Joaquim Ferreira dos Santos
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Joaquim Ferreira dos Santos

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Informações da coluna

Joaquim Ferreira dos Santos

Nasceu no Rio e é jornalista há 50 anos, tendo trabalhado nos principais veículos do país. Publicou dez livros, entre eles a biografia de Leila Diniz.

Por Joaquim Ferreira dos Santos

RESUMO

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GERADO EM: 22/12/2024 - 20:15

"Lobo-marinho Joaquim encanta o Rio"

Um lobo-marinho encanta o Rio, sendo carinhosamente chamado de Joaquim. A presença do animal desperta encanto e reflexões poéticas. Após um breve período na cidade, Joaquim parte em busca de seu habitat natural, deixando saudades e uma lição sobre a natureza e o destino.

Lobos-marinhos são fofos, cofiando seus bigodes de Asterix são fofíssimos, mas mesmo os chamados Joaquim, como o carioca alcunhou este que semana passada encantou o Rio e o tornou mais fofura ainda, mesmo esses são ingratos. Quem pediu que se dissesse isso aqui foi Vera, a neta de 9 anos. Reforçou que se usasse no texto um estilo indignado, como aquele da menina da internet, algo do tipo “Que show de lobo-marinho é esse?”.

Lobos-marinhos atraem as crianças com a pança parecida com a do Senhor Barriga, o personagem do Chaves, provavelmente cheia de sardinhas e gordura para espantar o frio. Seduzem geral. Por onde pervagam, exibem um andar chapliniano, um charme misterioso de quem veio do frio e no caminho viu coisas que o streaming da National Geographic nem imagina. São mal-agradecidos, porém. Mesmo esse que, ao passar dos dias, a cidade apaixonada, olhando mais para ele do que para a própria garota mítica da praia, mesmo esse que na intimidade já era chamado carinhosamente de Joca.

No século passado, Carlos Drummond de Andrade viu um leão-marinho aportar dois quarteirões adiante de onde morava, na praia de Copacabana. A partir desse espanto montou uma metáfora da condição humana, da solidão, da busca do homem por mares que talvez nem existam. “A doçura do monstro, oclusa, à espera/ Um leão-marinho brinca em nós, e é triste”, finalizava o poeta, apertando a tecla da melancolia, do contraditório da vida e do absurdo da existência.

O leão-marinho do Drummond solta “um mugido, soturno e diurno, em pura exalação opressa de carinho”, algo que não acontece com o lobo-marinho, desprovido desses gritos e com um estilo de vida mais alegre. De resto, lobo e leão, iguais. Quando os anfitriões deste de 2024 estavam de quatro pela nova estrela de Ipanema, uma improvável celebridade de focinho esticado, eis que se deu a aludida ingratidão do primeiro parágrafo.

Joaquim até parecia usufruir de boa a natureza tropical, o pelo empapado de areia como um farofeiro suburbano, o cercadinho vip nas pedras, mas foi fiel às idiossincrasias dos lobos-marinhos. Sexta-feira, ao soar o carrilhão dando as doze badaladas, ao se encontrarem os ponteiros no meio do dia, ele bateu as barbatanas geladamente saudosas e foi em busca do que lhe é da espécie, algum acasalamento feroz numa pedra do Polo Sul. Nem quis ouvir a carioquice do, pôxa, gente boa, fica mais um pouco, vem chegando o verão e todas de bundinha de fora no Coqueirão estarão. Vazou.

Longe de mim dar uma de Drummond e, diante da decepção de Vera, descrever os dias do lobo-marinho no Rio como um alumbramento que subverteu de poesia o cotidiano, “quando a vida nos dói, de tão exata”, da cidade. O Joaquim era jovem. Tinha saído para pescar no Ártico e se perdeu na correnteza fria que veio dar em Ipanema. Esperou. Na sexta-feira, a mesma correnteza passou de volta, feito um táxi, eu expliquei para a menina, e lá foi ele. Deu uma parada em Maricá, mas em breve seguirá em obediência à sua natureza de lobo-marinho. Não era ingratidão. Era destino.

Vera entendeu, mas lamentou com humor zombeteiro:

Ah, esses Joaquims....”

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