Por Memória Globo

Renato Velasco/Memória Globo, 2011

Influenciado pelo Novo Jornalismo, vertente criada por profissionais norte-americanos com o objetivo de inserir referências literárias em suas reportagens, Joaquim Ferreira dos Santos construiu uma carreira muito particular da imprensa do Rio de Janeiro, a sua cidade. Primeiro como repórter, numa trajetória iniciada em 1971, e depois como crítico, colunista e cronista, escreveu sobre o universo de tipos brasileiros e, sobretudo, cariocas, a partir da experiência pessoal nos subúrbios da região. Passou pela redação dos principais jornais da cidade. Foi um dos criadores da revista Programa, que acompanhava as edições de sábado do Jornal do Brasil, diretor-executivo de O Dia e, durante anos, esteve à frente da coluna Gente Boa, em O Globo, onde ainda publica, semanalmente, suas famosas crônicas. É, também, autor de diversos livros, como Feliz 1958, o Ano Que Não Devia Terminar.

Nunca fui um repórter dos grandes furos, das manchetes. Sempre fui repórter da cidade, das miudezas, dos detalhes, do comportamento, do vento, do etéreo.

Joaquim Ferreira dos Santos em depoimento ao Memória Globo, 2011. — Foto: Renato Velasco/Memória Globo

Trajetória

Carioca da Vila da Penha, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro, o jornalista Joaquim Ferreira dos Santos incorporou a vivência suburbana em seu trabalho, como repórter, colunista e cronista. Nascido em 19 de agosto de 1950 e filho de Hilda Ferreira dos Santos, dona de casa, e Joaquim Tavares dos Santos, português e comerciante, Joaquim Ferreira dos Santos viu tipos característicos da cidade serem atendidos no armazém de seu pai desde a infância – e usou a observação desse universo nos textos que produziu ao longo da carreira.

O interesse pelo jornalismo, que o levou a cursar Comunicação Social na Universidade Federal Fluminense (UFF) em 1969, surgiu com a leitura dos jornais que chegavam em sua casa e dos muitos livros consumidos na adolescência. Com nove anos, ele leu Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato, e considerou a experiência um acontecimento tão extraordinário que revisitou o livro várias vezes. O mesmo faria, mais tarde, com outras paixões, como a música. “Comecei a escrever por volta dos 17 anos, muito movido pelos modernistas, pelos tropicalistas e pelas letras dos Beatles. Eu misturava aquilo tudo”, conta.

Anos de JB

Em 1983, foi contratado pelo Jornal do Brasil, para trabalhar no Caderno B. “Era o meu mundo. O Caderno B desse período não era só de cultura. Era de cidade também, de comportamento”, explica. No JB, ele criou o projeto da revista Programa e foi seu editor, cargo que passou a desempenhar, em seguida, na revista Domingo. A primeira trazia informações sobre as atrações culturais da cidade; a segunda, questões relacionadas a cidade, cultura e comportamento.

A próxima etapa de sua carreira se deu no jornal O Dia, em 1991. A publicação, na época, buscava mudar seu perfil, tradicionalmente popular, atingindo também segmentos de maior renda da classe média. Joaquim Ferreira dos Santos recusou o convite de uma revista paulistana para se mudar para São Paulo e preferiu continuar no Rio, como editor do Caderno D, com o objetivo de melhorar a qualidade do suplemento. Sua experiência e conhecimento da rica cultura dos subúrbios do Rio de Janeiro contribuíram para que fosse possível fazer a transição de linguagem sem renunciar às raízes populares do jornal. Para apoiá-lo na tarefa, trouxe profissionais já tarimbados dos principais jornais da cidade, JB e O Globo.

Com o tempo, ele acabou aceitando o convite para ser diretor-executivo de O Dia. As responsabilidades burocráticas envolvidas no cargo não lhe entusiasmaram, mas o jornalista guarda a lembrança feliz de ter começado, nessa época, a escrever crônicas para o jornal. O texto de estreia, publicado em 2000, era carregado de nostalgia: relacionava uma confeitaria famosa da cidade a seu pai e aos doces portugueses, referência de infância.

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Esporte

No período em que trabalhou no JB e em O Dia, Joaquim Ferreira dos Santos frequentou, em intervalos regulares, uma editoria diferente, por amor ao futebol: Esporte. Ele foi às Copas do Mundo do México, em 1986, dos Estados Unidos, em 1994, e da França, em 1998. Nos torneios, fez matérias de comportamento e aproveitou para acompanhar a caminhada da seleção brasileira. O jornalista voltaria a cobrir a competição em 2002, mais uma vez para ver o time campeão, como em 1994.
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Em O Globo

Em 2001, Joaquim Ferreira dos Santos voltou ao JB, como repórter especial. A experiência, no entanto, durou pouco, mas permitiu que fizesse a cobertura, in loco, da Copa do Japão e da Coreia. No ano seguinte, em 2003, ele começou a escrever crônicas em O Globo, ocupando o lugar de um amigo, o dramaturgo Mauro Rasi, que havia falecido. “Eu tinha um tapete de linóleo presenteado pelo Mauro Rasi. Fiz a primeira crônica me apresentando e mostrando esse paralelo – entre a vida dele, no interior de São Paulo, e a minha vida no subúrbio –, com esses elementos, um linóleo vermelho, uma coisa meio Almodóvar, que estaria na categoria do brega, do cafona. Pretendia, assim como ele, não dar muita bola para esses valores”, lembra.

Meses depois, O Globo decidiu fazer uma coluna social diferente, mais inclusiva e abrangente, e Joaquim Ferreira dos Santos tornou-se titular da novidade: a coluna Gente Boa. No espaço, além das tradicionais notas sobre sociedade, juntavam-se pessoas de origens muito diferentes, de embaixadores, empresários, ao músico que toca sax numa estação de metrô, por exemplo. Um das mudanças em relação a colunas semelhantes, era justamente o tratamento fotográfico, que buscava associar os personagens à cidade, valorizando o Rio de Janeiro como cenário. Outra, o uso de aspas, o que buscava dar um ritmo diferente, capaz de mostrar que houve apuração, em vez de informações recebidas prontas de releases. O jornalista ficou à frente da coluna até 2013, quando passou a publicar apenas as suas crônicas, semanalmente.

Joaquim Ferreira dos Santos no lançamento da biografia do colunista Zózimo Barrozo do Amaral, 2016. — Foto: Mônica Imbuzeiro/Agência O Globo

Literatura

Paralelamente ao trabalho diário das redações e páginas de jornal, Joaquim Ferreira dos Santos tem reconhecida produção literária. Seu primeiro livro foi Antônio Maria – Noites de Copacabana (1996), perfil do cronista que seria objeto de três outras obras, mais tarde. Depois ele escreveu, entre outros, Feliz 1958, o Ano Que Não Devia Terminar (1997); O Que as Mulheres Procuram na Bolsa (2003); Em Busca do Borogodó Perdido (2005); Leila Diniz (2008); 100 Melhores Crônicas Brasileiras (2007), como organizador; e Minhas Amigas (2012). Um de seus últimos livros foi lançado em 2016: Enquanto Houver Champanhe, Há Esperança: Uma biografia de Zózimo Barroso do Amaral. Com a biografia daquele que considera o maior colunista do país, Joaquim Ferreira dos Santos ganhou o Prêmio Jabuti.

Fontes

Depoimento concedido ao Memória Globo por Joaquim Ferreira dos Santos em 01/02/2011; "Prêmio Jabuti 2017 anuncia os vencedores", G1, 31/10/2017.
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