Por Memória Globo

Leo Martins/Memória Globo

De “namoradinha do Brasil” a ícone da liberação feminina no final dos anos 1970, Regina Blois Duarte teve uma trajetória marcante na TV brasileira. Seja qual fosse o papel que assumisse, todos tiveram uma característica em comum: a popularidade, que chegou ao auge como a espevitada viúva Porcina, de 'Roque Santeiro' (1985). Em 2019, Regina Duarte deixou a Globo para assumir o cargo de secretária de Cultura do Governo Federal.

Sempre que preciso interpretar com emoção, busco na minha experiência de vida algo parecido que me dê um apoio para eu ser sincera. Se eu não for sincera, não vale para mim ou para quem assiste.
Entrevista exclusiva da atriz Regina Duarte ao Memória Globo sobre sua forma de atuar.

Entrevista exclusiva da atriz Regina Duarte ao Memória Globo sobre sua forma de atuar.

Início da carreira

A atriz nasceu no dia 5 de fevereiro de 1947. Sua mãe, Dulce Blois, era dona de casa, e seu pai, Jesus Duarte, tenente reformado do Exército. Filha mais velha de uma família de quatro irmãos, teve uma infância pobre, em Campinas, São Paulo, para onde se mudou aos seis anos. Seu pai completava o soldo vendendo sapatos e galinhas na feira.

A primeira peça de teatro que eu li foi no ônibus. Um rapaz tinha aberto um livro ao meu lado e eu fiquei filando as páginas a viagem toda. Era 'O Diário de Anne Frank'. Esse rapaz era ator, tinha feito espetáculos em São Paulo e foi através dele que me interessei pelo teatro. Até então, queria ser bailarina, pintora, escritora ou atriz de Hollywood, como a Marilyn Monroe.

Sua primeira personagem no Teatro do Estudante, em Campinas, foi o palhaço de 'O Auto da Compadecida', de Ariano Suassuna. A partir dessa experiência, Regina Duarte decidiu ser atriz profissional. Procurou uma agência de publicidade e se candidatou para apresentar comerciais na TV: “Um dos filmes de publicidade que fiz foi visto por Walter Avancini. Eu já fazia teatro amador desde os 14 anos e, aos 18, fui chamada por ele para um teste, para uma novela que ele faria na Excelsior chamada 'A Deusa Vencida', com Tarcísio Meira, Glória Menezes, Altair Lima, muita gente bacana”. Foi assim que, em 1965, viveu seu primeiro personagem na televisão.

A atriz participou de mais oito novelas na TV Excelsior, sempre interpretando jovens doces, meigas e ingênuas. Trouxe essa marca para a Globo, onde estreou em 1969 no papel de Andréa, em 'Véu de Noiva', de Janete Clair. Foi uma das primeiras novelas urbanas e contemporâneas da TV; nela, também teve início o par romântico formado com o ator Cláudio Marzo, que se repetiria em 'Irmãos Coragem' (1970) e 'Minha Doce Namorada' (1971).

A consagração, porém, veio no trabalho seguinte, já fazendo par com Francisco Cuoco: 'Selva de Pedra' (1972), também de Janete Clair. A novela, que chegou a alcançar quase 100% de audiência, garantiu à Globo a primazia do horário nobre e transformou Regina Duarte numa das atrizes mais queridas do Brasil, no duplo papel de Simone/Rosana.

Em seguida, faria duas outras novelas de sucesso: 'Carinhoso' (1973), de Lauro César Muniz, e 'Fogo Sobre Terra' (1974), outra de Janete Clair, em que interpretou uma deficiente visual.

EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO

Webdoc sobre a novela 'Véu de Noiva' com entrevistas exclusivas do Memória Globo.

Webdoc sobre a novela 'Véu de Noiva' com entrevistas exclusivas do Memória Globo.

Mudando o padrão

Decidida a romper com a imagem de mocinha dócil e comportada da TV, Regina decidiu voltar ao teatro em 1975, interpretando uma prostituta na peça 'Réveillon', de Flávio Márcio, dirigida por Paulo José. Segundo ela, curiosamente, foi aí que ganhou o apelido de “namoradinha do Brasil”: “Logo depois que estreei 'Réveillon', que rendeu o que falar, dei uma entrevista para as páginas amarelas da revista Veja e o título era: ‘A ex-namoradinha do Brasil’. Foi a primeira vez que eu me recordo de ter lido esse título se referindo a mim, mas já como ‘ex’, porque eu estava rompendo com essa imagem, daquela moça sempre igual, que vinha fazendo nos últimos anos”. Na televisão, o rompimento veio com a novela 'Nina', escrita por Walter George Durst e exibida em 1977, na qual interpretava uma professora dos anos 1920 com ideias avançadas para a época.

Em 1978, Regina Duarte interpretou Branca Dias na peça 'O Santo Inquérito', de Dias Gomes, com sucesso de crítica e de público. No ano seguinte, aceitou o convite de Daniel Filho para protagonizar o seriado 'Malu Mulher'. Foi ela mesma quem escolheu o nome da personagem, para simbolizar o fim de um ciclo em sua vida profissional, pois também se chamava Malu a mocinha que interpretou em sua primeira novela, 'A Deusa Vencida'. 'Malu Mulher' inaugurou uma nova etapa na história da televisão brasileira. A série, que discutiu com franqueza temas polêmicos ligados à condição feminina, teve grande audiência no Brasil e foi vendida para mais de 52 países.

Pela primeira vez, falou-se abertamente sobre orgasmo, masturbação, homossexualidade e aborto: “Eu sinto que nos dois anos de 'Malu' cresci, amadureci como pessoa uns dez. Eu levaria dez anos para experimentar ou refletir sobre todos aqueles temas que o seriado me propunha na época. Foi muito importante para o meu desenvolvimento pessoal, o que acabou se refletindo, de uma maneira ou de outra, no meu trabalho de atriz”.

A exuberante Porcina

Após dois anos vivendo Malu, Regina Duarte foi convidada a voltar às novelas de Janete Clair, refazendo a dupla romântica com Francisco Cuoco. Interpretou a personagem paranormal Luana Camará, em 'Sétimo Sentido'. Depois de fazer uma participação especial em 'Guerra dos Sexos' (1983), pediu demissão da Globo e se dedicou a produzir 'Joana', uma série independente exibida na TV Manchete e, posteriormente, no SBT.

A atriz voltou à emissora em 1985 para viver a sua personagem mais popular, a Viúva Porcina de 'Roque Santeiro', que representou outra importante virada na trajetória da atriz ao revelar sua vertente cômica.

“Eu me diverti demais. Com a Porcina, aprendi a ter uma atitude positiva, de autoestima, de acreditar que não temos que ficar acanhadas, que não temos que ficar presas a convenções. Para mim, a Porcina é sinônimo de alegria e de liberdade como mulher. E também me ensinou muito, porque eu era toda ton sur ton, toda recatada, tímida, só usava o brinco que combinava com o sapato, com a bolsa. Com a Porcina, percebi que podia ser livre, podia usar qualquer cor, que não havia regras, o que havia era o desejo de se sentir amada, feliz, de bem com o mundo, com a vida”.

'Roque Santeiro' (1985): O visual de Porcina

'Roque Santeiro' (1985): O visual de Porcina

Vale Tudo

Quando terminou 'Roque Santeiro', quis experimentar a sua veia cômica também nos palcos com 'Miss Banana' – espetáculo escolhido para reinaugurar, em 1986, o Teatro Carlos Gomes, no Rio de Janeiro. Em 1988, a atriz foi chamada para participar, pela primeira vez, de uma novela de Gilberto Braga, 'Vale Tudo', interpretando Raquel Accioli: “Vale Tudo foi um momento importante para mim. Eu tinha feito 'Roque Santeiro' e sentia medo. É complicado para um artista fazer um trabalho após um sucesso, uma unanimidade como tinha sido 'Roque Santeiro'. E o Gilberto Braga me fez uma proposta de um personagem encantador, irresistível, que foi a Raquel Accioli. 'Vale Tudo' veio e me deu toda a força, no sentido de que eu podia acreditar que tinha muita coisa ainda para fazer depois da viúva Porcina, ou além da viúva Porcina. Também acho que a novela sacudiu um pouco as mentes a respeito de termos que lidar o tempo todo com a impunidade, a negligência e a fragilidade moral”.

Rainha da Sucata

Emendando um trabalho atrás do outro, foi convidada por Silvio de Abreu para interpretar Maria do Carmo em 'Rainha da Sucata' (1990). Segundo o autor, a protagonista fora escrita especialmente para a atriz, com quem havia trabalhado na TV Excelsior. A grande rival de Regina na trama era Laurinha, vilã vivida por Glória Menezes.

Regina Duarte em 'Rainha da Sucata', 1990 — Foto: Nelson Di Rago/Globo

A trajetória na TV só era interrompida quando dedicava-se ao teatro. Foi assim com a peça 'A Vida é Sonho', de Calderón de La Barca. Produzido por ela e dirigido por Gabriel Villela, o espetáculo foi elogiado pela crítica.

Helenas de Maneco

O primeiro encontro com Manoel Carlos foi em 1995, quando interpretou Helena em 'História de Amor'. Sua afinidade com o autor lhe valeu o convite para participar, dois anos depois, de 'Por Amor', vivendo novamente a protagonista Helena. Foi quando contracenou pela primeira vez com sua filha, Gabriela Duarte. “História de Amor eu não queria que acabasse nunca. Cheguei a dizer para o Boni: ‘Não dá para ficar como aqueles seriados de antigamente, que duravam cinco, dez, 15 anos?’ Eu queria ficar fazendo 'História de Amor' para sempre. Ele ria e dizia: ‘Não. Tem que acabar. Mas a gente faz outra depois’. E, realmente, um ano depois, ele me chamou para fazer o que, para mim, era História de Amor 2, mas que teve o nome de 'Por Amor'. E ainda chamou a Gabriela para fazer a minha filha. Foi o máximo!”, lembra.

'Por Amor' (1997): Helena (Regina Duarte) faz votos por Maria Eduarda (Gabriela Duarte)

'Por Amor' (1997): Helena (Regina Duarte) faz votos por Maria Eduarda (Gabriela Duarte)

Quase 10 anos depois, Regina Duarte viveria pela terceira vez a protagonista Helena. Em 2006 foi convidada para interpretar a heroína mais conhecida de Manoel Carlos em 'Páginas da Vida'. Dessa vez, o desafio era contracenar com a pequena Joana Mocarzel, que fazia sua filha adotiva na história. Joana tinha síndrome de Down, um dos temas abordados com primor pelo autor.

Regina Duarte e Joana Mocarzel em 'Páginas da Vida', 2006 — Foto: Willian Andrade/Globo

O reencontro profissional com a filha aconteceu na minissérie 'Chiquinha Gonzaga', de Lauro César Muniz, exibida em 1998. As duas interpretaram a mesma personagem em diferentes fases da vida. Em 2000, Regina e Gabriela trabalhariam novamente juntas na peça 'Honra', dirigida por Celso Nunes.

Reencontro com Janete Clair

Regina Duarte protagonizou cinco novelas de Janete Clair. Foi com ela que a atriz estreou na Globo e viveu alguns de seus personagens mais marcantes. Por isso, não hesitou em aceitar o convite para atuar no remake de 'O Astro' – que inaugurou o horário das 23h em 2011. Foi como um reencontro com a autora quase 30 anos depois de 'Sétimo Sentido'. Na trama, adaptada por Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro, Regina interpretou a desequilibrada Clô Hayalla, papel que fora de Tereza Rachel na versão exibida em 1977.

Após um intervalo de três anos, retornou em uma participação especial na novela 'Império', de Aguinaldo Silva. Durante o período em que ficou afastada da TV, dedicou-se ao teatro. Em junho de 2012, estreou na função de diretora com a peça 'Raimunda, Raimunda', de Francisco Pereira da Silva, na qual também atuou como protagonista. E no ano seguinte, fez 'Bem-vindo, Estranho', dirigida por Murilo Pasta.

Em 2015, quando completou 50 anos de televisão, Regina Duarte foi Esther em 'Sete Vidas', de Lícia Manzo. A personagem – diferente de todas as outras que interpretou ao longo de sua carreira – era homossexual e recorrera à inseminação artificial para gerar os filhos gêmeos. Em 'A Lei do Amor', de 2016, dividiu mais uma vez a personagem com a filha Gabriela: as duas interpretaram a secretária Suzana em diferentes fases da história. Seu último trabalho na TV foi em 'Tempo de Amar', no ano seguinte. Na trama das 18h, deu vida a uma cafetina francesa, Madame Lucerne.

Cinema

Regina Duarte estreou no cinema em 1968, em 'Lance Maior', de Sylvio Back. Também fez a ficção científica 'Parada 88, o Limite de Alerta' (1977); 'O Homem do Pau-Brasil' (1982), de Joaquim Pedro de Andrade; e 'Além da Paixão' (1985), de Bruno Barreto, entre outros.

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