Por Memória Globo

Bob Paulino/Memória Globo

Quilichini entrou na Globo como office boy, em 1969. Virou auxiliar de cinegrafista quando se usava filme e moviola. Naquela época, a sede da emissora, em São Paulo, tinha 30 funcionários. Hoje, a rede inteira tem mais de 12 mil. O pai de Newton Quilichini,  Agostinho Quilichini, era ferramenteiro, e a mãe Luzia Quilichini, dona de casa que, muitas vezes, costurava para fora a fim de ajudar no orçamento familiar. Newton passou a infância e a adolescência no bairro da Vila Madalena e estudou até o colegial. Começou a trabalhar em televisão quando a Globo São Paulo se chamava TV Paulista. “Nunca tinha entrado numa televisão. Só conhecia de assistir. Comecei a gostar, me envolver e aprender.”

Em pouco tempo, tornou-se auxiliar de cinegrafista. O trabalho consistia em acompanhar, atentamente, tudo o que o repórter cinematográfico fazia na rua. A sala da cinegrafia lembrava um laboratório fotográfico, com filme e revelação: “Nas passagens, o repórter não podia errar, senão acabava o filme”. Em 1973, seria promovido a repórter cinematográfico, profissão que o levaria a registrar alguns dos grandes acontecimentos mundiais do último meio século. No Brasil ou no exterior, como correspondente internacional.

Com câmera, você não vê barreiras. Se precisar, pula muro, invade áreas proibidas

Bastidores da entrevista de Newton Quilichini ao Memória Globo, 2015. — Foto: Bob Paulino/Memória Globo

Ainda como auxiliar de cinegrafista, no início da carreira, Newton Quilichini conta que, apesar de trabalhar em São Paulo, participava da cobertura de acontecimentos em várias partes do país. Naquela época, não havia emissoras afiliadas à Globo. “Nós filmávamos em todo o estado, no sul de Minas, perto do Paraná. De mais de 600 municípios de São Paulo, eu conheço 380. Você vai e volta, vai e volta. Tinha semana que a gente ficava de segunda a quinta em Cubatão, na época daquela poluição violenta, ia para o porto fazer greve… Ficávamos indo e voltando. Quando não dava para voltar, você levava o filme à rodoviária, entregava para o motorista, e ligava avisando: ‘Ó, está chegando uma lata’. Você saía com vários rolinhos de filme.”

Do período em que trabalhou como assistente de câmera, Newton Quilichini lembra uma reportagem na fase de sequestros políticos no país. No dia 4 de setembro de 1969, o embaixador americano no Brasil, Charles Elbrick, foi capturado por grupos armados de esquerda no Rio de Janeiro. Os sequestradores trocaram o embaixador por presos políticos. O repórter-cinematográfico desconfiou que as imagens seriam confiscadas pela polícia e pediu ao auxiliar que guardasse o filme original e colocasse outro na câmera. “A equipe do delegado Sérgio Fleury determinou: ‘Desce todo mundo, passa os filmes, passa os filmes’. Entregamos o filme virgem, e o gravado ficou escondido. Você vai aprendendo a viver, a ser malandro. Aprendi muito com essas cobras criadas. Não sei onde eles aprenderam, eu sei que eu aprendi com eles.”

Promoção

Em abril de 1973, Newton Quilichini foi promovido a repórter cinematográfico e passou a fazer a cobertura de fatos policiais para o telejornal 'O Globo em Dois Minutos'. O incêndio do Edifício Joelma, em São Paulo, em 1974 foi a primeira cobertura de Quilichini na nova função. De helicóptero, ele sobrevoou o edifício em chamas. Uma cobertura carregada de dramaticidade, que exigia muita concentração e envolvia muitos riscos. O cuidado era relativo: “Com câmera, você não vê barreiras. Se precisar, pula muro, invade áreas proibidas”. Em 1975, foi criado o núcleo de reportagens especiais, integrado por um seleto grupo de repórteres e cinegrafistas, dentre os quais Toninho Marins. A iniciativa serviu como um aprendizado para os profissionais.

“Tivemos ótimos professores, como o cineasta João Batista de Andrade. Ele ajudava a gente a fazer um travelling, um zoom, uma panorâmica. Fui aprendendo a linguagem cinematográfica”.

Coberturas

Em setembro de 1976, Newton participou da cobertura da visita do então presidente Ernesto Geisel ao Japão. Na entrevista histórica que deu ao repórter Geraldo Costa Manso, o general concordou em falar, pela primeira vez, de assuntos pessoais, em uma tentativa de mostrar uma face mais humanizada do regime. Geisel foi um dos presidentes da ditadura militar que governou o Brasil por 21 anos.

Entrevista do repórter Geraldo Costa Manso com o presidente Geisel, a bordo do trem-bala a caminho de Kioto, 19/09/1976.

Entrevista do repórter Geraldo Costa Manso com o presidente Geisel, a bordo do trem-bala a caminho de Kioto, 19/09/1976.

Em abril de 1977, Quilichini testemunhou outro momento importante do jornalismo da Globo na capital paulista: a estreia do 'Bom Dia São Paulo'. O telejornal começou a fazer ampla cobertura da cidade, com notícias sobre trânsito, aeroporto, polícia, esporte, entre outros assuntos. Foi uma novidade na época.

“A televisão de manhã era só chiado. A programação começava por volta das dez e meia. O público não estava acostumado com jornalismo às sete horas da manhã. Estava ouvindo rádio a essa hora. Foi um avanço extraordinário.”

Em 1978, o repórter cinematográfico passou quatro meses na Argentina. Em Buenos Aires, acompanhou o repórter Luís Fernando Silva Pinto em uma das reportagens sobre a repressão do governo militar. Chegou a ser detido com o repórter na Praça de Maio, onde as mães de desaparecidos políticos protestavam contra a ditadura argentina. “Fizemos metade da matéria, eles não tomaram o filme, nem nada, graças a Deus. Deu matéria no JN”.

Reportagem de Luís Fernando Silva Pinto sobre as mães da Praça de Maio, que protestavam em silêncio por informações sobre seus filhos desaparecidos durante a ditadura militar na Argentina. Painel, 21/11/1977.

Reportagem de Luís Fernando Silva Pinto sobre as mães da Praça de Maio, que protestavam em silêncio por informações sobre seus filhos desaparecidos durante a ditadura militar na Argentina. Painel, 21/11/1977.

Depois de acompanhar a política, o jornalista foi escalado para a cobertura da Copa do Mundo daquele ano no país. Ele conseguiu se destacar ao gravar imagens exclusivas de um treino secreto da seleção da Polônia. “Era a estreia. Conseguimos gravar um treino secreto. Foi o grande ‘tchan’ no início da Copa.”

No ano seguinte, Newton Quilichini viajou com o repórter Sergio Mota Mello para cobrir a Revolução Sandinista, na Nicarágua. A reportagem incluiu uma entrevista com o ditador Anastásio Somoza e encontro com guerrilheiros sandinistas. Em meio a um país em guerra civil, ele acompanhou a repercussão da morte do jornalista americano Bill Stewart.

Entrevista exclusiva do repórter Sérgio Motta Mello com Anastásio Somoza durante a Revolução Sandinista na Nicarágua, 'Jornal Nacional', 08/06/1979.

Entrevista exclusiva do repórter Sérgio Motta Mello com Anastásio Somoza durante a Revolução Sandinista na Nicarágua, 'Jornal Nacional', 08/06/1979.

“Eu voltei no mesmo avião que transportou o caixão do repórter americano. Aí você fala assim: ‘O que eu estou fazendo aqui? Essa guerra não é minha. Eu estou cobrindo uma revolução, mas eu não quero morrer’. Então, tinha que ficar muito esperto, a gente dormia com barulho de bomba a noite inteira. Você fica traumatizado. Depois que eu voltei, fui fazer uma matéria e ouvi o estouro do escapamento de uma Kombi. Começou a sair lágrima do olho.”

No Brasil e no exterior

Em 1982, Newton Quilichini foi transferido para o escritório da Globo em Londres. Na capital inglesa, trabalhou com os repórteres Ricardo Pereira, Silio Boccanera e Luís Fernando Silva Pinto. A sucursal era comandada por Roberto Feith. Entre os momentos mais marcantes desse período, ele destaca a viagem à Polônia acompanhando a visita do Papa João Paulo II ao seu país natal: “Rodei a Polônia de leste a oeste, de norte a sul. Como católico, foi gratificante. Era um povo sofrido, sob uma ditadura. Foram grandes imagens dos detalhes das pessoas, das lágrimas. Você sente o coração apertar”.

Ainda como correspondente internacional, Quilichini tem lembranças que o emocionam. Uma delas é sobre o piloto Ayrton Senna. “Fiz o primeiro treino do Senna na Williams, quando ele corria na Fórmula 2. Ele desbancou e deixou todo mundo de boca aberta”. O repórter-cinematográfico reafirma o que os fãs sabiam: Senna era louco por velocidade. Até que ele passou mal em uma corrida. Foi em Joanesburgo, na África do Sul. “A prova terminou, e ele ficou dentro do carro, quase desmaiado. Acho que a corrida foi muito longa. Ele ficou meio inconsciente.”

Newton Quilichini na Guerra das Malvinas em 1982 — Foto: Memória Globo

De volta ao Brasil e longe das pistas da Fórmula 1, Newton Quilichini acompanhou o calvário do ex-presidente Tancredo Neves, em 1985, com as inúmeras internações e cirurgias que culminaram com a morte do político mineiro. Foram 39 dias saindo de casa direto para o Instituto do Coração, em São Paulo. “Aí, recebi o telefonema: ‘O homem morreu’. Fui deslocado para Brasília. E a imagem mais marcante foi o translado, todo mundo acreditando num novo presidente, num governo, e tudo tinha indo por água abaixo. Comoção.”

Em maio de 1994, o repórter cinematográfico se juntou a Glória Maria para seguir o cortejo fúnebre, em São Paulo, de um dos maiores ídolos do esporte brasileiro. Ayrton Senna, tricampeão mundial de Fórmula 1, que ele tinha visto no início da carreira, tinha batido em uma curva no circuito de Ímola, na Itália, no dia 1º de maio, e morrera aos 34 anos.

Dois anos antes, em 1992, 111 presos morreram durante uma rebelião em uma penitenciária de São Paulo. O episódio ficou conhecido como massacre do Carandiru e, por conta do tamanho da tragédia, atraiu atenção internacional. Quilichini também estava lá. “Assustador. Você só ouvia barulho, tiros daqui, tiros dali, bomba, aquelas coisas. Aí, no dia seguinte, eu fui com o Caco Barcellos fazer o local da rebelião, aquela coisa toda lavada, mas com aquela água meio rosada, um cheiro… Eu não fiz os corpos, graças a Deus, mas é muito forte. Você questiona o porquê disso.”

Reportagem de Caco Barcellos sobre a invasão da Polícia Militar ao Carandiru, 'Jornal Nacional', 05/10/1992.

Reportagem de Caco Barcellos sobre a invasão da Polícia Militar ao Carandiru, 'Jornal Nacional', 05/10/1992.

Concentração e agilidade

Casos emblemáticos da crônica policial da cidade de São Paulo estiveram sob as lentes de Newton Chilichini. O assassino em série conhecido como Maníaco do Parque (1998); os sequestros do apresentador Silvio Santos e do publicitário Washington Olivetto, ambos em 2001; o caso de Suzane Von Richthofen, que matou os pais, em 2002...

“Você tem sempre que ouvir as pessoas que estão ao seu lado, quem viu, quem não viu. Esse tipo de cobertura é difícil, o máximo que vai fazer é subir no muro para tentar mostrar alguma coisa. São esses detalhezinhos que a gente vive no dia a dia, tanto com um assassino, como com a vítima. Então, você vai gravando e vai vendo quem é quem”.

Essas coberturas causaram desgaste físico e exigiram muita concentração. “O cinegrafista tem que estar sempre ligado, você não pode colocar a câmera no chão em nenhum momento. Gasta bateria? Gasta, mas você tem que ficar ligado”.

Supervisor

Em 2007, Quilichini começou a fazer a transição para o cargo de supervisor, assumido, em definitivo, em 2010. Inicialmente auxiliava na montagem das escalas e na distribuição das equipes. A longa experiência nas ruas o ajudou nessa nova fase.

A diferença é que agora [em 2015] tenho água na hora que eu quero. Na rua não tem isso, não tem hora para nada, mas é uma coisa saborosa. A rua é um negócio adorável

Como supervisor, coordenou grandes coberturas, como a do acidente com o avião da TAM que caiu no Aeroporto de Congonhas, em 2007. “Quando recebemos a notícia do acidente, a gente não sabia ainda que o avião tinha deslizado na pista e entrado no prédio. Aí você vai atrás, vê as imagens. Mandamos um helicóptero.”

Em 2009, ano em que o 'Jornal Nacional' comemorou 40 anos, Quilichini foi homenageado. O telejornal destacou alguns de seus principais trabalhos, e o cinegrafista falou dos momentos que mais marcaram a sua carreira.

Para a cobertura da morte de Eduardo Campos, ex-governador de Pernambuco e então candidato à presidência da República pelo PSB, ocorrida em 13 de agosto de 2014, Newton Quilichini encaminhou três equipes de cinegrafistas de São Paulo. A bordo da aeronave que caiu estavam sete pessoas, das quais cinco passageiros – Eduardo Campos e quatro assessores da campanha – e dois tripulantes.

Reportagem do jornalista José Roberto Burnier sobre a morte do então candidato à presidência Eduardo Campos, veiculada no 'Jornal Nacional' em 13/08/2014

Reportagem do jornalista José Roberto Burnier sobre a morte do então candidato à presidência Eduardo Campos, veiculada no 'Jornal Nacional' em 13/08/2014

Nesses anos como supervisor, Newton Quilichini desenvolveu e aprimorou maneiras de lidar com as equipes de reportagem e destaca a importância da relação de parceria entre repórter e cinegrafista. “Tem que ter conversa, tem que discutir a matéria, porque é um trabalho em equipe. Se o trabalho em equipe sair bom, o produto final será perfeito. Se o repórter fala de abacaxi, e o cinegrafista mostra pepino, não tem matéria. Então, o diálogo é a coisa mais importante”.

Em 2015, Newton Quilichini foi um dos repórteres cinematográficos homenageados na série 50 anos, em que o JN relembrou os 50 anos de jornalismo da Globo. Foram cinco episódios que registraram, cada um, uma década de acontecimentos.

O repórter cinematográfico Newton Quilichini, da TV Globo, relembrou algumas imagens históricas que ele gravou. Dentre elas, destacam-se visitas do Papa, o incêndio do Joelma e eventos esportivos.

O repórter cinematográfico Newton Quilichini, da TV Globo, relembrou algumas imagens históricas que ele gravou. Dentre elas, destacam-se visitas do Papa, o incêndio do Joelma e eventos esportivos.

Além de Quilichini, também ganharam destaque os cinegrafistas Eduardo Riecken, Paulo Pimentel, Paulo Zero, Aloísio Araújo, José de Arimatéa, Lúcio Rodrigues, Lúcio Alves, Marco Antonio Gonçalves, Orlando Moreira, Sergio Gilz, José Carlos Mosca, Álvaro Sant’Anna, William Torgano, Luiz Cládio Azevedo, Francisco de Assis, Marco Aurélio, Luiz Quilião.

Em 2018, participou do livro "Correspondentes", lançado pelo Memória Globo em parceria com a Globo Livros. Entre suas lembranças contadas no livro estão as coberturas Mães da Praça de Maio, em Buenos Aires (1977) com Luis Fernando Silva Pinto, Guerra das Malvinas (1982–1983), com Ricardo Pereira, e a Revolução Sandinista, na Nicarágua (1978–1979), com Sergio Motta Mello, entre outras.

No ano seguinte, foi um dos colaboradores do livro 'Jornal Nacional: 50 anos de Telejornalismo', organizado pelo Memória Globo e editado pela Globo Livros.

Participei de muitas coberturas emocionantes desses quase 50 anos de carreira – sou quase contemporâneo do Jornal Nacional

Newton Quilichini despediu-se da Globo, depois de mais de 50 anos dedicados à emissora, em janeiro de 2020, quando se aposentou.

Fonte

Depoimento concedido ao Memória Globo por Newton Quilichini em 24/06/2015.
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