Por Memória Globo, Memória Globo

Paulo Jabur/Memória Globo

“Vocês vão ter que me engolir.” O desabafo para as câmeras de televisão após a conquista da Copa América pela Seleção brasileira, em 1997, traduz o estilo do mais vitorioso esportista da história do futebol brasileiro. Foram quatro conquistas mundiais. A primeira em 1958. Em seguida, vieram os campeonatos de 1962, 1970 e 1994. Passional, intenso, polêmico, supersticioso, patriota, apaixonado pela “amarelinha”, como ele mesmo dizia, a trajetória do alagoano Mário Jorge Lobo Zagallo se confunde com a da Seleção brasileira. O tetracampeão foi um colecionador de títulos nacionais e internacionais em quase 60 anos de carreira.

Zagallo foi para o Rio de Janeiro aos oito meses de idade. Passou a infância e a adolescência na Tijuca, bairro da Zona Norte da cidade. Morava perto do América Futebol Clube. Nas primeiras peladas de rua, nos anos 1940, descobriu a paixão que o acompanharia pelo resto da vida: o futebol. Em um Rio de Janeiro ainda cheio de campos de várzea, Zagallo jogava em um local que se tornaria o maior palco do futebol: “Eu jogava pelada onde o Maracanã foi construído. Vi aquele mundo surgir do nada.Tive o privilégio de entrar no Maracanã enquanto ele nascia.”

Zagallo em entrevista ao Memória Globo, 2008. — Foto: Paulo Jabur/Memória Globo

A carreira de Zagallo começa no juvenil do América onde jogou em 1948 e 1949. Em janeiro de 1950, se transferiu para o Flamengo, ainda nas categorias de base. Nessa época, foi convocado para o Exército. Na final da Copa de 1950, estava de serviço no Maracanã e assistiu, de farda, à partida entre Brasil e Uruguai: “Eu estava de verde oliva, capacete, botina, tudo que tinha direito. Tive a felicidade, quer dizer a infelicidade, de ver o Brasil perder a Copa. Mas foi uma alegria imensa ver o Maracanã superlotado, transbordando com 200 mil pessoas. Uma emoção o momento do hino, a torcida com lencinhos brancos, um visual fantástico.”

Jogador profissional, Zagallo foi tricampeão carioca pelo Flamengo em 1953, 1954 e 1955. A camisa 10 dos tempos do América tinha sido substituída pela 11 do rubro-negro. A opção pela ponta esquerda era uma estratégia. Zagallo pensava em voos mais altos na carreira: “Com a 10 eu não chegaria à Seleção porque a concorrência era grande. Acabou dando certo.”

Em 1958, foi o primeiro jogador a conseguir passe livre e acabou acertando com o Botafogo, onde seria bicampeão carioca em 1961 e 1962. Zagallo considerava também outra grande conquista, em seus 16 anos de carreira como jogador, o fato de nunca ter sido expulso: ” Eu ganhei o Troféu Belfort Duarte por ter jogado 10 anos sem nenhuma expulsão,” orgulhava-se.

Na Copa de 1958, na Suécia, o Lobo não estava cotado para ser incluído na lista final dos 22 convocados. Os favoritos na posição eram Pepe, que jogava pelo Santos, e Canhoteiro, do São Paulo, dois pontas tradicionais. Mas o estilo diferente de Zagallo, um ponta que atacava e defendia, caiu nas graças do técnico Vicente Feola. A característica de correr o campo todo lhe rendeu o apelido de “Formiguinha”. A conquista da Copa de 1958 colocou o Brasil no mapa do futebol mundial.

O Brasil não era conhecido. Na Suécia, a bandeira de Portugal estava no lugar da do Brasil. Não tínhamos prestígio nenhum no exterior. Ninguém acreditava na Seleção. Tínhamos perdido a Copa de 1950 em casa. O futebol fez muita coisa por este país. A “amarelinha” mostrou que havia um país no outro continente, porque até a nossa capital achavam que era Buenos Aires.
— Mário Jorge Lobo Zagallo

Zagallo diz que foi fácil jogar naquela Seleção, pois tinha ao lado os companheiros de Botafogo: Didi, Nilton Santos e Garrincha. Ele reserva os maiores elogios para o gênio das pernas tortas: “O Mané, indiscutivelmente, não vai aparecer outro jogador igual a ele. Quem viu, viu… O que o Garrincha fez nas Copas, no Maracanã, é indescritível.”

Na Copa de 1962, no Chile, o Brasil conquistaria o bicampeonato mundial com muitos jogadores da campanha de 1958, vários com mais de 30 anos de idade, inclusive Zagallo: ”Era um time desgastado, mas foi campeão porque era uma equipe experiente.”

Seleção brasileira, em pé (esq/para dir.): Djalma Santos, Zito, Gilmar, Zózimo, Nilton Santos, Mauro e H. Gosling. Agachados (esq. p/dir.): Garrinhca, Didi, Vavá, Amarildo, Zagalo e Chico de Assis (roupeiro). Final da Copa do Mundo de 1962. — Foto: Agência O Globo

Zagallo encerrou a carreira de jogador em 1964 e, logo em seguida, foi chamado para ser técnico do juvenil do Botafogo. A trajetória como técnico seria tão ou mais consagradora do que a performance dentro das quatro linhas. Na década de 1960, uma fase áurea do Botafogo, foi comandante do time conhecido como “Selefogo”, com jogadores como Gerson, Jairzinho e Paulo Cesar, que levaram o clube a conquistas como os bicampeonatos da Taça Guanabara e Carioca e a Taça Brasil de 1968.

Um ano depois, Zagallo foi convidado a substituir João Saldanha no comando da Seleção brasileira. Saldanha tinha dirigido o Brasil nas Eliminatórias para a Copa de 70, no México, com uma campanha arrasadora. Zagallo rebate a tese de que pegou o trabalho pronto e não teve méritos: “O time era muito bom. Eu tinha 39 anos, o técnico mais novo a assumir a Seleção, mas já era maduro. Faltavam dois meses para a Copa, mas foram dois meses treinando diariamente e eu fiz algumas alterações.”

Ele considera o jogo mais difícil da Copa de 1970, a primeira a ser transmitida pela televisão, a semifinal contra o Uruguai: "A imprensa fez muito estardalhaço lembrando o trauma de 1950, mas eu dizia aos jogadores, ‘ vocês eram muito pequenos, não se lembram disso, não devem se abalar’.” Zagallo recorda o “mar de gente” recebendo a Seleção tricampeã do mundo que desfilou, em carro aberto, pelas ruas do Rio de Janeiro.

Na Copa de 1974, na Alemanha, desmontada a base de 70, a Seleção brasileira foi “atropelada” pela Holanda na semifinal. Zagallo, ainda no comando da Seleção, testemunhou, maravilhado, o surgimento da Laranja Mecânica: "Eles jogavam diferente de tudo que se tinha visto, com alto nível técnico e inteligência. Foi um dos melhores times que eu vi na vida.”

Nos anos 1970 e 1980, Zagallo passou longas temporadas no exterior onde treinou as seleções do Kuwait, Emirados Árabes e Arábia Saudita. Na sua passagem pelo Oriente Médio, levou seu fiel escudeiro: Carlos Alberto Parreira. Em 1994, foi coordenador técnico de Parreira na Seleção na Copa dos Estados Unidos: "Nós somos como irmãos. Eu tinha intimidade com ele para discordar, mas a decisão final era sempre dele. No início, era um pouco difícil para mim em função dos títulos conquistados. Mas deu certo, porque o Brasil acabou sendo tetracampeão do mundo depois de 24 anos.”

Globo Esporte: Entrevista com Zagallo (1987)

Globo Esporte: Entrevista com Zagallo (1987)

'Gente Inocente': Momentinho da Copa com Zagallo, 26/05/2002

'Gente Inocente': Momentinho da Copa com Zagallo, 26/05/2002

Após a conquista do tetra, Parreira saiu, e Zagallo retornou ao comando da Seleção brasileira. Em 1998, na França, era novamente o treinador principal pela terceira vez. Naquela Copa, ficou marcada a imagem de Zagallo, antes da disputa de pênaltis contra a Holanda, indo de jogador em jogador, especialmente no goleiro Taffarel, dizendo ‘nós vamos vencer’. Na final contra a França, a convulsão de Ronaldo na manhã do jogo é lembrada pelo técnico, que justifica a escalação do craque: “Os exames não deram nada, o doutor Lídio Toledo deu ok, e o Ronaldo me fez um pedido emocionado: ‘Zagallo, não me tira desse jogo. Eu não tenho nada, eu quero jogar.’ Mas o time entrou apático.”

Zagallo encerraria a carreira de técnico em 2001, como campeão carioca pelo Flamengo na famosa final contra o Vasco. A partida foi decidida com um gol de falta de Petckovic. Cinco anos depois, veio o convite do amigo Parreira para dirigir a coordenação técnica da Seleção na Copa de 2006, na Alemanha. De novo a França seria o algoz do Brasil. Zagallo lembra que o clima de “já ganhou” foi o responsável pela eliminação: “A Seleção vinha ganhando tudo, e isso criou a ideia de ‘grande favorito’. Teve aquela preparação na Suíça, os treinos com o estádio lotado, a invasão da torcedora que agarrou o Ronaldinho. Era uma festa diária.”

Zagallo foi comentarista da Globo nas Copas de 1986 e 2002 e da Manchete na Copa de 1990. Ele atribui à mulher, devota de Santo Antônio, a fama de supersticioso e a obsessão pelo 13. A data em homenagem ao santo é celebrada no dia 13 de junho. Quanto ao futebol, o tetracampeão diz que o esporte lhe deu tudo na vida.

Tive a felicidade de ganhar e colocar o nome do Brasil lá em cima, não sozinho, mas junto com todos aqueles que trabalharam comigo. Sempre puxo o verde amarelo para cima e isso sempre ficou ligado à minha pessoa. Eu fico até arrepiado quando falo. Porque quando toca o hino nacional e a bandeira do Brasil sobe, isso dá uma mexida comigo muito forte.
— Zagallo

O Velho Lobo foi um dos condutores da tocha olímpica antes dos Jogos de 2016 no Rio de Janeiro. Muito debilitado, e em uma cadeira de rodas, foi conduzido pelo filho pelas ruas da cidade.

Zagallo no Programa do Jô, 2006. — Foto: Zé Paulo Cardeal/Globo

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Com idade avançada, Zagallo vinha com a saúde fragilizada há alguns anos. Em setembro de 2023, ficou cerca de 20 dias no hospital com infecção urinária. No dia 26 de dezembro, foi novamente internado no Rio de Janeiro e morreu, aos 92 anos, no dia 05 de janeiro de 2024, de falência múltipla dos órgãos, resultante de progressão de comorbidades previamente existentes.

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