê - machado.jpg|thumb|Machado em [[pedra polida]], [[indústria lítica]] [[Jês|jê]]. Museu da UFRGS]]
[[Imagem:Dança dos Tapuias.jpg|thumb|''Dança dos [[Tarairiús|Tarairiú]]'', óleo sobre tela de [[Albert Eckhout]] (século XVII). A [[Capitania de Pernambuco]] foi o berço da escravidão indígena no Brasil.<ref>{{Citar web|url=http://www3.folhape.com.br/diversao/diversao/literatura/2018/12/02/NWS,89165,71,585,DIVERSAO,2330-ENTREVISTA-COM-LAURENTINO-GOMES-MERGULHO-ORIGEM-EXCLUSAO-SOCIAL.aspx|título=Entrevista com Laurentino Gomes: um mergulho na origem da exclusão social|publicado=Folha de Pernambuco|data=02/12/2018|acessodata=27-2-2019|wayb=20190228005706|urlmorta=sim}}</ref>]]
[[Imagem:Rugendas - Aldea des Tapuyos.jpg|thumb|Uma redução de [[tapuias]] no {{séc|XIX}}, no Brasil central, em aquarela de [[Rugendas]]]]
As populações pioneiras da América, não encontrando competidores, e tendo uma rica [[megafauna]] à disposição para caça, floresceram, espalhando-se pelos quatro quadrantes do continente. Alguns grupos chegaram a desenvolver, após muitos milênios, civilizações urbanas letradas de elevada complexidade social e tecnológica, grande poderio militar e riqueza material, realizando ampla transformação da Natureza, como os [[maias]] e [[astecas]].<ref name="Battaglia"/> Os povos que se radicaram no Brasil, por sua vez, semi-isolados pela [[cordilheira dos Andes]] das culturas mais sofisticadas do Pacífico e da América Central, mantiveram hábitos silvícolas despojados e seminômades, ainda viviam na [[pré-história]], e desconheciam tecnologias como a [[roda]], o [[espelho]] ou as [[armas de fogo]]. Portanto, a [[Descoberta do Brasil|chegada dos europeus em 1500]] representou um [[choque cultural]] enorme.<ref name="guia"/>{{fonte melhor}}<ref name="Battaglia"/><ref name="Schmitz">{{Harvnb|Schmitz, Pedro Ignácio. [https://web.archive.org/web/20150420084036/http://www.anchietano.unisinos.br/publicacoes/documentos/documentos05.pdf "Migrantes da Amazônia: a tradição tupiguarani"]. In: Instituto Anchietano de Pesquisas [Schmitz, Pedro Ignácio (ed.)]. ''Arqueologia do Rio Grande do Sul, Brasil - Documento 5''. Unisinos, |2005, |pp. =30-55}}</ref>
 
A superioridade militar, administrativa e tecnológica dos portugueses logo se impôs, e até mesmo a sua arte foi usada em seu favor, sendo notório, por exemplo, o irresistível fascínio que a música ocidental exercia sobre muitos povos, facilitando imenso a [[aculturação]]. A admiração não foi recíproca. Entendendo o indígena como um ser bruto, quase um animal, que deveria ser domesticado ou derrotado, os portugueses não viam mal no processo colonizador, e de fato muitos acreditavam que a colonização iria salvar o indígena de terríveis erros morais e de sua "pobreza" cultural e material. Mas, na prática, mesmo que a [[Igreja Católica]] desde o {{séc|XVI}} tivesse reconhecido neles a condição de seres humanos, o europeu muitas vezes nem acreditava que possuíssem alma ou intelecto, não exigindo a consideração devida aos homens. Na sua lógica não havia justificativa para que não aceitassem o jugo imposto, pois era para seu próprio bem. Os que não o fizessem espontaneamente, então nada os poderia salvar, pois como eram "apenas bestas", "peças" que podiam ser postas em mercado, estavam entregues à cobiça dos [[bandeirantes]] e [[capitão do mato|capitães-do-mato]] caçadores de indígenas. Esta mentalidade, predominando, autorizou o massacre que se seguiu, numa época em que a conquista de outros mundos e a subjugação a ferro e fogo de outros povos eram coisa normal e tanto fonte de glória e honra como de lucro e poder. Algumas tribos aceitaram facilmente a dominação portuguesa, mas muitas outras resistiram, passando a ser perseguidas e exterminadas em massa, ou acabavam virando escravas.<ref name="Araújo">{{Harvnb|Araújo, A. V. (org). [http://laced.etc.br/site/acervo/livros/povos-indigenas-e-a-lei/ ''Povos Indígenas e a lei dos "brancos": o direito à diferença'']. Série Via dos Saberes n. 3. Edições MEC/Unesco, |2006, |pp. =23-79}}</ref><ref>{{Harvnb|Oliveira, Paulo Celso de. [http://laced.etc.br/site/acervo/livros/povos-indigenas-e-a-lei/ "O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e os direitos indígenas"]. In: Araújo, A. V. (org). ''Povos Indígenas e a lei dos "brancos": o direito à diferença''. Série Via dos Saberes n. 3. Edições MEC/Unesco, |2006, |pp. =102-121}}</ref><ref>Paiva, José Maria de. "A Doutrina Feita aos Índios: Brasil, {{sécHarvnb|XVIPaiva|2005}}". In: ''IX Simpósio Internacional Processo Civilizador: Tecnologia e Civilização''. Ponta Grossa, 24-26/11/2005</ref><ref name="Lima">Lima, Luciana Alves de. [http://www.indigena.caop.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=73 ''Direito Socioambiental - Proteção da diversidade biológica e cultural dos povos Indígenas''] {{WaybackHarvnb|url=http://www.indigena.caop.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=73 Lima|date=20131112195445 2009}}. Faculdade de Direito de Curitiba, 2009.</ref> Entre as primeiras obras publicadas sobre os povos indígenas brasileiros, no {{séc|XVI}}, encontram-se os livros escritos pelo [[mercenário]] alemão [[Hans Staden]], pelo [[missionário]] francês [[Jean de Léry]] e pelo [[historiador]] português [[Pero de Magalhães Gândavo]].<ref>{{Harvnb|Melatti, |2007|p. =58}}</ref>
 
Diversas ordens religiosas, em particular os [[jesuítas]], participaram da conquista mandando missionários bem preparados que serviram como evangelizadores, pacificadores, professores, médicos e artistas, e supriam necessidades em todas as áreas. Formou-se um sistema de [[reduções]], aldeamentos fixos mais ou menos auto-suficientes, semelhantes a vilas europeias, administrados pelos padres com a cooperação dos indígenas. Muitos encontraram ali proteção contra a barbárie que se abatia sobre os povos livres, e religiosos como [[Manuel da Nóbrega]] e [[António Vieira]] se notabilizaram empreendendo, através de sua influência política e moral, esforços constantes para protegê-los, dentro do entendimento da cultura dominante. Porém, o preço pago pela proteção foi a perda integral das raízes culturais que distinguiam cada povo, homogeneizando-se a cultura de todos sob o manto do [[Catolicismo]] e o império da Coroa portuguesa, e transformando-os em pequenos produtores rurais. Comparado ao florescente exemplo da Província Jesuítica do Paraguai e doutras partes da [[América espanhola]], o sistema das reduções no Brasil foi bem menos eficiente e organizado, encontrando muitas resistências indígena, mas de qualquer maneira teve um papel importante no processo aculturador e foi a origem de muitas cidades brasileiras,<ref name="Schmitz"/><ref>De {{Harvnb|Almeida, M. Berenice & |Puci, Magda Dourado. ''Outras Terras, Outros Sons''. São Paulo: Callis Editora Ltd., |2003, |pp. =52-53}}</ref><ref>{{Harvnb|Marzal, Manuel M. "Las Misiones Jesuitas, una Utopia Posible?" In: Marzal, Manuel María & |Tua, Sandra Negro. ''Un reino en la frontera: las misiones jesuitas en la América colonial''. Fondo Editorial Pontifícia Universidad Católica del Perú, |1999. |pp. 489=37-495</ref><ref>Gómez46, Fernando. "Jesuit Proposals for a Regulated Society in a Colonial World: the cases of Antonio Ruiz de Montoya and Antonio Vieira". In Marzal, Manuel María & Tua, Sandra Negro. ''Un reino en la frontera: las misiones jesuitas en la América colonial''. Fondo Editorial Pontifícia Universidad Católica del Perú, 1999. pp. 49-71</ref><ref>Chambouleyron, Rafael. "El manto del Ordem: el plan evangelizador del P. Manuel da Nóbrega". In Marzal, Manuel María & Tua, Sandra Negro. ''Un reino en la frontera: las misiones jesuitas en la América colonial''. Fondo Editorial Pontifícia Universidad Católica del Perú, 1999. pp. 37489-46495}}</ref><ref>{{Harvnb|Saint-Hilaire, Auguste de. ''Viagem ao Rio Grande do Sul''. Porto Alegre: Martins Livreiro, |2002. |p.=323}}</ref> como [[São Pedro da Aldeia]], [[São Miguel das Missões]] e [[São Nicolau (Rio Grande do Sul)|São Nicolau]].<ref>Prefeitura{{citar de São Pedro da Aldeia. [http://www.pmspa.rj.gov.br/historia_municipio.aspx "História"].</ref><ref>Candeias, Nelly Martins Ferreira. [web|url=http://www.jbcultura.com.br/nelly/rguarani.htm "|título=República Guarani: As Ruínas de São Miguel"] {{Wayback|urlautor=http://www.jbcultura.com.br/nelly/rguarani.htmCandeias, Nelly Martins Ferreira|datepublicado=20091128150303 }}. Palestra no Clube dos 21 Irmãos Amigos, |local=São Paulo.|wayb=20091128150303|urlmorta=sim}}</ref><ref>Fonseca,{{citar Bianca Trindade da. [web|url=http://www.partes.com.br/politica/missoesjesuiticas.asp "|título=Missões Jesuíticas: antecedentes históricos"].|autor=Fonseca, ''Bianca Trindade da|website=Revista P@rtes'', |data=11/03/2011|wayb=20110817015244|urlmorta=sim}}</ref>
 
[[Imagem:Theodor de Bry - Ataque de Portugueses e Tupiniquins às Cabanas Tupinambás.jpg|thumb|esquerda|Theodor de Bry: ''Ataque de portugueses e tupiniquins às aldeias tupinambás, c. 1592]]
[[Imagem:Debret - Carga de cavalaria guaicuru.jpg|thumb|esquerda|Debret: ''Carga de cavalaria guaicuru'', 1822]]
Porém, nas últimas décadas, as novas produções históricas têm dado visibilidade a uma outra análise da questão indígena. Sem negar a violência com que muitos europeus os trataram, elas têm passado a ver não apenas uma vítima passiva da colonização europeia, mas também um agente que interferiu e teve papel fundamental no processo de construção da sociedade brasileira moderna. Sem a ajuda dos índios, a própria colonização teria sido impraticável. Índios amistosos comercializavam com os colonos portugueses, fornecendo-lhes víveres e produtos naturais valiosos como madeira, condimentos e substâncias medicinais, e contribuíram mesmo para escravizar e exterminar outros índios, participando das [[entradas e bandeiras]], expedições portuguesas que visavam a escravização indígena.<ref name="guiaPOMPA"/>{{fonte melhorHarvnb|Fernandes|2004}}<ref name="POMPA">Fernandes, João Azevedo. ["POMPA, Cristina. 2003. ''Religião como tradução: missionários, Tupi e Tapuia no Brasil colonial''. Bauru, SP: EDUSC/ANPOCS. 444 pp."]. Resenha. In: ''Mana'', 2004; 10 (1)</ref><ref name="ReferenceA">{{Harvnb|Cunha, Manuela Carneiro da. "O futuro da questão indígena". In: ''Estudos Avançados'', |1994; 8 (20).}}</ref><ref>{{Harvnb|Barreto, Cristiana. "Entre mistérios e malogros: os primeiros contatos com ameríndios da Amazônia". In: Scatamacchia, Maria Cristina M.; Solano, Francisco E. (org.). ''América, Contacto y Independência''. Instituto Panamericano de Geografía y Historia, |2008, |pp. =110-121}}</ref> Em 1605, o padre Jerônimo Rodrigues ficou espantado em [[Santa Catarina]] ao ser recebido por índios interessados em vender outros índios, inclusive pessoas da própria família, em troca de roupas e ferramentas. O padre escreveu: "Outro moço vindo aqui onde estávamos, vestido em uma camisa, perguntando-lhe quem lhe dera, respondeu que, vindo pelo navio, dera, por ela, por alguma ferramenta, um seu irmão".<ref name="guia"/>{{fonte melhor}}
 
Muitos índios se beneficiaram com a chegada dos portugueses. A vida junto aos brancos parecia atrativa e muitos indígenas abandonavam voluntariamente suas aldeias e iam viver junto deles.<ref name="ReferenceB">Garcia,{{citar Elisa Frühaufweb|url=https://act14-anjovida. "blogspot.com/2015/02/solucao-caseira.html|título=Solução caseira".|autor=Garcia, In:Elisa ''Frühauf|data=01/04/2013|website=Revista de História'', 01/04/2013}}</ref> As novas tecnologias trazidas pelos colonizadores e desconhecidas dos índios provocaram uma revolução na vida das tribos. O anzol facilitou enormemente a pesca. O uso do machado de metal diminuiu muito o trabalho dispendido para se cortar coisas. A introdução de [[espécies exóticas]], como a banana, a jaca, a manga e a laranja, ofereceu novos e valiosos recursos alimentares para as tribos.<ref name="guia"/>{{fonte melhor}} A introdução do cavalo e do gado facilitou deslocamentos, a [[aragem]] da terra para as lavouras e o transporte de cargas, além de o cavalo favorecer a guerra e a caça, tornando-se afamados cavaleiros os [[charruas|charrua]] e [[guaicurus|guaicuru]], por exemplo,.<ref>CPEA / ESALQ / USP. [http://www.cepea.esalq.usp.br/pdf/cavalo_completo.pdf ''Estudo do Complexo do Agronegócio Cavalo: Relatório Final''], {{Harvnb|Lima|Shirota|Barros|2006, |pp. =20-26}}</ref><ref>Ferreira, Andrey Cordeiro. [http://www.ifch.unicamp.br/ihb/Textos/GT48Andrey.pdf "Conquista Colonial, Resistência Indígena e Formação do Estado-Nação: os índios Guaicuru e Guaná no Mato Grosso do {{sécHarvnb|XIXFerreira|2006}}"]. ''25ª Reunião Brasileira de Antropologia''. Goiânia, 11-14/06/2006</ref><ref>Zorzetto,{{citar Ricardo. [periódico|url=http://revistapesquisa.fapesp.br/2007/04/01/o-dna-dos-pampas/ "|título=O DNA dos Pampas"]. In: ''Pesquisa Fapesp''|autor=Zorzetto, Ricardo|ano=2007; 134</ref> e o cachorro domesticado protegia as tribos de ameaças. Outros grupos usaram portugueses como aliados para exterminar tribos rivais. Caso emblemático foi a [[Confederação dos Tamoios|Guerraperiódico=Pesquisa dos Tamoios]], travada no [[Rio de Janeiro (estado)Fapesp|Rio de Janeiro]] nos anos de 1556 e 1557. Os [[tupiniquim]] e os [[temiminó]] ajudaram os portugueses a expulsar os franceses da região, e depois contaram com o apoio português para exterminar seus inimigos antigos, os [[tupinambá]].<ref namenúmero="guia"/>{{fonte melhor134}} Para um grupo indígena, um grupo rival era tão "estrangeiro" quanto os portugueses, franceses, espanhóis ou holandeses.<ref name=guiaa>Narloch, Leandro & Teixeira, Duda. ''Guia Politicamente Incorreto da América Latina''. Leya, 2011.</ref>
 
[[Imagem:Meirelles-primeiramissa2.jpg|thumb|''[[A Primeira Missa no Brasil]]'', de [[Vítor Meireles]], 1860, [[Museu Nacional de Belas Artes (Brasil)|Museu Nacional de Belas Artes]]. Imagem romântica mostrando uma integração pacífica. Durante o {{séc|XIX}}, o [[Romantismo]] tornou o índio um personagem heroico virtuoso]]
 
No {{séc|XIX}}, por meio da corrente [[romantismo|romântica]] conhecida como [[indianismo]], o índio passou a ser descrito no discurso oficial e nas artes eruditas como o "[[bom selvagem]]". Essa concepção, derivada do [[Iluminismo]], via o índio como dono de uma moral pura, vivendo em harmonia com a Natureza, uma vítima indefesa da crueldade europeia. Nesta época literatos e artistas falavam deles como os primogênitos do Brasil, fundamento de uma nova ideia de unidade nacional, uma ideologia sentimental, ufanista e progressista que foi adotada pelo governo em um amplo programa de reformas em vários níveis da vida brasileira, das artes à economia, da política à educação.<ref>{{Harvnb|Biscardi, Afrânio & |Rocha, Frederico Almeida. "O Mecenato Artístico de D. Pedro II e o Projeto Imperial". In: ''19&20 - A revista eletrônica de DezenoveVinte'', |2006; I (1).}}</ref><ref>{{Harvnb|Franz, Teresinha Sueli. "Victor Meirelles e a Construção da Identidade Brasileira". In: ''19&20 - A revista eletrônica de DezenoveVinte'', |2007; II (3).}}</ref> No entanto, para os índios, na prática a situação era bem diferente. Mesmo depois de inúmeros regulamentos civis e eclesiásticos desde o {{séc|XVI}} tentarem proteger os povos nativos, garantindo os seus [[direitos humanos]] e os seus direitos às [[terras indígenas|terras em que habitam]], a sociedade branca de modo geral fazia ouvidos surdos e ainda não os aceitava como iguais. É registrado que o governo tentou várias vezes proibir a escravidão indígena, mas as tentativas despertavam revoltas entre os colonos, que não queriam perder o capital que representavam e a sua força de trabalho. Outras leis contradiziam as que os protegiam, e continuavam a ser considerados judicialmente incapazes, devendo ser [[tutela]]dos pelo Estado, que os confinava em reservas pequenas ou expulsava tribos de suas terras sob pretextos os mais frágeis. Muitos continuavam a ser escravizados, perseguidos e mortos.<ref name="Lima"/><ref name="Gomes">{{Harvnb|Gomes, Mércio Pereira. "O Caminho Brasileiro para a Cidadania Indígena". In: Jaime Pinsky & Carla B. Pinsky (orgs), ''História da Cidadania''. Editora Contexto, |2008, |pp. =1-19}}</ref><ref name="Eisenberg">{{Harvnb|Eisenberg, José. [http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1218704648R7vGO3gi9Rk66BF2.pdf "A escravidão voluntária dos índios do Brasil e o pensamento político moderno"]. In: ''Análise Social'', |2004; XXXIX (170):|pp=7-35}}</ref><ref name="Neto, Cicinato">{{Harvnb|Neto, Cicinato Ferreira. [http://www.apeoc.org.br/extra/artigos_cientificos/Indigenas_e_Negros_no_Vale_Jaguaribe.pdf "Indígenas e Negros no Vale do Jaguaribe: entre o cativeiro e a liberdade"]. In: ''Seminário História, Cultura e identidade indígena, negra e afro-brasileira''. Morada Nova, 10/09/|2011}}</ref> No final do processo da colonização, estima-se que a população indígena havia declinado de cerca de 5 milhões para cerca de 600 mil pessoas, vivendo em grande parte em condições de opressão e miséria.<ref name="Gomes"/>
 
Boa parte da população indígena morreu nas guerras, nas perseguições e na escravidão, mas grande mortalidade se deveu ao contágio de doenças trazidas pelos europeus, contra as quais os índios não tinham [[imunidade]], por terem vivido durante milênios isolados de outras populações.<ref>Funai.{{citar [https://web.archive.org/web/20131113061531/|url=http://www.funai.gov.br/indios/origem.html "|título=A Chegada do Europeu"].|publicado=Funai|wayb=20131113061531|urlmorta=sim}}</ref> Durante o {{séc|XIX}}, com os avanços em [[epidemiologia]], começaram a ser documentados casos de brasileiros desencadeando propositalmente epidemias de [[varíola]] como [[arma biológica]] contra os índios. Um caso "clássico", segundo antropólogo Mércio Pereira Gomes, é o da vila de [[Caxias (Maranhão)|Caxias]], no sul do Maranhão. Por volta de 1816, para conseguir mais terras, fazendeiros resolveram "presentear" os índios [[Timbira (povos)|timbira]] com roupas de pessoas infectadas pela doença (que normalmente são queimadas para evitar contaminação). Os índios levaram as roupas para as aldeias e, logo, os fazendeiros tinham muito mais terra livre para a criação de gado. Casos similares ocorreram por toda a América do Sul.<ref>[http://www.socioambiental.org/noticias/nsa/nsa/detalhe?id=64 "O caso Caxias e outros mais"]. [[Instituto Socioambiental]].</ref> As "doenças do homem branco" ainda afetam as tribos indígenas, causando muitos óbitos.<ref>[https://{{citar web.archive.org/web/20110522073212/|url=http://oglobo.globo.com/pais/mat/2008/05/24/reserva_indigena_vale_do_javari_no_amazonas_agoniza_com_malaria_hepatite-508148995.asp "|título=Reserva indígena: Vale do Javari, no Amazonas, agoniza com malária e hepatite"]. ''|data=24/05/2008|website=[[O Globo]]'', 24/05/2008|wayb=20110522073212|urlmorta=sim}}</ref>
 
=== Ancestralidade indígena na atual população brasileira ===
{{Artigo principal|Composição étnica do Brasil}}
Outra grande parte da população indígena não pereceu, mas foi assimilada pela sociedade brasileira, dando origem a prolífica descendência que, não obstante, já não mais se identifica como "índia".<ref name="guia"/>{{fonte melhor}}<ref name="atrapalha"/> [[Gilberto Freyre]], em ''[[Casa-Grande & Senzala]]'', considerou o elemento indígena como importante formador da identidade social brasileira, principalmente nos primeiros séculos de contato com os europeus, atribuindo um papel essencial às "cunhãs", as mulheres nativas:
 
::"Para a formidável tarefa de colonizar uma extensão como o Brasil, teve Portugal de valer-se no {{séc|XVI}} do resto de homens que lhe deixara a aventura da Índia. E não seria com esse sobejo de gente, quase toda miúda, em grande parte plebeia, além do mais, [[moçárabe]], isto é, com a consciência de raça ainda mais fraca que nos portugueses fidalgos ou nos do norte, que se estabeleceria na América um domínio português exclusivamente branco ou rigorosamente europeu. A transigência com o elemento nativo se impunha à política colonial portuguesa: as circunstâncias facilitaram-na. A [[luxúria]] dos indivíduos, soltos sem família, no meio da indiada nua, vinha servir a poderosas razões do Estado no sentido de rápido povoamento [[mestiço]] da nova terra. E o certo é que sobre a mulher [[gentio|gentia]] fundou-se e desenvolveu-se através dos séculos XVI e XVII o grosso da sociedade colonial, em um largo e profundo mestiçamento, que a interferência dos padres da [[Companhia de Jesus]] salvou de resolver-se todo em [[libertinagem]] para em grande parte regularizar-se em casamento cristão".<ref>{{Harvnb|Freyre, |2006|p. =161.}}</ref>
 
[[Imagem:Il Guarany Score Front Cover.jpg|thumb|Capa da [[partitura]] da [[ópera]] ''[[Il guarany|O Guarani]]'', de [[Carlos Gomes]], baseada no [[O Guarani|romance homônimo]] de [[José de Alencar]], um clássico da mitificação romântica do índio como o [[bom selvagem]]]]
Hodiernamente, milhões de brasileiros descendem, em diferentes graus, dos povos indígenas. Em uma pesquisa realizada em 2008, o IBGE perguntou a origem familiar de brasileiros de diferentes regiões e 21,4% dos entrevistados declararam descender de índios.<ref name="racial">IBGE.{{citar [https://web.archive.org/web/20130903031653/|url=http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/caracteristicas_raciais/PCERP2008.pdf ''|título=Características étnico-raciais da população'']. |ano=2008|publicado=IBGE|wayb=20130903031653|urlmorta=sim}}</ref> De fato, tradições familiares recordando de "avós índias laçadas no mato", cobiçadas pela sua beleza e mesmo sua bravura, mas "amansadas" o suficiente para se tornarem esposas cristãs, são recorrentes pelo Brasil afora.<ref>{{Harvnb|Soares, Geralda Chaves. [http://www.amde.ufop.br/tccs/Aracuai/Aracuai%20-%20Geralda%20Chaves%20Soares.pdf ''Olhando o Passado e Construindo o Bem Viver na Aldeia Cinta Vermelha Jundiba"]. Monografia. Programa de Pós-Graduação em Educação para a Diversidade da Universidade Federal de Ouro Preto, agosto de |2012, |p. =11}}</ref><ref name="Elaine">{{Harvnb|Rocha, Elaine Pereira. [http://www.periodicos.ufes.br/dimensoes/article/viewFile/2444/1940 "Antes índio que negro"]. In: ''Dimensões — Revista de História da Ufes'', |2006; 18:|pp=203-220}}</ref><ref>{{citar web|ultimo=Cândido Marcos|primeiro=Marina|url=http://www.indioeduca.org/?p=1697|titulo=“Minha vó era bugre!”|data=2012-06-15|website=Índio Educa|arquivourlwayb=https://web.archive.org/web/20141227083231/http://www.indioeduca.org/?p=1697|arquivodata=2014-12-27|urlmorta=sim}}</ref><ref>{{Harvnb|Dawsey, John Cowart. ''[https://www.worldcat.org/pt/title/212886307 Memorial]''. Universidade de São Paulo, |2006, |p. =166}}</ref> Complementando a descrição de Freyre, Elaine Rocha, da [[Universidade de Adis Abeba]], diz que o índio, antes visto como um indolente inútil para o trabalho, um bêbado contumaz ou um rebelde perigoso, adquiriu prestígio quando foi mitificado pelos românticos do {{séc|XIX}}, e sua incorporação à sociedade branca em certos aspectos foi mais fácil do que a do negro, muito mais desprezado pela cultura dominante, e cuja dignificação só está se processando recentemente, mesmo que este também tenha deixado vastíssima descendência miscigenada, tanto com brancos como com índios.<ref name="Elaine"/> Prossegue a pesquisadora:
 
::"O relacionamento entre índios e brancos durante a conquista da terra (foi reconstruído pelos românticos) de maneira que ficasse bem clara a superioridade moral e material do europeu, devidamente reconhecida pelos indígenas, que almejam, sobretudo, servir ao branco por quem se apaixonam e por quem são capazes de sacrificar a vida.... Dessa maneira, a nobreza do protagonista indígena só se mantém na medida em que se reconhece o mérito civilizador de seu senhor. Assim também, no mito da avó que foi pega a laço, a avó, no caso é a corajosa indígena que, a princípio, resiste ao agressor, mas, ao final, se rende à sua superioridade. Numa única lenda, as famílias logram explicar a tonalidade da pele mais escura, exaltar a honra da avó, que só se rendeu aos encantos do homem branco depois de 'laçada', e da indígena fiel que permanece casada e dá ao senhor uma família 'genuinamente' brasileira".<ref name="Elaine"/>
 
Pesquisas científicas confirmam aquelas tradições familiares, mostrando que milhões de brasileiros carregam em seu [[DNA]] o material genético de povos indígenas. A população brasileira é bastante heterogênea, portanto o grau de ancestralidade indígena varia de pessoa para pessoa e também geograficamente. De maneira geral, as pesquisas mostram que os brasileiros apresentam alto grau de ancestralidade europeia do lado paterno, enquanto as ancestralidades ameríndias e africanas predominam do lado materno. Isso reflete a característica da colonização portuguesa, na qual a maioria dos colonizadores eram homens, gerando o padrão sexual de miscigenação entre homem europeu e mulher indígena ou africana. O Brasil contrasta com outros países da [[América Latina]] onde a presença negra é inexistente ou residual.<ref>{{Harvnb|Ribeiro, Darcy. ''As Américas e a Civilização - processo de formação e causas do desenvolvimento cultural desigual dos povos americanos''. [[Companhia de Bolso]], |2007.}}</ref>
 
Em uma dessas pesquisas, 33% dos brasileiros brancos, da classe média, descendem de uma ancestral indígena pela linhagem materna. Nenhum deles descende de índios pela linhagem paterna. Isso confirma que o homem indígena deixou poucos descendentes no Brasil, enquanto a mulher indígena foi importante na formação da população brasileira:<ref>{{Harvnb|Alves -Silva, J. et alii. "The Ancestry of Brazilian mtDNA Lineages". In: ''The American Journal of Human Genetics'', |Santos|Guimarães|Ferreira|2000; 67 (2):|pp=444–61}}</ref> Outra pesquisa informou que os brasileiros, brancos, pardos ou negros, apresentam um grau uniforme de ancestralidade indígena, normalmente abaixo dos 20%. Existe, contudo, discrepância regional. Enquanto que na amostra de [[Manaus]], capital no [[Amazonas]], 37,8% da ancestralidade da população é indígena, em [[Santa Catarina]] é de apenas 8,9%.<ref name="automosal">{{Harvnb|O'Rourke, Dennis (Editor). [http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3779230/ "Revisiting the Genetic Ancestry of Brazilians Using Autosomal AIM-Indels"]. In ''Plos One'', |2013; 8(9): |p=e75145.}}</ref>
 
== Situação recente ==
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[[Imagem:Manifestantes em conflito com a polícia em Brasília sobre área indígena 2.JPG|thumb|Manifestantes em conflito com a polícia em Brasília sobre área considerada indígena mas reivindicada por uma construtora, 2011]]
[[Imagem:Indios guarani em porto alegre.jpg|thumb| Índios [[Guaranis|guarani]] de uma aldeia urbana de Porto Alegre, marginalizados, vivendo de alguma ajuda oficial e da venda de artesanato nas ruas]]
O convívio dos povos indígenas com o restante da sociedade brasileira tem sido problemático desde o Descobrimento, mesmo com seus lados positivos, e não parece que as tensões vão se resolver tão cedo. Para uns o caminho inevitável é a progressiva assimilação à sociedade ocidental, para outros, o isolamento se revela a única maneira de preservar a identidade cultural das tribos, que se dissolve ou perde grande parte de suas características singulares invariavelmente em todos os casos de contato próximo e continuado com a civilização. Entre os extremos, explodem continuamente novos conflitos e disputas que causam mortes e outros tipos de violência, chegando as denúncias a fóruns internacionais como a [[ONU]], a [[OEA]] e a [[OIT]], sem que até agora houvesse solução satisfatória.<ref>[http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=6181 "Cimi pede intervenção da ONU para resolução de problemas indígenas no Brasil"]. Assessoria de Comunicação do CIMI, 04/04/2012.</ref><ref>Coelho, Luciana. "OEA cancela audiência sobre Belo Monte após Brasil se negar a ir". ''Folha de S.Paulo'', 26/10/2011</ref><ref name="Curi"/><ref name="NaDireitos práticaconstitucionais indígenas"/><ref name="Gomes"/><ref name="Projeto"/><ref name="Lima"/>
 
A consequência prática deste processo dialético dramático tem sido a expulsão de muitos povos de suas terras, transformando, como disse Melissa Curi, professora da [[Universidade de Brasília]] e funcionária da [[Funai]], "sociedades autônomas em minorias dependentes";<ref name="Curi"/> a desvirtuação de formas válidas e em muitos aspectos mais saudáveis de ver o mundo e de relacionar-se com a Natureza;<ref name="Core Writing Team 2005, p. 127"/> a perda de inúmeros saberes e artes tradicionais; a destruição gratuita de inúmeras vidas por doenças, [[preconceito]]s, pobreza, alcoolismo, prostituição e violência, entre tantos outros males que surgem do contato com os civilizados.<ref name="Curi">{{Harvnb|Curi, Melissa Volpato. "Aspectos legais da mineração em terras indígenas". In: ''Revista de Estudos e Pesquisas'', |2007; 4 (2):|pp=221-252.}}</ref><ref name="NaDireitos práticaconstitucionais indígenas">Povos{{citar Indígenas no Brasil. [httpweb|url=https://pib.socioambiental.org/pt/c/direitos/constituicoes/na-praticaConstitui%c3%a7%c3%a3o|título=Direitos "Na prática"].constitucionais indígenas|publicado=Instituto Socioambiental|website=Povos Indígenas no Brasil}}</ref><ref name="Projeto"/><ref name="Abdala, Vitor 2010">Abdala,{{citar Vitorweb|url=https://www. "gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2010/numero-de-indigenas-vivendo-em-cidades-e-cada-vez-maior-no-brasil|título=Número de indígenas vivendo em cidades é cada vez maior no Brasil". Agência Brasil|autor=Abdala, Vitor|data=24/03/2010.|publicado=Agência Brasil}}</ref>
 
Considerando que de fato a sua população atual é drasticamente menor do que a que vivia em 1500, junto com as amplas evidências de descaso e maus tratos contínuos que são domínio público, muitos especialistas e observadores nacionais e internacionais denunciam a situação histórica dos índios no Brasil como um [[genocídio]] sistemático, que ainda hoje continua a apagar muitas vidas.<ref name="Lima"/><ref name="Gomes"/><ref name="atrapalha">Fachin,{{citar Patricia. [web|url=http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/512776-uma-hora-ele-e-indio-demais-e-atrapalha-outra-hora-ele-e-indio-de-menos-e-nao-tem-direitos-entrevista-com-lucia-helena-rangel "|título=Uma hora ele é índio demais e atrapalha, outra hora ele é índio de menos, e não têm direitos"].|autor=Fachin, Patricia|data=24/08/2012|publicado=Instituto Humanitas, Unisinos, 24/08/2012}}</ref><ref>Caleffi, Paula. "O que é ser índio hoje?: A questão indígena na América Latina/Brasil no início do {{sécHarvnb|Caleffi|XXI}}". In: ''Diálogos Latinoamericanos'', 2003; (7):|pp=20-42.}}</ref><ref>Milanez,{{citar Felipe. [web|url=http://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-milanez/genocidio-brasileiro-por-vincent-carelli-1000.html "|título=Genocídio brasileiro, por Vincent Carelli"]. ''Carta Capital''|autor=Milanez, Felipe|data=12/06/2013|website=Carta Capital|wayb=20131203002744|urlmorta=sim}}</ref><ref>Survival. [http://wwwEntre 2003 e 2011 mais de 500 índios foram assassinados, em conflitos geralmente ligados à posse de terras.survivalinternational.org/povos/indios-brasileiros "OsEm Índios2012 brasileiros"]o índice de violência contra índios cresceu 237% em relação a 2011.</ref><ref name="Azevedo">Azevedo,{{citar Dermi. [web|url=http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Direitos-Humanos/Cimi-Novo-genocidio-ameaca-povos-indigenas-do-pais/5/28116 "|título=Cimi: Novo genocídio ameaça povos indígenas do país"]. ''|data=29/05/2013|website=Carta Maior''|autor=Azevedo, 29/05/2013Dermi|urlmorta=sim|wayb=20131203025156}}</ref><ref Entrename="CIMI 2003relatório">{{citar eweb|url=https://cimi.org.br/2013/06/34994/|título=Violências 2011contra maisos depovos 500indígenas índios foram assassinados,aumentaram em conflitos geralmente ligados à posse de terras. Em 2012 o índice de violência contra índios cresceu 237% em relação a 2011.<ref name|data="Azevedo"27/>06/2013|publicado=CIMI|acessodata=09-06-2024}}</ref name="Cruz1"/> Em 2013 as lideranças indígenas entregaram uma carta à presidente [[Dilma Rousseff]] exigindo medidas urgentes para evitar "a extinção programada" de suas etnias que acusam o governo de orquestrar.<ref>[http{{citar web|url=https://wwwcimi.estadao.comorg.br/noticias2013/nacional,entidades-entregam-a-dilma-carta-com-10-reivindicacoes,1050620,0.htm "07/35046/|título=Carta Pública dos Povos Indígenas do Brasil à presidenta da República Dilma Rousseff"]. CIMI, |data=10/07/2013|publicado=CIMI}}</ref> Segundo o [[Conselho Indigenista Missionário]], em 2018 a violência contra os índios continuava crescendo, com 110 assassinatos, além de 847 casos de omissão e morosidade na regularização de terras; 20 casos de conflito relativo a direitos territoriais; 96 casos de invasões de terra, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio, e 59 casos de roubo de madeira e minérios, caça e pesca ilegais, contaminação do solo e da água por agrotóxicos, e incêndios, dentre outras ações criminosas. Os casos de suicídio de indígenas chegaram a 128.<ref>[{{citar web|url=https://cimi.org.br/2018/09/relatorio-cimi-violencia-contra-os-povos-indigenas-no-brasil-tem-aumento-sistemico-e-continuo/~"|título=Relatório Cimi: violência contra os povos indígenas no Brasil tem aumento sistêmico e contínuo". CIMI, |data=27/09/2018|publicado=CIMI}}</ref> Segundo muitos observadores, o [[Governo Jair Bolsonaro|governo Bolsonaro]] tem promovido o maior ataque à dignidade, à cultura e aos direitos indígenas das últimas décadas,<ref>{{citar nameweb|url="Watson"/><ref>Álvares, Debora. "Com 400 dias de governo, Bolsonaro avança sobre terras indígenas e áreas de preservação". ''The Huffington Post Brasil'', 09/02/2020</ref><ref>[https://exame.abril.com.br/brasil/bolsonaro-diz-que-reservas-indigenas-inviabilizam-a-amazonia/ "|título=Bolsonaro diz que reservas indígenas “inviabilizam a Amazônia”]. ''Exame'', Amazônia|data=13/02/2020|website=Exame}}</ref><ref>Oliveira,{{citar Rafael. [web|url=https://www.cartacapital.com.br/sociedade/com-bolsonaro-praticas-violentas-contra-indigenas-se-multiplicam/ "|título=Com Bolsonaro, práticas violentas contra indígenas se multiplicam"]. ''Carta Capital''|autor=Oliveira, Rafael|data=03/10/2019|website=Carta Capital}}</ref><ref>Veiga,{{citar Juracilda e D’Angelis, Wilmar R. [https://outraspalavras.net/outrasmidias/duas-tacadas-de-bolsonaro-para-o-exterminio-indigena/ "Duas tacadas de Bolsonaro para o extermínio indígena"]. ''Outras Mídias'', 07/02/2020 </ref><ref>Kucharz, Tom. [web|url=http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/596465-o-plano-genocida-de-bolsonaro-para-a-destruicao-dos-povos-indigenas "|título=O plano genocida de Bolsonaro para a destruição dos povos indígenas"].|autor=Kucharz, ''Tom|data=20/02/2020|website=Revista do Instituto Humanitas — Unisinos'', 20/02/2020}}</ref> e o presidente tem dado repetidas declarações públicas onde expressa visões depreciativas e preconceituosas sobre os indígenas.<ref>Ker,{{citar João. [https://webcache.googleusercontent.com/search?qweb|url=cache:oFX7cTJD0FYJ:https://politicawww.estadao.com.br/noticiaspolitica/geral,cada-vez-mais-humano-fedorentos-e-massa-de-manobra-as-declaracoes-de-bolsonaro-sobre-indios,70003171335+&cd/|título=9&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br "Cada vez mais humano, fedorentos, massa de manobra: as declarações de Bolsonaro sobre os índios"].|autor=Ker, ''João|data=24/02/2020|website=O Estado de São Paulo'', 24/02/2020|wayb=20230121200500}}</ref> Para Fiona Watson, diretora de pesquisas da organização [[Survival International]], "continuamos recebendo dezenas de relatórios de todo o Brasil sobre o que parece ser uma guerra aberta contra as comunidades indígenas". Sydney Possuelo, ex-diretor da Funai e defensor dos direitos indígenas, disse que "a situação dos povos indígenas do Brasil nunca foi boa. Mas, durante 42 anos de trabalho na Amazônia, este é o momento mais perigoso que já vi".<ref name="Watson">Watson,{{citar Fionaweb|url=https://brasil. "elpais.com/brasil/2019/04/11/politica/1554971346_439815.html|título=Bolsonaro: 100 dias de guerra contra os povos indígenas". ''El País''|autor=Watson, Fiona|data=16/04/2019|website=El País}}</ref>
 
A posse de [[terras indígenas|suas terras]] é a maior reivindicação dos índios brasileiros na atualidade.<ref name="atrapalha"/><ref>Melo, Julliana de. "Nordeste tem menos de 20% das terras demarcadas". In: Maia, Benira (ed.). ''A Retomada Indígena''. Reportagem Especial. Sistema Jornal do Commercio de Comunicação, 2007</ref> A terra é a raiz de valores fundamentais para suas culturas. Mas cerca de 90% de todos os processos demarcatórios estão sendo contestados na Justiça, as deliberações costumam se arrastar por décadas e mesmo terras já demarcadas frequentemente são invadidas ou espoliadas com o beneplácito do governo e da sociedade.<ref name="Cruz">Cruz,{{citar Elaine Patriciaweb|url=https://memoria. "ebc.com.br/agenciabrasil//noticia/2012-07-02/brasil-nao-cumpre-convencao-da-oit-que-garante-consulta-previa-indios-em-projetos-diz-procuradora|título=Brasil não cumpre convenção da OIT que garante consulta prévia a índios em projetos, diz procuradora". Agência Brasil|autor=Cruz, Elaine Patricia|data=02/07/2012|publicado=Agência Brasil}}</ref><ref>Duprat,{{citar Deborahweb|url=https://pib. "socioambiental.org/pt/O_papel_do_Judici%C3%A1rio#Decis.C3.B5es_que_causam_perplexidade|título=Decisões que causam perplexidade".|autor=Duprat, Deborah|website=Povos Indígenas no Brasil, |publicado=Instituto Socioambiental.</ref><ref>Mendonça, Ricardo. "Governo rifa os direitos indígenas, diz antropóloga Manuela Carneiro da Cunha". Folha/UOL, 14/07/2013.}}</ref> Muitos já vivem em cidades, seja forçados à migração pela expulsão das suas terras, seja pelas difíceis condições de subsistência que encontram em reservas pequenas e exaustas, seja procurando as cidades espontaneamente, em busca de maior conforto, reconhecimento, tratamento de saúde, educação ou por outros motivos, mas via de regra vão iludidos e o que encontram lá são condições talvez ainda mais árduas, vivendo em sua maioria em [[favela]]s e tentado com muita dificuldade preservar suas tradições, quando não acabam, por força de um contexto desfavorável, as abandonando. Se tornam mais visíveis, e isso tem ajudado na sensibilização geral da população, mas ao mesmo tempo permanecem entre os grupos urbanos mais desamparados, tão à margem da sociedade quanto outras minorias "problemáticas".<ref name="Projeto">Projeto Protagonismo dos Povos Indígenas Brasileiros através dos instrumentos internacionais de Direitos Humanos. ''Comunicação ao Comitê de Especialistas na Aplicação das Convenções e Recomendações da OIT sobre o cumprimento da Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais''. APOINME - Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo / CIR - Conselho Indígena de Roraima / COIAB - Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira / Warã Instituto Indígena Brasileiro, 2008.</ref><ref name="Abdala, Vitor 2010"/><ref name="Alencar, Edna Ferreira 2005. pp. 68-74">{{Harvnb|Alencar, Edna Ferreira. "Políticas Públicas e (In)Sustentabilidade Social: o caso de comunidades de várzea no Alto Solimões, Amazonas". In: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis [Lima, Deborah (org.)]. ''Diversidade socioambiental nas várzeas dos rios Amazonas e Solimões: perspectivas para o desenvolvimento da sustentabilidade''. Ibama, ProVárzea, |2005. |pp. =68-74}}</ref><ref name="Carvalho 2006, pp. 85-101">{{Harvnb|Carvalho, Joênia Batista de "Terras Indígenas: a casa é um asilo inviolável". In: Araújo, A. V. (org). ''Povos Indígenas e a lei dos "brancos": o direito à diferença''. Série Via dos Saberes n. 3. MEC/Unesco, |2006, |pp. =85-101}}</ref><ref>Baines, Stephen G. name="As chamadas Baines"aldeias urbanas" ou índios na cidade". In: ''Revista Brasil Indígena'', 2001; I (7).</ref><ref>Defender. [http://defender.org.br/2010/04/17/porto-alegrers-indios-estao-cada-vez-mais-longe-das-tribos/ "Porto Alegre/RS – Índios estão cada vez mais longe das tribos"], 2011</ref><ref>{{Harvnb|Comissão Pró-Índio de São Paulo e do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos. [http://www.cpisp.org.br/indios/upload/editor/files/IndiosnaCidade.pdf ''A Cidade como Local de Afirmação dos Direitos Indígenas''], |2013, |pp. =14-16}}</ref>
 
Por outro lado sua conscientização política cresce a cada dia, suas demandas agregam apoios diversos, e muitos povos nativos já se encontram mobilizados e unidos através de várias associações, entre as quais se destaca a [[Articulação dos Povos Indígenas do Brasil]], que os representa em nível nacional. Mesmo com os significativos avanços recentes, o caminho que os leva até uma verdadeira equiparação social apenas começou a ser aberto, e muito ainda resta por fazer.<ref name="Projeto">Projeto Protagonismo dos Povos Indígenas Brasileiros através dos instrumentos internacionais de Direitos Humanos. ''Comunicação ao Comitê de Especialistas na Aplicação das Convenções e Recomendações da OIT sobre o cumprimento da Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais''. APOINME - Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo / CIR - Conselho Indígena de Roraima / COIAB - Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira / Warã Instituto Indígena Brasileiro, 2008.</ref><ref name="Rinaldo"/> Como sintetizou o antropólogo Rinaldo Arruda, da [[Universidade de São Paulo]],
[[Imagem:Baré people in Cuieiras river.jpg|thumb|Índios [[Barés|baré]] em suas terras, a [[Comunidade Nova Esperança]], 2005]]
::"Na postura ideológica predominante, os índios não fazem parte de nosso futuro, já que são considerados uma excrescência arcaica, ainda que teimosa, de uma ''pré-brasilidade''. Uma brasilidade, aliás, que não os reconhece, formada a partir de sua negação.... Do prisma das sociedades indígenas, as contradições, ambiguidades e tensões decorrentes das relações de dependência e subordinação com a sociedade envolvente permanecem atuantes, assim como ainda prevalecem.... os interesses anti-índígenas, exigindo um permanente esforço de resistência, de luta política e de reelaboração de suas formas de reprodução sociocultural.... De um lado, o conhecimento dos processo naturais e as práticas de manejo adaptadas às florestas tropicais desenvolvidas por estes povos, por meio da observação e experimentação, cujos resultados acumularam-se em milênios de ocupação da região, têm grande interesse para a ciência e para a sociedade. Por outro, o estilo de vida cooperativo, baseado no desenvolvimento de mecanismos políticos e psicológicos de estabilidade social, colocam questões fundamentais para a humanidade. Mas a questão crucial, que a atualidade nos coloca de forma cada vez mais incisiva, é se haverá a oportunidade e a possibilidade de a humanidade aventurar-se em culturas singulares no interior do sistema mundial, inventando ao mesmo tempo outros contratos de [[cidadania]]".<ref name="Rinaldo">{{Harvnb|Arruda, Rinaldo. [https://web.archive.org/web/20070618034602/http://www.seade.gov.br/produtos/spp/v08n03/v08n03_11.pdf "Existem Realmente Índios no Brasil?"] In: ''São Paulo em Perspectiva'', |1994; 8 (3):|pp=77-85}}</ref>
 
=== Legislação e política ===
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{{Anexo|Lista de povos indígenas do Brasil}}
 
Desde os primeiros tempos da colonização o índio recebeu proteção legal. Em 1549, na instalação do Governo-geral em Salvador, apareceu a primeira regulamentação sobre os índios na forma de um Regimento que garantia proteção aos aliados da Coroa e dava aos [[jesuítas]] voz ativa nos assuntos relacionados aos índios.<ref name="ReferenceB"/> Em 1680 um Alvará Régio instituiu o [[indigenato]], o reconhecimento do direito congênito e primário dos povos nativos ao seu território tradicional.<ref>{{Harvnb|Resende, Lívia Mara de. "A conceituação jurídica dos diferentes espaços territoriais ocupados por povos indígenas". In: ''Virtua Jus'', |2009, 1.}}</ref> Depois destas leis, muitas outras apareceram para dar salvaguardas aos povos indígenas, mas invariavelmente com poucos efeitos práticos.<ref name="Lima"/><ref>Castelo{{citar Branco, Tales & Rosa, Hilárioweb|url=https://www. "conjur.com.br/2008-ago-21/constituicao_nao_legitima_invasao_terras_indios/|título=Constituição de 1988 não permite invasão de terras por índios".|autor=Castelo ConsultorBranco, Tales & JurídicoRosa, Hilário|data=21/08/2008|website=Consultor Jurídico}}</ref>
[[Ficheiro:5-cruzeiros-1961-anverso.png|miniaturadaimagem|left|Efígie indígena na cédula de [[Cruzeiro (1942–1967)|5 Cruzeiros]], conhecida como "cédula do índio", emitida pela [[Casa da Moeda do Brasil]] em 1961.<ref> Museuno de[[Governo ValoresTancredo do Banco Central do BrasilNeves]]. ''O <ref>{{Harvnb|Museu de Valores do Banco Central do Brasil''. São Paulo; Banco Safra S. A., |1988}}</ref>]]
 
Para tentar resolver alguns desafios mais urgentes, o governo criou em 1910 o [[Serviço de Proteção ao Índio]] (SPI). O Serviço garantiu a posse de algumas terras tradicionais aos seus ocupantes e as protegeu contra invasões, e reconheceu a importância de suas culturas originais e suas instituições, mas em tudo sua atuação foi tímida. Depois de o Serviço se desestruturar completamente entre grande controvérsia pública, foi substituído pela [[Fundação Nacional do Índio]] (Funai) em 1967. A Funai também não encontrou condições fáceis de trabalho, erguendo-se sobre os escombros do SPI, administrando um contexto de perene carestia de recursos humanos e financeiros, enfrentando prolongadas e desgastantes batalhas jurídicas em múltiplas frentes, e tendo em tempos recentes seus poderes reduzidos, também sob vasta controvérsia. Além disso, toda a política oficial na época continuava a se voltar ao objetivo de assimilar os povos à cultura brasileira, negando-lhes o direito à [[Autodeterminação (direito humano)|autodeterminação]] previsto na ''[[Declaração Universal dos Direitos Humanos]]'' de 1948, embora essa linha de pensamento já não fosse um consenso. Mas ainda foi a base do ''[[Estatuto do Índio]]'', lei que entrou em vigor em 1973, mesmo que ela tenha trazido muitos avanços para a questão indígena.<ref name="Araújo"/><ref name="Lima"/><ref>[https://web.archive.org/web/20130625011852/{{citar lei|jurisdição=Brasil|url=http://www.funai.gov.br/quem/legislacao/estatuto_indio.html ''|título=Lei|número=6.001 de |data=19 de dezembro de 1973'' (Estatuto do Índio)]. Funai.</ref><ref name|ementa="ReferenceC">Melo,Dispõe Jullianasobre de.o "Indígenas denunciam sucateamento da Funai". In: Maia, Benira (ed.). ''A Retomada Indígena''. Reportagem Especial. Sistema JornalEstatuto do Commercio de Comunicação, 2007</ref><ref>Carvalho, Vinícius. "A Funai está morta!" In: ''Ecológico'', 24/09/2013</ref><ref nameÍndio|wayb="menschenrechtszentrum2004">Dressel, Heinz F. "Os Índios do Brasil: ente violência e corrupção". ''Nürnberger Menschenrechtszentrum'', 20/07/200420130625011852|urlmorta=sim}}</ref><ref>{{Citar periódicoHarvnb|ultimo=Zoettl|primeiro=Peter Anton|data=2016-02-01|titulo=The (Il)legal Indian The Tupinambá and the Juridification of Indigenous Rights and Lives in North-Eastern Brazil|jornal=Social & Legal Studies|volume=25|numero=1|paginaspp=3–21|issn=0964-6639|doi=10.1177/0964663915593412|url=http://sls.sagepub.com/content/25/1/3|formato=requer pagamento|acessadoem=|idioma=inglês}}</ref>
[[Ficheiro:Mro-o, Tomtu and Nzoikamrekti Kayapó lendo o Projeto da Constituição Brasileira.jpg|miniaturadaimagem|Indígenas na Assembleia Nacional Constituinte que elaborou a [[Constituição brasileira de 1988|Constituição do Brasil]] de 1988.]]
[[Imagem:Raposa Serra do Sol - Julgamento STF. 2008.jpg|thumb|Indígenas durante o julgamento no Supremo Tribunal Federal sobre a demarcação da [[Terra Indígena Raposa Serra do Sol]], em Roraima, 2008]]
 
Muito em virtude da mobilização dos próprios índios, especialmente através da [[União das Nações Indígenas]] (UNI),<ref name="Araújo, pp. 38-39">{{Harvnb|Araújo, |2006|pp. =38-40}}</ref> uma nova visão foi inaugurada com a ''[[Constituição de 1988]]'', que declarou "todos são iguais perante a Lei, sem distinções de qualquer natureza" e admitiu o [[multiculturalismo]], reconhecendo vários direitos indígenas importantes, incluindo o direito à posse da terra habitada tradicionalmente e à preservação intacta de suas culturas no ambiente natural necessário para isso. Ocorre que o ''Estatuto'' e a ''Constituição'' entraram em conflito em aspectos doutrinais e se tornaram imediatamente polêmicos, e a regulamentação das normas secundárias nunca progrediu como deveria. Além disso, o regime de [[tutela]], à qual os índios estão formalmente sujeitos pelo Estado, como definido no ''Estatuto'' está em conflito com aquele expresso no ''[[Código Civil Brasileiro|Código Civil]]'', há disputa sobre o que quer dizer "terras tradicionais", sobre o significado de [[etnia]], e a controvérsia permanece acesa em torno de vários outros conceitos fundamentais. Tudo isso lança os índios num contexto jurídico incerto e incoerente muito desfavorável aos seus interesses.<ref name="Lima"/><ref>{{Harvnb|Magalhães, Edvard Dias (org.). ''Legislação Indigenista Brasileira e Normas Correlatas''. Funai, |2005, 3ª ed., |pp. =16-20}}</ref><ref>Povos Indígenas no Brasil. name="DireitoDireitos àconstitucionais terraindígenas". Instituto Socioambiental.</ref><ref>Povos{{citar Indígenas no Brasilweb|url=https://pib. "socioambiental.org/pt/Estatuto_do_%C3%8Dndio|título=O Estatuto do Índio".|website=Povos Indígenas no Brasil|publicado=Instituto Socioambiental.}}</ref><ref>{{Harvnb|Araújo, |2006|pp. =55-56}}</ref> Também se complica a aplicação de penalidades por crimes cometidos por índios.<ref>{{Harvnb|Araújo, |2006|pp. =65-66}}</ref>
 
Diversos outros dispositivos legais em anos recentes contemplaram interesses indígenas em áreas como saúde, meio ambiente, educação, patrimônio arqueológico e imaterial, assistência social, apoio à produção e regularização fundiária.<ref>{{Harvnb|Magalhães, |2005|pp. =3-5}}</ref> Apesar dos diversos decretos, o índio brasileiro tem que se integrar na [[cultura brasileira]] para requerer [[Emancipação de menores|emancipação]].<ref>[https://{{citar web.archive.org/web/20080928115505/|url=http://www.socioambiental.org/pib/portugues/direito/indpode.shtm "|título=Índio pode...?"].|website=Povos Indígenas no Brasil|publicado=Instituto Socioambiental.|wayb=20080928115505|urlmorta=sim}}</ref> Instâncias internacionais como as [[Nações Unidas]], a [[Organização Internacional do Trabalho]] e a [[Unesco]] também têm se empenhado na elaboração de convenções e programas de proteção e fomento às culturas indígenas de todo o mundo, com destaque para dois marcos internacionais de grande importância: a ''[[Declaração das Nações Unidas sobre Direitos dos Povos Indígenas]]'', de 2007, e sobretudo a ''[[Convenção sobre os Povos Indígenas e Tribais, 1989|Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre os Povos Indígenas e Tribais]]'', de 1989, criada por consequência da outra, o único instrumento internacional referente aos índios com força de lei, do qual o Brasil é signatário.<ref name="Lima"/><ref>Bokova,{{citar Irinaweb|url=http://www. "unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/unescos_pledge_on_international_day_of_the_worlds_indi/|título=Apelo da UNESCO no Dia Internacional dos Povos Indígenas do Mundo".|autor=Bokova, Irina|data=29/07/2013|website=Representação da Unesco no Brasil, 29/07/2013.|wayb=20200110024347|urlmorta=sim}}</ref><ref>Unesco. ''Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais'', {{Harvnb|UNESCO|2007.}}</ref><ref>{{Harvnb|Almeida, Alfredo W. B. de. "Terras Tradicionalmente Ocupadas: Processos de territorialização e movimentos sociais". In: ''Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais'', |2004; 6 (1):|pp=9-32}}</ref><ref>International{{citar Labour Organization. [periódico|url=http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO:12100:P12100_INSTRUMENT_ID:312314:NO ''|título=C169 - Indigenous and Tribal Peoples Convention, |número=169|ano=1989|website=International (No.Labour 169)''].Organization}}</ref>
 
Mesmo com tantas garantias, o Congresso Nacional e as cortes de justiça do Brasil se tornaram arenas de conflitos legais intermináveis, e sob pressão de [[lobby]] econômico e político inúmeros projetos de lei apresentados nos últimos anos vêm tentando sabotar ou reverter as conquistas já realizadas, colocando mais combustível numa polêmica antiga que continua degenerando para a violência armada.<ref name="Cruz"/><ref name="menschenrechtszentrum2004"/><ref{{citar nameweb|url="Rondônia 2013">"Rondôniahttps: Manifesto em defesa da vida e dos direitos dos povos indígenas". CIMI, 22/04/2013istoe.</ref><ref name="Rondônia 2013"/><ref>Mendonça, Ricardo. "Governo rifa os direitos indígenas, diz antropóloga Manuela Carneiro da Cunha". ''Folha/UOL'', 14/07/2013.</ref><ref>CIMI. [http://www.cimi.orgcom.br/site2970_MILICIAS+CONTRA+INDIOS/pt-br/?system|título=news&action=read&id=6937Milícias "Notacontra do Cimi: O Governo Dilma, o agronegócio e os Povos Indígenas"], 05/06/2013</ref><ref>índios|autor=Almeida, Gustavo de. "Milícias contra índios". ''Isto É'', |data=22/10/2008</ref><ref>Povos|website=Isto indígenas reunidos no Abril Indígena - 2013. [http://www.ihu.unisinos.br/noticias/519465-perdemos-as-contas-de-quantas-vezes-dilma-esteve-com-latifundiarios-empreiteiras-mineradores-e-a-turma-das-hidreletricas-dizem-povos-indigenas "Perdemos as contas de quantas vezes Dilma esteve com latifundiários, empreiteiras, mineradores e a turma das hidrelétricas"]. Instituto Humanitas, Unisinos, 22/04/2013É}}</ref><ref name="COIABlatifundiarios"/>
 
=== Articulação interna ===
{{AP|Movimento indígena no Brasil}}
[[ImagemFile:Dia 1 - Acampamento Terra Livre - 24 04 2019 - Brasília (DF) © Leonardo Milano MNI (33912867918).jpg|thumb|Acampamento Terra Livre de 20112019]]
[[ImagemFile:Raoni05.06.2023 Metuktire- inCerimônia Aprilpor 2015ocasião do Dia Mundial do Meio Ambiente (52953972769).jpg|thumb|Cacique [[Raoni]], da etnia [[caiapó]], uma das figuras mais respeitadas do movimento indígena na atualidade]]
 
As associações e organizações indígenas surgiram no Brasil nos anos 1970-80, a partir de um rápido processo de conscientização política entre as tribos ocorrido com importante apoio da Igreja Católica.<ref name="Wolfart">Wolfart,{{citar Graziela e Sbardelotto, Moisés. [periódico|url=http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1776&secao=257 "|título=Como entender a cultura indígena e suas transformações?"].|autor=Wolfart, In:Graziela ''e Sbardelotto, Moisés|ano=2008|periódico=Revista do Instituto Humanitas Unisinos online'', 2008; |volume=VIII (|número=257)|wayb=20131215023310|urlmorta=sim}}</ref> [[Marçal de Souza]], [[Ailton Krenak]], [[Marcos Terena]] e [[Raoni]], entre outras lideranças, começavam a se tornar notórias até internacionalmente, e surgiam organismos como o [[Warã Instituto Indígena Brasileiro]] e o [[Grumin — Rede de Comunicação Indígena]].<ref name="Projeto"/><ref name="Fulni">Fulni-ô,{{citar Amazonirweb|url=https://www. "unbciencia.unb.br/humanidades/94-historia/280-pesquisa-recupera-historia-do-movimento-indigena-no-brasil|título=Pesquisa recupera história do movimento indígena no Brasil". ''UnB Ciência''|autor=Fulni-ô, Amazonir|data=05/04/2011.|website=UnB Ciência}}</ref><ref>Gallois, Dominique Tilkin. [ftp://neppi.ucdb.br/pub/tellus/tellus8_9/TL8e9_Dominique_Tilkin_Gallois.pdf "Cultura 'indígena' e sustentabilidade: alguns desafios"]{{Ligação inativaHarvnb|dataGallois|2014|pp=maio de 2019 }}. In: ''Tellus'', 2005; 5 (8/9):29-36}}</ref><ref name="Bruno Lima"/><ref>{{Harvnb|Scherer-Warren, Ilse. [http://www.scielo.br/pdf/se/v21n1/v21n1a07.pdf "Das Mobilizações às Redes Sociais"]. In: ''Sociedade e Estado'', |2006; 21 (1):|pp=109-130}}</ref><ref>{{Harvnb|Acselrad, Henri. [http://www.scielo.br/pdf/ea/v23n68/10.pdf "Ambientalização das lutas sociais – o caso do movimento por justiça ambiental"]. In: ''Estudos Avançados'', |2010; 24 (68):|pp=103-119</ref><ref>GRUMIN — Rede de Comunicação Indígena [<nowiki>http://grumin.blogspot.com.br/</nowiki>]}}</ref> O debate para a ''Constituição de 1988'' deu outro impulso à articulação, formando-se a UNI, a cuja influência se devem muitos dos avanços expressos na nova lei, estimulando também a criação de novas organizações. Nesta época o [[Ministério Público do Brasil|Ministério Público]] passou a dar grande atenção aos índios, favorecido pelo novo contexto jurídico e por reformas administrativas.<ref name="Araújo, pp. 38-39"/> Mas somente em 2005 é que foi conseguida uma integração poderosa e permanente em nível nacional, materializada na [[Articulação dos Povos Indígenas do Brasil]] (APIB), fruto do consenso obtido entre as lideranças reunidas no [[Acampamento Terra Livre]], montado anualmente na [[Esplanada dos Ministérios]], em [[Brasília]], exatamente para ganhar visibilidade e sensibilizar o poder público sobre as necessidades urgentes das tribos.<ref name="Projeto"/><ref name="Fulni"/><ref name="Bruno Lima"/> Segundo o cientista político Bruno Lima Rocha, a APIB "eleva o status desta luta, pois ao gerar a auto-representação, ultrapassa a condição de tutela e delegação indireta através de entidades como o [[Conselho Indigenista Missionário]] e as contradições permanentes na Fundação Nacional do Índio".<ref name="Bruno Lima">Rocha, Bruno Lima. "Conflitos e direitos indígenas no Brasil atual". ''O Globo'', 05/03/2013.</ref>
 
Em 2006, pesadamente pressionado, o governo criou a [[Comissão Nacional de Política Indigenista]], subordinada à Funai, com o objetivo expresso de "auxiliar na articulação intersetorial do governo e proporcionar uma maior participação e controle social indígena sobre as ações governamentais".<ref name="Projeto"/> Os índios brasileiros tentam fortalecer sua integração interna e o diálogo com o restante da sociedade através de muitas outras iniciativas, independentes ou em parceria com entidades e o governo, como os [[Jogos dos Povos Indígenas]], encontros culturais e as assembleias estaduais, e mantêm websites para a divulgação de sua cultura e dos desafios que enfrentam.<ref>[http{{citar web|url=https://agenciabrasilmemoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2006-04-13/aberta-em-brasilia-1%C2%AA-conferencia-nacional-dos-povos-indigenas "|título=Aberta em Brasília a 1ª Conferência Nacional dos Povos Indígenas"]. Agência Brasil,|autor=Adriana Franzin|data=12/04/2006|website=Agência Brasil}}</ref><ref>Suess,{{citar Paulo. [web|url=http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=6620 "|título=Raízes, aprendizados e rumos pastorais do Cimi"]. CIMI|autor=Suess, Paulo|data=21/11/2012.|publicado=CIMI|wayb=20131215022936|urlmorta=sim}}</ref><ref>Funai.{{citar [https://web.archive.org/web/20131215022518/|url=http://www.funai.gov.br/indios/jogos/jogos_indigenas.htm "|título=Jogos dos Povos Indígenas"].|publicado=Funai|wayb=20131215022518|urlmorta=sim}}</ref> Igrejas, acadêmicos, ONGs e vários outros segmentos sociais nas décadas recentes têm dedicado atenção aos índios brasileiros, e lhes têm dado significativa ajuda em muitas de suas reivindicações.<ref name="As Terras">Funai. [http://www.funai.gov.br/ ''Índice > Índios do Brasil > As Terras''].</ref><ref name="Araújo, pp. 38-39"/>
 
=== Demografia ===
Linha 254 ⟶ 261:
[[Ficheiro:Indigenous Map of Brazil.png|miniaturadaimagem|222x222px|<small>[[Lista de unidades federativas do Brasil por população indígena|Proporção da população indígena]] por estados brasileiros, de acordo com o IBGE</small>{{legend|#AE005F|> 3%}}{{legend|#CA6283|2% – 3%}}{{legend|#E3A1AB|1% – 2%}}{{legend|#EEC4CA|0,5% – 1%}}{{legend|#FDE2D7|< 0,5%}}]]
 
De acordo com o Censo de 2022, o Brasil tem 1,7 milhão de pessoas que se identificam como indígenas, espalhadas em cerca de 86% dos municípios do Brasil, concentrados em sua maioria na região Norte. Esse grupo corresponde a 0,83% da população brasileira e 63% dele reside fora de territórios indígenas. A localidade que abriga a maior população indígena do país é a [[Terra Indígena Yanomami]], com 27.152 indivíduos, sendo seguida pela Terra Indígena Raposa Serra do Sol, com 26.176 indivíduos.<ref name=":0">{{Citar web|url=https://g1.globo.com/economia/censo/noticia/2023/08/07/censo-do-ibge-brasil-tem-17-milhao-de-indigenas.ghtml|titulo=Censo do IBGE: Brasil tem 1,7 milhão de indígenas|data=2023-08-07|acessodata=2024-07-08|website=G1}}</ref><ref>{{Citar web|ultimo=Coelho|primeiro=Renato|url=https://jornal.unesp.br/2023/08/10/em-pouco-mais-de-uma-decada-grupo-que-se-declara-indigena-no-brasil-cresceu-89-mostra-censo-2022/|titulo=Em pouco mais de uma década, grupo que se declara indígena no Brasil cresceu 89%, mostra Censo 2022|data=2023-08-10|acessodata=2024-07-08|website=Jornal da Unesp}}</ref> Segundo um estudo coordenado pelo geneticista Sérgio Danilo Pena e publicado na revista Ciência Hoje em abril de 2000, 3 em cada 5 brasileiros naquele período carregavam em cada célula do corpo uma herança genética que provém dos índios ou dos africanos e se preservou por meio das mães ao longo das gerações.<ref>{{Citar web|url=https://revistapesquisa.fapesp.br/marcas-geneticas-da-miscigenacao/|titulo=Marcas genéticas da miscigenação|data=Abril de 2000|acessodata=2024-07-08|website=Revista Pesquisa}}</ref>
É provável que a miscigenação não tenha sido tão intensa como aquela entre portugueses e africanos e, quando comparado com outros países da [[América Latina]], a contribuição indígena no Brasil é bem menor, mas ela existe. Esse processo ainda está em curso. Segundo a [[Fundação Nacional do Índio]], cerca de 25 por cento da população indígena da Amazônia já mora em cidades e só metade deste contingente se considera indígena, mesmo falando sua língua original e praticando rituais. Considera-se que os brasileiros que têm alguma ascendência indígena são vários milhões.<ref name="guia"/>{{fonte melhor}}
 
No entanto, essa população miscigenada com ascendência distante não é considerada indígena, e os índios autênticos declinaram incessantemente desde o início da colonização.<ref name="Gomes"/> O primeiro [[inventário]] sobe eles só foi feito em 1884, pelo viajante alemão [[Karl von den Steinen]], que registrou a presença de quatro grupos ou nações indígenas de acordo com as suas [[língua]]s: [[Língua tupi|tupi]], [[macro-jê]], [[Línguas caribes|caribe]] e [[Línguas aruaques|aruaque]].<ref name=referenciaum/> Estimativas recentes da população indígena na época do Descobrimento apontam que existiam no território brasileiro mais de mil povos, com um total de aproximadamente 5 milhões de pessoas, talvez mais, mas nos anos 60 sobreviviam somente cerca de 120 mil indivíduos,<ref name="Gomes"/> e os números continuaram a cair até os anos 80, chegando-se a pensar que sua extinção completa era inevitável. Porém, com programas de auxílio do governo, depois disso a tendência passou a ser de crescimento populacional.<ref name="pop"/><ref name="População"/>
[[Ficheiro:Mapa dos municípios brasileiros por indígenas (2022).png|miniaturadaimagem|Mapa da distribuição de indígenas por [[municípios brasileiros]], de acordo com o [[Censo demográfico do Brasil de 2022|Censo 2022]].{{legend|#53000D|> 80%}}{{legend|#910015|50% - 79%}}{{legend|#D20020|25% - 49%}}{{legend|#F37076|10% - 24%}}{{legend|#FECAB1|1% - 9%}}{{legend|#FFE4DD|< 1%}}]]
Em 2006 eram 215 os povos indígenas, com uma população de aproximadamente 345 mil índios, segundo dados da Funai.<ref name="Araújo, p. 23">{{Harvnb|Araújo, |2006|p. =23}}</ref> Mas no Censo de 2010 817.963 pessoas se autodeclararam índias,<ref name="pop"/><ref name="População">Povos{{citar Indígenas no Brasil. [httpweb|url=https://pib.socioambiental.org/pt/c/0/1/2/populacao-indigena-no-brasil "Quantos_s%C3%A3o%3F|título=População indígena no Brasil"].|website=Povos Indígenas no Brasil|publicado=Instituto Socioambiental.}}</ref><ref name="Censo">{{citar web|autor=Azevedo, Marta Maria. [|url=http://pib.socioambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/quantos-sao/o-censo-2010-e-os-povos-indigenas "|título=O Censo 2010 e os Povos Indígenas"]. |website=Povos Indígenas no Brasil. |publicado=Instituto Socioambiental.}}</ref> um aumento súbito que se explica pela mudança nos critérios de identificação dos índios, e não por fatores demográficos.<ref>Vieira,{{citar Isabela. [web|url=http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2009/09/02/ult5772u5162.jhtm "|título=População indígena dobrou em nove anos, constata IBGE"]. Agência Brasil|autor=Vieira, Isabela|data=02/09/2009|website=Agência Brasil}}</ref> Araújo ''et alii'', em publicação do MEC/Unesco, reconhecem que os dados são incertos: "O Brasil não tem ainda uma estimativa precisa sobre a população indígena em seu território. Como até hoje nunca se fez um censo indígena, as contagens variam e oscilam na medida em que se baseiam em informações de diferentes e heterogêneas fontes".<ref name="Araújo, p. 23"/> Hoje sete povos têm menos de 40 integrantes e alguns têm menos de 10.<ref name="pop"/>
 
Entre os estados com maior população indígena estãoː [[Amazonas]] (29,98%), [[Bahia]] (13,53%), [[Mato Grosso do Sul]] (6,87%), [[Pernambuco]] (6,3%) e [[Roraima]] (5,75%).<ref name=":0" />
Abaixo, dados dos [[recenseamento]]s do [[IBGE]] de 2000 e 2010, demonstrando em percentual os dez municípios brasileiros com maior população autodeclarada indígena:
 
Abaixo, dados dos [[recenseamento]]s do [[IBGE]] de 2000, 2010 e 20102022, demonstrando em percentual os dez municípios brasileiros com maior população autodeclarada indígena:
 
{{Dividir em colunas|col=2}}
 
; Dados de 2000<ref>[{{citar web|url=http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/listabl1.asp?c=2112&n=0&u=0&z=cd&o=7&i=P "|título=Tabela 2112 - População residente por tipo de deficiência e cor ou raça"] {{Wayback|urlano=http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/listabl1.asp?c2000|publicado=2112&nIBGE|wayb=0&u=0&z=cd&o=7&i=P 20150924101941|dateurlmorta=20150924101941 sim}}. IBGE.</ref>
# [[São Gabriel da Cachoeira]] (AM) – 76,31%
# [[Uiramutã]] (RR) – 74,41%
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# [[Japorã]] (MS) – 39,24%
 
; Dados de 2010<ref>{{citar web|URL=http://www.ibge.gov.br/indigenas/indigena_censo2010.pdf|título=Os indígenas no Censo Demográfico 2010|autor=Diretoria de Pesquisas|dataano=2010|publicado=Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)|acessodata=06-03-2014}}</ref>
# [[Uiramutã]] ([[Roraima|RR]]) – 88,1%
# [[Marcação (Paraíba)|Marcação]] ([[Paraíba|PB]]) – 77,5%
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# [[Santa Rosa do Purus]] ([[Acre|AC]]) – 53,8%
# [[Amajari]] (RR) – 53,8%
{{div col fim}}'''Dados de 2022'''<ref name="Tabela 9605"/>
 
# [[Uiramutã]] (RR)ː 94,5%
# [[São Gabriel da Cachoeira]] (AM)ː 88,7%
# [[Santa Isabel do Rio Negro]] (AM)ː 84,8%
# [[Marcação]] (PB)ː 81,4%
# [[Carnaubeira da Penha]] (PE)ː 77,1%
# [[Baía da Traição]] (PB)ː 76,6%
# [[Normandia (Roraima)|Normandia]] (RR)ː 76,1%
# [[São João das Missões]] (MG)ː 71,9%
# [[Amajari]] (RR)ː 65,5%
# [[Santa Rosa do Purus]] (AC)ː 63,3%
 
==== Povos isolados ====
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[[Imagem:Índios isolados no Acre 4.jpg|thumb|Aldeia de índios isolados, no Acre]]
 
Há vários registros de avistamento de povos indígenas sem contato com a civilização. A Funai criou em 1987 um departamento especial para tratar deles,<ref>Funai.{{citar [https://web.archive.org/web/20131018044448/|url=http://www.funai.gov.br/quem/departamentos/deii.htm |título=Coordenação Geral de Índios Isolados].|publicado=Funai|wayb=20131018044448|urlmorta=sim}}</ref> e segundo seus dados de 2013 são 32 os povos isoladas no Brasil, com um total de cerca de dez mil pessoas.<ref name="Funai tenta"/> Mas os dados são controversos. Em outro documento ela acusou a existência de 69 povos,<ref name="Plano_plurianual">Programa de Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas. [https://web.archive.org/web/20140107042351/http://www.funai.gov.br/acessoinfo/Docs/Plano_plurianual-PPA_2012-2015.pdf ''{{Harvnb|Plano Plurianual |2012-2015'']. Funai, s/pp.}}</ref> e o CIMI, por sua vez, apontou em 2012 para 98.<ref name="Equipe"/> Como se pode imaginar, sabe-se muito pouco sobre eles, e a partir de más experiências anteriores, para preservar a integridade de suas culturas agora é política da Funai só se aproximar de isolados em caso de ameaça à sua sobrevivência. Foi o que aconteceu com uma tribo dos {{ilc|cauaívas||kawahivas}} que vive em uma área do município de [[Colniza]], Mato Grosso, cuja existência se desconhecia até seu território ser invadido por fazendeiros em 2005, colocando-os em risco iminente de agressão ou contágio.<ref name="Funai tenta">[{{citar web|url=http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2013/08/funai-tenta-manter-sobrevivencia-de-indios-que-vivem-isolados-na-floresta.html "|título=Funai tenta manter sobrevivência de índios que vivem isolados na floresta"]. ''Jornal Hoje'', |data=14/08/2013|website=Jornal Hoje}}</ref><ref>Mesquita,{{citar Florêncio. [web|url=http://acritica.uol.com.br/amazonia/Manaus-Amazonas-Amazonia-Vale-Javari-Luta-isolamento_0_934106609.html "|título=Servidores da Funai morreram ao tentar contato com índios isolados na Amazônia"]. ''A Crítica''|autor=Mesquita, Florêncio|data=09/06/2013|website=A Crítica|wayb=20130628070407|urlmorta=sim}}</ref>
 
Vários desses avistamentos ocorreram dentro de reservas já demarcadas, o que favorece sua proteção, mas outros estão expostos em regiões que sofrem grande pressão ambiental, e seu destino é muito incerto. Alguns grupos, como os [[hi-merimã]], os [[apiacás]] do {{ilc|matrinxãs||Matrinxã (tribo)}} e os {{ilc|catavixis||katawixi}}, fizeram contato em tempos anteriores mas decidiram voltar ao isolamento, e outros fazem contato com outros índios mas não com civilizados.<ref>Povos{{citar Indígenas no Brasil. [httpweb|url=https://pib.socioambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/quem-sao/Indios-Quem_s%C3%A3o#Povos_isolados|título=Povos isolados|website=Povos "ÍndiosIndígenas isolados"].no Brasil|publicado=Instituto Socioambiental}}</ref>
 
==== Povos emergentes ====
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[[Imagem:Tereza Kariri.JPG|thumb|Família de cariris]]
 
Ao longo do {{séc|XX}} apareceram grupos miscigenados reivindicando a condição de "povo indígena". Este processo, chamado [[etnogênese]], tem ocorrência em todo o mundo. No Brasil ocorre principalmente na [[Região Nordeste do Brasil|região Nordeste]]. São dezenas de grupos requerendo reconhecimento, sendo exemplos os [[náuas]], [[matipus]], [[caxixós]], [[apiuns]], [[cariris]], [[calabaças]], os [[Tabajara (Paraíba)|tabajara sda Paraíba]], os [[tapebas]], [[pitaguaris]], [[tremembés]], [[canindés]], os [[tupinambás de Olivença]] e os [[kalankó]].<ref>Povos Indígenas no Brasil. [http://pib.socioambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/quem-sao/a-situacao-no-nordeste name="Etnogêneses Indígenas - A situação no NordesteArruti"]. Instituto Socioambiental.</ref> Para a [[antropologia]], [[etnia]], além de envolver elementos [[cultura]]is e [[genético]]s, é um [[grupo social]]. A etnogênese se justifica, portanto, como um processo de fundo social e político baseado em uma autoidentificação. Porém, a transformação qualitativa gerada pelo reconhecimento formal como índios é ambígua e controversa. Por um lado, passam muitas vezes a ser vistos como "menos índios" que os outros índios, não merecendo o mesmo tratamento, enquanto que ao mesmo tempo já não são "civilizados", perdendo direitos correspondentes, podendo fazê-los cair em uma espécie de [[limbo]] jurídico e social.<ref name="Arruti"/><ref>[http://www.brasildefato.com.br/node/10428 name="Uma hora ele é índio demais e atrapalha, outra hora ele é índio de menos, e não têm direitos"]. Instituto Humanitas, Unisinos, 24/08/2012</ref><ref>{{Harvnb|Bartolomé, Miguel Alberto. [http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-93132006000100002&script=sci_arttext "As etnogêneses: velhos atores e novos papéis no cenário cultural e político"]. In: ''Mana'', |2006; 12 (1)}}</ref><ref>{{Harvnb|Araújo, A. V. (org). ''Povos Indígenas e a lei dos "brancos": o direito à diferença''. Série Via dos Saberes n. 3. MEC/Unesco, |2006, |p. =71}}</ref> Na análise de José Maurício Arruti, antropólogo do [[Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro|Museu Nacional]],
 
::"Importa compreender as razões, os meios e os processos que permitem um determinado agregado qualquer se instituir como grupo, ao reivindicar para si o reconhecimento de uma diferença em meio à indiferença, ao instituir uma fronteira onde antes só se postulava contiguidade e homogeneidade. Se o [[etnocídio]] é o extermínio sistemático de um estilo de vida, a etnogênese, em oposição a ele, é a construção de uma autoconsciência e de uma identidade coletiva contra uma ação de desrespeito (em geral produzida pelo Estado nacional), com vistas ao reconhecimento e à conquista de objetivos coletivos".<ref name="Arruti">{{citar web|autor=Arruti, José Maurício. [|url=http://pib.socioambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/quem-sao/etnogeneses-indigenas "|título=Etnogêneses Indígenas"]. |website=Povos Indígenas no Brasil, |publicado=Instituto Socioambiental.}}</ref>
 
Mas às vezes essas reivindicações são criticadas como fraudulentas, objetivando apenas a obtenção de terras e benefícios oficiais e o atingimento de resultados políticos, e os conflitos são frequentes.<ref>{{Harvnb|Araújo, |2006|pp. =52-53; 74}}</ref><ref name="Reinaldo"/> Como exemplo, um colunista da revista ''[[Veja]]'' afirmou em 2013 que de 15 reservas propostas para demarcação no Paraná, em 5 os índios só "apareceram" ali em 2007, e nas outras, em 2012, e "o único 'povo tradicional' nas áreas reivindicadas pela Funai são os [[Fazendeiro|produtores rurais]]".<ref name="Reinaldo">Azevedo,{{citar Reinaldo. [web|url=http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/estudo-da-embrapa-demonstra-que-presenca-indigena-em-15-areas-do-parana-e-uma-fraude-ou-como-trabalha-a-funai/ "|título=15 áreas no Paraná para demarcá-las como reservas indígenas, principalmente nos municípios de Terra Roxa e Guaíra"]. ''Veja''|autor=Azevedo, Reinaldo|data=16/05/2013|website=Veja|wayb=20130628050524|urlmorta=sim}}</ref>
 
==== Terras indígenas ====
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[[Imagem:Indigenous brazil.jpg|thumb|esquerda|Mapa de [[reserva indígena|reservas indígenas]] brasileiras em 2008]]
Em 1961 foi criado o [[Parque Indígena do Xingu]], a primeira reserva indígena brasileira a ser criada numa perspectiva multicultural, após forte atuação dos [[irmãos Villas-Bôas]], do [[Marechal Rondon]] e de [[Darcy Ribeiro]], entre outros indigenistas, para que a natureza, os povos nativos da região, suas culturas e costumes fossem preservados em sua inteireza e diversidade.<ref>[http://www.glosk.com/BR/Parque_Nacional_do_Xingu/-954274/pages/Irm%C3%A3os_Villas_B%C3%B4as/23136_pt.htm{{citar Parque Nacional do Xingu], 16/10/2006</ref><ref>[web|url=http://www.brasiloeste.com.br/noticia/1192/xingu-40-anos "|título=Xingu 40 Anos"]. Brasil Oeste, |data=20/05/2001|publicado=Brasil Oeste}}</ref><ref>{{Harvnb|Araújo, |2006|pp. =28-29}}</ref> O governo estabeleceu recentemente uma política territorial específica para os índios, consagrada na ''[[Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de Terras Indígenas]]'', que procura criar "estratégias integradas e participativas com vistas ao desenvolvimento sustentável e à autonomia dos povos indígenas".<ref>Ministério{{citar dolei|jurisdição=Brasil|url=https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/decreto/d7747.htm|título=Decreto|número=7.747|data=5 Meiode Ambiente.junho de 2012|ementa=Institui a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de "Terras Indígenas" – PNGATI, e dá outras providências.|publicação=Presidência da República|local=Brasília}}</ref><ref>"{{citar web|url=https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2011/projeto-de-gestao-sustentavel-em-terras-indigenas-tera-apoio-do-governo-alemao|título=Projeto de gestão sustentável em terras indígenas terá apoio do governo alemão". Portal Brasil, |data=01/11/2011</ref><ref>"Brasil define políticas de proteção a povos indígenas com países que integram região amazônica". |publicado=Portal Brasil, 13/04/2011}}</ref> Outras organizações, incluindo estrangeiras, auxiliam o governo nessa difícil tarefa, mas algumas repetidamente são acusadas de servirem a interesses não revelados. Nesse sentido, controles mais rígidos sobre a atuação dessas organizações junto às comunidades indígenas estão sendo estudados.<ref name="Araújo, pp. 38-39"/><ref>"{{citar web|url=https://www.dgabc.com.br/Noticia/205777/indios-da-raposa-sao-manipulados-por-interesses-estrangeiros-diz-governador|título=Índios da Raposa são manipulados por interesses estrangeiros, diz governador". ''|data=08/12/2008|website=Diário do Grande ABC'', 08/12/2008}}</ref> O modelo das reservas indígenas demarcadas pela Funai difere no modelo norte-americano, no qual a propriedade das terras passa a pertencer aos povos indígenas. No Brasil, as reservas indígenas demarcadas pela Fundação Nacional do Índio são patrimônio inalienável da União, cedidas para posse e [[usufruto]] vitalício dos índios, não havendo, portanto, como associá-las a uma perda de [[soberania]] ou ameaças à [[segurança nacional]], como tem sido alegado por muitos militares de alta patente.<ref name="ReferenceA"/><ref name="Carvalho 2006, pp. 85-101"/><ref>[{{citar web|url=http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI2777667-EI306,00-Jobim+e+equivoco+discutir+demarcacao+de+terra+indigena.html "|título=Jobim: é equívoco discutir demarcação de terra indígena"]. Terra Online, |data=23/04/2008|publicado=Terra Online|wayb=20080430015103|urlmorta=sim}}</ref>
 
Em 2006 eram 582 terras indígenas, com uma extensão total de 108 429 222 hectares, equivalendo a 12,54% de todo o território nacional. A maior parte está localizada na Amazônia, com 405 terras distribuídas em 103 483 167 hectares, que correspondem por cerca de 99% da área total de terras indígenas brasileiras. Dois terços da população indígena vive nessas reservas amazônicas, e o restante se comprime no 1% de território que lhe coube nas outras regiões todas somadas.<ref name="Araújo, p. 23"/> No censo de 2010 foram assinaladas 611 terras indígenas e aldeias urbanas, e muitas outras estão em discussão.<ref>Oliveira, Ida Pietricovsky de. ["BEMFAM, UNICEF E SESAI juntos para diminuir a mortalidade infantil indígena"]. Unicef - Belém.</ref> Segundo a Funai, em 2012 havia 683 terras cadastradas no seu Sistema de Terras Indígenas, estando elas em diferentes graus de regularização. 406 estavam plenamente regularizadas, mas 20% das reservas estavam invadidas. Todos os estados brasileiros, incluindo o [[Distrito Federal]], possuem comunidades indígenas.<ref name="Plano_plurianual"/>
 
O problema da demarcação de reservas desde os tempos coloniais tem sido acompanhado de grande controvérsia, violência e denúncias repetidas de corrupção oficial e violações de [[direitos humanos]].<ref name="COIABLourenço">[http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=6960{{citar "Posicionamento da COIAB diante do quadro de violação aos Direitos Indígenas"]. CIMI, 08/06/2013</ref><ref nameweb|url="Lourenço">Lourenço, Luana. [http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-06-07/presidenta-da-funai-sai-em-meio-conflitos-indigenas-e-mudancas-nas-regras-de-demarcacao "|título=Presidenta da Funai sai em meio a conflitos indígenas e mudanças nas regras de demarcação"]. Agência Brasil|autor=Lourenço, Luana|data=07/06/2013|publicado=Agência Brasil}}</ref><ref>Lourenço,{{citar Iolando. [web|url=http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-05-16/deputados-apresentam-requerimento-para-criacao-de-cpi-da-funai-e-do-incra "|título=Deputados apresentam requerimento para criação de CPI da Funai e do Incra"]. Agência Brasil|autor=Lourenço, Iolando|data=16/05/2013|publicado=Agência Brasil}}</ref><ref>{{Harvnb|Araújo, |2006|pp. =24-25}}</ref> As reservas não amazônicas são os principais palcos de conflito, sendo todas áreas pequenas, densamente povoadas e pesadamente pressionadas pelo entorno civilizado.<ref name="Araújo, p. 23"/> Em 2012 o índice de violência contra índios cresceu 237% em relação ao ano anterior, em crimes geralmente associados à questão das terras. Segundo o [[Conselho Indigenista Missionário]] (CIMI), 563 índios foram assassinados nos últimos dez anos no país.<ref>Cruz, Luciene. name="CimiCIMI aponta crescimento de 237% na violência contra os índiosrelatório". Agência Brasil, 27/06/2013.</ref>
 
[[Imagem:Lideranças da APIB são recebidas pelo governo.jpg|thumb|Lideranças da [[Articulação dos Povos Indígenas do Brasil]] são recebidas pelo Ministro da Justiça, [[José Eduardo Cardozo]], e outros oficiais do governo em 2012. Os índios protestam contra a ''Portaria 303'', considerada uma ameaça à integridade das terras indígenas]]
[[Imagem:Indígenas Guarani Kaiowá vivem em acampamentos precários e improvisados.JPG|thumb|Indígenas guarani-caiouás em acampamentos improvisados à beira da rodovia que liga as cidades de [[Amambaí]] e [[Ponta Porã]], 2011]]
 
A oposição aos interesses dos índios é grande, especialmente nos setores ligados ao [[agronegócio]], empreiteiras e indústrias, que usam de seu enorme poder de influência política e econômica para sustentar argumentos invalidados pela Lei, pela [[ética]] elementar ou pela melhor ciência.<ref name="Luana">Motta,{{citar Sergio Barretoweb|url=http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-05-28/produtores-rurais-pedem-suspensao-de-demarcacao-de-terras-indigenas-e-ameacam-parar-pais|título=Produtores "Índiosrurais epedem MSTsuspensão opõemde Dilmademarcação aode agronegócio".terras ''Monitorindígenas Mercantil''e ameaçam parar o país|autor=Lourenço, 06Luana|data=28/0605/2013|publicado=Agência Brasil}}</ref><ref name="Luana"/><ref>Caitano,{{citar Adriana e Chaib, Julia. [https://web.archive.org/web/20131111060347/|url=http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2013/06/15/interna_brasil,371555/fazendeiros-e-entidades-do-agronegocio-fecham-estradas-em-10-estados.shtml "|título=Fazendeiros e entidades do agronegócio fecham estradas em 10 estados"].|autor=Caitano, ''Adriana e Chaib, Julia|website=Correio Brasiliense'',|wayb=20131111060347|urlmorta=sim}}</ref><ref name="O Governo Dilma, o agronegócio">[{{citar web|url=http://www.ecodebate.com.br/2013/06/05/nota-do-cimi-o-governo-dilma-o-agronegocio-e-os-povos-indigenas/ "|título=Nota do Cimi: O Governo Dilma, o agronegócio e os Povos Indígenas"]. CIMI, |data=05/06/2013|website=EcoDebate|publicado=CIMI}}</ref><ref name="latifundiarios">[{{citar web|url=http://www.ihu.unisinos.br/noticias/519465-perdemos-as-contas-de-quantas-vezes-dilma-esteve-com-latifundiarios-empreiteiras-mineradores-e-a-turma-das-hidreletricas-dizem-povos-indigenas "|título=Perdemos as contas de quantas vezes Dilma esteve com latifundiários, empreiteiras, mineradores e a turma das hidrelétricas"]. Instituto Humanitas, Unisinos,|autor=Cesar Sanson|data=22/04/2013</ref><ref name|website="Luana">Lourenço,Instituto Luana. [http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-05-28/produtores-rurais-pedem-suspensao-de-demarcacao-de-terras-indigenas-e-ameacam-parar-pais "Produtores rurais pedem suspensão de demarcação de terras indígenas e ameaçam parar o país"]. Agência BrasilHumanitas, 28/05/2013Unisinos}}</ref> Por exemplo, é frequente a alegação de que se os índios continuarem a receber terras como vinham recebendo na última década, em breve esgotariam os estoques disponíveis, impedindo o crescimento da [[produção primária]] e criando sério risco para a [[segurança alimentar]] nacional. Mas os estudos em que baseia esta tese foram criticados como falhos mesmo por funcionários do governo, e de acordo com a [[Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência]] e outras instituições de alto gabarito, a alegação positivamente não tem fundamento na realidade.<ref>"{{citar web|url=https://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil//galeria/2013-07-10/cna-estima-que-pais-corre-risco-de-diminuir-em-488-milhoes-de-hectares-tamanho-das-areas-de-producao-#|título=CNA estima que o país corre o risco de diminuir em 48,8 milhões de hectares o tamanho das áreas de produção agrícola". Agência Brasil, |data=10/07/2013.|publicado=Agência Brasil}}</ref><ref>"{{citar web|url=https://www.ecodebate.com.br/2009/04/29/tese-polemica-sobre-a-disponibilidade-de-terras-para-ampliar-a-producao-de-alimentos-opoe-ruralistas-e-ambientalistas/|título=Tese polêmica sobre a disponibilidade de terras para ampliar a produção de alimentos opõe ruralistas e ambientalistas". ''Ecodebate'', 09|data=29/04/2009.|website=Ecodebate}}</ref><ref>Grupo de Trabalho do Código Florestal [{{Harvnb|Silva, J. A. A da. (coord.)]. ''O Código Florestal e a Ciência: contribuições para o diálogo''. Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência / Academia Brasileira da Ciência, |2011.}}</ref> Outros atos governamentais considerados ameaças à sua sobrevivência, à sua integridade cultural e aos seus direitos constitucionais à terra, aparecem na forma de leis promulgadas recentemente ou em tramitação. O CIMI afirmou em 2013 que "há mais de uma centena de proposições legislativas contrárias aos direitos dos povos em tramitação nas duas casas do Congresso".<ref>Conselho Indigenista Missionário. [http://www.ecodebate.com.br/2013/06/05/nota-do-cimi-o-governo-dilma-o-agronegocio-e-os-povos-indigenas/ name="O Governo Dilma, o agronegócio e os Povos Indígenas"], 05/06/2013</ref> Projetos do governo ou de privados em terras tradicionais, não autorizados pelos índios como manda a ''Constituição'', entre eles represas, minerações e estradas, são as maiores fontes de conflito.<ref name="COIAB"/><ref name="Lourenço"/><ref name="Mello"/><ref>Verdum,{{citar Ricardo. [web|url=http://www.inesc.org.br/biblioteca/publicacoes/artigos/o-pac-da-mineracao-nas-terras-indigenas "|título=O PAC da Mineração nas Terras Indígenas"] {{Wayback|urlautor=http://www.inesc.org.br/biblioteca/publicacoes/artigos/o-pac-da-mineracao-nas-terras-indigenasVerdum, Ricardo|datepublicado=20131014222656 }}. Instituto de Estudos Socioeconômicos</ref><ref>Chiaretti, Daniela. "Projetos de mineração ameaçam 152 terras indígenas na Amazônia". ''Valor'', 19/04/2013.|wayb=20131014222656|urlmorta=sim}}</ref> Tais medidas são justificadas em geral em nome do "relevante interesse da União", uma possibilidade prevista constitucionalmente, mas que tem sido interpretada com cada vez maior largueza, gerando múltiplos protestos na sociedade e até em setores do próprio governo.<ref name="Cruz1Mello">Cruz,{{citar Luciene. "Cimi aponta crescimento de 237% na violência contra os índios". Agência Brasil, 27/06/2013</ref><ref nameweb|url="COIAB"/><ref name="Mello">Mello, Daniel. [http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-04-17/mineracao-esta-entre-principais-ameacas-terras-indigenas-em-sao-paulo "|título=Mineração está entre as principais ameaças a terras indígenas em São Paulo"]. Agência Brasil|autor=Mello, Daniel|data=17/04/2013</ref><ref>Mendonça,|publicado=Agência Ricardo. "Governo rifa os direitos indígenas, diz antropóloga Manuela Carneiro da Cunha". ''Folha/UOL'', 14/07/2013Brasil}}</ref><ref>Freire,{{citar José Ribamar Bessa. [web|url=http://terramagazine.terra.com.br/blogdaamazonia/blog/2012/07/29/o-brasil-e-o-agronegocio-que-a-agu-resolveu-defender/ "|título=O Brasil é o agronegócio que a AGU resolveu defender"].|autor=Freire, ''TerraJosé Magazine'',Ribamar Bessa|data=29/07/2012|website=Terra Magazine|wayb=20131111101728|urlmorta=sim}}</ref><ref>[http{{citar web|url=https://www.cimi.org.br/site2013/pt-br05/?system34760/|título=news&action=read&id=6881 "Povos Indígenas do Estado do AC, Sudoeste do AM e Noroeste de RO manifestam indignação contra o preconceito do governo Dilma com os povos indígenas"]. CIMI, |data=18/05/2013.|publicado=CIMI}}</ref> A própria Funai teve seus poderes diminuídos recentemente, passando a compartilhar a atribuição de demarcar terras, antes exclusividade sua, com vários outros órgãos do governo ligados ao desenvolvimento econômico e social,<ref>Correia,{{citar Karla et alweb|url=https://www. "em.com.br/app/noticia/politica/2013/05/08/interna_politica,384288/apos-serie-de-protestos-dilma-rousseff-ordena-intervencao-na-funai.shtml|título=Após série de protestos, Dilma Rousseff ordena intervenção na Funai". ''|autor=Correio Braziliense'', |data=08/05/2013|website=Estado de Minas}}</ref><ref>Struck,{{citar Jean-Philipweb|url=https://veja. "abril.com.br/coluna/reinaldo/terra-de-indio-a-politica-indigenista-brasileira-virou-terra-de-ninguem|título=Terra de Índio? A política indigenista brasileira virou terra de ninguém". Veja|autor=Struck, Jean-Philip|data=08/06/2013.|publicado=Veja}}</ref> e para muitos índios ela está sucateada, corrompeu-se e perdeu a credibilidade.<ref name="ReferenceCCarvalho2013"/><ref>Carvalho,{{citar Viníciusweb|url=http://www. "revistaecologico.com.br/materia.php?id=70&secao=1065&mat=1160|título=A Funai está morta!" ''Ecológico'', |data=24/09/2013|website=Ecológico|autor=Carvalho, Vinícius|urlmorta=sim|wayb=20170207112650}}</ref><ref>"{{citar web|url=https://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po0602201120.htm|título=Funai põe culpa em governos por "sucateamento"". ''Folha de S.Paulo'', |data=06/02/2011</ref><ref>Dressel,|website=Folha Heinzde FS. "Os Índios do Brasil: ente violência e corrupção". Nürnberger Menschenrechtszentrum, 20/07/2004Paulo}}</ref> Os casos de abuso contra os direitos constitucionais dos indígenas às suas terras se repetem, e o impacto pode ser ilustrado pela situação dos [[guarani-caiouás]], uma das etnias mais fortemente pressionadas pela perda e invasão de suas terras, na descrição do [[Ministério das Relações Exteriores (Brasil)|Ministério das Relações Exteriores]]:
 
::"Nos últimos anos, a Funai tem investido muito para recuperar os territórios tradicionalmente ocupados pelos guarani-caiouás e dominados irregularmente por produtores de soja e agropecuaristas, a fim de garantir a sobrevivência física e cultural deste grupo que, no passado, se espalhava da região Centro-Oeste até o Sul do País. A perda gradual do espaço geográfico da aldeia (''tekoha'') comprometeu a organização social dos guarani-caiouás, fortemente ligada aos seus conceitos míticos. O espaço da aldeia tem uma relação com o sagrado e a sua perda implica uma falta de referencial para as demais atividades do grupo. Não só a perda do ''tekoha'' alterou os aspectos culturais desses índios. O processo de anulação dos valores culturais dos guarani-caiouás se deveu, em grande parte, à presença de várias seitas [[protestantes]], que penetram no grupo com o objetivo de dar-lhes assistência. Esta influência das missões religiosas, impondo conceitos estranhos a eles, como o do [[pecado]], gerou conflitos. Sem o referencial místico, intrínseco à terra que deveriam ocupar, e contaminados por outros entendimentos de religiosidade, muitos índios viram e ainda veem no [[suicídio]] uma alternativa para acabar com o próprio conflito interno. Quando não tomam esta atitude extrema, entregam-se ao consumo de bebidas alcoólicas, que, igualmente, leva à sua degradação. Alguns, entretanto, buscam a alternativa de se empregarem nas fazendas instaladas em suas terras tradicionais. Esta decisão, por si só, já representa um total distanciamento do padrão cultural de um guarani-caiouá".<ref name="Itamaraty"/>
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::"A condição primordial para qualquer relação respeitosa que se pretenda com os povos indígenas é a demarcação e garantia de suas terras. Não há como assegurar a vida, a cultura, a existência digna desses povos fora de seus territórios. Mas, evidentemente, esta garantia não é suficiente.... Infelizmente, todas as referências culturais e as formas de representação que produzimos sobre os povos indígenas nos levam a pensar que eles são frágeis, menos desenvolvidos, menos cultos, menos civilizados, menos dispostos ao trabalho, e que suas culturas são primitivas, menos complexas, menos valiosas. Tudo isso precisa ser problematizado. A grande questão é que somos impelidos a pensar a existência indígena em função de nossa própria existência. Neste caso, afirmamos a tolerância para com eles, mas nunca nos perguntamos quem somos nós para tolerar, aceitar ou permitir que eles vivam do modo que desejarem. Um bom começo para repensarmos as bases dessa relação seria reconhecermos que os povos indígenas possuem suas formas próprias de viver, e isso independe de nossa aprovação, aceitação ou tolerância".<ref name="Wolfart"/>
 
A falta de demarcação gera outros efeitos negativos além dos descritos, pois somente comunidades residentes em áreas regularizadas podem receber oficialmente uma série de serviços de educação, fomento agrícola e social.<ref> name="Uma hora ele é índio demais e atrapalha, outra hora ele é índio de menos, e não têm direitos". Instituto Humanitas, Unisinos, 24/08/2012</ref> A solução do problema das terras indígenas terá importantes repercussões tanto para a sobrevivência daqueles povos quanto para a conservação das florestas. O Brasil é o campeão mundial em [[desmatamento no Brasil|desmatamento]], e sofre com inúmeras outras ameaças que põem em risco a [[biodiversidade]] e os [[ecossistema]]s, como a [[poluição]] e o [[impactos do aquecimento global no Brasil|aquecimento global]].<ref name="COIAB"/><ref>FAO{{citar web|url=https://cimi.org.br/2013/06/34918/|título=Posicionamento [Martin,da R.COIAB M.diante (coord.)].do ''Statequadro ofde theviolação World'saos Forests'',Direitos 2012Indígenas|data=08/06/2013|publicado=CIMI}}</ref><ref name="Millennium">Core Writing Team. ''Ecosystems and Human Well-being: A Report of the Millennium Ecosystem Assessment''. Synthesis. Island Press, 2005, p. 127<"/ref> Neste sentido, o papel dos índios instalados em suas terras de direito e mantendo seus hábitos tradicionais é importante na medida em que essas comunidades são consideradas exemplos em [[manejo sustentável]] das florestas. O ''[[Millennium Ecosystem Assessment]]'', uma das maiores sínteses científicas das últimas décadas sobre o meio ambiente, declarou que, embora ainda sejam necessários estudos científicos mais profundos, os povos indígenas podem ser tão efetivos para a preservação das florestas quanto sua transformação em santuários ecológicos convencionais.<ref name="MillenniumCore Writing Team 2005, p. 127"/>
 
=== Economia e desenvolvimento ===
{{Artigo principal|Economia indígena}}
[[Imagem:Guaranies-brazil.JPG|thumb|esquerda|Índios [[Guaranis|guarani]] [[aculturação|semi-aculturados]] vivem em situação de pobreza na [[região das Missões]], onde as reservas são pequenas e disputadas]]
[[Imagem:Indígenas mundurukus se reúnem com o ministro da Secretaria-Geral da Presidência Gilberto Carvalho 2.jpg|thumb|esquerda|Índios [[mundurucus]] chegam em Brasília para pedir a suspensão de empreendimentos energéticos na Amazônia e discutir outras reivindicações indígenas, 2013]]
 
Já são raras as tribos que podem viver de acordo com suas antigas práticas, até mesmo os povos isolados estão sob crescente pressão.<ref name="Equipe">Equipe de Apoio aos Povos Indígenas Isolados. [http://www.cimi.org.br/pub/viol/viol2012.pdf "Os Povos Indígenas Isolados Continuam Ameaçados"]. In: Conselho Indigenista Missionário [Rangel, Lúcia Helena (coord.)]. ''Violência contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de{{Harvnb|Capítulo IV|2012'', |pp. =128-135}}</ref> Este problema está diretamente ligado à conflituosa questão de suas terras. Em 2003, mais de 90% das tribos enfocadas em um estudo de Peter Schröder dependiam principalmente da agricultura. A caça e a pesca, antes muito importantes, ainda são praticadas por quase todas as tribos, mas na maioria das vezes em escala limitada.<ref name="Schröder"/> Piora o problema o fato de que muitas reservas são pequenas, seus [[recursos naturais]] estão se exaurindo e já não têm condições de sustentar comunidades em crescimento.<ref name="Alencar, Edna Ferreira 2005. pp. 68-74"/> Cerca de um terço das reservas enfrenta dificuldades no abastecimento de alimentos e nas infra-estruturasinfraestruturas, tornando a desnutrição e a pobreza problemas recorrentes,<ref name="Caldas"/> e forçando muitos à migração para fazendas da região ou para as cidades, em busca de melhores condições.<ref name="Baines"/><ref name="Baptista">{{Harvnb|Baptista, Patrick, Leandro. Índios, Índios e Índios: a aldeia Kakané-porã''. TCC em Ciências Sociais. Orientação: Edilene Coffaci de Lima. Universidade Federal do Paraná, |2012, |p. =14}}</ref> Alguns, porém, migram em busca de educação, de reconhecimento, de atendimento médico e outros motivos. Já são muitos os índios que cursam universidades, exercem profissões liberais e técnicas e mesmo ingressam na política partidária — como foi o caso do notório [[Jurunas|Juruna]] —, influenciando a realidade nacional em múltiplos níveis.<ref name="Baines"/><ref>{{Harvnb|Carvalho, José Jorge de. [http://www.seer.uece.br/?journal=opublicoeoprivado&page=article&op=view&path%5B%5D=265 "Uma Proposta de Cotas para Negros e Índios na Universidade de Brasília"]. In: ''O público e o privado - Revista do PPG em Políticas Públicas da Universidade Estadual do Ceará'', |2004; (3)}}</ref><ref>Souza,{{citar Marcelle. [web|url=http://educacao.uol.com.br/noticias/2013/04/19/precisamos-de-mais-indios-na-universidade-diz-professor-guarani-kaiowa.htm "|título=Precisamos de mais índios na universidade", diz professor kaiowá]. ''UOL Educação''|autor=Souza, Marcelle|data=19/04/2013|website=UOL Educação}}</ref><ref>Rattner,{{citar Jair. [web|url=http://www.dn.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=1386126&seccao=CPLP "|título=Índios querem ter participação política"]. ''Diário de Notícias / O Globo''|autor=Rattner, Jair|data=10/10/2009</ref><ref>Makuxi,|website=Diário Alex.de [http:Notícias//www.indioeduca.org/?p=703 "O Índio e a Luta na Política Partidária"]. Índio Educa, 03/11/2011Globo|wayb=20131226012217|urlmorta=sim}}</ref>
 
Constitucionalmente os índios têm direito à participação nos lucros derivados de investimentos e obras em suas terras, mas como a Lei nem sempre é cumprida, em grande número de casos os povos acabam explorados sem compensações adequadas, sofrendo sérios impactos sociais negativos e vendo o ambiente de que precisam para viver ser destruído e poluído. Projetos de mineração, usinas hidrelétricas, exploração madeireira, agropecuária, [[grilagem]] de terras e obras de infraestrutura como estradas e linhas de transmissão energética, são os que geram mais problemas.<ref>{{Harvnb|Santos, Sílvio Coelho dos & |Nacke, Aneliese. [http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_08/rbcs08_05.htm "Povos Indígenas e Desenvolvimento Hidrelétrico na Amazônia"]. In: ''Revista Brasileira de Ciências Sociais'', |1991; 8:|pp=71-84.}}</ref><ref>Lima, Luciana Alves de. [http://www.indigena.caop.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudoname=73 ''Direito Socioambiental - Proteção da diversidade biológica e cultural dos povos Indígenas''] {{Wayback|url=http:"Lima"//www.indigena.caop.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=73 |date=20131112195445 }}. Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Direitos Humanos, Ministério Público do Estado do Paraná, 2009.</ref><ref>Instituto{{citar Socioambiental. [web|url=http://uc.socioambiental.org/territ%C3%B3rios-de-ocupa%C3%A7%C3%A3o-tradicional/terras-ind%C3%ADgenas-0 "|título=Unidades de Conservação: Terras indígenas"].|publicado=Instituto Socioambiental}}</ref><ref name="Máximo"/> Muitas comunidades já tomaram conhecimento, através dos civilizados, do [[aquecimento global]] e dos prejuízos que o fenômeno vem causando para o meio ambiente em todo o mundo, danos que eles corroboram através de observações diárias, sofrendo com as mudanças nas chuvas, com a redistribuição ou declínio de espécies selvagens, e com as secas mais intensas, que prejudicam suas economias baseadas na terra.<ref>{{Harvnb|Macedo, Valéria. [http://pib.socioambiental.org/pt/c/downloads "A Cosmopolítica das Mudanças (Climáticas e Outras)"]. In: Ricardo, Beto & Ricardo, Fany (eds.); Ricardo, Fany (coord.). ''Povos indígenas no Brasil: 2006/2010''. Instituto Socioambiental, |2011, |p. =18}}</ref>
 
Outras dificuldades advêm dos múltiplos modelos produtivos adotados tradicionalmente pelos vários povos, complicando o estabelecimento de políticas consistentes. Em geral suas economias se caracterizam pela ausência de instituições formais de produção e distribuição de produtos, pelo baixo grau de especialização, pelo baixo nível tecnológico, pelos mercados pequenos, por um sistema de trocas não monetárias, pela ênfase (ainda que não exclusiva) na [[economia de subsistência]], e pela complexidade da integração com o sistema civilizadocapitalista.<ref name="Schröder"/> Contudo, uma expressiva parcela da população autodeclarada como indígena, calculada em 2006 entre 100 e 190 mil pessoas (mas podem ser até 350 mil) já não vive em reservas,<ref name="Baines"/><ref>{{Harvnb|Araújo, Ana Valéria et alii. ''Povos Indígenas e a Lei dos “Brancos”: o direito à diferença''. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, |2006, |p. =23}}</ref> e está plenamente imersa no sistema econômico [[capitalista]], embora em geral, com muito menos preparo, atua em grande desvantagem em relação aos seus irmãos civilizados e obtém resultados bem mais fracos. A maioria acaba virando mão de obra barata e termina seus dias em [[favela]]s nos grandes centros urbanos, incapaz de conquistar uma vida digna.<ref name="Schröder">{{Harvnb|Schröder, Peter. ''Economia indígena: situação atual e problemas relacionados a projetos indígenas de comercialização na Amazônia legal''. Editora Universitária UFPE, |2003, |pp. =19-29}}</ref><ref name="Baines">{{Harvnb|Baines, Stephen G. [https://web.archive.org/web/20131112200415/http://www.funai.gov.br/ultimas/artigos/revista_7.htm "As chamadas 'aldeias urbanas' ou índios na cidade"]. In: ''Revista Brasil Indígena'', |2001; I (7).}}</ref><ref name="Baptista"/><ref>{{Harvnb|Araújo et alii, |2006|p. =49}}</ref>
[[Imagem:Fulni-ô fala da cultura do seu povo.jpg|thumb|Representante fulni-ô fala da cultura de seu povo para escolares no [[Jardim Botânico de Brasília]], em comemoração do [[Dia do Índio]], 2011]]
 
Para ajudar a resolver esses desafios o governo e entidades privadas, em parceira com as comunidades, estão desenvolvendo vários projetos para o desenvolvimento econômico e social das tribos, enfocando o [[manejo sustentável]] dos recursos naturais, a organização de [[cooperativa]]s, grupos de artesãos e outras formas de [[economia solidária]], e articulação de um sistema de comércio integrado aoa civilizado[[Atividade econômica|economia formal]], colocando excedentes de colheitas ou artefatos étnicos em feiras regionais, o que tem sido importante fonte de renda para muitas comunidades.<ref name="Schröder"/><ref name="Máximo">Máximo,{{citar Wellton. [web|url=http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2007-07-30/assembleia-do-cimi-discute-formas-de-sustento-dos-povos-indigenas "|título=Assembléia do Cimi discute formas de sustento dos povos indígenas"]. Agência Brasil|autor=Máximo, Wellton|data=30/07/2007|publicado=Agência Brasil}}</ref><ref>[{{citar web|url=http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2003-11-25/comunidades-indigenas-preparam-proposta-de-desenvolvimento-sustentavel-para-levar-ao-governo "|título=Comunidades indígenas preparam proposta de desenvolvimento sustentável para levar ao governo"]. Agência Brasil, |data=25/11/2003|publicado=Agência Brasil}}</ref><ref>{{citar nameweb|url="fulni-ô"/><ref>Porto, João. [http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2007-08-04/missionarios-e-indigenas-discutem-sustentabilidade-das-aldeias "|título=Missionários e indígenas discutem sustentabilidade das aldeias"].|autor=Porto, João|data=04/08/2007|publicado=Rádio Nacional da Amazônia, 04/08/2007}}</ref> Embora essas iniciativas atendam a demandas urgentes de sobrevivência, têm o inconveniente de estreitar cada vez mais os laços dos indígenas com a civilização, dissolvendo progressivamente seus costumes tradicionais, um fenômeno que causa por si diversos efeitos deletérios sobre os indivíduos e grupos, como já foi explicado.<ref name="Schröder"/><ref name="fulni-ô"/> Mas segundo Ana Carolina Coimbra, trabalhando sobre o caso dos [[fulni-ô]] mas descrevendo uma conjuntura que é comum, disse que os índios têm procurado absorver essas mudanças legítima e criativamente: "Este tipo de ação está inserido em um processo de mudança cultural que implica na re-significaçãoressignificação de elementos externos à cultura a partir de uma lógica própria. Neste caso específico, o contexto em que estão inseridas as comunidades indígenas as leva à apropriação de um discurso político étnico visando sua autodeterminação e autogestão, e a uma consequente revalorização cultural".<ref name="fulni-ô">{{Harvnb|Coimbra, Ana Carolina Gomes. "Economia e Desenvolvimento Indígena e o Desenvolvimento Sustentável: um exemplo dos índios fulni-ô - Águas Belas - Pernambuco". In: ''IV Seminário Povos Indígenas e Sustentabilidade: Saberes Tradicionais e Formação Acadêmica > 6º Simpósio Temático: Saberes Tradicionais e Formação Acadêmica no Âmbito da Gestão Territorial e Sustentabilidade''. Campo Grande, Universidade Católica Dom Bosco, 15-18/08/|2011}}</ref>
 
=== Educação ===
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[[Imagem:Arte de la Lengua Guarani - Antonio Ruiz de Montoya.jpg|thumb|[[Antonio Ruiz de Montoya]]: ''A Arte da Língua Guarani'', 1724, um dos vários manuais técnicos produzidos pelos missionários para seus propósitos educativos]]
 
Originalmente os ensinamentos eram transmitidos de pais para filhos em situações práticas, mas também através da arte, de lendas, mitos e [[ritos de passagem]] de caráter religioso e público, e de fato toda a comunidade participava da educação de suas crianças.<ref name="Bessa"/><ref name="Schmitz"/><ref name="Machado2"/><ref name="Redes"/><ref name="Machado"/> A partir da colonização europeia, todo esse sistema se viu na contingência de mudar, introduzindo-se o ensino por mestres especializados, os professores, com disciplinas compartimentalizadas e de fraca vinculação com a realidade de suas vidas e sua herança cultural. Nos tempos coloniais, praticamente, a educação que se ministrou aos índios se resumiu ao [[catecismo]] religioso, utilizando frequentemente formas artísticas ocidentais para seduzíseduzi-los para [[Cristo]], como o teatro e a música, que fascinavam os povos nativos, e algumas letras mais avançadas eram dadas aos caciques e seus filhos. Os demais podiam ser preparados em ofícios mecânicos e artísticos e técnicas agropastoris. Lógico, buscou-se a abolição da diversidade linguística em favor de uma unidade lusófona. Não obstante, durante muito tempo chegaram a se falar [[línguas crioulas]] de vasta ocorrência geográfica, híbridos compostos de várias línguas indígenas regionais em mistura ao português, como a [[língua geral paulista]] e o [[nheengatu]], que produziram prolífica literatura devocional e técnica. Porém, foram etapas intermédias num projeto de uniformização linguística e educativa total, consagrado pelo [[Marquês de Pombal]] em meados do {{séc|XVIII}}. Neste processo, muitos elementos culturais e práticas educativas originais se desvirtuaram. Desde o início se patentearam diferenças culturais aparentemente intransponíveis, e a adequação do sistema educativo ocidental à transmissão do pensamento e da cultura nativa tem sido desde então objeto de perene controvérsia e fonte de conflito.<ref name="Manso"/><ref>{{Harvnb|Cuturi, Flavia. "Reductio ad unam linguam: la violenza prottetiva nelle riduzioni gesuitiche". In Cuturi, Flavia. ''In nome di Dio. L'impresa missionaria di fronte all'alterità''. Meltemi Editore srl, |2004. |pp. =74-100}}</ref><ref>{{Harvnb|Fleck, Eliane Cristina Deckmann. "A educação jesuítica nos Sete Povos das Missões (séculos 17–18)". In: Ministério da Educação do Brasil. ''Revista Em Aberto'', 2009; 22 (81):|2008|pp=109-118</ref><ref name="Grupioni4">Grupioni, Luís Donisete Benzi. [http://pib.socioambiental.org/pt/c/politicas-indigenistas/educacao-escolar-indigena/introducao "Educação Escolar Indígena: Introdução"]. Povos Indígenas no Brasil. Instituto Socioambiental.}}</ref><ref>{{Harvnb|Villalta, Luiz Carlos. "O que se fala e o que se lê: língua, instrução e leitura". In: Novais, Fernando (diretor da coleção) & Souza, Laura de Mello e (organizadora do volume). ''História da Vida Privada no Brasil, vol. 1: Cotidiano e vida privada na América portuguesa''. Companhia das Letras, |1997, 10ª reimpressão, |pp. =332-345}}</ref><ref>Daher, Andréa. "Escrita e conversão: a gramática tupi e os catecismos bilíngues no Brasil do {{sécHarvnb|Daher|XVI}}". In: ''Revista Brasileira de Educação'', 1998; (8):|pp=31-43}}</ref><ref>{{Harvnb|Freire, José Ribamar Bessa. "Tradução e Interculturalidade: o passarinho, a gaiola e o cesto". In: ''ALEA'', |2009; 11 (2):|pp=321-338}}</ref><ref>{{Harvnb|Damasceno, Athos. ''Artes Plásticas no Rio Grande do Sul''. Globo, |1970. |pp. =13-18}}</ref><ref>{{Harvnb|Custódio, Luiz Antonio Bolcato. "Missões Jesuíticas: Arquitetura e Urbanismo". In: Memorial do Rio Grande do Sul. ''Cadernos de História'', nº 21.|2012}}</ref>
 
O governo delimitou seu campo através de vários instrumentos legais, especialmente a ''[[Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional]]'', e instituições específicas sob o comando atualmente do [[Ministério da Educação (Brasil)|Ministério da Educação]] em parceria com a Funai,<ref name="Grupioni4"/><ref{{citar nameweb|url="MEC">Grupioni, Luís Donisete Benzi.[http://pib.socioambiental.org/pt/c/politicas-indigenistas/educacao-escolar-indigena/da-funai-para-o-mecintroducao|título=Educação "DaEscolar FunaiIndígena: paraIntrodução|autor=Grupioni, oLuís MEC"].Donisete Benzi|website=Povos Indígenas no Brasil. |publicado=Instituto Socioambiental.}}</ref> tem destinado grandes recursos para a educação dos índios nas reservas e fora delas, inclusive em cursos superiores, e também dos não índios a respeito da realidade nativa. Os próprios indígenas estão envolvidos nestas atividades educacionais de várias maneiras, agrupando-se em associações para preservação e divulgação de tradições, formando-se professores e produzindo material didático em línguas nativas, mas no contexto da educação formalizada e homogeneizadora do Brasil moderno, tem sido complexa a tarefa de preservar tradições para os que vivem mergulhados nelas mas as estão perdendo, e traduzi-las com fidelidade para uma outra cultura,<ref name="Tiriba"/><ref name="MECGrupioni4"/><ref>{{Harvnb|Grupioni, Luís Donisete Benzi. "Experiências e Desafios na Formação de Professores Indígenas no Brasil". In: ''Em Aberto'', |2003; 20 (76):|pp=13-18</ref><ref name="Wellington">Soares, Wellington. "Formação de professores para Educação Indígena: Foco em cada povo - Ações diferenciadas para cada realidade". In: ''Nova Escola'', 2001; (260):1-2}}</ref><ref>{{Harvnb|Gilberto, Irene Jeanete Lemos. "A Educação Indígena e a Formação de Professores". Poster. In: ''32ª Reunião da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação: Sociedade, cultura e educação: novas regulações?'' Caxambu, 04-07/10/|2009}}</ref> e ainda parecem prevalecer apresentações estereotipadas e simplistas, reiterando conceitos ultrapassados e atrasando os avanços em direção ao entendimento mútuo.<ref>{{Harvnb|Guimarães, Francisco A. M. [https://web.archive.org/web/20131203012412/http://www.uneb.br/plataformafreire/files/|2010/03/historia_e_cultura_indigena_na_escola_texto_2.pdf "História e Cultura Indígena: diferentes formas de ver, diferentes formas de pensar"]. UNEB, s/d.}}</ref><ref>Cabañas,{{citar Marilu. [web|url=http://www.redebrasilatual.com.br/radio/programas/jornal-brasil-atual/2013/10/professores-tem-formacao-superficial-sobre-cultura-indigena "|título=Professores têm formação superficial sobre cultura indígena"]. Rede Brasil Atual|autor=Cabañas, Marilu|data=14/10/2013|publicado=Rede Brasil Atual}}</ref>
 
Deve ser notado que o programa de educação indígena do governo tem um perfil flexível, buscando adaptar o modelo padronizado às necessidades das comunidades, preservando as línguas, usando materiais preparados no local por professores índios, elaborando currículos diferenciados, incluindo a comunidade no estabelecimento de parâmetros e adequando o calendário escolar ao ritmo de vida tradicional das tribos.<ref name="Grupioni4"/> A meta do governo é que todos os professores das escolas em reservas sejam índios.<ref name="Wellington">{{citar web|url=http://revistaescola.abril.com.br/politicas-publicas/formacao-professores-educacao-indigena-741234.shtml|título=Formação de professores para Educação Indígena: Foco em cada povo - Ações diferenciadas para cada realidade|autor=Soares, Wellington|ano=2001|website=Nova Escola|número=260|página=1-2|wayb=20160326095223|urlmorta=sim}}</ref> Mas além da problemática implícita no modelo educativo, as próprias infraestruturas educativas nas aldeias são precárias. Segundo estudo de Rangel & Liebgott,
[[Imagem:Edukation.jpg|thumb|esquerda|Índias [[Canelas (povo)|canela]] em escola de aldeia maranhense]]
[[Imagem:Tubarão pré-histórico.jpg|thumb|esquerda|Escultura em pedra da [[cultura sambaqui]] pré-cabralina, representando um tubarão. Laboratório de Ensino e Pesquisa em Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal de Pelotas]]
 
::"Os dados indicam que não há escolas que assegurem a conclusão do [[ensino fundamental]] e que, na quase totalidade das comunidades indígenas, não há [[ensino médio]]. Impondo, com isso, que os estudantes indígenas frequentem as escolas dos municípios, onde lhes são negados os direitos a uma educação escolar diferenciada. Os dados apresentados pelo CIMI indicam que a política de educação escolar indígena está relegada, basicamente, aos municípios, que impõem as condições, os profissionais e os currículos escolares. Os chamados territórios etnoeducacionais, apresentados pelo Ministério da Educação, são ainda uma mera ficção, ou seja, não estão em funcionamento, os povos indígenas não os conhecem e sequer sabem como poderão ser implementados".<ref>{{Harvnb|Rangel, Lucia Helena & |Liebgott, Roberto Antonio. [http://www.cimi.org.br/pub/viol/viol2012.pdf "A Dura e Dolorosa Realidade a que os Povos Indígenas Estão Submetidos no Brasil"]. In: Conselho Indigenista Missionário [Rangel, Lúcia Helena (coord.)]. ''Violência contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de |2012'', |p. =17}}</ref>
 
As carências envolvem falta de instalações adequadas para as aulas, de transporte, de merenda escolar, de professores e materiais didáticos. Além da precariedade da formação de profissionais que seja capacitados a atuar junto a essas comunidades, seja ativamente na sala de aula, seja compondo a equipe pedagógica necessária para se desenvolver a educação escolar, como aponta Da Cunha em sua entrevista: Educação escolar indígena em Roraima: formação docente e escolas e específicas e diferenciadas.<ref>{{Citar periódico Harvnb|url=https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/39863 |titulo=Educação escolar indígena em Roraima: formação docente e escolas específicas e diferenciadas |data=2021-10-01 |acessodata=2022-08-27 |jornal= |ultimo=Leite |primeiro=Sâmmya Faria Adona |ultimo2=Oliveira |primeiro2=Marcia Maria Fernandes de Wunsch|paginas2021|pp=e39863–e39863 |lingua=pt |doi=10.26512/lc27202139863 |issn=1981-0431 |ultimo3=Wunsch |primeiro3=Luana Priscila}}</ref> A educadora [[Iara Bonin]] afirmou que "para muitos estados e municípios, a oferta de educação escolar indígena específica e diferenciada é vista como uma regalia, uma concessão, e não como um direito dos povos indígenas". Também há denúncias de alijamento das comunidades nos processos decisórios e de implementação de projetos educativos sem o necessário consentimento prévio dos povos. Alunos que conseguem progredir até os cursos superiores também são afetados, sendo ouvidas contínuas queixas de atrasos no repasse das bolsas de estudo e outros auxílios, criando dificuldades de transporte, moradia e alimentação, importantes para assegurar sua permanência nas universidades.<ref>{{Harvnb|Bonin, Iara Tatiana. [http://www.cimi.org.br/pub/viol/viol2012.pdf "Desassistência na Área de Educação Escolar Indígena"]. In: Conselho Indigenista Missionário [Rangel, Lúcia Helena (coord.)]. ''Violência contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de |2012'', |pp. =108-110}}</ref>
 
A [[alfabetização]] dos indígenas nos [[vernáculo]]s, paralelamente ao trabalho sistematizador dos [[linguista]]s, também tem tido o efeito de gerar literatura, fato de fundamental importância num contexto de progressiva dissolução e esquecimento das tradições e mitos, e tem capacitado os índios para registrar de maneira duradoura sua própria versão da História e descrever suas visões de mundo com autenticidade, corrigindo interpretações distorcidas dos civilizados, possibilitando além disso a preservação das próprias línguas e a maior divulgação de suas culturas. Fortalece ainda o senso de identidade das tribos, lhes infunde mais orgulho de suas origens e dá bases para eles elaborem formas próprias de [[pedagogia]].<ref>Munduruku, Daniel.{{citar [web|url=http://pib.socioambiental.org/pt/c/iniciativas-indigenas/autoria-indigena/a-escrita-e-a-autoria-fortalecendo-a-identidade "|título=A escrita e a autoria fortalecendo a identidade"].|autor=Munduruku, Daniel|website=Povos Indígenas no Brasil, |publicado=Instituto Socioambiental.}}</ref><ref>Souza,{{citar Lynn M. T. Menezes de. [httpweb|url=https://pib.socioambiental.org/pt/c/iniciativas-indigenas/autoria-indigena/uma-outra-historiaUma_outra_hist%C3%B3ria,-a-escrita-indigena-no-brasil "_a_escrita_ind%C3%ADgena_no_Brasil|título=Uma outra história, a escrita indígena no Brasil"]|autor=Souza, Lynn M. T. Menezes de|website=Povos Indígenas no Brasil, |publicado=Instituto Socioambiental.}}</ref>
 
Algumas populações indígenas lutam para garantir espaço nas universidades. Em Manaus, por exemplo, foi conquistado o acesso e permanência na Universidade Federal do Amazonas por meio de ações afirmativas. A fim de solucionar essas questões de permanência, a conquista não aconteceu apenas por garantir vagas ao indígena, novas disciplinas foram criadas a fim de atender a realidade dos indígenas, não apenas no sentido de prover discussões mais significativas à sua realidade, mas também para produzir um conhecimento que previamente não acontecia. Também foi garantida estrutura física e financeira para que eles pudessem morar perto da universidade, resolvendo o problema de longas distâncias que impossibilitam o acesso ao estudo. Alguns cursos na área da pós-graduação também contam com espaço para indígenas, dessa forma, democratizando a educação.<ref>{{citar periódico Harvnb|url=https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/36591 |titulo=Povos indígenas, educação superior e ações afirmativas na UFAM |data=05-07-2021 |jornal=Linhas Críticas |publicado=Universidade de Brasília |ultimo=Menezes |primeiro=Reinaldo Oliveira |ultimo2=Silva |primeiro2=Márcia Gama da |pagina=e36591 |ultimo3=Simas |primeiro3=Hellen Cristina Picanço |ultimo4=Weigel |primeiro4=Valéria Augusta Cerqueira de Medeiros 2021|volumep=27e36591}}</ref>
 
Para os civilizados, o assunto indígena faz parte hoje do currículo escolar brasileiro desde o nível primário,<ref>Leal,{{citar Leonardo. [web|url=http://www.correiodeuberlandia.com.br/cidade-e-regiao/ensino-da-historia-e-cultura-indigena-e-estabelecido-por-lei-com-interdisciplinaridade/ "|título=Ensino da história e cultura indígena é estabelecido por lei com interdisciplinaridade"]. ''Correio de Uberlândia''|autor=Leal, Leonardo|data=17/06/2013|website=Correio de Uberlândia|wayb=20131203005144|urlmorta=sim}}</ref> e permanece muito explorado até as pós-graduações, havendo muitos museus, pontos de cultura, grupos e instituições que se dedicam a conservar e divulgar a riqueza e a diversidade do patrimônio arqueológico, histórico e artístico dos índios, bem como de sua [[cultura imaterial]], que estão seriamente ameaçados.<ref name="pontos">[{{citar web|url=http://www.brasil.gov.br/cultura/2012/04/ministerio-anuncia-a-criacao-de-pontos-de-cultura-indigena-em-todo-o-pais "|título=Ministério anuncia a criação de pontos de cultura indígena em todo o País"]. Portal Brasil, |data=23/04/2012|publicado=Portal Brasil|wayb=20131203002014|urlmorta=sim}}</ref><ref name="Pozzi"/><ref name="Unicef"/><ref name="Pró–Índio"/> Incontáveis programas de estudos acadêmicos em andamento objetivam melhor entender a sociedade indígena para melhor dialogar com ela, e também pelo mérito do seu interesse intrínseco, que tem sido reconhecido por especialistas como imenso, podendo dar contribuição valiosa para um mundo que hoje se debate em uma profunda crise de valores humanos, sociais e ecológicos.<ref name="pontos"/><ref name="Araújo"/><ref name="Unicef">Unicef.{{citar [periódico|url=http://www.unicef.org/brazil/pt/br_rpi126.pdf ''|título=Cultura e identidade para a igualdade étnico-racial'']. In: ''|ano=2011|website=Notas para Ler no Ar...'', 2011; (|publicado=Unicef|número=126)|wayb=20131203011353|urlmorta=sim}}</ref><ref name="Pró–Índio">{{Harvnb|Freire, José R. Bessa. [http://www.miniweb.com.br/Historia/Artigos/i_contemporanea/PDF/patrimonio_indio.pdf ''O Patrimônio Cultural Indígena'']. Pró–Índio - Programa de Estudos dos Povos Indígenas.|1998}}</ref><ref>{{Harvnb|Costa, Maria Castilho. ''A imagem da mulher: um estudo de arte brasileira''. Senac, |2002, |p. =54}}</ref><ref>[{{citar web|url=http://www.unicrio.org.br/nacoes-unidas-ressaltam-importancia-da-cultura-indigena-no-dia-internacional-dos-povos-indigenas/ "|título=Nações Unidas ressaltam importância da cultura indígena no Dia Internacional dos Povos Indígenas"]. |data=09/08/2010|publicado=Centro de Informação das Nações Unidas — UNIC Rio, 09/08/2010}}</ref><ref>{{Harvnb|Vessani, Maria Cecília Fittipaldi. ''Objetos Plumários na Arte Contemporânea Brasileira''. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Goiás, |2005.}}</ref>
 
=== Saúde ===
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[[Imagem:Abertura da 5ª Conferência Nacional de Saúde Indígena.jpg|thumb|Abertura da 5ª Conferência Nacional de Saúde Indígena, 2013]]
[[Imagem:Indian protesters from Vale do Javarí in Belém 2009-1530FP8777.jpg|thumb|Indígenas de várias etnias da [[Terra Indígena do Vale do Javari|reserva do vale do Javari]] invadem a tenda Revolução Cubana e o Centro de Imprensa do [[Fórum Social Mundial]] pedindo mais saúde e denunciando várias mortes por hepatite nos últimos anos, 2009]]
Sabe-se que os índios gozavam originalmente de boa saúde, tendo corpos mais fortes e robustos do que os europeus,<ref name="Vinícius"/> exercitados nas artes militares, na produção de artefatos e construção de cabanas, nas contínuas atividades físicas em seu cotidiano de estreito contato com a Natureza, movimentando-se sempre a pé ou em canoas de remo, na caça e pesca, na agricultura, e nos esportes como a ''[[huka-huka]]'' (uma luta), o [[cabo-de-guerra]], o ''xikunahity'' (um "futebol" em que a bola é impulsionada exclusivamente por cabeceios), a corrida carregando toras de madeira e o ''rõkrã'' (um jogo com bastões e uma pelota).<ref>Funai.{{citar [https://web.archive.org/web/20131221013336/|url=http://www.funai.gov.br/indios/jogos/novas_modalidades.htm "|título=Modalidades dos VI Jogos dos Povos Indígenas"].|publicado=Funai|wayb=20131221013336|urlmorta=sim}}</ref> Sua [[longevidade]] nos tempos pré-cabralinos é incerta, mas sobrevivem relatos dos primeiros exploradores, no entanto, afirmando que muitos viviam até velhice avançada, conhecendo até quatro gerações de descendentes.<ref name="Vinícius">{{Harvnb|Pires, Vinícius. [http://www.franca.unesp.br/Home/Pos-graduacao/dissertacao---vinicius-pires.pdf ''Descrições portuguesas e francesas acerca dos nativos da costa brasileira entre 1549 e 1615: aproximações e distanciamentos desses olhares'']. Dissertação de Mestrado em História. Universidade Estadual Paulista, |2012. |p. =63}}</ref>
 
Suas práticas de cura tinham caráter [[xamã|xamanístico]] e ritual, possuindo conotações mágicas e religiosas, e as doenças frequentemente eram atribuídas a origens sobrenaturais. Em sua medicina usavam ervas, produtos animais e procedimentos físicos invasivos, que podiam incluir sangrias e escarificações.<ref name="Juberty"/><ref name="Coimbra">{{Harvnb|Santos, Ricardo V. & |Coimbra Jr., Carlos E. A. [http://books.scielo.org/id/bsmtd/pdf/coimbra-9788575412619-02.pdf "Cenários e tendências da saúde e da epidemiologia dos povos indígenas no Brasil"]. In: Coimbra Jr., Carlos E. A., Santos, Ricardo Ventura & Escobar, Ana Lúcia. (orgs). ''Epidemiologia e saúde dos povos indígenas no Brasil''. FIOCRUZ / ABRASCO, |2005, |pp. =13-47}}</ref> Muitas vezes o atendimento de saúde tradicional distribuía funções entre várias figuras além do curador principal, o pajé, incluindo rezadores e benzedeiras, conhecedores de ervas e parteiras. Diversos de seus conhecimentos foram aproveitados pelos europeus desde o início e hoje estão sendo estudados pela ciência e em parte incorporados ao sistema de saúde indígena organizado pelo governo.<ref>{{Harvnb|Gil, Laura Perez. [http://sis.funasa.gov.br/portal/publicacoes/pub1466.pdf "Possibilidades de articulação entre os sistemas de parto tradicionais indígenas e o sistema oficial de saúde no Alto Juruá"]. In: Fundação Nacional de Saúde [Ferreira, Luciane Ouriques & Osório, Patricia Silva (orgs.)]. ''Medicina Tradicional Indígena em Contextos – Anais da I Reunião de Monitoramento''. Projeto Vigisus II/Funasa, |2007, |pp. =23-36.}}</ref><ref>{{Harvnb|Souza,Liliane Cunha de. [http://sis.funasa.gov.br/portal/publicacoes/pub1466.pdf "Remédios do Mato e Remédios de Farmácia: relações entre o sistema médico Fulni-ô e o sistema oficial de saúde"]. In: Fundação Nacional de Saúde [Ferreira, Luciane Ouriques & Osório, Patricia Silva (orgs.)]. ''Medicina Tradicional Indígena em Contextos – Anais da I Reunião de Monitoramento''. Projeto Vigisus II/Funasa, |2007, |pp. =55-62.}}</ref><ref>{{Harvnb|Almeida, Ledson Kurtz de. [http://sis.funasa.gov.br/portal/publicacoes/pub1466.pdf "Oficinas de Medicina Tradicional entre os Manoki"]. In: Fundação Nacional de Saúde [Ferreira, Luciane Ouriques & Osório, Patricia Silva (orgs.)]. ''Medicina Tradicional Indígena em Contextos – Anais da I Reunião de Monitoramento''. Projeto Vigisus II/Funasa, |2007, |pp. =70-77.}}</ref>
 
Como já foi dito, depois da chegada dos portugueses inúmeras epidemias de doenças desconhecidas na América dizimaram populações inteiras, entre elas [[malária]], [[tuberculose]], infecções respiratórias, [[hepatite]] e [[doenças sexualmente transmissíveis]].<ref name="Funasa2">{{Harvnb|Funasa. [http://www.funasa.gov.br/site/wp-content/files_mf/blt_abr_2009.pdf "Um marco no resgate da dignidade humana"]. In: ''Boletim Informativo Especial'', abr/|2009, (8):|pp=3-5}}</ref><ref name="Basta">{{Harvnb|Basta, Paulo Cesar; |Orellana, Jesem Douglas Yamall; |Arantes, Rui. [http://www.trilhasdeconhecimentos.etc.br/livros/arquivos/ColET15_Vias05WEB.pdf "Perfil epidemiológico dos povos indígenas no Brasil: notas sobre agravos selecionados"]. In: Secadi / Unesco & Projeto Trilhas de Conhecimentos – LACED/Museu Nacional [Garnelo, Luiza & Pontes, Ana Lúcia (orgs.)]. ''Saúde Indígena: uma introdução ao tema''. Edições MEC/Unesco, |2010, |pp. =60-107}}</ref> O problema continua, e de acordo com o Instituto Socioambiental é um dos tópicos mais delicados de toda a questão indígena brasileira.<ref name="Introduçãosaude-indigena"/> Desde sua origem a Funai se responsabilizou pelo atendimento sanitário dos índios, envolvendo para isso diversos outros órgãos e instituições, entre elas a [[Fundação Nacional de Saúde]] (Funasa), que gerencia a seção indígena do [[Sistema Único de Saúde]]. Em 1999 o sistema foi reorganizado e descentralizado, criando-se o [[Subsistema de Atenção à Saúde Indígena]] e 34 Distritos Sanitários Especiais, com bons resultados, mas historicamente o atendimento sempre foi no geral insatisfatório, e as críticas proliferavam. Noticiavam-se casos de retorno epidêmico de doenças já controladas, sucateamento da infra-estruturainfraestrutura, corrupção oficial, autoritarismo e descaso no atendimento e excesso de burocracia. A [[desnutrição infantil]] infantil se tornava uma ameaça séria, vitimando crescente número de crianças. A situação calamitosa invocou a intervenção do Ministério Público.<ref name="Basta"/><ref name="Introduçãosaude-indigena"/><ref{{citar nameweb|url="Caos">Povos Indígenas no Brasil. [httphttps://pib.socioambiental.org/pt/c/politicas-indigenistas/saude-indigena/caos-e-retrocesso "Sa%C3%BAde_Ind%C3%ADgena|título=Saúde Indígena: Caos e retrocesso"]. Instituto Socioambiental, |ano=2006.</ref><ref>Moraes,|website=Povos PauloIndígenas Daniel.no "AsBrasil|publicado=Instituto entranhas do poder exercido pela Sesai". CIMI, 25/09/2013Socioambiental}}</ref> Em 2010, depois de pressão das comunidades, o governo criou uma [[Secretaria Especial de Saúde Indígena|secretaria especial]] para tratar da questão, vinculada diretamente ao [[Ministério da Saúde (Brasil)|Ministério da Saúde]], que encampou a administração dos Distritos Sanitários. Estes órgãos atendem os casos mais simples. Quadros complexos são encaminhados a hospitais regionais mais aparelhados. Os Conselhos Indígenas de Saúde, que contam com membros das comunidades, controlam o funcionamento do sistema de saúde voltado para os índios. Na prática, porém, o setor, assim como todo o resto da questão indígena, está sempre enfrentando carências múltiplas, e sendo centro de inúmeras críticas e controvérsias, mesmo internas.<ref name="Introdução">Povos Indígenas no Brasil. [http://pib.socioambiental.org/pt/c/politicas-indigenistas/saude-indigena/introducao "Saúde Indígena: Introdução"]. Instituto Socioambiental.</ref><ref>{{citar nameweb|url="Caos"/><ref>Urihi – Saúde Yanomami. [http://pibwww.socioambientalmds.orggov.br/ptsegurancaalimentar/cpovosecomunidadestradicionais/politicas-indigenistas/saude-indigena/novos-horizontes "Saúde Indígena: [[Novos horizontes"]]. indigenas|título=Povos Indígenas no Brasil. Instituto Socioambiental.</ref><ref>|publicado=Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. [https://web.archive.org/web/|wayb=20150316035228/http://www.mds.gov.br/segurancaalimentar/povosecomunidadestradicionais/indigenas Povos Indígenas]|urlmorta=sim}}</ref>
 
Atualmente o principal marco legal específico para a área de saúde é a ''[[Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas]]'', regulamentada pela ''Portaria nº 254'', de 31 de janeiro de 2002.<ref name="Funasa2"/> Dados do governo de 2006 apontam que entre os problemas de alta ocorrência estão [[anemia]], [[diarreia]], [[tuberculose]], doenças de pele, infecções respiratórias, e doenças crônicas como [[obesidade]], [[hipertensão arterial]] e [[diabetes mellitus]]. Cerca de um terço das reservas enfrenta dificuldades de [[abastecimento alimentar]], gerando [[desnutrição]].<ref name="Caldas"/> Segundo pesquisa da Unesco em parceria com o Ministério da Cultura e o Museu Nacional, nos últimos anos se verifica uma transição epidemiológica entre os povos nativos. Se antes predominavam as doenças infecciosas e parasitárias, agora estão em rápida ascensão as [[doenças crônicas]] não transmissíveis e as [[doenças sociais]].<ref name="Basta"/> Têm sido registrados crescentes taxas de transtornos [[psicologia|psicológicos]] e [[psiquiatria|psiquiátricos]], bem como de [[suicídio]]s, [[homicídio]]s, [[abuso sexual]], [[violência doméstica]], [[drogadição]] e [[alcoolismo]]. A perda de suas terras e a proximidade com a civilização, que levam à desagregação das culturas, são as principais causas apontadas.<ref name="Juberty">{{Harvnb|Souza, Juberty Antonio de; |Oliveira, Marlene de; |Kohatsu, Marilda. [http://books.scielo.org/id/bsmtd/pdf/coimbra-9788575412619-08.pdf "O uso de bebidas alcoólicas nas sociedades indígenas: algumas reflexões sobre os caingangues da bacia do rio Tibagi, Paraná"]. In: Coimbra Jr., Carlos E. A., Santos, Ricardo Ventura & Escobar, Ana Lúcia. (orgs). ''Epidemiologia e saúde dos povos indígenas no Brasil''. FIOCRUZ / ABRASCO, |2005, |pp. =149-167}}</ref><ref name="Coimbra"/><ref name="Basta"/> Toda a questão é complicada pela falta de conhecimentos mais sólidos sobre a [[epidemiologia]], os hábitos de alimentação, higiene corporal e conservação da saúde entre os povos indígenas.<ref name="Caldas">Fundação Nacional de Saúde [{{Harvnb|Caldas, Aline Rodrigues]. [http://189.28.128.100/nutricao/docs/evento/reuniao_nacional/2006/apresentacoes/20_04_2006/aline_sisvan_cc.pdf ''Saúde Indígena A Assistência à Saúde nas Comunidades Indígenas'']. Ministério da Saúde, |2006}}</ref><ref name="Coimbra"/><ref name="Basta"/> Embora o governo subsidie diversos projetos acadêmicos de pesquisa,<ref name="Basta"/><ref>Fundação Nacional de Saúde. ''Programa de Pesquisa em Saúde e Saneamento''. 2ª ed. revisada e ampliada, {{Harvnb|Funasa|2010, |pp. =3-11.}}</ref> ele mesmo reconheceu amplas carências, como consta na sua ''Política Nacional'':
 
::"Não se dispõe de dados globais fidedignos sobre a situação de saúde (dos povos indígenas), mas sim de dados parciais, gerados pela Funai, pela Funasa e diversas organizações não governamentais ou ainda por missões religiosas que, por meio de projetos especiais, têm prestado serviço de atenção à saúde dos povos indígenas. Embora precários, os dados disponíveis indicam, em diversas situações, taxas de [[morbidade]] e [[mortalidade]] três a quatro vezes maiores que aquelas encontradas na população brasileira geral. O alto número de óbitos sem registro ou indexados sem causas definidas confirmam a pouca cobertura e baixa capacidade de resolução dos serviços disponíveis".<ref name="Coimbra"/>
[[Imagem:Amazonica Indios.jpg|thumb|Índios em um laboratório observando [[plasmódio]]s da malária ao microscópio]]
 
Para o antigo diretor do Departamento de Saúde Indígena da Funasa, [[Wanderley Guenka]], as maiores dificuldades vêm da multiplicidade de realidades culturais entre os vários povos, impedindo a criação de uma política unificada de saúde, a falta de preparo técnico, as grandes distâncias e dificuldades de acesso às reservas mais remotas, a precária infra-estruturainfraestrutura em muitas aldeias e a crônica escassez de verbas.<ref>[http://www.funasa.gov.br/site/wp-content/files_mf/blt_abr_2009.pdf "Entrevista com Wanderley Guenka: Autonomia dos Dseis vai agilizar a saúde indígena"]. In: {{Harvnb|Funasa. ''Boletim Informativo Especial'', abr/2009, (8):|2010|pp=7-8}}</ref> Em 2012 a presidente Dilma Rousseff criou um comitê espacial para dar maior atenção ao problema, com foco no atendimento básico, incluindo [[exame pré-natal]], [[vacinação]], avaliação nutricional, controle do crescimento e desenvolvimento, consultas médicas e odontológicas, testes para [[HIV]], [[sífilis]] e [[hepatite]]s.<ref>[{{citar web|url=http://www.brasil.gov.br/saude/2012/06/decreto-cria-comite-para-intensificar-atencao-a-saude-indigena "|título=Decreto cria comitê para intensificar atenção à saúde indígena"]. Portal Brasil, |data=21/06/2012|publicado=Portal Brasil|wayb=20131112000014|urlmorta=sim}}</ref>
 
Entre as conquistas recentes no setor podem ser citadas o expressivo crescimento populacional nas últimas décadas,<ref name="Basta"/> a formação de muitos profissionais de saúde indígenas, que passaram a se encarregar da maior parte do atendimento básico nas aldeias, e a importante redução na [[mortalidade infantil]], que caiu de 74,61 óbitos por mil nascidos vivos em 2000, para 46,73 em 2008, resultado da integração de uma série de programas de saúde, desenvolvimento econômico e assistência social. No início de 2008 atuavam na área indígena 12 895 profissionais de saúde, com 1 681 de nível superior e 11 214 de nível médio.<ref name="Funasa2"/><ref>Funasa. [http://www.funasa.gov.br/site/wp-content/files_mf/blt_abr_2009.pdf ''Boletim Informativo Especial''], abr/2009, (8)</ref>
 
=== Evangelização e aculturação ===
Como já foi descrito, os portugueses desde os primórdios da colonização buscaram transformar os indígenas em bons cristãos. Muitos de seus costumes eram vistos como imorais e pecaminosos, e suas religiões, como primitivas, supersticiosas e obscuras, quando não demoníacas, e por isso era preciso a todo custo "salvá-los" de sua forma de vida. Isso não mudou muito. A despeito de todos os problemas que isso causou historicamente, grande parte da população indígena brasileira permanece ainda hoje sob forte pressão de propagandistas de outras religiões, que continuam tentando convertê-los às suas fileiras sob os mais variados argumentos, mas em geral tentando assimilá-los para a órbita da civilização e revelando uma visão subjacente preconceituosa, ignorante e prepotente sobre suas práticas religiosas tradicionais, fazendo-os ouvir aquele mesmo tipo de [[pregação]] de séculos passados que, embora muitas vezes realizada com boa intenção, desvirtua ou substitui suas crenças originais e provoca profundos conflitos de consciência nos indivíduos. Tenta-se "levar a palavra de Deus" ao índio como se ele não tivesse suas próprias figuras divinas e seus preceitos, nunca tivesse ouvido falar em um poder espiritual, e tivesse ''pedido'' a [[evangelização]], querendo-se homogeneizar a espiritualidade nativa à sombra do [[cristianismo]], quase invariavelmente considerado "superior".<ref name="Itamaraty"/><ref name="das-almas"/><ref name="Missionários"/><ref name="Simonian">{{Harvnb|Simonian, Ligia. "A Missão numa Perspectiva Antropológica". In: ''Papers do Núcleo de Altos Estudos da Amazônia'', |1998; (81).}}</ref><ref name="Ana Paula"/><ref>Matos,{{citar Alderi Souza de. [web|url=http://www.mackenzie.br/7128.html "|título=Missões Católicas e Protestantes a Partir do {{séc|XVI}}"].|autor=Matos, Alderi Souza de|website=Mackenzie|publicado=Instituto Presbiteriano Mackenzie.|wayb=20090530142310|urlmorta=sim}}</ref> O cacique [[Iauanauás|Iauanauá]] Biraci dá um eloquente testemunho:
 
::"Convenceram todo mundo a ser crente. Botaram uma ameaça no nosso coração, dizendo que sem essa religião todo mundo iria para o inferno, que nós não teríamos salvação, não seríamos capaz de ser um povo feliz. Que nós vivíamos com o demônio. Que nossos rituais e nossas crenças eram coisas do demônio. [...] Eram racistas, não gostavam da gente, pareciam que tinham nojo de índio. Não deixavam índio andar no mesmo barco com eles. Não deixavam comer junto. Nos tratavam mal. Sem respeito. Principalmente os americanos. Eram muito arrogantes. A gente sofria muito. A gente tinha vergonha de ser a gente. [...] Nós éramos proibidos, através da intimidação, de realizar nossos rituais. Do lado da missão estavam os seringalistas, seringueiros. Se aliavam com todo mundo. E a igreja fazia a gente aceitar ser dominado. Além da evangelização, dessa descaracterização cultural do nosso povo, ainda mantinham a presença dos não indígenas dentro da terra. Faziam a gente aceitar nossa condição de escravo".<ref name="mercado-de-almas"/>
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[[Imagem:Conselho Indigenista Missionário lança o relatório Violência Contra os Povos Indígenas 2012.jpg|thumb|esquerda|Representantes do Conselho Indigenista Missionário no lançamento do relatório ''Violência Contra os Povos Indígenas 2012'']]
 
Porém, religiosos e associados ao trabalho missionário muitas vezes argumentam que a evangelização contemporânea, diferente da histórica, é oferecida como uma opção e não um imperativo, que pode ajudar os índios em sua conscientização política e em suas lutas sociais, e pode capacitá-los para participar da sociedade brasileira de forma digna e construtiva.<ref>Associação{{citar Missionária Transcultural Brasileira. [web|url=http://www.indigena.org.br/v1/index.php?option=com_content&view=article&id=36:manifestoamtb&catid=2:publicacoes&Itemid=4 "|título=Presença e ação missionária evangélica entre os povos indígenas do Brasil"].</ref><ref name|publicado="Pastoral"/><ref>Suess,Associação Paulo.Missionária "LugarTranscultural e finalidade da catequese na pastoral indigenista a partir do contexto histórico-social dos povos indígenas hoje". In: CNBB. ''III Seminário de Catequese Indígena: Catequese, Protagonismo Indígena e Inculturação''. Manaus, 25-28/04/2013Brasileira|wayb=20140107034952|urlmorta=sim}}</ref><ref name="Anajure"/><ref>Oliveira, Daniela. [http://ibcbh.com.br/artigos/tribos-indigenas-um-desafio-missionario/ "Tribos indígenas: um desafio missionário"]. Igreja Batista Central - Belo Horizonte, 12/11/{{Harvnb|Suess|2013}}</ref><ref name="ExpositorAnajure">Expositor Cristão. [https://www.metodista.br/fateo/noticias/missao-indigena-metodistas-atuam-desde-1928 "Missão indígena: Metodistas atuam desde 1928"]. Universidade Metodista de São Paulo, 2012.</ref> Às vezes essas missões propõem ajudar os índios na reconstrução de tradições religiosas perdidas.<ref name="Simonian"/><ref name="Almeida">{{Harvnb|Almeida, Ronaldo de. [http://www.naya.org.ar/religion/XJornadas/pdf/6/6-Almeida.PDF "Missões Evangélicas em Áreas Indígenas"]. In: ''X Jornadas sobre Alternativas Religiosas en América Latina: Sociedad y Religión en el Tercer Milenio''. Buenos Aires, 03-06/10/|2000.}}</ref> É verdade que diversas denominações têm oferecido importante ajuda aos indígenas em suas demandas e têm evitado muito sofrimento e injustiças,<ref name="Araújo, pp. 38-39"/><ref name="As TerrasSimonian"/><ref name="SimonianExpositor"/><ref{{citar nameweb|url="Expositor"https://www.metodista.br/fateo/noticias/missao-indigena-metodistas-atuam-desde-1928|título=Missão indígena: Metodistas atuam desde 1928|data=Abril de 2012|publicado=Universidade Metodista de São Paulo|wayb=20140107043359|urlmorta=sim}}</ref> mas isso não anula o fato de que a presença missionária nas aldeias tem sido sempre fator de profunda modificação cultural e mesmo econômica,<ref name="POMPA"/><ref name="Simonian"/><ref name="Ana Paula"/> e é a causa até hoje de permanente tensão, distúrbios sociais e de disseminação de diversas doenças.<ref name="das-almas"/><ref name="Missionários">Povos{{citar Indígenas no Brasil. [web|url=http://pib.socioambiental.org/pt/povo/karapana/1425 "|título=Missionários, colonos e a modernidade"].|website=Povos Indígenas no Brasil|publicado=Instituto Socioambiental.}}</ref><ref name="Brand"/>
 
É de notar que a [[Conferência Nacional dos Bispos do Brasil]] (CNBB), entidade [[católica]], que através do [[Conselho Indigenista Missionário]] tem sido uma das mais aguerridas e influentes defensoras dos indígenas,<ref name="Brand">[{{citar web|url=http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/509296-cimi-40-anos-em-defesa-dos-povos-indigenas-entrevista-especial-com-antonio-brand "|título=Cimi: 40 anos em defesa dos povos indígenas"]. - Entrevista especial com Antônio Brand. |data=26/05/2012|publicado=Instituto Humanitas, Unisinos, 26/05/2012}}</ref><ref name="Procópio"/> embora reconhecendo que as cosmovisões indígenas são "a alma de suas culturas" e que "a convicção de cada pessoa tem uma dignidade própria", e afirmando que não visa a [[Conversão (religião)|conversão]] impositiva, não obstante coloca a evangelização dos povos nativos como uma de suas metas, defende o [[Magistério da Igreja Católica|magistério universal]] da [[Igreja Católica]], entende a humanidade toda como o "[[povo eleito]]", [[Jesus]] como o primeiro dos missionários, cujo exemplo deve ser seguido, e [[Nossa Senhora]] como mãe de "todos os povos".<ref name="Pastoral">Conselho Indigenista Missionário. [http://www.cimi.org.br/pub/publicacoes/1242151131_CimiPlanoPastoral.pdf ''{{Harvnb|Plano Pastoral''], |2009}}</ref><ref name="CNBB">Conferência{{citar Nacional dos Bispos do Brasil. [web|url=http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=7282 "|título=Nota da CNBB sobre Povos Indígenas e Agricultores"].|autor=Conferência ConselhoNacional Indigenistados Missionário,Bispos do Brasil|data=27/11/2013.|publicado=Conselho Indigenista Missionário|wayb=20140102220141|urlmorta=sim}}</ref> O papa [[Bento XVI]], em discurso proferido em [[Aparecida (São Paulo)|Aparecida]], disse que "o anúncio de Jesus e do seu [[Evangelho]] não supôs, em nenhum momento, uma alienação das [[povos pré-colombianos|culturas pré-colombianas]], nem foi uma imposição de uma cultura estranha".<ref>Gomes,{{citar Mercio. [https://web.archive.org/web/20140821152840/|url=http://merciogomes.com/2007/05/14/papa-diz-que-indios-nao-sofreram-alienacao-cultural/ "|título=Papa diz que índios não sofreram alienação cultural"]|autor=Gomes, Mercio|data=14/05/2007|wayb=20140821152840|urlmorta=sim}}</ref> Diante de múltiplos protestos, no entanto, dez dias depois ele se retratou, reconhecendo o lado sombrio dessa história.<ref>[{{citar web|url=http://noticias.uol.com.br/ultnot/afp/2007/05/23/ult34u181494.jhtm "|título=Papa volta atrás em suas declarações sobre evangelização dos índios da América"]. UOL, |data=23/05/2007|publicado=UOL}}</ref> A posição do CIMI não está livre de problemas e ambiguidade,<ref name="Procópio">{{Harvnb|Procópio, Argemiro. "Povos Indígenas, Migrantes e Garimpeiros nas relações internacionais". In: ''Verba Juris'', |2008; 7 (7):|pp=97-132}}</ref><ref>[{{citar web|url=http://www.ihu.unisinos.br/noticias/508758-cimitodosaos40 "|título=Cimi – todos aos 40"]. |data=23/04/2012|publicado=Instituto Humanitas, Unisinos, 23/04/2012}}</ref> mas tem se caracterizado pelo progressivo distanciamento do [[proselitismo]], concentrando-se na luta política, no respeito às diferenças e no [[assistencialismo]], ao contrário das missões das ordens e congregações.<ref name="mercado-de-almas"/><ref name="Nem só"/> Mesmo com este direcionamento oficial, o destacado teólogo [[Paulo Suess]] reconhece que o proselitismo ainda subsiste: "Nunca oficialmente. Nunca vão dizer isso abertamente em uma assembléia do CIMI. Mas na aldeia eles podem agir assim".<ref name="mercado-de-almas">{{Harvnb|Milanez, Felipe. [http://rollingstone.uol.com.br/edicao/edicao-63/o-mercado-de-almas-selvagens "O mercado de almas selvagens"]. In: ''Rolling Stones'', |2011; (63)}}</ref> De qualquer forma, na opinião do antropólogo Marcos Pereira Rufino, em anos recentes a atuação católica tem sido a menos problemática entre todas as denominações cristãs, enquanto no trabalho das outras a situação é bem mais complicada, com denúncias de violações de direitos humanos e outras irregularidades se multiplicando.<ref name="Nem só">Rufino,{{citar Marcos Pereira. [web|url=http://pib.socioambiental.org/pt/c/politicas-indigenistas/igrejas-e-missoes-religiosas-/nem-so-de-pregacao-vive-a-missao- "|título=Nem só de pregação vive a missão"].|autor=Rufino, Marcos Pereira|website=Povos Indígenas no Brasil, |publicado=Instituto Socioambiental.}}</ref> Segundo noticiou em 2007 o portal interdenominacional [[Gospel+]],
 
::"O trabalho de [[catequese]] há décadas deixou de ser uma exclusividade da Igreja Católica, que perdeu terreno nessa área. Pastores [[evangelicalismo|evangélicos]] tomaram seu lugar e hoje operam um vigoroso esforço de conversão em massa. Já superaram os católicos no número de missionários. [...] Existem 222 tribos no país. Os católicos estão em apenas 107 delas. Protestantes de denominações como [[Igreja Batista|Batista]], [[Adventista]], [[Igreja do Evangelho Quadrangular|Quadrangular]] e [[Assembleia de Deus]], por exemplo, já estão presentes em 153. Seu objetivo é claro: chegar a cada etnia 'não alcançada' por Jesus, fincar uma igreja e conduzi-la pelo que consideram o caminho da salvação. [...] Em 1972 (a Igreja Católica) criou o CIMI para gerir a relação com os índios, e passou a pregar que a cultura nativa deveria ser preservada, inclusive em suas crenças. Foi um flanco aberto para que os missionários evangélicos avançassem em peso por entre as aldeias mais remotas do país. [...] Sua estrutura [[logística]] também salta aos olhos. Para levar os pastores a cada canto do país, os evangélicos contam com a ONG [[Asas de Socorro]], que tem onze aviões, sendo três hidroaviões que não necessitam nem de pista de pouso. Com uma engrenagem assim, não há pajé que resista".<ref name="catequização">[{{citar web|url=http://noticias.gospelmais.com.br/missionarios-evangelicos-sao-maioria-na-catequizacao-de-indios.html "|título=Missionários evangélicos são maioria na catequização de índios"]. Gospel Mais, |data=20/04/2007|publicado=Gospel Mais}}</ref>
 
Em 1991 a Funai determinou a retirada de todos os missionários das reservas, diante de inúmeras denúncias de genocídio, escravidão, servidão, exploração sexual e monopolização do acesso à saúde e à educação,<ref name="das-almas"/> e desde 1994 somente podem entrar nas reservas missionários convidados pelos índios.<ref name="Luchete"/> Para contornar o interdito, muitas vezes são oferecidos às tribos serviços e benesses em troca do convite,<ref name="Elaíze"/> ou as lideranças cristãs trabalham para formar missionários índios, que por sua vez podem atuar livremente nas reservas.<ref name="Ana Paula"/><ref name="Dan"/> Edward Luz, presidente da organização não denominacional [[Missão Novas Tribos do Brasil]],<ref name="Dan"/> acusada de muitas irregularidades, inclusive de grande extermínio entre o povo [[zo'é]] nos anos 80, infectado por doenças que eles levaram,<ref name="das-almas"/><ref>Cartagenes,{{citar Rosa. [web|url=http://www.amazoe.org.br/textoreferencia/ensaio_livro_tupi.pdf ''|título=Zo'é: os Tupi da fronteira do mundo''].|autor=Cartagenes, Rosa|publicado=Amazoé, s/d. p. |página=2|wayb=20091010023305|urlmorta=sim}}</ref> foi explícito em suas intenções dizendo que "o Estado não pode impedir que um índio se encontre com outro índio.... A maioria desses índios voltará ao seu povo para pregar o [[Evangelho]]. Contra essa força não haverá resistência (da Funai)".<ref name="Dan"/> "Se (o governo) proíbe pregar o Evangelho, está proibindo a liberdade da adoração; proíbe o autor do Evangelho, o senhor Jesus; e proibiu a ''[[Bíblia]]'', proibiu o Deus criador. E nós partimos para um confronto".<ref name="das-almas"/> No ''4º Congresso Brasileiro de Missões'', o [[presbiteriano]] Ronaldo Lidório declarou que "precisamos de mais 500 novos missionários para pregar o Evangelho a todos os povos indígenas".<ref name="Dan">Martins,{{citar Dan. [web|url=http://noticias.gospelmais.com.br/missionarios-cristaos-investem-evangelizacao-indios-brasileiros-29422.html "|título=Missionários cristãos investem na evangelização de indios brasileiros"]. Gospel Mais|autor=Martins, Dan|data=17/01/2012|publicado=Gospel Mais}}</ref> A [[Associação de Missões Transculturais Brasileiras]] e o [[Conselho Nacional de Pastores e Líderes Evangélicos Indígenas]], com apoio da [[Associação Nacional de Juristas Evangélicos]], divulgaram em 2013 uma nota oficial em protesto contra os obstáculos à ação missionária entre os índios.<ref name="Anajure">[https://{{citar web.archive.org/web/20140107034608/|url=http://www.cpadnews.com.br/interna-12-19800.html "|título=Anajure emite nota contra proibição de trabalhos missionários com índios"]. Universo Cristão, |data=19/12/2013|publicado=Universo Cristão|wayb=20140107034608|urlmorta=sim}}</ref>
[[Imagem:Santuário Sagrado dos Pajés na terra indígena no Setor Noroeste.JPG|thumb|[[Santuário dos Pajés]] na terra indígena no [[Setor Noroeste (Brasília)|Setor Noroeste]] de Brasília]]
[[Imagem:Church with antena in Ashaninka village - Ministério da Cultura - Acre, AC.jpg|thumb|Capela cristã em terras [[achanincas]], no Acre]]
 
Propostas de autorizar legalmente a atuação missionária já chegaram ao Congresso Nacional e desencadeiam grande polêmica, pois o Brasil é um [[Estado laico]], e a imposição da evangelização sobre os índios, violando a [[liberdade de culto]], é inconstitucional, conforme declarou Antônio Oneildo Ferreira, presidente da seccional da [[Ordem dos Advogados do Brasil]] em Roraima, além de inevitavelmente levar à [[aculturação]].<ref>[{{citar web|url=http://pib.socioambiental.org/pt/noticias?id=10790 "|título=Evangelização de índios leva à aculturação, diz a OAB"]. ''|data=17/01/2004|website=Folha de Boa Vista'', 17/01/2004|wayb=20140109183533|urlmorta=sim}}</ref> A [[bancada evangélica]], aliando-se à [[bancada ruralista]], adquiriu recentemente grande influência parlamentar.<ref>[{{citar web|url=http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/508298-pec-215-as-bancadas-ruralista-e-evangelica-contra-os-povos-indigenas-entrevista-especial-com-cleber-cesar-buzatto "|título=PEC 215: as bancadas ruralista e evangélica contra os povos indígenas"]. Entrevista especial com Cleber César Buzatto. |data=10-04-2012|publicado=Intituto Humanitas, Unisinos,}}</ref><ref>Milanez,{{citar Felipe. [web|url=http://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-milanez/a-nova-guerra-justa-aos-indios-8151.html "|título=A nova 'guerra justa' aos índios"]. ''Carta Capital''|autor=Milanez, Felipe|data=05/06/2013|website=Carta Capital|wayb=20131103195449|urlmorta=sim}}</ref><ref>Mendonça.{{citar Ricardo. [https://web.archive.org/web/20140109191941/|url=http://ittcblog.org/2013/07/22/dilma-cede-a-pressao-dos-ruralistas-e-rifa-os-direitos-indigenas-diz-antropologa-da-usp/ "|título=Dilma cede à pressão dos ruralistas e rifa os direitos indígenas, diz antropóloga da USP"].|autor=Mendonça, ''Ricardo|data=22/07/2013|website=Folha de S.Paulo'', 22/07/2013|wayb=20140109191941|urlmorta=sim}}</ref> O jornalista [[Felipe Milanez]] denunciou, juntando-se a um grande coro de críticos, que a [[Comissão de Direitos Humanos e Minorias]] da [[Câmara dos Deputados do Brasil|Câmara dos Deputados]], que esteve em 2013 sob o comando do controverso pastor evangélico [[Marco Feliciano]], "segue misturando religião com Estado, rasgando a laicidade, e promovendo violência contra as minorias. Os missionários tentam pressionar o governo para que possam pregar o Evangelho nas aldeias, promovendo assim o proselitismo religioso. Querem pregar de forma aberta, pois escondido já o fazem".<ref name="das-almas">Milanez,{{citar Felipe. [web|url=http://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-milanez/em-defesa-das-almas-indigenas-9424.html "|título=Em defesa das almas indígenas"]. ''Carta Capital''|autor=Milanez, Felipe|data=11/09/2013|website=Carta Capital|wayb=20140107032452|urlmorta=sim}}</ref> Outros pesquisadores e jornalistas confirmam a pregação clandestina, e como foi dito as próprias igrejas, ignorando todos os impedimentos legais, reconhecem que ela continua em progresso,<ref name="Ana Paula"/><ref name="catequizaçãoElaíze"/><ref{{citar nameweb|url="Elaíze">Farias, Elaíze. [http://acritica.uol.com.br/amazonia/Amazonia-Amazonas-Manaus_0_883711669.html "|título=Missionários avançam sobre terra indígena Vale do Javari (AM)"]. ''A Crítica''|autor=Farias, Elaíze|data=17/03/2013|website=A Crítica|wayb=20130321055832|urlmorta=sim}}</ref><ref name="Dan"/><ref>Santos,{{citar Eliana. [web|url=http://www.amazoniaavista.com.br/Noticia.asp?ID=7 "|título=Índios são evangelizados"]. Amazônia à Vista|autor=Santos, Eliana|data=21/09/2005|publicado=Amazônia à Vista|wayb=20070502222617|urlmorta=sim}}</ref> ocorrendo até mesmo denúncias de perseguições a pajés e disputas por aldeias entre as várias denominações,<ref name="Almeida"/><ref>Menezes,{{citar Juçara. [web|url=http://www.portalamazonia.com.br/editoria/atualidades/antropologo-denuncia-perseguicao-contra-pajes-no-interior-do-amazonas/ "|título=Antropólogo denuncia perseguição a pajés de etnias do interior do Amazonas"]. Portal Amazônia|autor=Menezes, Juçara|data=14/01/2013|publicado=Portal Amazônia|wayb=20130122091709|urlmorta=sim}}</ref> uma situação que remonta aos primórdios da penetração [[protestante]] no país.<ref name="Almeida"/><ref>{{Harvnb|Grigório, Patrícia Costa. [http://snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1370799140_ARQUIVO_Semeando_campo_alheio_patriciagrigorio_snh2013.pdf "Semeando o campo alheio: católicos, protestantes e leigos na disputa pela catequese indígena em Goiás"]. In: ''Anais do XXVII Simpósio Nacional de História: Conhecimento Histórico e Diálogo Social''. Natal, 22-26/07/|2013}}</ref> Segundo a antropóloga Ana Paula de Oliveira, as dificuldades impostas oficialmente para a evangelização, ao contrário de inibi-la, a estimulam, pois para muitos missionários quanto maiores as provações mais gloriosos serão os resultados espirituais, sentindo-se engajados em verdadeira [[cruzada]].<ref name="Ana Paula"/>
 
Mas a questão não é simplesmente polarizada e está cheia de nuanças e contradições. Antropólogos e outros ativistas têm assumido a religião indígena e fazem proselitismo dela.<ref name="Simonian"/> Muitas comunidades adotaram sinceramente o cristianismo e o praticam há tempo, exigindo a presença de padres e pastores.<ref name="mercado-de-almas"/><ref name="catequização"/> Somente de índios evangélicos existem 210 mil, segundo o Censo de 2010.<ref name="Luchete">Luchete,{{citar Felipe. [web|url=http://www1.folha.uol.com.br/poder/1123927-indios-evangelicos-aumentam-42-em-10-anos-e-ja-sao-210-mil.shtml "|título=Índios evangélicos aumentam 42% em 10 anos e já são 210 mil"].|autor=Luchete, ''Felipe|data=22/07/2012|website=Folha de S.Paulo'', 22/07/2012}}</ref> Estes também defendem o proselitismo sobre outras etnias, se orgulham da conversão e muitas vezes confundem benefícios sociais recebidos com religião, acreditando que "somente depois da ''Bíblia'' o desenvolvimento chegou às aldeias, que hoje têm luz elétrica e água encanada". Basílio Jorge, índio e hoje pastor evangélico, ilustra a profundidade da transformação cultural condenando a antiga e inocente nudez dos povos: "É indecente as mulheres usarem vestido curto ou short. O cabelo delas também deve ser comprido. Está tudo escrito na ''Bíblia''".<ref name="catequização"/> Outras comunidades absorveram parte da religião estranha e a adaptaram para a formação de novos cultos [[sincretismo|sincréticos]], e essas formas religiosas adquirem importante papel em suas vidas.<ref name="POMPA"/><ref name="Simonian"/><ref name="Ana Paula">{{Harvnb|Oliveira, Ana Paula P. L. de. "O Sentido das Missões Religiosas Junto ao Grupo Indígena Maxakali no Nordeste de Minas Gerais". In: ''Numen: Revista de Estudos e Pesquisa da Eeligião'', 5 (2):|2010|pp=105-128</ref><ref>Uggè, Henrique. [https://web.archive.org/web/20150610223219/http://www.pime.org.br/mundoemissao/indigenas_sagrado.htm "A evangelização no caminho dos Sateré-Maué"]. In: ''Revista Mundo e Missão'', s/d.</ref><ref>Nimbú, Eder. ''Espiritualidade Indígena Terena''. Teologia e Missão e Saber Criativo, s/d.}}</ref> Ao mesmo tempo, missionários frequentemente são acusados de entrar em conluio com a Funai e outros organismos a fim de desestabilizar o diálogo entre índios e civilizados,<ref name="Robson">Bonin,{{citar Robson. [web|url=http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/funai-e-religiosos-missionarios-jogam-indios-contra-agricultores-em-mato-grosso-do-sul "|título=Funai e religiosos missionários jogam índios contra agricultores em Mato Grosso do Sul"]. ''Veja''|autor=Bonin, Robson|data=14/12/2013|website=Veja|wayb=20140107162459|urlmorta=sim}}</ref><ref>Ricupero,{{citar Rubens [web|url=http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/1/31/painel/1.html "|título=Amazônia, índios e missionários"].|autor=Ricupero, ''Rubens|data=31/01/1994|website=Folha de S.Paulo'', 31/01/1994}}</ref> "semeando ventos que vão produzir uma tempestade no campo", como disse o jornalista Robson Bonin em artigo na revista ''[[Veja]]''.<ref name="Robson"/>
 
===Identidade indígena===
 
Tem emergido um debate sobre o que é "ser indígena". Para os ocidentais os indígenas de costume ainda são identificados como integrantes de culturas silvícolas e como indivíduos seminus cobertos de pinturas corporais e adereços plumários. Contudo, o contato com a civilização dominante levou muitos a absorver elementos culturais e hábitos ocidentais — roupas, língua, moradia em casas, uso de aparelhos eletrônicos, frequência em universidades, etc. —, pondo em jogo a questão de até que ponto um indígena permanece identificado como indígena num contexto de ampla e rápida transformação sociocultural. Muitas vezes essa incorporação de ocidentalismos por indígenas é usada como justificativa para desqualificar sua condição de indígena e até mesmo para negar o direito à terra e o acesso a benefícios governamentais. A conceituação de "indígena" ainda está de modo geral dependente de um estereótipo físico e/ou cultural que tem implicações [[racismo no Brasil|racistas]] e que remete ao passado, e que desconsidera o fato de que as culturas originais, embora mantenham um caráter tradicionalista, nunca foram estáticas — elas evoluíram. Este estereótipo foi impresso massivamente nas comunidades por força da opressão colonialista. Tentativas de libertação desses preconceitos são um fenômeno recente e têm gerado controvérsia, mas muitos indígenas, com base em sua ancestralidade e numa percepção dinâmica de cultura, já começam a reivindicar o direito à diversidade como parte essencial do direito à autodeterminação, o direito de permanecerem sendo "indígenas" mesmo que sua cultura e aparência se modifiquem.<ref>Peixotoa, Kércia Priscilla Figueiredo. "Racismo Contra Indígenas: reconhecer é combater". In: ''Antropológicas'', {{Harvnb|Peixoto|2017; 28 (2): |pp=27-56}}</ref><ref name="Cohn"/> Estes argumentos são uma das bases dos movimentos de reivindicação identitária dos [[Povos indígenas emergentes|povos emergentes]], mas não só deles.<ref name="Cohn">{{Harvnb|Cohn, Clarice. [https://www.scielo.br/j/spp/a/MWWF97DDGP3bLHxyFd6dqxn/?lang=pt "Culturas em transformação: os índios e a civilização"]. In: ''São Paulo em Perspectiva'', |2001; 15 (2)}}</ref>
 
== Dia dos Povos Indígenas ==
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[[File:Terra Indígena Cantagalo celebra Dia do Índio - Rio Grande Rural.webm|thumb|Celebração do 19 de abril na Terra Indígena Cantagalo, Rio Grande do Sul, em 2018. Vídeo.]]
 
O Dia dos Povos Indígenas, 19 de abril, foi criado pelo presidente brasileiro [[Getúlio Vargas]] através do [[decreto-lei]] 5.540, de 1943, então com o nome Dia do Índio,<ref>{{Citar web|URL = http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-5540-2-junho-1943-415603-publicacaooriginal-1-pe.html|título = Decreto-Lei nº 5.540, de 2 de Junho de 1943|acessadoem = 19 de abril de -04-2014|data = 2 de junho de 02-06-1943|publicado = Câmara dos deputados}}</ref> relembrando o dia, em 1940, no qual várias lideranças indígenas do continente resolveram participar do [[Congresso Indigenista Interamericano]], realizado no [[México]]. Eles haviam [[boicote|boicotado]] os dias iniciais do evento, temendo que suas reivindicações não fossem ouvidas pelos "homens brancos". Durante este congresso, foi criado o [[Instituto Indigenista Interamericano]], também sediado no México, que tem, como função, zelar pelos direitos dos indígenas na América. O Brasil não aderiu imediatamente ao instituto, mas, após a intervenção do [[Marechal Rondon]], apresentou sua adesão e instituiu o Dia do Índio no dia 19 de abril.<ref>{{citar web |url=http://www.museudoindio.gov.br/educativo/pesquisa-escolar/253-o-dia-19-de-abril-e-o-dia-do-indio|título=Por que o dia 19 de abril é o Dia do Índio? |editor=Museu do Índio |acessodata=8 de outubro de 08-10-2015|wayb=20160304000109|urlmorta=sim}}</ref>
 
O nome da data foi alterado em 8 de julho de 2022 para Dia dos Povos Indígenas através da Lei 14.402. O projeto de alteração partiu da deputada [[Joênia Wapichana]], com a justificativa de que o termo "índio" estimula a perpetuação de estereótipos e é considerado pelos povos originários como preconceituoso, mas também serve para deixar explícita a diversidade dos povos que habitam e habitaram o Brasil. O projeto foi vetado pelo então presidente Jair Bolsonaro, mas o Congresso derrubou o veto no dia 5 de julho.<ref>Souza, Mateus.{{citar [web|url=https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/07/11/dia-dos-povos-indigenas-em-19-de-abril-substitui-dia-do-indio-apos-derrubada-de-veto "|título=Dia dos Povos Indígenas, em 19 de abril, substitui Dia do Índio após derrubada de veto"]. ''Agência Senado''|autor=Souza, Mateus|data=11/07/2022|website=Agência Senado}}</ref>
 
== Ver também ==
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* [[Mário Juruna]]
* [[Joênia Wapichana]]
* [[Alegoria do Indígena (Brasil)]]
 
{{Referências}}
{{Bibliografia sobre os povos indígenas do Brasil}}
 
== Bibliografia ==
* Cunha, Manuela Carneiro da (org.). 1992. ''[http://www.etnolinguistica.org/historia História dos índios no Brasil]''. São Paulo: Companhia das Letras, Secretaria Municipal de Cultura, [[FAPESP]].
* {{citar tese|último=Prado|primeiro=Felipe Sousa|título=O Processo de Militarização das Políticas Indigenistas na Ditadura Civil-Militar Brasileira|local=Foz do Iguaçu|universidade=[[Universidade Federal da Integração Latino-Americana]]|grau= Mestrado em Estudos Latino-Americanos|data=2018|url=http://dspace.unila.edu.br/123456789/4980}}.
 
== Ligações externas ==
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* [https://osbrasisesuasmemorias.com.br/ Os Brasis e suas Memórias]
* [http://www.ufpe.br/carlosestevao/ Coleção Etnográfica Carlos Estevão] ([[Museu do Estado de Pernambuco]])
 
; Filmes
* [http://www.childrenoftheamazon.com Children of the Amazon, a documentary on indigenous peoples in Brazil]
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{{Portal3|Índios do Brasil|Brasil|Antropologia}}
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[[Categoria:Povos indígenas do Brasil| ]]
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