“Cala boca, Magda!” – as palavras tantas vezes entoadas pelo colega de cena Miguel Falabella, que interpretava Caco Antibes, no humorístico Sai de Baixo (1996), formam o bordão pelo qual Marisa Orth ficou conhecida pelo público. Foram seis anos no ar, garantindo ao público gargalhadas com suas trapalhadas. A veia cômica ficou tão marcada com a personagem Magda que é difícil imaginar que a atriz não tenha estreado no humor da Globo, e sim cantando. A música-tema da novela Que Rei Sou Eu? (1989) teve participação da banda da qual fazia parte: a Luni. Marisa tem, na verdade, um enorme repertório dramático, no teatro, no cinema e em novelas. Das esquetes de TV Pirata (1988) a uma cantora de fado em Tempo de Amar (2017), são variados as personagens que mostram seu talento. Mas não apenas isso. A atriz já apresentou programas na TV e no rádio.
Início da carreira
A paulistana Marisa Domingos Orth, filha do engenheiro Antônio Teófilo de Andrade Orth e da pedagoga Marlene Domingos Orth, nasceu em 21 de outubro de 1963. Formou-se em psicologia na PUC-SP e em artes cênicas na tradicional Escola de Artes Dramáticas da USP, mas foi a música que primeiro a tornou conhecida do público. Recém-egressa da universidade, formou um grupo que fez história na cena paulista da década de 1980. A Luni, criada em 1986, era mais que uma banda; reunia gente de diferentes áreas em uma proposta performática. Ao lado de Marisa, cantavam e tocavam músicos, escritores e até um designer. Célebre por apresentações em espaços de vanguarda como o Mambembe e o Madame Satã, a Luni fez tanto sucesso que chegou a participar da criação da música de abertura de Que Rei Sou Eu? (1989), ao lado de Eduardo Dussek. Depois da Luni, já no início dos anos 1990, Marisa Orth formou a banda Vexame, com um repertório altamente eclético que conciliava rock e música brega. No grupo, ela interpretava uma personagem: Maralu Menezes.
O contato com a música não foi um desvio na carreira de atriz de Marisa Orth. Ao contrário, contribuiu para sua formação e desenvolvimento profissional, como ela mesma ressalta: “Por estar numa banda, eu fui aprendendo a cantar, tendo coragem. Eu aprendi a cantar imitando cantoras; através do ‘ser atriz’”. Ao integrar a Luni, Marisa já era atriz. Antes de entrar na EAD, onde atuou em peças universitárias, ela participou do grupo de teatro Ventoforte, fundado pelo ator, dramaturgo e artista plástico Ilo Krugli com a proposta de criar uma nova poética para o teatro infantil. A estreia como profissional foi em 1983, na peça Una Serata Al Sugo, de Miroel Silveira.
Nesse princípio de carreira, Marisa não tinha a mais vaga ideia de seu talento para comédia. Ao contrário, buscava dramas. Conta que ficou quase ofendida quando, ainda no Ventoforte, Ilo Krugli sugeriu que ela tinha talento para humor: “E você não entende nada de teatro…” – foi a resposta que deu. Até que o dramaturgo Flávio de Souza a convidou para protagonizar um texto seu ao lado do ator Carlinhos Moreno. Uma comédia dramática, a peça Fica Comigo Essa Noite, projetou Marisa como atriz em 1988. “Acho que foi um dos maiores aplausos que já recebi na minha vida. Tive algumas estreias surpreendentes, mas, nessa, lembro que o povo nem levantou para aplaudir; pulou para aplaudir! Nunca vi uma plateia fazer isso depois”, lembra. Em 1990, a peça ganhou nova montagem dirigida por Jorge Fernando com Deborah Bloch e Luiz Fernando Guimarães, e, em 2006, mais uma, dirigida pelo cineasta Walter Lima Jr., com a própria Marisa e Murilo Benicio.
Início na Globo
O sucesso de Fica Comigo Essa Noite rendeu à Marisa seu primeiro papel na televisão. O convite para interpretar Nicinha, uma virgem recatada que, aos poucos, vai revelando um comportamento altamente erótico na novela Rainha da Sucata (1990), partiu do autor Silvio de Abreu. Foi recebida na trama por um time de peso: “Quando entrei para gravar, estavam, no mesmo quartinho do Hotel Eldorado, o senhor Eric Rzepecki maquiando, Fernanda Montenegro, Marília Pêra, Glória Menezes, Regina Duarte, Renata Sorrah, Nicete Bruno, Aracy Balabanian. Parei na porta, travada, o Eric Rzepecki olhou para mim e falou: ‘Figurante na outra sala’. Eu: ‘Não sou figurante, vou fazer a noiva do Antonio Fagundes…’ Aí todas: ‘Ah, é você…’”. O personagem, pelo qual ganhou o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), foi um marco na carreira da atriz: “Foi o Silvio que me caracterizou como atriz de comédia. Do Fica Comigo Essa Noite, ele podia me escolher para fazer tragédia ou comédia. Ele me colocou na Rede Globo como comediante, como uma mulher de humor”.
O reconhecimento de seu potencial cômico, no entanto, não estigmatizou Marisa Orth como atriz. Em 1992, ela pôde mostrar seu talento em situações bastante distintas. De um lado, integrou a última temporada do programa TV Pirata, um marco na revolução da linguagem humorística da televisão, no ar desde 1988. De outro, interpretou a tímida Valquíria de Deus nos Acuda, também de Silvio de Abreu. “Uma experiência legal interpretar uma mulher tímida. A Valquíria foi uma chance de fazer um personagem delicado, mais sutil. A televisão tende a estereotipar a gente. No meu caso, talvez porque eu tenha voz forte; sou uma pessoa grande”, analisa.
“Cala a boca, Magda!”
De 1993 a 1996, Marisa Orth fez participações em alguns quadros e programas na Globo como Comédia da Vida Privada, Você Decide e Terça Nobre, além de alguns filmes, como Não Quero Falar sobre Isso Agora (1991). Mas foi de uma participação no seriado Confissões de Adolescente, da TV Cultura, que surgiu o papel pelo qual ela se tornaria conhecida em todo o país.
Dirigido por Daniel Filho, o seriado era uma adaptação dos diários de Maria Mariana, filha do dramaturgo e diretor Domingos de Oliveira, e foi sucesso no início dos anos 1990. Marisa participou de um episódio como namorada de Paulo (Luis Gustavo), o pai viúvo da protagonista, vivida pela própria autora. “Ao terminar [a gravação do episódio], o Daniel mencionou: ‘O Tatá [Luis Gustavo] teve uma ideia bacana de seriado, a gente está pensando em vender para alguma emissora. Queremos botar a Cláudia Jimenez, que é muito engraçada, e estamos pensando em você para ser uma burguesinha’”, lembra a atriz. Em 1995, Daniel Filho, que havia trabalhado na Globo até 1991, retornou à emissora, trazendo consigo a ideia do humorístico Sai de Baixo.
Gravado no Teatro Procópio Ferreira, em São Paulo, o programa era despretensioso: tinha como único cenário a sala de um apartamento. Exibido domingo à noite na televisão, em um dos poucos horários em que a liderança de audiência não pertencia à Globo, ganhou o público desde o primeiro episódio. Marisa Orth interpretava Magda, filha de Cassandra (Aracy Balabanian) e esposa de Caco Antibes (Miguel Falabella). Magda era uma jovem atraente e intelectualmente limitada, que dizia absurdos sem se dar conta. As trapalhadas que fazia com ditos populares, como “Em briga de marido e colher, não se mete na mulher” arrancavam gargalhadas e caíram na boca do povo, além de inspirarem o bordão insistentemente reproduzido por Miguel Falabella – que também era um dos autores do programa – no papel do marido Caco Antibes: “Cala boca, Magda!”. A personagem tornou-se uma espécie de adjetivo – “essa fulana é Magda” – e foi um divisor de águas na carreira da atriz. “A Magda é muito mais feliz que eu. Eu trato como se ela fosse outra pessoa. Ela me ensinou uma coisa muito incrível: que o coração é superior à inteligência. Isso eu aprendi com a Magda”, conta.
O sucesso de Magda foi tão grande que gerou inúmeros convites, inclusive para posar nua. Marisa tem orgulho de ter posado na edição de aniversário da Playboy em 1997, fazendo questão de estrelar o pôster. Durante os seis anos em que Sai de Baixo ficou no ar, de 1996 a 2002, Marisa Orth teve até uma gravidez incorporada à trama. Seu filho, João, nasceu no final do programa.
Em 2013, o Canal Viva, do GNT, propôs uma montagem especial. “Foi muito impressionante, porque eles fizeram um remembering total, inclusive, com os mesmos produtores, fornecedores, o menino dos objetos… estava tudo no mesmo lugar, foi muito emocionante”, recorda. Com talento provado em diferentes papéis, Sai de Baixo consagrou Marisa Orth como atriz de humor. “Foi quando eu defini uma teoria prática de que humor, quanto mais de verdade você faz, mais engraçado é”, conta ela, que procura levar a sério todos os seus personagens cômicos. E foram muitos.
Veia cômica
Em Os Aspones (2004), de Fernanda Young e Alexandre Machado, viveu Anete, que dividia uma repartição pública com Moira (Drica Moraes), Caio (Pedro Paulo Rangel), Tales (Selton Mello) e Leda (Andréa Beltrão). Com Toma Lá Dá Cá (2007), reviveu um pouco da experiência de Sai de Baixo. No ar durante três temporadas, o seriado, com redação final de Miguel Falabella e Maria Carmem Barbosa, tinha como mote uma troca de casais vizinhos. A química de sucesso da dupla Miguel e Marisa foi subvertida: como Mario Jorge e Rita, eles faziam um casal que se separa e passa a se odiar.
A personagem seguinte foi a doutora Michele, de S.O.S Emergência (2010), uma ginecologista com problemas de relacionamento, que sonhava em ter filhos. Em dado momento, ela fica viciada em remédios para emagrecer e começa a ter delírios em relação à própria forma. Para ficar com 140 kg a mais, a atriz passou por uma caracterização que a deixou irreconhecível. A preparação do seriado contou com uma imersão do elenco em hospitais para acompanhar a rotina de médicos e entender a complexidade do dia a dia da profissão.
Em Macho Man (2011), outro seriado de Fernanda Young e Alexandre Machado, Marisa Orth contracenou com aquele que foi o diretor em sua estreia na televisão: Jorge Fernando. A obra tinha uma abordagem curiosa do mundo gay ao contar a história de um cabeleireiro, Zuzu, bem resolvido com sua homossexualidade, que leva uma sapatada de uma drag queen em uma boate e passa a se interessar por mulheres. Marisa é Valéria, assistente e melhor amiga de Zuzu. Ela o ampara e orienta sobre o mundo feminino, enquanto ele tenta esconder as novas inclinações sexuais, com medo de que pudesse atrapalhar seu trabalho. “Fomos chamados para vários eventos gays, eu e o Jorginho. Foi muito legal. E é muito gostoso ter um grande diretor – imagina que, quando eu entrei, ele já era diretor da novela das nove – dividindo camarim com você”, lembra. “Eu passei a me especializar em comédia na televisão. Em teatro, cinema, eu não faço sempre comédia, mas a televisão ficou assim", analisa.
Personagens dramáticas
"Acho ótimo, o ambiente na televisão é muito propício para fazer comédia”, reflete Marisa, que viveu uma personagem totalmente diferente em 2014. Silvia, uma mulher mal casada que se apaixona por um serial killer no seriado Dupla Identidade, de Gloria Perez, é mais uma prova do talento da atriz. Ao contracenar com um psicopata, ela pôde exercitar um pouco do que aprendeu na faculdade de psicologia e interpretar uma personagem densa e trágica.
Novelas
Em 2003, Marisa Orth voltou às novelas como a ex-miss Van Van, em Agora é que São Elas, de Ricardo Linhares. Mais uma vez, a atriz contracenou com Miguel Falabella, como Juca Tigre. Em Bang Bang (2005), de Mario Prata e Carlos Lombardi, viveu Úrsula Lane, cujo grande destaque era a caracterização, algo que considera fundamental para criação de personagens. A próxima novela seria apenas em 2013, quando interpretou Damaris em Sangue Bom, de Maria Adelaide Amaral e Vincent Villar. A personagem vira uma beata e inventa uma irmã, Gládis, interpretada pela própria atriz, por meio da qual dá vazão à sensualidade recalcada, inclusive a paixão pelo motorista Lucindo (Joaquim Lopes). “Ela vira Gládis do Cabuçu, que é uma devassa, da farra, da noite, usa minissaia. A Gládis do Cabuçu era totalmente pomba-gira, absolutamente baixa, e foi muito divertido. Acabava virando um caso de amor, porque a Gládis transava com o Lucindo, mas a Damáris não assumia”, lembra a atriz.
Como atriz de novelas, Marisa Orth deu um salto com o papel da feirante Francesa em Haja Coração (2016), novela de Daniel Ortiz baseada em Sassaricando (1988), de Silvio de Abreu. “Foi uma delícia essa novela, porque, de novo, foi uma oportunidade de fazer um personagem de pouquíssimo humor, bem dramático; uma experiência nova para mim. Fiz personagens muito fortes em novelas, mas, por eu ter uma característica de comédia, não estavam na trama principal. Nessa, eu era a mãe da protagonista”, conta ela, que fez laboratório em cozinha de cantina para viver a personagem. O forte sotaque paulistano, que muitas vezes deixava de lado os plurais, foi destaque da atuação.
Também em Tempo de Amar (2017) Marisa deu vez à veia dramática. A cantora de fado Celeste Hermínia foi um dos pontos altos da trama de Alcides Nogueira. Em Bom Sucesso (2019), de Rosane Svartman e Paulo Halm, a atriz volta à comédia ao fazer uma participação como uma falsa terapeuta. Em 2022, interpreta Margô Gauthier em Além da Ilusão, vedete de teatro de revista que finge ser francesa.
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