“Tenha medo”. Esse é o conselho do repórter-cinematográfico Paulo Zero aos correspondentes de guerra. Sua experiência inclui a cobertura de conflitos armados na América Central, na África, na Europa. A paixão pela imagem veio desde cedo. “Meu pai sempre gostou de cinema, sempre gostou de filmar. Tinha uma maquininha 8 mm. Quando eu estava com 7 anos, a gente foi morar na Nicarágua, e eu pedi uma máquina fotográfica para ele, aquelas Kodak de plástico. Comecei a tirar foto de cachorro, de cavalo. Foi o meu primeiro contato com cinematografia”. Paulo Bormman Zero é filho do diplomata Romeo Zero e da educadora Leilah Bormann Zero. Cursou Comunicação Social na Universidade de Brasília, UnB. Em agosto de 1977, mudou-se com os pais para Nova York. Terminou seus estudos universitários no New York Institute of Technology.
Começou sua trajetória profissional no escritório de Nova York, em fevereiro de 1978, como assistente de cinegrafista. Trabalhou com profissionais experientes, como os repórteres-cinematográficos Orlando Moreira e Henderson Royes e os repórteres Hélio Costa, Lucas Mendes, Sergio Motta Mello e Paulo Francis. “Eu comecei como assistente do Orlando Moreira e do Henderson, carregando BVU 100. Seis meses depois, mais ou menos, eu comecei a fazer algumas materinhas, aqui e ali.”
Na época, a Nicarágua estava enfrentando uma intensa guerra civil, que opôs o ditador Anastasio Somoza à Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), de orientação socialista. “Nós fomos para a Nicarágua cobrir o conflito na fronteira com Honduras, eu fui fazer os Contras. Nós seguimos o Exército sandinista pelas montanhas. Um garoto queria meus óculos escuros de qualquer jeito. Ficou dias atrás de mim. Aí, no fim da cobertura, eu dei meus óculos para ele. O garoto, instintivamente, me deu uma granada. Aí falei: ‘Não, não dá para levar isso’”.
O cinegrafista esteve presente em momentos importantes da história mundial, como as negociações de paz entre Israel e Egito, após quatro guerras em 30 anos. O primeiro-ministro israelense Menahem Begin e o presidente egípcio Anwar Sadat se reuniram, em 1978, em Camp David, em busca de um acordo diplomático. O encontro foi intermediado pelo presidente americano Jimmy Carter. O entendimento foi ratificado em março de 1979, em Washington. Além desse, Paulo Zero registrou o acordo assinado, em 1993, entre Yasser Arafat, líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), e Yitzhak Rabin, premiê israelense. Nesse caso, a mediação foi do presidente norte-americano Bill Clinton.
Conflitos pelo mundo
Paulo Zero registrou os conflitos que colocaram El Salvador em cena no mundo, em reportagens de Sergio Motta Mello e Lucas Mendes. Em outubro de 1979, um golpe militar derrubou o governo do ditador Carlos Humberto Romero e levou a Junta Revolucionária de Governo (JRG) ao poder. “Minha primeira viagem internacional como câmera foi para El Salvador para cobrir o golpe de Estado”.
O assassinato do arcebispo Oscar Romero por um integrante do Exército salvadorenho, em 24 de março de 1980, desencadeou uma série de manifestações e agravou o conflito. Paulo Zero registrou o enterro. “Foi na catedral, na praça central da cidade. A multidão ficou toda em volta, porque não dava todo mundo dentro. Decidimos subir em uma sacada para fazer imagens do povo. Quando estávamos lá em cima filmando, estourou uma bomba do nosso lado direito. Começou um tiroteio. Era tiro para tudo que era lado. Quando a gente conseguiu finalmente sair da igreja, nosso carro estava incendiado. Eu perdi a mala de luz, um monte de equipamento.”
Em 4 de novembro de 1979, um grupo de estudantes islâmicos tomou a Embaixada norte-americana em Teerã e fez 52 americanos reféns. O sequestro terminou no dia 20 de janeiro de 1981, mais de um ano depois. Sergio Motta Mello e Paulo Zero acompanharam a crise. “Ficamos um mês, fizemos várias matérias. Nessa época, as calçadas em frente às embaixadas dos Estados Unidos viviam lotadas de manifestantes gritando ‘morte à América’. E houve um dia em que conseguimos entrar na Embaixada, entrevistar os estudantes, os supostos estudantes. Foi um marco na cobertura.”
Durante uma reportagem sobre a estagnação da economia do Irã, enquanto filmava prédios inacabados na capital, chegou a ser preso pelo Exército iraniano, acusado de espionagem.
O correspondente Sergio Motta Mello entrevista, com exclusividade, o líder dos sequestradores dos funcionários da embaixada americana em Teerã. Jornal Nacional, 29/11/1979.
“Passei meu aniversário de 22 anos no Irã. Não comemorei da maneira ocidental: álcool era proibido; comida, limitada; e ainda fui preso e interrogado, acusado de ser espião. Por sorte, o motorista arrumou uma garrafa de vodca e uma lata de caviar iraniano.”
Reportagem de Sergio Motta Mello e Paulo Zero sobre a libertação de Ronald Biggs em Barbados e sua volta ao Brasil. Jornal Nacional, 23/04/1981.
Paulo Zero acompanhou Sergio Motta Mello na cobertura da libertação de Ronald Biggs, mundialmente conhecido por ter assaltado o trem pagador que ia de Glasgow, na Escócia, para Londres, em 8 de agosto de 1963. Condenado a 30 anos de reclusão, Biggs fugiu da prisão de Wandsworth, passou por Paris, Austrália e chegou ao Brasil em 1970, com um passaporte falso. Em março de 1981, um grupo de ex-soldados britânicos levou Biggs para Barbados, onde foi entregue às autoridades. Biggs foi libertado 40 dias depois e voltou ao Brasil.
De Nova York para Washington
A inauguração do escritório da Globo em Washington, em 1982, trouxe novas experiências para Paulo Zero. A criação da sucursal foi ideia de Sergio Motta Mello, e o cinegrafista o acompanhou no desafio. Ficou em Washington até 1990. “Eu ia, quase todo dia, para o Departamento de Estado filmar briefing; ia para a Casa Branca duas, três vezes por semana. Foi bem diferente de Nova York”.
As coberturas das eleições americanas demandavam esforço redobrado das equipes de Washington e Nova York, como Paulo Zero testemunhou na reeleição do político republicano Ronald Reagan, em 1984. “A gente ia junto com a ABC, NBC ou CBS, dependendo de com quem a gente estava trabalhando na época. Das coberturas que a gente fazia, eram as mais expressivas”. O cinegrafista também registrou o dia a dia da administração do governo Reagan. Além dessa, Paulo Zero cobriu as eleições americanas de 1980,1988, 1992 e 1996.
Às vésperas de sediar uma edição da Copa do Mundo, o México foi arrasado por um terremoto, em 1985. Paulo Zero registrou imagens da tragédia. No mesmo ano, foi à Colômbia, junto com Lucas Mendes, cobrir as consequências da erupção do vulcão Nevado del Ruiz. A lava soterrou Armero, a 48 quilômetros do vulcão. A cidade perdeu mais de 20 mil de seus 50 mil habitantes.
No ano seguinte, mais um terremoto, dessa vez em El Salvador. Paulo Zero e o repórter Luís Fernando Silva Pinto testemunharam o resgate de uma jovem encontrada viva entre os escombros. As imagens exclusivas foram exibidas no 'Globo Repórter'. “Nós subimos nos escombros, registramos o resgate, a mãe se encontrando com a filha. Fizemos a cena da jovem saindo da ambulância para a sala de operação. Só a gente teve acesso, porque todo mundo tinha ido embora”.
Reportagem de Luís Fernando Silva Pinto e Paulo Zero sobre o resgate de uma vítima soterrada por escombros após um terremoto que atingiu El Salvador, Globo Repórter, 15/10/1986.
Esteve na China pela primeira vez em 1989, para cobrir o Massacre da Praça da Paz Celestial, quando o governo chinês reprimiu violentamente uma manifestação que reuniu milhares de estudantes em prol de reformas. “Eu estava em Washington com Luís Fernando Silva Pinto quando aconteceu o massacre. Então, nós fomos à Embaixada da China, pedimos visto turístico, e os caras deram na hora. Conseguimos entrar no país. Só que a Praça da Paz Celestial estava completamente fechada. Havia tanque para todo lado. Tínhamos que filmar de dentro do carro, discretamente. Mas conseguimos falar com os dissidentes”.
Webdoc sobre a cobertura do Massacre da Praça da Paz Celestial, em 1989, com entrevistas exclusivas do Memória Globo.
Bombardeios, imigrantes ilegais, genocídios
Dois anos depois, viajou com o repórter Carlos Dornelles para cobrir a Guerra do Golfo. Em janeiro de 1991, quando começaram os bombardeios a Bagdá, os repórteres da Globo já tinham sido deslocados para a região. Carlos Dornelles passou três meses em Israel com Bel Bicalho e o cinegrafista Paulo Zero.
“Foram distribuídas máscaras para todo mundo, seringas de adrenalina e macacão antiarma química. Os hotéis tinham subsolo preparado para abrigar todo mundo. E era um desfile de gente com máscara de gás pendurada para cima e para baixo. A gente entrava muito ao vivo. Quando não era com vídeo, era por telefone.”
O cinegrafista gravou a travessia de imigrantes ilegais na fronteira entre México e Estados Unidos, ainda em 1991. Na ocasião, a repórter Ilze Scamparini se passou por clandestina em busca de imagens exclusivas. O registro foi feito com lentes noturnas. Essas câmeras, com imagens esverdeadas, foram usadas nas transmissões dos bombardeios na Guerra do Golfo, mas ainda eram novidade no telejornalismo no Brasil. A reportagem foi exibida no 'Globo Repórter'.
Reportagem de Ilze Scamparini sobre imigrantes ilegais que tentam atravessar a fronteira dos Estados Unidos, Globo Repórter, 03/05/1991.
Em 1994, viajou para a África com o repórter Paulo Henrique Amorim e o produtor David Presas para cobrir o genocídio em Ruanda – que matou cerca de 800 mil pessoas. “Essa também foi uma cobertura chocante. Nós fomos para o Zaire – hoje Congo – e pegamos um avião para Goma, a cidade que faz fronteira com Ruanda. Fora da cidade de Goma, mas já no Zaire, fizeram o acampamento dos refugiados de Ruanda. Eram, literalmente, milhões de pessoas numa área cheia de barracas feitas de plástico azul. E essa gente estava numa situação muito precária”.
O ebola também foi tema de reportagem da dupla. Em 1995, uma pesquisadora suíça foi internada na Costa do Marfim com febre hemorrágica. A epidemia se alastrou para o Congo e o Gabão. Ele lembra que, no hospital de Kikwit, no Congo, “a trilha sonora era a de um monte de mulheres chorando pelos mortos. A cada dez minutos, saía um defunto de dentro de um salão”.
Parceira de profissão e de vida
Ainda em Nova York, em 1995, começou a trabalhar com a repórter Sônia Bridi, correspondente da Globo – com quem se casaria e teria um filho, Pedro. Foi com Paulo que Sônia fez sua primeira matéria para o escritório, sobre a descoberta de uma obra de Michelangelo. “Acharam a estátua de um cupido na Casa da França, em Nova York. Uma entendida de arte chegou lá um dia, num coquetel que estava bem iluminado, e disse: ‘Isso é Michelangelo…’ Foi um estardalhaço. E nós fomos lá fazer a matéria. Foi a primeira da Sônia em Nova York”.
Reportagem de Sônia Bridi sobre a descoberta de uma estátua em Nova York que teria sido esculpida por Michelangelo. 'Jornal Nacional', 24/01/1996.
Em 1997, Sônia Bridi e Paulo Zero foram enviados a Lima para cobrir o desfecho da Operação Chavín de Huántar. O Exército peruano retomara o controle da Embaixada japonesa, ocupada por guerrilheiros do Movimento Revolucionário Tupac Amaru havia 126 dias. A ação resultou na morte de 14 sequestradores e um refém. Paulo fez uma imagem dos corpos sendo retirados em helicópteros da Embaixada. Cena que nenhuma agência ou concorrente tinha. Entrou no 'Jornal Nacional'. Semanas depois, Sônia Bridi conseguiu uma entrevista exclusiva com o então presidente peruano, Alberto Fujimori.
A dupla permaneceu nos Estados Unidos até 1999, quando retornou a São Paulo. Nessa nova fase, Paulo fez matérias subaquáticas, especialidade que aprendeu no exterior, e reportagens especiais sobre os 400 anos da cidade.
O 'Brasil Bonito' foi revelado por Sônia Bridi e Paulo Zero em agosto de 2002. Série de três reportagens exibidas no 'Jornal Nacional' mostrou ao público como é possível ajudar o próximo com ações simples e genuínas, revelando um lado positivo do país. “Foi uma série ‘do bem’. A gente conheceu muita gente que está fazendo bem para o Brasil, gente de caráter. Não é o brasileiro malandro, que quer ter vantagem em tudo. É exatamente o contrário”.
Uma das reportagens do 'Brasil Bonito' que mostra o trabalho voluntário que atende populações ribeirinhas do Pantanal, exibido no 'Jornal Nacional' em 20/06/2009.
China e França
Em 2004, Paulo Zero e Sônia Bridi receberam a missão de implantar uma base para o jornalismo da Globo na China. Ficaram dois anos no país. Durante a comemoração dos 40 anos da emissora, em 2005, fizeram uma transmissão ao vivo diretamente do Templo do Céu. Foi a primeira vez que uma equipe de televisão brasileira recebeu autorização do governo chinês para tanto.
“Antes de nós, só uma equipe tinha conseguido fazer ao vivo num lugar público. E foram, também, semanas de negociação. O ministro precisava dar uma autorização, o ministério das Praças Públicas precisava dar outra – eram várias.”
A dupla foi enviada para Paris, na França, em 2007, onde permaneceu por quase três anos. Em 2008, Paulo registrou a entrevista exclusiva que Sônia fez com Lorenzo, filho da ex-senadora Ingrid Betancourt. Sequestrada pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), a ex-candidata à presidência da Colômbia foi libertada no dia 2 de julho de 2008. No ano seguinte, cobriram a repercussão do acidente com o Airbus da Air France, que saiu do Rio de Janeiro com destino a Paris e desapareceu em pleno Oceano Atlântico com 216 passageiros e 12 tripulantes.
Reportagem de Sônia Bridi sobre o acidente com o avião da Air France e a recepção dos familiares das vítimas no aeroporto Charles de Gaulle, com a presença do presidente francês Nicolas Sarkozy. Jornal Nacional, 01/06/2009.
De volta ao Brasil
Em 2009, após uma escala na China para participar da cobertura da Olimpíada de Pequim (2008), voltaram a trabalhar na redação de São Paulo. Sônia Bridi e Paulo Zero foram os primeiros enviados especiais da Globo a chegarem ao deserto do Atacama para cobrir o drama dos mineiros do Chile, em agosto de 2010. Trinta e três trabalhadores ficaram presos a cerca de 700 metros de profundidade após uma explosão que bloqueou o acesso à mina de San José, no deserto do Atacama.
Especiais para o 'Fantástico'
Uma aventura de seis meses, passando por 14 países, deu origem à série 'Terra, que Tempo é Esse?', exibida no 'Fantástico'. A missão da dupla era buscar explicações e soluções para os efeitos do aquecimento global. A série estreou em outubro de 2010. Em uma das reportagens, o casal subiu o monte Kilimanjaro, na Tanzânia, a 5895 metros do nível do mar, em uma caminhada de 70 quilômetros que durou seis dias.
Em maio de 2012, foi ao ar no 'Fantástico' mais uma série de Paulo e Sônia: 'Planeta Terra: Lotação Esgotada'. Os jornalistas visitaram os cinco países mais populosos do mundo – China, Índia, Indonésia, Estados Unidos e Brasil –, além de três nações do continente que mais cresce, a África – Angola, Quênia e Ruanda. Em cinco episódios, a série discutiu temas da Rio+20, como o modelo energético e a produção de alimentos num mundo com sete bilhões de pessoas. A proposta era responder quantas pessoas o planeta pode sustentar.
Estreia da série de reportagens de Sônia Bridi e Paulo Zero, que percorreram 12 países para mostrar a gravidade dos efeitos do aquecimento global. Fantástico, 17/10/2010.
O cinegrafista fez as imagens da entrevista exclusiva de Sônia Bridi com Edward Snowden, ex-analista da agência norte-americana de informações, a NSA. Em total sigilo, a jornalista se encontrou com o refugiado político em Moscou. Foi a primeira entrevista que ele concedeu em dez meses, depois que deixou os Estados Unidos para evitar um julgamento por traição e espionagem. O furo de reportagem no 'Fantástico' repercutiu no mundo todo. “Para entrevistar o Snowden, alugamos os equipamentos em Moscou. Configurei as três câmeras, posicionei e afinei a iluminação em dois pontos. Um descuido, e eu poria a entrevista em perigo. A adrenalina me ajudou a focar, e tudo deu certo.”
Na entrevista que Edward Snowden concedeu a Sonia Bridi, e que foi exibida no 'Fantástico' de 01/06/2014, ele afirmou que pediu asilo ao Brasil
Em novembro de 2014, Paulo Zero e a jornalista Sônia Bridi viajaram o mundo para mostrar a evolução dos seres vivos na terra e a adaptação deles ao meio ambiente. As reportagens deram origem à série 'A Jornada da Vida'¸ que ganhou novas temporadas em 2016 e 2017.
Em sua trajetória, Paulo Zero também cobriu as Olimpíadas de Atlanta (1996) e a de Sidney (2000), a Copa do Mundo da França (1998) e da Coreia (2002), além dos Jogos de Inverno de Nagano (1998), no Japão, e de Salt Lake City (2002), nos Estados Unidos. “Filmar um evento de esporte é como se estivesse fazendo ao vivo, porque é uma vez só, não tem como errar."
Mais recentemente, Paulo Zero também acompanhou Sônia em várias viagens à Amazônia para fazer o documentário ‘Vale dos Isolados: O Assassinato de Bruno e Dom’, que estreou no Globoplay em junho de 2023.
Fontes
Depoimento concedido ao Memória Globo por Paulo Zero em 19/10/2009. |