Sherman Lima Costa iniciou sua carreira na Globo como repórter-cinematográfico, seguindo um caminho diferente de muitos de seus colegas. Como estava em Nova York, foi contratado para trabalhar diretamente no escritório da emissora na cidade, em vez de ser transferido para o exterior, percurso mais comum.
Sua trajetória profissional, contudo, começou no Brasil, assim como o desejo de trabalhar em TV. Filho do advogado Sinval Gonçalves Costa e da dona de casa Shirley Aparecida Lima Costa, Sherman estudou e passou a infância no subúrbio carioca de Marechal Hermes. Como a casa de praia da família ficava em Barra de Guaratiba, bairro da Zona Oeste da cidade onde era gravado o Sítio do Picapau Amarelo, teve a chance de assistir a gravações de episódios da série e decidiu, ainda adolescente, que faria parte daquele universo.
Em 1996, Sherman Costa cobriu a ascensão do talibã no Afeganistão pelo SBT. Um ano depois, na Globo, o repórter cinematográfico participou de matérias que ganharam destaque, não apenas nos Estados Unidos, mas também em países como o Haiti, Índia, Líbano, Iraque e vários outros, apresentando como características de seu trabalho, ao longo de mais de 25 anos de profissão, a coragem e o talento para traduzir os fatos em imagens marcantes.
Os repórteres Cristina Serra e Sherman Costa visitam o porta-aviões americano Harry Truman e mostram o cotidiano dos soldados embarcados. Fantástico, 10/11/2002.
Como foi pai muito cedo, Sherman Costa precisou acumular dois empregos quando era jovem e acabou não cursando uma faculdade. Mas buscou formação em sua área de interesse, a TV. Fez dois cursos de câmera: o primeiro na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e o segundo, no SBT. No último, com apenas duas semanas de aula, substituiu o professor em um dia em que ele não pôde trabalhar, e aos poucos foi ficando na emissora, acompanhando gravações e atuando como freelancer. Até ser contratado, em 1992, como cinegrafista do programa 'Agenda', apresentado pela jornalista Leda Nagle.
Depois, trabalhou no 'Programa Livre', de Serginho Groisman; com a apresentadora Angélica; e no programa 'Aqui e Agora', que tinha uma dinâmica diferente do que havia na TV até então, com uma câmera que se movimentava muito. “Aquilo foi uma inovação, uma coisa incrível, foi um programa de muita audiência na época. Um profissional que trabalhou com isso treinava muito bem foco, trocava de filtro, tudo isso em várias situações de medo. Chegou a um ponto em que já era normal tiro, você não se assustava mais, coisa que não dá mais para fazer hoje em dia”, garante.
Ainda jornalismo do SBT, Sherman Costa recebeu o convite do repórter Roberto Cabrini para se mudar para Nova York, depois de trabalharem juntos numa matéria no autódromo do Rio, durante os treinos da Fórmula Indy: a história de um homem que morava próximo à pista e adorava corrida e sonhava conhecê-la por dentro. O cinegrafista teve então a ideia de levá-lo escondido no carro da reportagem. A matéria foi aprovada com louvor e agradou a direção.
Início na Globo
Um ano após sua transferência, em 1996, o SBT fechou o escritório de Nova York e Sherman preferiu, em vez de voltar ao Brasil, comprar equipamentos e se estabelecer nos Estados Unidos como freelancer. Dois meses depois, recebia o primeiro telefonema da Globo, feito pelo jornalista Jorge Pontual, que lhe ofereceu um teste: deveria gravar imagens no zoológico do Bronx para ilustrar uma matéria de Paulo Francis. Aprovado, tornou-se freelancer da emissora por três anos, cobrindo férias de profissionais que se tornaram seus amigos: Paulo Zero, Helio Alvarez, Orlando Moreira. “Eu trabalhava com as câmeras usadas por eles, eram betacam modelos 300 e 400. Microfone de mão, lapela, luzes convencionais quentes. Hoje bem mais tranquilo de transportar e trabalhar, as luzes são frias de LED”, compara.
Entre as entrevistas importantes dessa época, Sherman Costa destaca um tenso diálogo com Fernando Collor, que morava em Miami, em 1997. A repórter Sônia Bridi conseguiu que o ex-presidente falasse e, durante a conversa, Collor se exaltou. “Ele começou a ficar nervoso, dava socos na mesa. A gente saiu dali correndo porque a minha preocupação era que os seguranças dele poderiam querer tomar a nossa fita. A Sônia foi direto a Nova York editar, para entrar no 'Jornal Nacional' daquele mesmo dia”, explica.
Entrevista de Sônia Bridi com o ex-presidente Fernando Collor para o Jornal Nacional em 18/03/1997.
Outras reportagens marcantes, no final da década de 1990 e início dos anos 2000, foram a denúncia do tráfico de escravas no Sri Lanka, em 1998; ou a passagem do Floyd, em 1999, com Edney Silvestre, num avião em círculos voando dentro do furacão no Triângulo das Bermudas; e a cobertura dos atentados de 11 de setembro, em 2001. Durante três semanas, os cinegrafistas e repórteres andaram quilômetros do escritório da emissora até o World Trade Center, driblando a polícia, para conseguir imagens mais próximas e depoimentos impactantes.
Repórter Edney Silvestre na área dos atentados às Torres Gêmeas, Jornal Nacional, 11/09/2001.
Trabalho infantil
Em 2002, Sherman Costa foi a Serra Leoa cobrir a guerra civil no país para o 'Jornal Nacional'. Depois viajou para a Índia denunciar a exploração do trabalho infantil. “Fomos para Punjab visitar o bairro onde as crianças costuravam bola de futebol. Entramos numa casa para fazer uma entrevista com a mulher que tomava conta das crianças. Quando a gente terminou, o repórter abriu o portão e as pessoas começaram a empurrá-lo. Quando começaram a bater nele, eu voltei com o produtor, tirei a fita da câmera, ele botou dentro da bolsa, e eu saí para apanhar também, levei tapas e socos nas costas. Daqui a pouco, aparecem três senhoras e começam a gritar com todos, nós mais ou menos entendemos os sinais, quando elas vêm na porta do carro e falam: ‘Vão embora daqui! Aproveitem enquanto dá’”, relembra.
Reportagem de Roberto Kovalick e Sherman Costa sobre os tumultos em Porto Príncipe após as eleições presidenciais e a manifestação dos partidários de René Préval. Jornal Nacional, 13/02/2006.
Com Roberto Kovalick, Sherman Costa cobriu as eleições no Haiti e o trabalho dos militares brasileiros que lideravam a Força de Paz da ONU, em 2006. E ao longo dos anos 2000 esteve presente em todas as eleições presidenciais norte-americanas, acompanhando os candidatos durante a campanha. Na última, foi escalado com o repórter Felipe Santana para noticiar a improvável festa da vitória no comitê do Partido Republicano, em Nova York. Para surpresa de todos, Donald Trump ganhou. E a dupla fez várias entradas ao vivo em telejornais. "Ficamos muito felizes, era difícil achar que o Trump ia ganhar. Com a vitória dele, todos os faróis da imprensa viraram para nós.”
Novamente com Felipe Santana, Sherman gravou, em 2016, uma entrevista com o nadador Ryan Lochte, que durante a Olimpíada do Rio simulou ter sido assaltado para justificar atos de vandalismo dele e de amigos em um posto de gasolina. A conversa exigiu uma grande negociação, inclusive com advogados do atleta, já que ele iria admitir algo que prejudicaria mais a sua carreira. Conseguiram.
Nadador americano fala com exclusividade sobre a farsa do assalto. Ryan Lochte assumiu a responsabilidade pela confusão no posto. Jornal Nacional, 20/08/2016.
Plantão no aeroporto
Outra entrevista de difícil realização ocorreu em janeiro de 2017, quando o repórter-cinematográfico passou a semana inteira no aeroporto JFK, em Nova York, monitorando o check-in da TAM e da American Airlines, para ver se o empresário Eike Batista voltaria para o Brasil, onde acabaria preso. “Eu estava gravando com celular, porque não podia gravar com câmera lá dentro, então eu tinha um celular preparado na mão o tempo inteiro. Quando o Eike chega, começo a gravar, viro para ele e pergunto: ‘Eike, culpado ou inocente?’. Ele nem olha para mim. Aí eu fiz o check-in e, como estava sozinho, porque o repórter e o produtor estavam procurando o Eike na sala Vip, cheguei perto dele e disse: ‘Olha, eu sou cinegrafista, vou ficar filmando até você desaparecer na porta do avião’. Ele riu, botou a mão no meu ombro e disse: ‘Pode filmar à vontade!’”
O repórter Felipe Santana entrevista com exclusividade o empresário Eike Batista, momentos antes de embarcar para o Brasil e ser preso no Rio de Janeiro. Jornal Nacional, 30/01/2017.
Mais recentemente, no final de 2017, uma nova cobertura de desastre provocado por um furacão levou o cinegrafista e o repórter Fabio Turci, seu grande amigo, à Flórida. “As pessoas moram numas casinhas tipo um trailer e o furacão devastou aquilo tudo. Uma família tinha acabado de comprar um trailer de frente para o mar, e um homem falou: ‘Financiei, não sei como vou conseguir pagar agora porque não tenho mais nada’. Triste demais”, afirma.
Ficou na lembrança
Entre as matérias que ficaram em sua memória, está a história de um brasileiro que falsificava green cards nos Estados Unidos, em 1998. Sherman Costa ligou para o falsificador, marcou uma conversa com ele, como se fosse um brasileiro que precisava do serviço. Enquanto gravava a matéria, com uma câmera escondida, um amigo do falsificador entrou no ambiente em que eles estavam e avisou que havia um repórter da Globo escondido lá fora.
Em seguida, vendo a movimentação, o repórter também entrou no local e disse que de fato uma matéria estava sendo feita. A reportagem foi ao ar, mas o cinegrafista ficou com pena do personagem denunciado, que parecia uma boa pessoa. Até que houve um desfecho feliz da história. “Anos depois, estou fazendo um show em Boston, da Daniela Mercury, e sinto uma mão no meu ombro. Quando olho, vejo esse homem e penso: ‘Ele vai me jogar lá embaixo, vai me dar uma facada’. Mas ele me abraçou e disse: ‘Olha, eu só tenho a agradecer vocês. Eu tinha um comércio totalmente legalizado, estava fazendo algo para ajudar brasileiros por causa de dez dólares. Eu podia ser preso, extraditado, perder meu comércio, ficar longe da minha família, e vocês me ajudaram’”, conta.
Outras reportagens
Reportagem de Roberto Kovalick e Sherman Costa sobre a chegada do furacão Rita ao Texas, nos Estados Unidos, Jornal Nacional, 22/09/2005.
Reportagem de Roberto Kovalick e Sherman Costa sobre o trabalho dos soldados brasileiros da Missão das Nações Unidas para a estabilização do Haiti na véspera das eleições presidenciais no país. Jornal Nacional, 06/02/2006.
Reportagem de Roberto Kovalick e Sherman Costa sobre os confrontos entre soldados da Missão da ONU no Haiti e manifestantes partidários de René Préval. Jornal Nacional, 14/02/2006.
Reportagem de Edney Silvestre e do cinegrafista Sherman Costa voando em direção ao olho do furacão Floyd. Jornal Nacional, 15/09/1999.
Fonte
Depoimento de Sherman Costa concedido ao Memória Globo em 26/01/2018. |